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Células-Tronco: O Direito a vida e a Dignidade da Pessoa Humana


Autoria:

Rogerio Henrique Alves Silveira


Advogado Especializado em Processo Civil, Direito Previdenciário e Direito Administrativo (Servidores Públicos).

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Resumo:

Nas instituições de saúde que realizam pesquisa e terapia com células-tronco, a definição do exato momento em que começa a vida é fundamental para garantir segurança jurídica, estabelecendo se a técnica ofende ou não o direito a vida.

Texto enviado ao JurisWay em 31/08/2012.



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Resumo: 

          Nas instituições de saúde que realizam pesquisa e terapia com células-tronco, a definição do exato momento em que começa a vida é fundamental para garantir segurança jurídica, estabelecendo se a técnica ofende ou não o direito a vida e o princípio da dignidade da pessoa humana.

 

            Como ficam os embriões in vitro não implantados? Seria adequado simplesmente descartá-los ou seria melhor utilizá-los embriões in vitro não utilizados? O blastocisto pode ser considerado pessoa? Qual o números de células que define um humano? Em que momento em  passa a existir a vida humana? O embrião in vitro têm vida ou essa só ocorre com o implante no útero? O uso desse embrião viola o direito à vida? Esses são alguns pontos polêmicos que as pesquisas e aplicações terapêuticas de células-tronco embrionárias trouxeram e que serão esclarecidas no decorrer do presente artigo.

 

1.      INTRODUÇÃO:

           

            Indubitável é o avanço tecnológico-científico, onde um dos ramos da ciência em que notamos um importante progresso é, principalmente, o da medicina e o da biotecnologia, trazendo consigo novos problemas que, por sua vez, exigem novas soluções.

 Tanto o é que, a partir da engenharia genética, atualmente há a possibilidade de clonagem (inclusive humana)[1], da criação de Organismos Geneticamente Modificados (OGM’s) e a utilização das células-tronco para fins terapêuticos. Para as pessoas sadias, há muitas descobertas que representaram fonte de exultação, enquanto para os portadores de problemas de saúde, o sucesso nas pesquisas científicas pode representar uma esperança única de cura. Contudo, a cada passo dado avante, valores são alterados ou simplismente mitigados e, quando está em jogo princípios basilares e importantes, restará sem dúvida pontos controversos a serem esclarecidos. Daí surge um imperioso questionamento: quais serão as incidências se o tratamento consistir  na cura de uma pessoa e, no entanto, implicar a morte de outrem?

            Parece não existir limites para a ciência que demonstra possuir a capacidade de romper todas as barreiras naturais e genéticas, a cada dia criando novas perícias que ultrapassem as fronteiras do tempo e instituam soluções para antigos e futuros problemas.  Com isso surge um contra-senso, de um lado a ciência e a tecnologia, criando novas técnicas, buscando o progresso e a evolução, pautados na ética, procurando saída para as dificuldades presentes, do outro a religião e a moral, protegendo o direito a vida e os direitos humanos. Ambos almejam a proteção da dignidade e da vida humana, todavia há de se verificar um paradoxo: a ânsia de proteção ao bem de vida por vezes prejudicará a obtenção de soluções, por outro lado a desenfreada busca de novos métodos irá lesar princípios básicos e fundamentais do ser humano.

            Surge uma polêmica veemente trazida à baila, a considerar o direito à vida e o princípio da dignidade da pessoa humana, que constrata as pesquisas e aplicações terapêuticas de células-tronco (especialmente embrionárias) com conceitos morais-religiosos presentes no âmago da sociedade.            Faz-se, logo, forçoso apor que “ao direito não cabe impor barreiras ou estabelecer divisas morais e religiosas instransponíveis, mas sim disciplinar fatos que, inevitavelmente, venham a surgir em decorrência da evolução humana”[2]. É isso que será abordado no presente trabalho que objetiva dar uma visão legítima e constitucional da questão, de maneira a esclarecer, com base em princípios jurídicos, a legalidade ou não da utilização das células-tronco, mais especificamente as embrionárias, em processos terapêuticos.

            Para tanto será lançado mão dos mais diversos temas e conceitos, científicos ou jurídicos, uma vez que para a constatação da constitucionalidade do dispositivo 5º da lei de biossegurança, faz-se necessário antes tomar por base outras definições científicas, que não o direito, já que ao intérprete cabe a análise da lei e não a sua fixação, papel esse do perito daquela determinada seção científica, conjuntamente ao legislador que irá normatizar o determinado objeto.

 

2.      CÉLULAS-TRONCO, O QUE SÃO?

           

            Células-tronco são células que podem se diferenciar e constituir diferentes tecidos no organismo, segundo Mayana ZATZ a define como “um tipo de célula que pode se diferenciar e constituir diferentes tecidos no organismo, possuindo, por isso, uma capacidade especial já que as demais células só podem fazer parte de um tecido específico”.

            Continua a douta professora em entrevista ao site de Dráuzio Varella[3]: “Células-tronco são células capazes de multiplicar-se e diferenciar-se nos mais variados tecidos do corpo... pode representar talvez a única esperança para o tratamento de inúmeras doenças...”.
            Diante dessa competência, os cientistas começaram a enxergar, na utilização das células-tronco, um enorme potencial para substituição ou reconstituição de partes doentes do organismo[4], observando, sobretudo, que as células-tronco embrionárias que são totipotentes - possuem a capacidade de originar os 216 tecidos que constituem o organismo humano - são extraídas daqueles embriões in vitro, mencionados no artigo 5º da lei de biossegurança.[5]

 

            2.1 – CÉLULA-TRONCO E A LEI DE BIOSSEGURANÇA:

 

            A lei n.º 11.105/05, atual Lei de Biossegurança, foi a primeira a tratar das células-tronco. Em seu art. 3.º, só para ilustrar, apresenta várias definições, tais quais a de célula-tronco embrionária, caracterizada como células de embrião que apresentam a capacidade de se transformar em células de qualquer tecido de um organismo. Define ainda organismo como toda entidade biológica capaz de reproduzir ou transferir material genético, inclusive vírus e outras classes que venham a ser conhecidas, considerando, para todos os efeitos, engenharia genética como atividade de produção e manipulação de moléculas de ADN/ARN recombinante. Logo, a definição legal de células-tronco embrionárias acompanhou a definição científica.

