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A COMPENSAÇÃO DO DANO MORAL IN NATURA NA JUSTIÇA DO TRABALHO


Autoria:

Isabela Britto Feitosa


Advogada atuante nas áreas Cível, Trabalhista, Previdenciária e Administrativa.

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Resumo:

Com intuito de evidenciar até onde este fenômeno conduz a sociedade, em especial o agressor e a vítima frente a sua veiculação social e jurídica, foi que me propusera pesquisar e discorrer sobre o tema.

Texto enviado ao JurisWay em 02/06/2011.



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1 INTRODUÇÃO

 

A despeito de tratar-se, ainda hoje, em pleno século XXI, de palpitante e polêmico assunto, a questão concernente à compensação do dano moral in natura, embora não muito recente, porém muito pouco explorada pelos operadores do Direito, será amplamente defendido com contumácia e veemência ao longo do presente trabalho monográfico, pois, tem a merecer de há muito especial atenção da literatura jurídica mundial e, bem assim, dos nossos Pretórios.

Desta feita, obviamente, não se pretendera, nem se o pretendido fosse, seria possível esgotar todo conteúdo que envolve o tema abordado, devido tamanha abrangência e complexidade.  No contexto geral, procura-se absorver o conceito de dano enfatizando o dano moral e sua evolução, bem como a sua compensação in natura. Para tanto, procura-se citar a sua composição, as condições necessárias para a reparação do dano e de que forma pode-se analisar o quantum da indenização e/ou da efetiva reparação do dano moral.

Hodiernamente, tem-se crescido a procura ao Judiciário, no intuito de ver reparados os danos causados pela ação de pessoas físicas ou jurídicas. Esses danos muitas vezes têm dupla característica, uma de cunho material – determinada pela natureza concreta do prejuízo e outra, objeto da presente pesquisa, de ordem moral – representada pela agressão ao sentimento da pessoa que o sofreu.

Desta feita, o direito ao longo dos tempos procurara se adaptar à sociedade que lhe dera origem e, por conseqüência, sofre contínuas alterações devido às necessidades impostas pela constante evolução.

Outrossim, ao longo deste sucinto, mas profundo estudo, será demonstrado que o direito do trabalho, material ou processual, como qualquer outro ramo do direito, vem sofrendo modificações, incluindo em suas abrangências, temas concretos ou ainda em aspirações, que antigamente sequer eram mencionados, e hoje estão às voltas, procurando se firmar, de acordo com os princípios e conveniências das atuais circunstâncias. No caso em pauta, trata-se da “compensação do dano moral em natura inserido nas relações de trabalho”.

Na Carta Maior, a proteção ao assunto em enfoque ficou bem clara, no artigo 5º, V e X, nos seguintes termos: "é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem", e "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". A "dignidade da pessoa humana" é um dos fundamentos do país, conforme se verifica no artigo 1º, III, do diploma citado. Por derradeiro, diga-se de passagem, que o tema em foco também foi contemplado pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), quando no seu art. 114, VI, assim determina: “Compete a Justiça do Trabalho processar e julgar – (...) as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho”.

Mesmo assim, em nosso País, ao contrário do que ocorre em países cujo Direito Civil e a própria Responsabilidade Civil evoluíram para patamares mais altos, especialmente pela incorporação da justiça social em seus conceitos intrínsecos, a indenização decorrente do dano moral porventura causado a alguém, tem sido fixada dentro de parâmetros orientadores mais significativos, ou seja: ‘nem tão insignificante que não importe sacrifício econômico para o causador do dano, ou tão elevado que resulte em enriquecimento da vítima’. E, ainda, como ora defendido, a ‘efetiva reparação in natura’.

De tal sorte que, o dano moral apesar de ter sido consagrado nos dispositivos susomencionados da Constituição da República (1988), na Doutrina e na Jurisprudência, é ainda muito discutido, principalmente em se tratando da referida reparação – dado o teor subjetivo da questão – que, frente à inexistência de "métodos exatos" para defini-la, inexiste, igualmente, a possibilidade de reunir uma certeza, deixando, assim, ao arbítrio do magistrado.

Ora, referidos ditames constitucionais consagraram, definitivamente, a indenização por dano moral, mas, mesmo assim, eméritos julgadores se sentem de mãos atadas pela difícil associação da reparação pecuniária e/ou in natura perante a perda extrapatrimonial.

