Em uma das mais famosas fábulas da história mundial, Jean de La Fontaine escreveu sobre duas amigas, uma cigarra e uma formiga, que no outono tinham rotinas diferentes. A cigarra não se preocupava em trabalhar e se preparar para o inverno, passando o dia cantarolando. Já a formiga, passava o dia trabalhando e se preparando para a estação fria. Então quando chegou o inverno, a formiga ficava em seu formigueiro repleta de alimentos e bem aclimatizada e a cigarra, ficou com frio, com fome e desamparada. Moral da história, a cigarra de tanto cantar, acabou dançando.
O que acontece hoje no cenário da Justiça Brasileira é a reprodução dessa famosa fabula. Enquanto o Poder Judiciário passou a última década ‘cantarolando’, os escritórios passaram trabalhando para aperfeiçoar e melhorar sua atuação e seus métodos de gestão para um futuro próximo.
Em 01 de janeiro de 2005 quando a Emenda Constitucional número 45 passou a vigorar em virtude de sua publicação, foi vulgarmente denominada de ‘Reforma do Judiciário’ Entre as várias inovações do seu texto, uma delas chamou atenção, que foi a introdução no rol dos direitos individuais a descrição de é garantido e assegurado a todos no âmbito judicial e administrativo a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Tentava-se então, passar a idéia de que o Judiciário Pátrio iria parar de ‘cantarolar’.
Essa norma do artigo 5º, inciso LXXVIII, da Nossa Constituição Federal teve o condão de acabar com a morosidade na tramitação dos processos judiciais. Todavia, quem de fato vive o dia-a-dia jurídico dos Fóruns e Tribunais jamais acreditou na sua eficácia. Engana-se o legislador que a mera inclusão de uma norma na Constituição Federal fará os processos tramitarem mais rapidamente. Tanto que hoje em dia tem-se a sensação de que a morosidade aumentou com relação ao período anterior à vigência desta norma.
Para que os procedimentos judiciais se tornem mais céleres, é necessário muito mais do que uma norma constitucional, é necessário além da melhor administração dos recursos destinados ao Poder Judiciário, um binômio elementar, a exigência de mais vontade e a competência de todos que operaram a máquina judiciária.
Intrigado com esse cenário catastrófico, mesmo após alguns anos da vigência da famosa Emenda Constitucional nº. 45, o Ministério da Justiça encomendou junto à Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas – FGV de São Paulo e ao Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais – CEBEPEJ, uma pesquisa para aferir tal cenário de morosidade. A pesquisa coletou dados num período de oito meses do ano de 2006 em quatro cartórios judiciais cíveis da capital e do interior do Estado de São Paulo.
A conclusão que os pesquisadores chegaram foi a que todos os profissionais do direito já sabiam e vivenciam diariamente, que 80% do tempo de tramitação dos procedimentos judiciais no Brasil é gasto nos cartórios, em outras palavras, que os cartórios judiciais são os maiores responsáveis pela demora no trâmite dos processos no Poder Judiciário pátrio.
De acordo com a conclusão da pesquisa, as rotinas desnecessárias, a precariedade de instalações das varas nos fóruns e a falta de informatização são os principais fatores responsáveis pelo acúmulo de processos aguardando andamento nos cartórios judiciais.
O estudo revela entre outras anomalias, por exemplo, que o processo no rito ordinário, teria que ser concluído, de acordo com a legislação processual, em no máximo 209 dias. Mas segundo a pesquisa, a média de duração desses processos apenas nos cartórios, isso mesmo, a média, é de intoleráveis 872 dias.
Ao ouvirem os funcionários e serventuários que trabalham no Judiciário Paulista, as maiores reclamações são que nunca é possível manter o serviço “em dia” e que a quantidade de funcionários não deve ser aumentada em virtude da falta de espaço nas salas do fórum. O Tribunal de Justiça de Goiás, por exemplo, mantém como sede das varas de sucessões, família e cível, também responsáveis pelo atendimento à justiça gratuita, um imóvel residencial que não tem condições mínimas de absorver servidores, advogados e partes interessadas nos processos em seu interior, tanto que o próprio elevador do prédio comporta apenas a ascensorista e mais três pessoas.