            É de vital importância a normatização legalística das células-tronco, especialmente porque a mencionada lei estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a biogenética, fixando limites quanto à prática da terapia ora estudada, quando, por exemplo, estipula que somente será permitida a sua utilização quando, para fins de pesquisa e terapia, forem atendidas as seguintes condições: 1 - forem os embriões inviáveis; 2 - sejam embriões congelados há mais de 3 (três) anos; 3 – houver o consentimento dos genitores[6].

           

2.3  – A VISÃO CIENTÍFICA DE CÉLULA-TRONCO:

 

            Antonio Carlos Campos De Carvalho esclarece que os organismos pluricelurares são formados por diversos tipos de células, mas todas elas são derivadas de um único tipo, as denominadas células-tronco. Neste sentido, Patricia Pranke afirma que: “a célula-tronco (CT) é definida como a célula com capacidade de gerar diferentes tipos celulares e reconstituir diversos tecidos. Além disso, a CT apresenta a propriedade de auto-renovação, ou seja, gerar uma cópia idêntica a si mesma.”[7]

            Não existe um tipo apenas de células-tronco, bem como não existe consenso quanto a sua classificação, que pode ser observado pelos mais diferentes critérios. Um deles é o do  potencial de derivação ou sua capacidade de diferenciação. De acordo com esse critério, existem três tipos de células-tronco: as totipotentes, as pluripotentes e as multipotentes. Uma célula-tronco totipotente pode tornar-se em um organismo inteiro ou até mesmo produzir tecidos extra-embrionários. As células-tronco pluripotentes não podem tornar-se em um organismo inteiro, contudo elas tem a capacidade de se diferenciar em células derivadas de qualquer das três camadas germinais. Já as células-tronco multipotentes são aquelas que somente podem tornar-se alguns tipos de células: por exemplo, células sangüíneas ou células ósseas.[8]

            No entanto, a classificação mais conhecida das células-tronco é quanto sua fonte. De acordo com esta definição podem as células-tronco ser classificadas em células-tronco adultas (CTA) ou células-tornco embrionárias (CTE). Células-tronco adultas são células não-diferenciadas  encontradas entre células diferenciadas de um tecido específico e são em sua maioria células multipotentes. Células-tronco embrionárias são células obtidas do núcleo da massa das células do blastocisto. Nesta classificação têm-se como células-tronco embrionárias são aquelas retiradas, mecanicamente, do embrião em sua fase de blastocisto (entre cinco a seis dias após a fecundação) e as células-tronco adultas são todas aquelas encontradas após a formação dos tecidos e órgãos do corpo e são[9].

            No entendimento da farmacêutica Patricia Pranke, as CTA’s células são mais velhas e, portanto, têm uma vida mais curta, enquanto acredita-se que  o melhor tipo de célula-tronco a ser utilizado com finalidade terapêutica seria a célula-tronco embrionária pois seria a fonte mais adequada para produção de células novas, destarte sua utilização encontrar diversos óbices, ante a sua natureza ética.

 

3.      A BIOÉTICA E O BIODIREITO:

           

            3.1 -  A BIOÉTICA:

 

            As pesquisas e a utilização de células-tronco, especialmente as embrionárias, são feitas com embriões na fase do blastocisto, “uma esfera com aproximadamente cem células”, segundo Antonio Carlos Campos De Carvalho. Acontece que o embrião  invitro é sacrificado com a retirada de suas células-tronco, advindo daí o ponto central do debate, se ofenderia o direito à vida.

A questão abordada, das células-tronco, irá então se desdobrar nesses quesitos e encontrará direcionamento no biodireito e na bioética, a que permanece intimamente atrelada.

Para uma melhor delimitação do tema pode-se valer do conceito de bioética que, nos dizeres de Jussara Maria Leal de Meirelles, em sua obra[10], bioética deriva das palavras gregas bios (vida) e ethike (ética), com sentido de conhecimento biológico provido de valores humanos. Para a autora bioética é o estudo sistemático da conduta humana no âmbito das ciências da vida e da saúde, enquanto essa conduta é examinada à luz de valores e princípios morais.

            Bioética está vinculada à ética que, “em sentido estrito é a ciência do dever e da moral” [11], assim como aos princípios da beneficência, autonomia e justiça. O primeiro, nos dizeres da ilustre professora[12], seria o fim primário da medicina, que é promover o bem, tanto em relação ao indivíduo em si mesmo, como à sociedade, evitando a ocorrência de danos, por assim dizer, o mal. Segundo Frankena (1963), "o Princípio da Beneficência não nos diz como distribuir o bem e o mal. Só nos manda promover o primeiro e evitar o segundo. Quando se manifestam exigências conflitantes, o mais que ele pode fazer é aconselhar-nos a conseguir a maior porção possível de bem em relação ao mal...".[13]

            O segundo princípio refere-se ao respeito que se impõe à autodeterminação humana, fundamentando a aliança entre médico e paciente e o consentimento aos diversos tipos de tratamentos colocados ao seu serviço, como respeito à vontade e valores do paciente, desde que não conflitem com de outrem. O último pauta-se na justa distribuição dos benefícios dos serviços de saúde, bem como no princípio da responsabilidade, considerados os princípios da igualdade no tratamento e da razoabilidade.