Divididos em capítulos, a pesquisa ora manejada, apresenta a “compensação do dano moral in natura”, abordando seus elementos caracterizadores, espécies, formas de manifestação, efeitos e conseqüências trazidas pelas agressões que o configuram. Como suporte aos argumentos desenvolvidos, considerou-se, basicamente, as doutrinas pátria e alienígena, à lume da Constituição Federal, especializadas no assunto sob exame, bem como o direito positivo brasileiro, além de alguns julgados dos nossos Tribunais e, ainda, artigos de internet, revistas, jornais dentre outros, como melhor serão apresentados.

Destarte, verifica-se a vertente jurídico-teórica como método de pesquisa aplicável, vez que serão fontes diversas bases orientadoras do que será então disposto, quer seja em linha ideológica, quer seja em linha conceitual.

O seu desenvolvimento dar-se-á utilizando-se o método descritivo-compreensivo, haja vista que, paulatinamente, conceituará o dano, a moral, in natura, bem como as possíveis formas de reparação, a fim de que, a partir de então se elucide acerca da Compensação do Dano Moral em Natura na Justiça do Trabalho.

No tocante ao procedimento a ser aplicado na pesquisa, a opção pelo teórico-funcionalista demonstrou-se razoável, pois, para se desenvolver o tema proposto, foi utilizado as disposições constitucionais pertinentes, o diploma legal correlato, bem como os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais acerca do aludido tema.

Por fim, não menos importante, o raciocínio a ser então desenvolvido é o dedutivo, em face de que se baseou o presente instrumento de pesquisa nas disposições constitucionais no que se referem à tutela ao dano, a moral, a imagem, a intimidade, a honra, que por sua vez indica o homem como um fim em si próprio, orientando todas as relações jurídicas a serem desenvolvidas nesse prisma.

 

 

2 AS ORIGENS DA REPARAÇÃO DO DANO MORAL

 

2.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

 

A concepção teórica do dano moral será, talvez, a que maior resistência sofreu desde a sua criação, que remonta os primórdios da Índia lendária e à fabulosa Babilônia (Códigos de Manu e Hammurabi), passando pelo direito Romano e frutificando e se desenvolvendo na França.

Dessa forma, paulatinamente a teoria foi se disseminando, desenvolvendo e sedimentando, evoluindo através de um trabalho de criação de poucos doutrinadores, haja vista a resistência contumaz de tantos outros.

Para o jurista Rui Stoco (2007, p. 1679), um dos pioneiros em nosso País, já assinalava que, “na doutrina, a tendência é efetivamente pela acolhida. Na jurisprudência, porém, não obstante acórdãos em contrários e brilhantíssimos votos vencidos, observa-se uma certa resistência, uma como que impermeabilidade à idéia”.

A doutrina, porém, foi aos poucos vencendo essa resistência dos tribunais, como se depreende da lição enfática de Yussef Cahali (2005, p. 15), em momento histórico mais recente:

 

Na reciclagem periódica do tema da reparação do dano moral, a presente fase é de superação das antinomias anteriores, com sua consagração definitiva, em texto constitucional e enunciado sumular que a asseguram. E acrescenta: “O instituto atinge agora a sua maturidade e afirma a sua relevância, esmaecida de vez a relutância daqueles juízes e doutrinadores então vinculados ao equivocado preconceito de não ser possível compensar a dor moral com dinheiro.

 

No Brasil, levando-se em consideração os ensinamentos do mestre Rui Stoco, uma legislação esparsa e fracionária adiantou-se ao legislador constituinte na aceitação e afirmação da indenizabilidade do dano moral, embora tímida. A princípio, através de alguns preceitos isolados de nosso revogado Código Civil de 1916.

Depois, em previsões estanques, como se verifica na Lei de Imprensa (Lei 5.250, de 09.02.67) e no Código brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117, de 27.08.62), a título de exemplificação.

No plano internacional, invoca-se a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10.12.48 que bem dispõe em seu artigo 12, verbis: “ninguém será sujeito a interferência na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação.” Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.

No entanto, foi com advento da Constituição Republicana do Brasil de 1988, Constituição Federal, que a aceitação plena da reparação do dano moral se consagrou e a inviolabilidade dos bens inerentes à personalidade foi afirmada e efetivamente protegida.

Com efeito, devido à importância e relevância de tais garantias, a Carta Magna alçou, elevou esse direito à categoria de direito fundamental (CF/88, art. 5º, V e X), considerando como cláusula pétrea e, portanto, imutável, nos estritos termos do art. 60, § 4º da Lei Ápice.