O problema está também, segundo os servidores e funcionários ouvidos, nas técnicas ultrapassadas que atrasam o trabalho. O Código de Processo Civil estabelece que os cartórios têm até 48 horas para executar atos processuais e 24 horas para remeter processos concluídos. No entanto, segundo o resultado da pesquisa, estes procedimentos levam quatro vezes mais tempo do que o previsto na legislação. No Estado de Goiás, sem nenhuma pesquisa até o momento feita, é fácil se deparar com situações ainda piores, como por exemplo, nas varas de família, sucessões e cível, principalmente nas varas que são responsáveis pelo atendimento à justiça gratuita, a conclusão dos processos que deveria ser realizada em no máximo 24 horas, é realizada mensalmente, isso mesmo, somente em um dia do mês, ou ainda, somente é feita com autorização do magistrado.
Outro ponto que chama atenção na pesquisa é a constatação de que o problema também atinge a cultura do povo brasileiro. A coordenadora do CEBEPEJ, Leslie Shérida, destaca o problema da “cultura do papel”, onde existem funcionários que, por não confiarem no armazenamento de informações nos sistemas, registram os andamentos processuais também nas velhas fichas de papel e ainda em controles pessoais. No Estado de Goiás, temos vários exemplos disso, como: livros de carga dos autos para os advogados; certidões narrativas; pedidos de desarquivamento; livros-tombo; alvarás e até utilização de carimbos, entre outras práticas que envolvem papel.
Um ponto que se destaca na pesquisa é o apontamento dos outros 20% de tempo que levam o trâmite processual. E um ponto apontado pelos servidores e funcionários do Judiciário Paulista é a insistência dos chamados “advogados de balcão de cartório”, que por motivos de foro íntimo ou por não confiarem nas informações informatizadas, insistem em se deslocar aos cartórios judiciais para de fato confirmarem as informações disponibilizadas via internet ou pelo sistema informatizado dos tribunais e fóruns. No Estado de Goiás, essa prática é extremamente corriqueira, tanto que existem cartórios judiciais que disponibilizam uma “lista de chamada”, que o advogado ou estagiário elenca seu nome em um rol e será atendido em uma seqüência conforme a ordem de chegada no cartório judicial.
Mas é importante destacar que o Estado de Goiás já possui escritórios de advocacia, é verdade que pouquíssimos, que
operam de forma a quase anular a presença dos chamados “advogados de balcão de cartório”, utilizando-se, por exemplo, da digitalização de todo os autos do processo, ou seja, todas as peças dos autos são passadas para o meio virtual e se transformam em arquivos gravados no sistema dos computadores, tudo isso através do uso de um conhecido hardware, o scanner.
Outro método de gestão que se destaca é a implantação de softwares que gerenciam os andamentos de cada processo judicial existentes nos escritórios automaticamente, utilizando-se de uma tecnologia de interatividade com os sites dos Tribunais, onde a cada alteração ou andamento processual realizado pelos servidores ou funcionários do judiciário em seu sistema interno, automaticamente será atualizado também nesse software implantado nos escritório. Todavia, o próprio Poder Judiciário aplica medidas que entravam à evolução tecnológica da justiça. No Estado de Goiás, o Tribunal de Justiça, emitiu o seguinte comunicado em seu site (http://www.tjgo.jus.br/), acessado em 08 de outubro de 2008:
“COMUNICADO IMPORTANTE: Informamos que a repentina lentidão verificada nos últimos dias no sistema de pesquisa processual de 1º e 2º Graus, se deve a programas externos ao Poder Judiciário e não autorizados, elaborados para realizar consultas automáticas de grande quantidade de dados e informações, conhecidos como “robôs”. Tais programas estão sendo rastreados e seus endereços eletrônicos de origem bloqueados para acessar o site do Tribunal de Justiça”.
Em suma, o Judiciário Goiano justifica sua falta de evolução e investimento em tecnologia da informática, com a alegação de que os programas externos aos dele, não são autorizados e armazenam grandes quantidades de informações. Ou seja, o Judiciário não quer se adequar às modernas tendências tecnológicas implantadas pelos escritórios, e sim que a sua obsoleta e falha tecnologia impere. Mais uma vez o “mal estatal” de centralizar as atividades presente no Brasil.
Na fábula de La Fontaine, a formiga trabalhou e se preparou para a estação futura, enquanto a cigarra cantarolou e acabou dançando. Talvez seja o momento do Poder Judiciário começar a trabalhar e se preparar para o futuro, em vez de ficar cantarolando e dançando, utilizando-se como exemplo todos da Justiça Privada, que nunca se cansam de trabalhar e se preparar para o futuro. Ou será que a formiga vai continuar trabalhando e a cigarra vai continuar dançando?
Leonardo Lourenço de Carvalho, advogado em Goiânia – GO.