 

 

3.2 – O BIODIREITO:

 

Uma vez traçados os objetivos e limites da biotecnologia pela bioética, incumbe agora ao biodireito definir e “normatizar os efeitos da revolução biotecnológica sobre a sociedade em geral” [14], de maneira a adequá-las aos princípios e valores relativos à vida e à dignidade da pessoa humana, por meio de normas jurídicas, uma vez que a moral e a ética carecem de força coercitiva. É, portanto, no ramo da bioética e do biodireito que irá se encontrar respostas sobre a ofensa ou não a princípios inerentes a biotecnologia, em que se encontra as células-tronco, restando ao final resolver se a sua manipulação seria, ou não, violação aos princípios fundamentais consagrados nos dispositivos constitucionais.

O que se quer dizer é que para chegar a uma conclusão sobre o uso das células-tronco, hoje questionada por meio da Adin 3510, é preciso averiguar o que representa vida para o ser humano e qual é o valor da saúde para ele, afinal: “o direito existe para o homem e o homem é valor”[15] e, sobretudo, “é inconcebível que um ser humano seja sem valer”[16].

No caso da argüição de inconstitucionalidade do Art 5º da Lei 11.105, cabe analisar os valores e princípios morais envolvidos no assunto, uma vez que está ventilada a hipótese de ofensa ao direito fundamental da vida e o princípio da dignidade da pessoa humana (Art 5º, caput e Art 1º, III da CRFB, respectivamente), questionada naquela ação promovida pelo procurador-geral. O principal ponto de controvérsia, quanto à utilização das células-tronco, tanto no direito brasileiro, quanto no âmbito internacional, reside no fato do início da vida da pessoa humana. Quando começa a vida? O embrião congelado tem status de pessoa? Ademais, quais seriam as conseqüências da positivação (ou a liberação) da utilização dessa espécie na vida prática? Como seria as relações jurídicas entre o cientista, explorador da atividade biogenética e o paciente, beneficiário? Para quais fins seria utilizada tal tecnologia, para o aumento da qualidade de vida do indivíduo e da sociedade ou seria apenas mais um meio de comercialização da ciência médica, como foi o caso dos “bebês de proveta”, da fecundação “in vitro”, em que houve até anúncios comerciais sobre “embriões modelos e gênios”?

Temendo este destino o próprio legislador se encarregou de recriminar tal prática, vedando em seu artigo 5º, parágrafo 3º, a comercialização das células-tronco, inclusive tipificando tal conduta como crime do artigo 15 da lei 9434/97.[17]

Ante esses e outros questionamentos surge, outrossim, um imenso temor quanto às finalidades da técnica, alimentando mais e mais a polêmica sobre a matéria, que esbarra em entraves éticos, morais e religiosos, sobretudo, pelo receio da reificação do ser humano; ou seja, em tratá-lo como se fosse uma coisa (res, rei = coisa).  Por isso, o direito, nas mais variadas legislações biojurídicas, socorre-se à bioética e ao biodireito, que sofrem certa influência do pensamento kantiano e do princípio da congruência dos meios e fins, para normatizar e socializar as situações fáticas e aplicar, de modo legítimo,  a biotecnologia ao bem comum.

 

3.3 – PONDERAÇÃO ÉTICA E LEGAL – PRINCÍPIOS HUMANOS:

 

É de suma importância observar que para uma solução mais justa e precisa, faz-se mister apropriar-se de princípios filosóficos e antropológicos. É assim que a ciência biojurídica tem se pautado nas morais e máximas kantianas, para não perder de vista o princípio fundamental e universal da dignidade humana, valorizando assim a sua pessoa. Porquanto, salienta o distinto filósofo, Emmanuel Kant, que “o homem é um fim em si mesmo, jamais um meio” e no dizer do mestre em filosofia, Severo Hryniewicz, “a pessoa nunca pode ser tratada como coisa ou objeto, a reificação do homem é uma das piores agressões contra sua natureza” [18].

Foi sob esse enfoque, o da finalidade social entre biotecnologia e o ser humano, e buscando a transparência dos princípios da beneficência, autonomia e justiça, que Elio Sgreccia[19], inspirado na teoria personalista, delineou novos princípios de bioética, quais sejam: (a) princípio de defesa da vida; (b) princípio de liberdade e de responsabilidade; (c) princípio de totalidade ou terapêutico; (d) princípio da socialidade e da subsidiariedade; (e) princípio do benefício; (g) princípio da autonomia; (f) princípio da justiça. Todos eles tidos como valores fundamentais à pessoa.

Abordando superficialmente cada um, destaca-se que o princípio da defesa da vida é matricial, pois é o logradouro que garante a existência de outros princípios, já que sem segurança à vida o indivíduo não teria, por exemplo, “qualidade de vida ou direito à saúde” [20]. O princípio da liberdade, por sua vez, deve estar ligado ao princípio da responsabilidade, já que, pelo caráter de direito fundamental, são interdependentes e não há liberdade sem respeito ao direito subjetivo dos concidadãos. O princípio da totalidade ou terapêutico vincula-se ao corpo humano, à ética médica e “objetiva regular a obrigatoriedade da terapia médica e cirúrgica”[21], aplicando-se também à dimensão psicologia. O princípio da socialidade trata a vida humana como bem comum, fazendo da pessoa um participante ativo na preservação da espécie, responsável a proporcionar o bem ao semelhante, garantindo o tratamento necessário, “mesmo que importe no sacrifício de alguns”[22] (princípio da subsidiariedade), este último que dará margem à pesquisa com células-tronco.

            Em suma, "o biodireito é um subsistema jurídico em desenvolvimento acelerado, voltado para o estudo da reprodução assistida, a clonagem terapêutica e reprodutiva, a mudança de sexo e as pesquisas com células-tronco”.[23]  A Bioética, por sua vez, demarca as possibilidades e limites dos progressos científicos nesses domínios.

 

4.      O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA:

 

            No cerne da discussão sobre a utilização de células-tronco para fins terapêuticos está a ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana, considerado uma garantia fundamental, por ser inerente ao direito a vida. Aliás, é supremo, o valor dos valores e não há de se considerar o direito à vida sem o mínimo necessário a defesa e a manutenção da dignidade da pessoa.