Na lição de Rui Stoco (2007, p. 1679), tem-se delineado o seguinte entendimento:

 

O argumento baseado na ausência de um princípio geral desaparece. E assim, a reparação do dano moral integra-se definitivamente em nosso direito positivo, cabendo acrescentar que a enumeração constante do dispositivo inscrito na atual Carta de Princípios “é meramente exemplificativa, sendo lícito à jurisprudência e à lei ordinária aditar outros casos”, completando de forma irrespondível que, “com as duas disposições contidas na Constituição de 1988, o princípio da reparação do dano moral encontra o batismo que a inseriu em a canonicidade de nosso direito positivo. Agora pela palavra mais firme e mais alta da norma constitucional, tornou-se princípio de natureza cogente o que estabelece a reparação por dano moral em o nosso direito, obrigatório para o legislador e para o Juiz.

      

Destarte, por fim, não obstante o Código Civil de 2002, ser extremamente tímido com relação ao dano moral, haja vista, que fez menção a ele uma única vez (art. 186), apenas de passagem, insta salientar a importância de buscar e encontrar o verdadeiro alcance e extensão da garantia constitucional assegurada.

 

2.2 CÓDIGO DE HAMURABI

 

Conta-nos a história que o dano moral, ainda que de forma muito primitiva, já constava no Código de Hamurabi, surgindo na Mesopotâmia. Tinha como princípio a garantia do oprimido, o mais fraco, e nesse ponto Hamurabi, rei da Babilônia, também conhecido por Kamo Rabi, mostrava preocupação para com seu povo.

Consta do referido código 282 dispositivos legais, que são conhecidos hoje por intermédio de uma versão escrita em forma de cunha, que cobre uma pedra de basalto encontrada em Susa, no Irã. Dizem os historiadores que esta pedra teria sido levada para lá por volta de 1100 a.C. Hoje esta pedra encontra-se guardada no Museu de Louvre. Uma verdadeira raridade, fruto de nossos antepassados (Internet, 2000).

Hamurabi aparece recebendo as leis do deus do Sol. A inscrição começa assim dizendo:

 

Como Anu, o sublime, o rei Anukak, e Bel, o Senhor do céu e da terra, que fixa o destino dos homens, e Marduk, o filho do Senhor Ea, o deus do Direito, repartiu a humanidade terrena... assim Anu e Bel me designaram, a mim, Hamurabi, o alto Príncipe, temeroso de Deus, para dar valor ao Direito na terra, aniquilar os maus e perversos, com o que o forte não prejudica o fraco... e para iluminar o mundo e procurar a felicidade dos homens. Como Marduk me enviou para governar os homens e para proteger o Direito dos povos, assim hei de realizar o Direito e a Justiça e procurar a felicidade dos súditos.

O Rei é considerado como a suprema garantia da lei e do direito; mas o direito está acima do arbítrio do Rei. Em uma antiqüíssima tábua babilônica lê-se que ‘o rei pratica o direito conforme a escritura dos deuses’. E assim lhe concedem os grandes deuses um governo duradouro e a glória de Justiça. Se o Rei ordena castigar um vizinho da cidade de Sippara e o premia como escravo, o deus do Sol, que rege o céu e a terra, porá outro juiz em seu povoado e designará um príncipe justo e um juiz justo para substituir o injusto (VALENTIN, 1964, p. 81)

 

 

Insta lembrar que o Código de Hamurabi é colocado por muitos como o mais antigo que se tem notícia no mundo do Direito, com formação de corpo de leis. Para Veit Valentin (1964, p. 81) o Código de Hamurabi foi o primeiro na história em que predominaram idéias claras sobre direito e economia.

Dessa forma, é visível que Hamurabi demonstrava profunda preocupação com os lesados, destinando-lhe reparação exatamente equivalente (insustentável nos dias de hoje). Era a regra “olho por olho, dente por dente”, a forma de reparação do dano causado, conforme se verifica pela dicção dos parágrafos 196, 197 e 200 do Código, transcritos na brilhante obra de Clayton Reis (1977, p. 412), acompanhados com a indispensável tradução. Vejamos:

 

§ 196. ‘Se um awilum destruir um olho de (outro) awilum destruirão seu olho’.”

A expressão DumuA-Wi-Lum, “filho de awilum”, indica aqui alguém que pertence à classe dos awilum.

A lei determina que, se o agressor e o agredido pertencem à mesma classe social, seja aplicada a pena de talião: “olho por olho”.

§ 197. “Se quebrou o osso de um awilum: quebrarão o seu osso.”

§ 200. “Se um awilum arrancou um dente de um awilum igual arrancou um dente de um awilum igual a ele arrancarão o seu dente”.

