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Resumo:
Com o avento da LC nº 105/2011, a matéria sobre a quebra do sigilo bancário teve nova disciplina, sendo que a questão não é pacifica na doutrina e nem na jurisprudência.
Texto enviado ao JurisWay em 12/12/2011.
Última edição/atualização em 13/12/2011.
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A polêmica sobre o sigilo bancário é antiga na doutrina jurídica e, de igual modo no âmbito da jurisprudência, a matéria sempre despertou discussão, principalmente no STF. Antes da vigência da Lei Complementar nº 105/2001, enquanto estava em vigor a Lei nº 4.595/64, o entendimento jurisprudencial predominante era no sentido de que o sigilo bancário não teria caráter absoluto podendo ser afastado por decisão judicial.
Com o advento da Lei Complementar nº 105/2001, a matéria sobre a quebra do sigilo bancário teve nova disciplina, uma vez que previu dispositiva legal, precisamente o artigo 6º da referida lei, a possibilidade das autoridades administrativas fiscais das três esferas políticas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), terem acesso direto às informações bancárias do contribuinte independentemente de prévia determinação judicial.
A questão do sigilo bancário e fiscal, como já afirmado, não é pacifica na doutrina e na jurisprudência. Aliás, o próprio sigilo, seja fiscal, bancário ou qualquer outra espécie de sigilo, é uma questão extremamente delicada. É evidente que o sigilo tem como máxime proteger uma parte, de forma que seus dados e suas informações não sejam transmitidos a outras pessoas sem o seu consentimento, de modo a não lhe gerar transtornos e constrangimentos. Por outro lado, muitas vezes em prol de um “bem maior”, ou seja, em favor da coletividade, este direito individual é relativizado e ocorre o que se chama de quebra de sigilo.
Antes de prosseguir, vamos aqui fazer um parêntese, para explicar a diferença entre o sigilo fiscal e o sigilo bancário: primeiro o sigilo bancário é o segredo que as instituições financeiras devem manter sobre as contas de seus clientes (Lei nº 4.595/64, art. 38 com as alterações da Lei Complementar nº 105/2001), e o sigilo fiscal é o segredo que o fisco deve manter sobre a vida econômica dos contribuintes (art. 198 e 199 do Código Tributário Nacional).
O sigilo de uma forma genérica está assegurado pela Constituição Federal de 1988, mais especificamente no artigo 5º, inciso X e XII, decorrentes do direito à privacidade e à inviolabilidade de dados pessoais. Mas tais direitos estão deixando de ser vistos como absolutos e cedendo, ainda que de forma acanhada, diante do interesse público. O sigilo bancário já foi tido como direito absoluto, mas esse entendimento vem se desfazendo, primeiro, por causa da corrupção e depois com a lavagem de dinheiro do crime, especialmente do narcotráfico.
A quebra do sigilo bancário por parte da autoridade administrativa é permitida praticamente em todos os países desenvolvidos. Isso porque, a corrupção fiscal e a lavagem de dinheiro fiscal são problemas mundiais, principalmente com a globalização da economia e dos avanços da informática, que fizeram com que as distâncias e o tempo não mais existam.
Nos países mais industrializados e desenvolvidos, a informação bancária não é considerada sigilo comercial, industrial ou profissional, oponível ao fisco. Ficam de fora desse pensamento a Suíça e Luxemburgo. Mas, mesmo a Suíça tem demonstrado que o sigilo bancário não é absoluto, como se observa, nos casos envolvendo o juiz “Lalau’ e o ex-prefeito Maluf.
No âmbito administrativo, há inclusive uma portaria da Secretaria da Receita Federal, Portaria SRF nº 580, de 12 de junho de 2001, que estabelece procedimentos para preservar o caráter sigiloso de informações protegidas por sigilo fiscal, nos casos de fornecimento admitidos por lei.
Desta forma, resta claro que quando se trata de sigilo, principalmente bancário e fiscal, entram em choque dois valores importantes e de ordem constitucional, a saber: a inviolabilidade da intimidade, dos dados e das comunicações telefônicas, estes previstos no artigo 5º, incisos X e XII, da CF, e o dever de fiscalização, previsto no parágrafo 1º do artigo 145 do Código Tributário Nacional.
“A discussão em torno da quebra do sigilo bancário vem sendo travada no Brasil, de forma inteiramente distorcida. Todo debate em torno dela começa com a afirmação de que os “direitos fundamentais são relativos. Ora não se discute a relatividade desse direito, mas sim QUEM É COMPETENTE PARA FAZER ESSA RELATIVIZAÇÃO. A questão, em suma, não é saber se o sigilo pode ser quebrado, mas quem pode fazê-lo. Esse é o verdadeiro debate subjacente à LC 105/2001.” (Hugo de Brito Machado Segundo, Direito e Democracia, professor da Universidade Federal do Ceará)
Se é verdade que o sigilo não é absoluto, devendo ser conciliado com as atribuições de uma fiscalização a fim de prestigiar os princípios da capacidade contributiva e da isonomia, é igualmente certo que as atribuições dessa fiscalização também não são absolutas, e não podem suprimir o direito ao sigilo de que se cuida. A regra é o respeito ao sigilo, sendo exceção a sua quebra, pois deve ser obedecido o princípio constitucional de proteção à intimidade do fiscalizado.