            É necessário, então, não considerar o ser humano como uma coisa ou um meio utilizado para alcançar um fim. É o que demonstra o pensamento kantiano ao afirmar que o ser humano é um fim em si mesmo, pois tem o potencial da autodeterminação, ele cria as suas próprias leis, que saem de seu interior, de sua razão, e são por ele mesmo auto-impostas. Assim, para se tratar de pessoa é necessário que “o homem retire as leis de dentro de si mesmo”, [24] pois se as leis morais fossem impostas do meio externo estaria-se falando, não de pessoa, sujeito da dignidade, mas de um indivíduo.

            Não menos importante é a proposição do filósofo Max Scheler que aduz que pessoa não é o mero conjunto corpóreo, físico e psíquico do ser humano pois “a mente e o corpo são constituintes da pessoa, mas não são pessoa”[25]. Deste modo, a pessoa é determinada pela manifestação dos atos livres que possa praticar, pois essa é a sua essência: “ela é o valor supremo, porque dotado de racionalidade, que lhe permite a espiritualidade, o exercício da liberdade, autodeterminando-se por meio dela”[26].

            Averigua-se, portanto, a preocupação da sociedade no que tange ao ponto confrontado no STF, sobre a constitucionalidade do emprego da técnica em células-tronco, principalmente embrionária. Primeiro por afrontar ao princípio da dignidade da pessoa humana e o direito a vida, depois, pela insegurança quanto ao uso indevido e o desvio de finalidade da prática. Há uma inquietação, porquanto existe o receio de o ser humano ser a partir de então comercializado, tornando-se, a seguir, um meio de se atingir a um fim diverso do pretendido pela medicina, qual seja, o lucro.

            Deve-se respeitar o ser humano em sua alteridade que é o livre exercício de sua consciência, observando, contudo, a diversidade de cada um. Assim, todos devem ter a sua dignidade conhecida, atribuídos de valores e princípios sociais e humanos para fazer jus a máxima kantiana: “age de tal maneira que trates a humanidade , tanto na sua própria pessoa, como na do outro,  sempre como um fim, jamais como um meio[27]. Tudo porque o ser humano não deve ser tratado como coisa, “não pode ser avaliado  segundo princípios de ordem material ou econômica”[28], nos dizeres do filósofo Immanuel Kant: o que tem preço pode ser também reposto por alguma coisa, a título de equivalência; ao contrário, o que é superior a qualquer preço, o  que, por conseguinte, ao admite equivalente, é aquele que tem uma dignidade[29], ou seja, a pessoa, que não possui preço, antes valor humano, por isso é dotada de dignidade.

            Destarte, qualquer ser humano é dotado de dignidade, porquanto é um valor inerente a pessoa, logo o objetivo humano nunca pode ser tratado segundo categorias de ordem econômica[30]. Deste modo não pode haver diferenciação de experimentos em seres humanos pela classe, etnia, miserabilidade, etc, pois o que é condenável a um ser humano dotado, por exemplo, de classe econômica superior, também o será para aquele economicamente hipossuficiente e vice-versa.

            Para demarcar mais precisamente tal princípio pode-se levar em conta o sentido antagônico de dignidade, qual seja indignidade, que seria, segundo a magna carta, o tratamento desumano, cruel ou degradante, considerada vastamente pela lei de tortura[31].  Estabelece assim um parâmetro de avaliação e nada é mais cruel do que deixar de aplicar uma técnica terapêutica a fim de preservar conceitos arcaicos de dignidade. Logo, “a negligência consistente em deixar de utilizar células tronco para tratamento de patologias, principalmente aquelas que causam dor, é sem duvida tortura e tratamento desumano...”.[32]

            O uso de alguma forma de pensamento religioso no caso, por exemplo, e a adoção deste parâmetro pessoal-religioso que venha ocasionar dor e o sofrimento desnecessários a outrem, configuram uma modalidade de tortura em razão de discriminação religiosa. Assim, não pode o legislador deixar de tipificar o fato e tampouco o cientista eximir-se da utilização da técnica em questão sob pretexto religioso, já que isso configuraria a odiosa “discriminação religiosa” também vedada por lei e por convenção internacional ratificada pelo Brasil.

            No mais, haveria, sim, ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana se, por questões de ordem moral e religiosa, deixasse de utilizar a técnica terapêutica com células-tronco, que visa o direito à saúde, à qualidade de vida e, como não poderia deixar de ser, o próprio direito à vida. Isto porque tal tecnologia não se limita à promessas, antes mostram resultados práticos de cura.

            Ademais para que haja ofensa ao referido princípio deve-se existir vida humana, em outras palavras, deve existir pessoa que é aquele que pode ser sujeito de direito, a quem se pode atribuir direitos e obrigações. Deste modo é legítima e constitucional a utilização do embrião in vitro em técnicas terapêuticas com células-tronco, visto que tal organismo não possui vida propriamente dita, apenas mera formação celular.[33]

 

5.      QUANDO A VIDA COMEÇA:

           

            5.1 – PROTEÇÃO LEGAL INTERNACIONAL À VIDA:    

 

            A Convenção Americana sobre Direitos do Homem (Pacto de São José da Costa Rica), promulgada no Brasil pelo Decreto n° 678/92, dispõe que "Para los efectos de esta Convención, persona es todo ser humano"[34], ou seja, Para efeitos da presente Convenção, toda pessoa é ser humano. Estabelece ainda que "Toda persona tiene derecho a que se respete su vida. Este derecho estará protegido por la ley y, en general, a partir del momento de la concepción. Nadie puede ser privado de la vida arbitrariamente "[35], que denota a preocupação dos países signatários em proteger a vida humana, dispondo assim que toda pessoa humana tem direito à vida, inclusive com proteção legal, desde a concepção[36], não podendo qualquer um privá-lo de sua vida arbitrariamente. Em outras palavras, sem contudo alterar o sentido ou a sua amplitude, à expressão ser humano e à palavra pessoa induz a proteção da vida desde a concepção.