 

O aludido código também definia outra modalidade de reparação do dano, com pagamento em pecúnia, trazendo nos primórdios a idéia da compensação da dor, denunciando “um começo da idéia de que resultou modernamente a chamada teoria de compensação econômica, satisfatória dos danos extra-patrimoniais (1983, p. 15)”.  Assim, uma vez lançado o dano de ordem moral, não era mais possível repor ao lesado o status quo ante, e sim lhe compensar a dor.

Nesta ordem, vejamos os parágrafos 209, 211 e 212, também transcritos por Clayton Reis (1977, p. 412):

 

§ 209. Se um homem livre (awilum) ferir o filho de um outro homem livre (awilum) e, em consequência disso, lhe sobrevier um aborto, pagar-lhe-á 10 ciclos de prata pelo aborto.

§ 211. Se pela agressão fez a filha de um Muskenun expelir o (fruto) de seu seio: pesará cinco ciclos de prata (o que corresponde a mais ou menos 40 g de prata.)

§ 212. Se essa mulher morrer, ele pesará meia mina de prata. (equivalente a 250 g de prata).

 

 

Com efeito, os dispositivos legais existentes à época do reinado de Hamurabi, demonstram ter sido altamente eficazes para o seu tempo, encontrando reflexos em outros sistemas de leis de civilizações anteriores, porém, certamente não resistiriam às mudanças que o futuro se encarregaria de estruturar. O Código de Hamurábi teria sido assim uma súmula jurídica global, abrangendo, sobretudo, normas privadas e penais, embora altamente elaboradas para o seu tempo, mas ainda muito distantes das estruturas modernas.

 

 

2.3 AS LEIS DE MANU

 

Os historiógrafos acusam a existência de corpos legislativos advindos das antigas civilizações, atribuindo-lhes, por conseguinte, o nome de códigos, acompanhando a denominação dos códigos modernos. Em verdade, o que está registrado no subconsciente destes historiadores é o anteriormente mencionado Código de Hamurabi.

Existiu na Índia antiga um personagem mítico. Manu (Manu Vaivasvata), que era muitíssimo respeitado pelos brâmanes (membros da mais alta das castas hindus, a dos homens livres), motivo por que sua obra legislativa era de significativa importância, tendo sido denominada: O Código de Manu. Sua figura, para muitos, permanece lendária.

Manu, apesar de elaborar textos jurídicos, era muito religioso, tendo sido considerado o pai do Hinduísmo, e que até os dias de hoje é a religião predominante nos povos indianos. Com sua influência religiosa e política à época. Manu registra o feito de ter conseguido promover a organização geral da sociedade. Daí a importância desta figura lendária até os dias de hoje, justificando sua admiração pelos indianos, que sabemos, guardam profundas raízes medievais.

O Código de Manu demonstrou profundo e indiscutível avanço em relação ao de Hamurabi, visto que tratava a reparabilidade do dano em pecúnia, muito diferente deste que ainda trazia a lesão reparada por outra lesão de igual valor.

Como se percebe, Manu apresentou características de ética social, pois, com a reparação em valor pecuniário, impedia que o transgressor fosse alvo de vingança, interrompendo o período de desforra por parte das vítimas. Assim, pôs fim à vingança, que, convenhamos, é peculiar às almas mesquinhas. Partilho na integra do entendimento daqueles que afirmam tratar-se de um sentimento cristão.

Na Grécia, a Odisséia de Homero pinta os gritos retumbantes de Hefesto, o marido enganado, que surpreendera no próprio leito a infiel Afrodite e o formoso Ares, a provocar uma assembléia de deuses, que, atendendo aos reclamos do coxo ferreiro, decretaram, a seu favor, o pagamento por Ares, de pesada multa. Manifesta assim claramente um caso de reparação de danos morais resultante de adultério. Ésquines repreendeu publicamente Demóstenes por ter recebido de Mídias uma certa porção em dinheiro, em pagamento de uma bofetada.”

As reflexões não poderiam ser mais sugestivas, posto que o perdão das ofensas, como todos sabem, é pregado pelo Cristianismo, indicando o caminho da paz, quer entre os indivíduos, quer entre as nações.

O Código abrangia os campos comercial, civil, penal, laboral e outros, tratando, em seu bojo, forma de administração da Justiça, meios de prova e formas de julgamento, impondo uma penalidade aos juízes ou ministros responsáveis pela condenação injusta do inocente. O rei era quem aplicava a penalidade em face dos possíveis erros judiciários.

 

2.4 EGITO

 

No Egito, a figura do faraó era respeitadíssima, pois seu poder era absoluto. Tinha como características o rigor com que se cumpriam as leis, sem qualquer piedade de seus súditos.