Vejamos o posicionamento do Ministro Arnaldo Esteves Lima, da Terceira Seção do STJ, em recente entrevista sobre o assunto: “O entendimento normal é aquele da Constituição e da lei, em primeiro lugar a Constituição preserva o sigilo é um direito do cidadão, de todos nós é termos os nossos sigilos de comunicações e dados e bancários preservados. Isso faz parte da vida particular das pessoas. Essa é a regra. Agora digamos quando é para se apurar a existência de eventual crime ou de crimes a própria Constituição prevê a quebra desses sigilos desde que seja por decisão judicial, devidamente fundamentada.”
Portanto, segundo o ministro Arnaldo Esteves Lima, o sigilo bancário deve ser preservado, e sua quebra somente pode ocorrer por decisão judicial devidamente fundamentado.
A Lei Complementar nº 105/2001, regulamenta em seu artigo 1º, que as instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.
O mesmo dispositivo legal, no entanto, traz previsto em seus artigos , as circunstâncias em que poderá ser solicitado, à autoridade competente, a quebra do sigilo bancário de pessoas física ou jurídica.
A Lei Complementar nº 105/2001, acarretou mudanças no que tange ao sigilo bancário e fiscal. Assim o que antes era apenas matéria de discussão doutrinária e jurisprudencial, como a questão da possibilidade de quebra de sigilo pela autoridade administrativa, passou a ser regulado em lei. A principal mudança neste aspecto pode ser verificada no artigo 6º da lei supracitada.
E o STF, ao que tudo indica, decidirá pela impossibilidade de quebra de sigilo bancário senão quando determinada por CPI ou pelo Judiciário. A decisão a seguir, é indicação clara nesse sentido:
EMENTA MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. BANCO CENTRAL DO BRASIL. OPERAÇÕES FINANCEIRAS. SIGILO.
1.- A Lei Complementar nº 105/2001, de 10/01/01, não conferiu ao Tribunal de Contas da União poderes para determinar a quebra do sigilo bancário de dados constantes do Banco Central do Brasil. O legislador conferiu esses poderes ao Poder Judiciário (art.3º), ao Poder Legislativo Federal (art. 4º), bem como às Comissões Parlamentares de Inquérito, após prévia aprovação do pedido pelo Plenário da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do plenário de suas respectivas comissões parlamentares de inquérito (§§ 1º e 2º do art. 4º).
2.- Embora as atividades do TCU, por sua natureza, verificação de contas e até mesmo o julgamento das contas das pessoas enumeradas no artigo 71, II, da Constituição Federal, justifiquem a eventual quebra de sigilo, não houve essa determinação na lei especifica que tratou do tema, não cabendo a interpretação extensiva, mormente porque há princípio constitucional que protege a intimidade e a vida privada, art. 5º, X, da Constituição Federal, no qual está inserida a garantia do sigilo bancário.
3.- Ordem concedida para afastar as determinações do acórdão nº 72/96 – TCU – 2ª Câmara (fl. 31), bem como as penalidades impostas ao impetrante no Acórdão nº 54/97 – TCU – Plenário.
(MS 22801/DF – Distrito Federal, Tribunal Pleno, Supremo Tribunal Federal, Relator: Ministro Menezes Direito, Julgado em 17/12/2007, Publicação DJE-047 DIVULG 13-03-2008 PUBLIC 14-03-2008 EMENT VOL-02311-01 PP-00167)
Por outro lado, mesmo que se defenda que todos têm direito ao sigilo, não se pode de maneira nenhuma, se pensar que o sigilo bancário seja absoluto. O sigilo de informações fiscais ou bancárias não é absoluto. Ninguém pode se eximir de prestar indispensáveis informações à aplicação da lei tributária. O sigilo, em verdade, não é estabelecido para ocultar fatos, mas, sim, para revestir revelação deles a um caráter de excepcionalidade.
Assim sendo, percebe-se muitos doutrinadores, a exemplo de James Marins que se posicionam no sentido de que “o direito ao sigilo de dados, tanto bancário quanto fiscais, não pode ser quebrado pelas autoridades administrativas, só sendo lícita a quebra quando esta partir de ordem judicial autorizativa.”