            Tendo em vista o Pacto de São José da Costa Rica em seu Art. 4.º, 1, a vida deve ser protegida desde a concepção e, deste modo, a vida começaria em tal momento.

           

                        5.2 – DEFINIÇÃO CIENTÍFICA DO INÍCIO DA VIDA:      

 

            Cientificamente, conforme o juízo de Joaquim Toledo Lorentz, a medicina brasileira o adota o entendimento de que o início da vida humana se dá com a nidação, argumentando-se que o embrião fecundado em laboratório morre se não for implantado no útero da mulher. “A nidação é a fixação do blastocisto na membrana interna do útero”[37]. “Após este fenômeno começam a formar-se as estruturas embrionárias (Placenta, Cordão Umbilical, Saco Amniótico que vai conter o líquido amniótico que serve de protecção ao novo ser)”[38].

            Para Patrícia Pranke, “o pré embrião, até o décimo quarto dia, não apresenta as células do sistema nervoso central, o que poderia ser comparado com o parâmetro utilizado para determinar a morte encefálica”.[39]

            Versando ainda sobre as células-tronco, a professora Mayana Zatz diz que: “...Indicam as pesquisas ainda em andamento que até 14 dias depois da fecundação, as células embrionárias seriam capazes de diferenciar-se em quase todos os tecidos humanos. Depois disso, começam a dar origem a determinados tecidos.” [40], levando a conclusão de que somente após esse prazo é que o embrião jaz formado, podendo daí em diante ser considerado seu direito à vida, já que, no entendimento da renomada doutora, somente a partir do 14º dia há o início da formação da célula nervosa.

            Induz-se então que o embrião humano fertilizado in vitro  não apresenta resquício de sistema nervoso nos primeiros 14 dias, ocasião em que se faz o congelamento. Assim, adotando o critério de que a morte ocorre quando cessa a atividade cerebral, conclui-se que o blastocisto nesse estágio não porta vida em seu sentido próprio.

           

            5.3 – TEORIAS JURÍDICAS SOBRE A VIDA:

           

            Há de se levar em conta então as mais diversas teorias sobre o início da vida, tomando por base os seus fundamentos. Para teoria natalista o nascituro, como o ser gerado no útero, é assim denominado a partir da concepção, que só ocorre com a nidação, ou seja, a fixação do ovo no útero. Para esta corrente o nascituro, que é o emrbião implantado no útero, teria mera expectativa de direitos.Contudo ultrapassada é tal corrente, uma vez que na atualidade, diante da moderna orientação jurídica, visto a evolução da engenharia genética, jaz um posicionamento que em nada acompanha a nova realidade. A teoria da personalidade sustenta a conquista de direitos e obrigações do nascituro a partir de sua concepção, no entanto com a condição inoponível do nascimento com vida. Tal teoria considera existir humanidade na vida embrionária, sendo necessária sua proteção, devido ao caráter de existência de uma pessoa em potencial[41].

A teoria concepcionalista afirma que a nidação não acrescentaria nada à vida em formação, visto que o objetivo é apenas fornecer um ambiente favorável ao desenvolvimento da pessoa humana, que adquiriria personalidade jurídica a partir da concepção ou fecundação, quando jaz considerado pessoa possuidora de direitos, inclusive e primordialmente à vida. Para a referida doutrina o pré-embrião, desde o momento de sua concepção, independente se por métodos naturais ou em laboratórios, é indubitavelmente pessoa em potencial portadora de atributos inerentes à pessoa humana, conseqüentemente, personalidade jurídica em potencial, tendo como adeptos, os renomados Francisco Amaral e Jussara Maria Leal de Meirelles.

            É de grande importância observar que a concepção se dá apenas quando da junção dos gametas masculino e feminino, quando irá então começar a formação do embrião que, posteriormente, dará origem a um novo ser, podendo a fecundação advir de relação sexual ou de inseminação (in vitro).

           

6.      O DIREITO À VIDA

           

            Juridicamente, vida é um conceito convencional, ora determinado em ordenamentos, ora, sem expressa definição legal. É o caso, por exemplo, do art. 2o do Código Civil que faz alusão à concepção, ressalvando o direito do nascituro que é aquele embrião que venha a lograr nascimento com vida ou que possa vir a ser uma pessoa e que, conseqüentemente, deve ser necessariamente implantado em útero ou ali estar naturalmente presente.

            O texto constitucional consagra o direito à vida como um direito fundamental, assim como estabelece ser a dignidade humana um princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, sendo entendido nas lições de Konrad Hesse, para quem a interpretação do significado dos preceitos constitucionais deve ser ampliativo e otimizador dos direitos fundamentais, conforme a definição kantiana, onde o ser humano possui direitos inalienáveis e irrenunciáveis pelo simples fato de ser humano, uma vez que o ser humano é um fim em sí mesmo, nunca devendo ser tratado como coisa. [42]

            Em complemento, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, promulgado no Brasil pelo Decreto n° 592/92 (portanto: lei no Brasil), dispõe, no art. 6: "Every human being has the inherent right to life. This right shall be protected by law. No one shall be arbitrarily deprived of his life[43]". Na linguagem jurídica, diz-se que o nascituro, vital desde a concepção até ao nascimento, deve ter seu direito resguardado por lei, visto que a vida é um direito inerente à condição de humano, conforme estabelece o código civil brasileiro, em consonância com aquele tratado, que "a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro"[44].

            Ponderando a origem da vida sob uma visão objetiva, o que diferenciaria o espermatozóide não inseminado do óvulo fecundado? Oras, o óvulo fecundado é inviolável, porque este e o espermatozóide juntos também não são? Seria tão somente o fato de o zigoto poder se tornar um ser humano? Se podem impedir a concepção, porque não poderiam ceder o material manipulado para a exploração e aplicação terapêutica?

            Tais questões admitem respostas constituidas na moral e no pensamento religioso, de jeito que podem ser alteradas no transcurso da história. Na prática, o conceito de vida será consagrado pelo consenso e ajustado por convenção, que se estabelece em certo local em um determinado momento, modificando-se no espaço do tempo decorrido, de acordo com as teorias e necessidades predominantes. A alegação de que o art. 5º da Lei 11.105/05 está a afrontar o princípio constitucional do direito à vida deve ser vista com certa seriedade, já que antes de chegar a qualquer conclusão sobre tal arguição, deve-se observar os mais variados conceitos e princípios jurídicos, inclusive cabendo a análise do caso concreto, uma vez que os valores em voga são delicadíssimos e de suma importância e qualquer ponderação equivocada causaria danos irreveríveis, ou por haver agressão à vida ou  então por deixar de produzir qualidade de vida e obter tratamento para infindáveis tipos de doenças.

            Prontamente, uma célula-tronco embrionária só poderá se tornar um feto por meio da intervenção humana, já que ela tem de ser inserida no útero para tanto[45], e, antes de mais celeumas, é preciso lembrar que os embriões utilizados estão todos em tubos de ensaio, nas clínicas de fertilização assistida, e serão descartados em algum momento. Conseguinte, estarão sendo utilizadas células embrionárias que seriam inutilizadas, ou pelo descarte ou pelo abandono[46], o que, em tese, também seria uma ofensa ao princípio da vida se ocorrese tal hipótese, considerando o embrião in vitro como ser dotado de vida.

            A única forma de legitimar uma ofensa ao direito à vida seria confrontando o direito a vida com o próprio direito à vida, como estabeleceu o legislador ordinário no caso da legítima defesa, razão pela qual a ponderação do direito à vida deve respeitar suas peculiaridades, valendo-se da técnica jurídica da aplicação do princípio da ponderação quando da colisão entre princípios, uma vez que essa questão conflitual. Há que se considerar, que na prática, em decorrência da flexibilidade dos princípios essa questão dá uma margem maior de realização da justiça, exatamente pela potencialização da moderna hermenêutica, notadamente quando a consideramos no aspecto constitucional. Como não existem regras para a solução destes conflitos ou colisões, sua solução, ou para outros,  a aplicação dos princípios, dar-se-á pela ponderação.

            É por isso que ainda que potencialmente possa vir a se constituir em vida, não parece legítima a impossibilidade do uso de células-tronco de embriões com remotíssimas chances de sobrevivência, se colocada a serviço do tratamento de doenças degenerativas, em outras palavras o uso de embriões in vitro não ensejaria ofensa ao direito à vida se levar em conta outros princípios norteadores aplicados ao caso como por exemplo o da saúde, da qualidade de vida, da benificiência, entre outros. Apesar das divergências, a ilustre mestre Maria Jussara Leal de Meirelles acrescenta que “a ciência não pode determinar exatamente uma passagem da animalidade à humanidade; um limite que, uma vez transposto, determine a natureza humana à nova, única e autônoma realidade biológica que amadurece lentamente”[47], o que fortalece o argumento de que a utilização da técnica, ora objeto de conflitos, não ofenderia ao princípio da dignidade da pessoa humana, tampouco ao direito à vida, já que existem diversos princípios aplicáveis à questão.

            O conceito legal de vida nasce então da interpretação sistêmica da Constituição, num somatório do princípio da dignidade com o conceito de vida puramente biológica. Se a vida é humana, transcorre logo que a vida é digna, pois o diferencial entre os seres humanos e os animais é justamente que aqueles são norteados por valores e não apenas por instintos. Assim, o valor primordial é o da dignidade, que permeia o próprio conceito de vida sob a ótica humana e não simplesmente fisiológica.

            Para finalizar, interessante será observar a tutela jurídica sobre a vida, porém de modo amplo e flexível, conforme aduz o ilustre mestre Reginaldo Minaré que, nas suas sábias palavras, conclui:,” julgar que para garantir a inviolabilidade do princípio do direito à vida seria necessária uma proteção absoluta e inflexível, inclusive para embriões congelados e inviáveis para a reprodução humana, sem dúvidas seria uma argumentação falaciosa”.[48]

 

7.      O DIREITO A SAÚDE, À QUALIDADE DE VIDA  E AO MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO:

 

            É sabido que a Consituição da República Federativa do Brasil têm como princípio fundamental expresso a dignidade da pessoa humana, conforme se extrai do artigo 1º, III da lei magna, seguindo o modelo da declaração universal dos direitos do homem. Também estabelece a Carta de 1988 em seu artigo 3º, IV, o princípio da promoção do bem comum, sem discriminação de qualquer espécie, bem como prevê no artigo 5º o direito à vida, elevando-o a categoria de fundamental, seguindo a tendência mundial da humanização e do reconhecimento da pessoa como ser dotado de dignidade, qualidade a ela inerente, não podendo ser reificada, segundo princípios de bioética e biodireito.

            Outra regra jurídica de nossa Carta Federal pertinente à utilizacão de células-tronco é a vedação constitucional ( art. 5º,III) de tratamento desumano e degradante, ligada ao princípio da dignidade da pessoa humana. Assim também a própria lex mater dipõe o direito a saúde como fundamental, qualificando-o como direito social em seu artigo 6º, caput, que têm como inspiração o valor da igualdade entre as pessoas. É pressuposto para a qualidade de vida e dignidade humana de qualquer pessoa. Sem saúde não há que se falar em direito a vida, sequer em diginidade humana, uma vez que estará o ser humano incapacitado de usufruir de sua vida, tal qual deseja. Deste modo, visando a proteção àqueles princípios com maior vocação, dispõe a Lei Maior “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação”[49].  Este é um direito fundamental do cidadão no qual o Estado tÊm a obrigação de garantir de maneira imediata e plena.