Já Miguel Reale e Ives Gandra da Silva Martins, entendem que tal lei é inconstitucional, declarando que:
“Exceção às CPIs, para as quais são inerentes poderes próprios de investigação judicial por outorga constitucional, não podem outros órgãos, poderes ou entidades não autorizadas pela Lei Maior quebrar o sigilo bancário e, pois, afastar o direito à privacidade independentemente de autorização judicial, a pretexto de fazer prevalecer o interesse público, máxime quando não têm o dever de imparcialidade por serem PARTE na relação mantida com o particular.”
Uma grande parte dos doutrinadores é desta corrente, e acredita que a LC 105/2001, vai de encontro com o sistema de garantia fundamentais consagrados na Constituição Federal de 1988.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, porém, ao julgar um agravo de instrumento, concluiu pela constitucionalidade da referida lei:
“Da mesma forma, a Lei complementar nº 105/2001 autoriza o acesso da autoridade fiscal aos documentos, livros e registros das instituições financeiras, inclusive aos relativos a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso. Portanto, o repasse das informações pela instituição bancária à Receita Federal e sua utilização para fins de fiscalização pelo IR tem amparo legal e não afronta as garantias constitucionais.” (Agravo de Instrumento nº 2001.04.01.045127-8/SC, Juiz João Surreaux Chagas, Extraído da Revista Dialética de Direito Tributário, nº 72, p. 203 e 204)
Observa-se, que a posição majoritária no STJ é no sentido de que é possível a quebra do sigilo bancário em processo administrativo mesmo em relação às operações bancárias dos contribuintes, feitas anteriores à LC 105//2001, desde que estas sejam extremamente necessárias para o deslinde do processo administrativo.
Desta forma, diante da complexidade que envolve o assunto, a leitura do art. 6º da LC 105/2001 deve ser no sentido de que a quebra de sigilo é admitida, excepcionalmente, nas hipóteses em que se denotem a existência de interesse de público superior, tendo em vista que o direito do sigilo não é absoluto a ponto de sobrepor-se ao interesse coletivo.
Há um aparente conflito entre o art. 5º, X (inviolabilidade da intimidade e da vida privada), e XII (sigilo de dados) com o art. 3º (objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil), art. 6º (direitos sociais) e art. 145, § 1º (princípio geral do sistema tributário), todos da Constituição Federal.
O sigilo bancário pode até estar inserido no direito à privacidade, mas não é está inserido no direito à intimidade que é um círculo mais fechado.
Nas decisões do STF, o entendimento majoritário é no sentido de que tanto o sigilo fiscal quanto o bancário é relativo e podem ser quebrados quando necessário. Há julgados em que os tribunais entendereram que não há interesse da justiça, mas tão somente interesse do credor.
No STJ, há situações em que o Tribunal concede a quebra do sigilo bancário e fiscal e outras não. Quando não concede alega tratar-se de interesse exclusivo do credor e quando concede afirma que há interesse público.
Há julgados, inclusive, que dizem não haver quebra de sigilo, mas tão somente “transferência de sigilo bancário”, como pode se constatar no Acórdão abaixo:
“TRANSFERÊNCIA DE SIGILO BANCÁRIO. POSSIBILIDADE. As informações sobre o patrimônio das pessoas não se inserem nas hipóteses do inciso X da CF/88, uma vez que o patrimônio não se confunde com a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem, assim, não há falar em inconstitucionalidade frente a uma possível discordância existente entre as Leis nº 9.311 de 1996, a Lei Complementar nº 105/2001 e a Lei nº 10.174, de 2001, e os princípios preconizados no art. 5º, X e XII, da Constituição Federal/88. O próprio Código Tributário Nacional, em seu art. 197, II, preconiza que os bancos são obrigados a prestar todas as informações de que disponham com relação aos bens, negócios e atividades de terceiros à autoridade administrativa. Ademais, não cabe falar em quebra de sigilo bancário, mas sim em transferência do sigilo. Com efeito, se o banco tem o dever de zelar pela guarda das informações de que dispõe, também o tem a autoridade fiscal que permanece obrigada ao sigilo, mantendo os dados no mesmo estado anterior. Isto porque a finalidade do procedimento fiscal não é outra senão a fiscalizatória. (TRF 4ª Região, 2ª Turma, maioria, DJU 23/01/02, p. 374, Relator Des. Federal Dirceu de Almeida Soares)
Trata-se de matéria muito polêmica, no entanto, a quebra do sigilo fiscal e bancário, independentemente de se tratar de processo administrativo ou judicial, deverá contar com a observância do devido processo legal, (contraditório e ampla defesa), e ainda o princípio da insignificância e da razoabilidade
BIBLIOGRAFIA:
BALTAZAR JUNIOR, José Paulo, Sigilo Bancário e Privacidade, POA, Livraria do Advogado, 2005.
MARINS, James, Direito Processual Tributário Brasileiro, 4 ed. São Paulo: Dialética 2005.
CONSTITUIÇÃO FEDERAL/88 da República Federativa do Brasil.
Código Tributário Nacional.
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