A saúde constitui-se de em um fator de extraordinária relevância para a sociedade, uma vez que diz respeito à qualidade de vida, escopo de todo cidadão, no exercício de seus direitos, visto que sem ela não há condições de uma vida digna. “Isto posto, na esfera jurídica, o direito à saúde se consubstancia como forma indispensável no âmbito dos direitos fundamentais sociais”.[50]

            Consoante o artigo Art. 225 da Constituição da Républica Federativa do Brasil, todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Tal dispositivo regula a harmonia que deve existir entre o homem e seu habitat natural, aí incluído como condição a saúde e a qualidade de vida, por conseguinte, a dignidade humana. Outrossim, para confirmar a constitucionalidade da lei de biossegurança, é o disposto no artigo 1º da própria lei que estabelece a sua finalidade como regulamentar a segurança e a fiscalização das técnicas de biotecnologia “tendo como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente”[51].

            Muito embora nesse artigo exista somente uma menção de sua aplicabilidade para a proteção do meio ambiente, ele deve ser também aplicado aos seres humanos, considerados para todos os efeitos sujeitos integrantes do meio ambiente. Têm-se então que o uso de células-tronco trata-se de um procedimento cujo objetivo é a melhoria da qualidade de vida, visto o fim colimado pela lei, quando dispõe que as técnicas previstas naquele diploma legal visam atender aos princípios de bioética, primordialmente o  princípio da beneficência[52], buscando o bem comum, sobretudo protejendo a vida e a saúde humana, atendendo ao princípio da  precaução que estabelece que “na ausência de certeza quanto aos efeitos nocivos de determinada atividade, decida-se por não praticá-la ou que se tome medidas de prevenção, conforme a aceitabilidade ou não dos riscos”[53].

            Não obstante, com o objetivo de regular tais situações,  em 1992, na Conferência do Rio de Janeiro estabeleceu-se o princípio da precaução, que é a garantia contra os riscos potenciais que, de acordo com o estado atual do conhecimento de um determinado momento, não podem ser ainda identificados. Em outros termos, “Quando uma atividade representa ameaças de danos ao meio-ambiente ou à saúde humana, medidas de precaução devem ser tomadas, mesmo se algumas relações de causa e efeito não forem plenamente estabelecidas cientificamente”[54]. Tal princípio, expresso no artigo 1º, caput da lei 11.105/05, estatui que ante a ausência da certeza científica formal, a existência de um risco de um dano sério ou irreversível requer a implementação de medidas que possam prever este dano. Imediatamente, não há que se falar em inquietação quanto às finalidades da técnica, menos ainda sobre a sua aplicação em pesquisas médicas, uma vez que a própria lei reguladora estabelece fronteiras e princípios de bioética e biodireito inerentes à sua utilização.

            Oras,  é de amplo conhecimento quais são os efeitos do emprego da técnica envolvendo células-tronco, quais são os benefícios que trariam e quais seriam os possíveis riscos da sua manipulação. Todavia o tema esbarra em conceitos morais e religiosos, acrescente-se arcaicos, que impedem o avanço científico e terapêutico por adotar definições obsoletas de vida e diginidade humana, causado pelo embate entre o certo aparente e o certo aparente, segundo as palavras ditas pelos ministro do STF, Carlos Ayres Britto.

 

8.      CONSIDERAÇÕES FINAIS

           

            Para a fixação de um parâmetro, a saber se a utilização de células-tronco seria uma ofensa aos princípios da dignidade da pessoa humana e da vida, deve-se abordar não propriamente o aspecto científico do que é a vida, mas sim seu aspecto jurídico, sabendo o porquê do Estado preservar a vida e qual seria essa vida preservada.

            Ofensa ao preceito da dignidade da pessoa humana e ao direito à vida decorreria, justamente, do descarte e da não utilização em prol de pacientes que deles necessitam. Nesse contexto, tudo quanto disposto na Carta Magna acerca da questão serve, de fato, à promoção da pesquisa e da terapia previstas no dispositivo 5º da lei de biossegurança, que traz consigo uma potencialidade de cura para inumeradas complicações à saúde humana.

            Por conseguinte, a manipulação de células-tronco embrionárias também não se afronta com as leis maiores. Não há desrespeito algum aos tratados internacionais sobre direitos fundamentais do homem ou à Constituição Federal Brasileira, ainda por que há a previsão do direito à saúde, da qualidade de vida e ao próprio princípio da dignidade da pessoa humana no próprio texto constitucional que os qualifica como direitos fundamentais. Não bastasse, há ainda a regularização legal infraconstitucional disposta na lei de biossegurança que veda, por exemplo, a comercialização do referido material genético, estipulando também limites quanto a utilização de embriões in vitro, o que demonstra a seriedade com que é tratado o tópico. Ao contrário da violação afirmada o manejo da técnica impugnada é completamente constitucional, não só pela possível cura de enfermidades mas, também, por harmonia com os preceitos fundamentais magnos supra citados. E o que é o direito senão uma ponderação de princípios, valores e normas ?

            Logo, por fidelidade aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, ademais, por consonância às técnicas de hermenêutica, não há que se cogitar ofensa daquela lei infraconstitucional ao direito à vida, alhures ao princípio da dignidade da pessoa humana, mesmo por que a utilização terapêutica dessa técnica genética revela-se a favor, e não contra, o direito à vida e à dignidade humana, porquanto busca encontrar soluções para a morte e o acréscimo da qualidade de vida e de saúde à pessoa, estando portanto em consenso com a humanização de Kant, ou seja, o homem, no presente caso, não está a ser tratado como coisa ou meio, antes é visto como um fim em sí mesmo, pois a ciência a que explora e pela qual é explorado, busca servir a ele próprio.

            Ante aos argumentos arrazoados fica nítido que interpretar como inconstitucional o dispositivo 5º da lei 11.105/05, ante ao caput do artigo 5° da CF, tendo para este uma proteção incondicional, absoluta e inflexível do direito à vida, deixando de enxergar outros princípios norteadores como o princípio da dignidade humana, o direito à vida e à saúde, não seria uma boa técnica de interpretaçãohermenêutica, visto que não trata do assunto com observância à razoabilidade e a proporcionalidade, mesmo por que se existe tecnologia capaz de solucioanr enfermidades, seria indigno deixar e aplicá-la por simples razões morais e religiosas desprovidas de embasamento científico.

 



[1] Sobre clonagem humana há proibição expressa no Art 6º da Lei 11.105.

[2] SARTORI , Ivan Ricardo Garisio. Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Célula-tronco – o direito. Breves Considerações. Artigo publicado no site www.jusnavigandi.com.br

[3] Disponível no site: www.drauziovarella.com.br/entrevistas/celulastonco.asp

[4] CARVALHO, Antonio Carlos Campos de. Células-tronco: A medicina do futuro.

[5] SCHEIDWEILER, Cláudia Maria Lima.  Dissertação apresentada ao Departamento de Direito da PUC-PR. Curitiba, 2006.                            

[6] Artigo 5º da lei de biossegurança.

[7] Texto disponível em: http://www.ufrgs.br/celulastronco.

[8] WIKIPEDIA, 2007.

[9] FERREIRA , Alice Teixeira. Médica. professora associada de biofísica da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (UNIFESPE/EPM). STF, Audiência Pública em 20/04/2007.

[10] Meirelles ,Jussara Maria Leal de Meirelles. Temas de Biodireito e bioética, Editora Renovar, pág. 86.

[11] SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. Imaculada Concepção: nacendo in vitro e morrendo in machina. São Paulo: Acadêmica, 1993, p. 93.

[12] Meirelles ,Jussara Maria Leal de Meirelles.

[13] Texto disponível em: http://www.ufrgs.br/bioetica/benefic.htm

[14] Meirelles.Op. cit,.  pág. 90.

[15] Meirelles, .Op. cit,. pág. 88.

[16] Meirelles, .Op. cit,. pág. 88.

[17] Lei sobre remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento. Artigo 15 - Comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do corpo humano: Pena- reclusão de três a oito anos, e multa, de 200 a 360 dias-multa.

[18] SAUWEN, Regina Fiúza. Hryniewicz, Severo. O Direito “in vitro”. Da Bioética ao Direito. Ed Lúmen Júris. 2º Edição. Pág. 51

[19] SGRECCIA, Elio. Manual ed Bioética. V.I Fundamentos  e Ética Biomédica. Trad. Orlando Morreira. São Paulo: Loola, 1996.

[20] PEREIRA, Renata da Silva. Temas de Biodireito e bioética, Editora Renovar, pág. 277.

[21] PEREIRA, Renata da Silva. Temas de Biodireito e bioética, Editora Renovar, pág. 277.

[22] PEREIRA.Op. cit,  pág. 278.

[23] Texto disponível em: http://conjur.estadao.com.br/static/text/43354,1

[24] SAUWEN, Regina Fiúza, O direito “in vitro”. Da bioética ao biodireito. Ed Lúmen Iuris, Pág 62.

[25] SAUWEN, Op Cit.

[26] SAUWEN, OP Cit.

[27] KANT, Immanuel. Scritti politici e della storia della filosofia. Torino: Utet, 1965.

[28] SAUWEN, OP Cit.

[29] KANT, Immanuel. Scritti polotici e della stroria della filosofia. Torino: Utet, 1965.

[30]  SAUWEN, OP Cit.

[31] Tortura é a imposição de dor física ou psicológica por crueldade, intimidação, punição, para obtenção de uma confissão, informação ou simplesmente por prazer da pessoa que tortura. Wikipedia. 2007.

[32] Texto disponível em: http://conjur.estadao.com.br/static/text/32719,1

[33] Para Patrícia Pranke e Mariana Zatz a vida começa a partir do 14º dia do implante do embrião no útero.

[34] Texto disponível em: http://www.providafamilia.org.br/doc.php?doc=doc26298

[35] Texto disponível em: http://www.providafamilia.org.br/doc.php?doc=doc26298

[36] Vide Art 2º Código Civil Brasileiro de 2002.

[37] LORENTZ, Joaquim Toledo. O início da vida humana. Biodireito. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.

[38] Texto acessado em 30/09/2007 no site: http://pt.wikipedia.org/wiki/Nida%C3%A7%C3%A3o

[39] Texto disponível em: http://www.ghente.org/entrevistas/inicio_da_vida.htm

[40] Texto disponível em http://drauziovarella.ig.com.br/entrevistas/celulastronco1.asp. acesso: 08/11/2007.

[41] LORENTZ, Joaquim Toledo, ob. Cit. .p.345-346.

[42] A Força Normativa da Constituição, do original Die Normative Kraft der Verfassung, escrito em 1954. Trad. Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991.

[43] tradução: Todo o ser humano tem o direito inerente à vida. Esse direito deve ser protegido por lei. Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua vida

[44] Artigo 2º,Código Civil brasileiro de 2002.

[45] ZATZ, Mayana. Às 11:20 em Audiência Pública no STF no dia 20/04/2007, sobre ADIN 3510.

[46] Artigo 5º, incisos I e II da lei de biossegurança.

[47] MEIRELLES, Maria Jussara Leal de. A VIDA HUMANA EMBRIONÁRIA E SUA PROJEÇÃO JURÍDICA. Pág. 113.

[48] Advogado e Mestre em Direito. Texto está disponível em www.genoma.ib.usp.br

[49]  Constituição Federal de 1988, artigo 196.

[50] Texto disponível em: http://nev.incubadora.fapesp.br/portal/saude/direitosaude

[51] Artigo 1º, parte final da lei 11.105/05.

[52]  “...que é o que estabelece que devemos fazer o bem aos outros, independentemente de desejá-lo ou não.”  Texto disponível em: http://www.ufrgs.br/bioetica/benefic.htm

[53] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

 

[54] Texto disponível em:  http://www.fgaia.org.br/texts/t-precau.html

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