O Poder do faraó era tão absoluto que dispunha até da vida de seus súditos, bem como exigia exageradamente de sua força de trabalho para construir túmulos e templos, chegando muitos a morrerem durante suas construções, tamanha a exigência de seus esforços. Sabe-se ainda que aqueles que construíram tais pirâmides, se ao final sobrevivessem, eram mortos para não desvendarem os segredos de tamanhos mistérios, que até os dias de hoje causa espanto ao mundo, quando são descobertas novas tumbas e novas passagens secretas.

As leis eram excessivamente rígidas, por influência dos sacerdotes, que cuidavam de iniciar os enigmas da religião ao próprio faraó, condição essa indispensável para subir ao trono.

Dessa forma, é patente que o faraó abusava de seu poder absoluto, punindo de forma imoderada, rigorosa e desumana os culpados.

As pirâmides e as ruínas dos templos atraem milhares de pessoas. Nos museus, elas ficam maravilhadas diante das formas graciosas das estátuas e das múmias cuidadosamente preparadas, há muito tempo, para a vida após a morte. É a curiosidade quanto às descobertas e às novas idéias sobre uma das civilizações mais esplêndidas e duradouras do mundo antigo. Certamente ainda restam muitos mistérios a serem desvendados sobre a riqueza desta civilização, que somente o tempo e as contínuas pesquisas entre as ruínas poderão decifrá-los.

 

2.5 CHINA

 

A história da civilização chinesa não foi marcante quanto a existência de leis, isso porque sempre foram, por características, pacifistas, não tendo registro de questões alarmantes de ofensa ao ser humano.

A história chinesa foi muito rica no aspecto filosófico, tendo como protagonistas, Confúcio e Lao-Tse, que com suas inteligências, pregaram incansavelmente o respeito ao próximo.

Arremata Clayton Reis (1977, p. 416):

Na China, no período que se aproxima à civilização assíria, o sistema de leis era essencialmente monárquico: a figura central do Imperador, com os poderes de vida e morte sobre os seus súditos. Houve períodos brilhantes da sua história, com homens notáveis, como Kung-Tse (Confúcio) e Lao-Tse, que humanizaram o espírito chinês. ‘Não faças a outrem o que não queres que te façam’, dizia Confúcio. ‘Retribui inimizade com benefícios’, afirmava Lao-Tse. Inobstante a civilização chinesa fosse rica em conteúdo filosófico e em organização política, em certos períodos da sua história não há elementos preponderantes que destaquem a sua estrutura legislativa.

 

2.6 GRÉCIA

 

A Grécia assumiu um papel importante na história do homem, tendo seu sistema jurídico atingido pontos elevados, graças aos seus grandes pensadores.

Foi, sem dúvida, na Grécia que se ouviu falar, pela primeira vez, em civilização e democracia; elementos importantes, e que certamente influenciaram as civilizações que estavam por vir, sobretudo na antiga Roma.

As leis, instituídas pelos Estados, davam ao cidadão a necessária proteção jurídica, sendo que a reparação do dano era pecuniária, demonstrando com isso, sua importante parcela na construção da proteção ao ser humano (Internet, 2009).

 

2.7 ROMA

 

Os romanos tinham uma profunda preocupação com a honra, dizendo que a honesta fama est alterium patrimonium (a honesta fama é outro patrimônio). Sem dúvida, a honra é um patrimônio representado pela boa conduta. Daí a reflexão dos romanos ao dizer: est praerogativa quaedam ex vitae morunque probitate causata (a honra é uma prerrogativa motivada pela probidade da vida e dos bons costumes).

Ulpiano, protagonista dos preceitos Jus Naturale (Direito comum a todos os seres), tais como: “Suum cuique tribuere”, “Honeste Vivere”, e, “Alterum non leadere”, demonstrava sua consciência do conceito de justiça, baseado no “dar a cada um, o que é seu”, “viver honestamente”, e, “não lesar outrem” (Internet, 2009). Como se vê, naturalmente, não se permitia a lesão no Direito Romano.

A parti daí, com a vinda da norma, todo e qualquer ato lesivo ao patrimônio ou à honra, demandava a conseqüente reparação, por intermédio do “Jus Scriptum” (Direito Escrito).

A responsabilidade civil no Direito Romano, diga-se de passagem, obedecida à seguinte subdivisão: A Lex das XII Tábuas – “Lex duodec tabularum” (ou também Lex Decenviralis) (450 a.C.), A Lex Aquilia (286 a.C.) e a Legislação Justiniana (528/534 a.C.), que por sua vez subdividia-se em As Institutas, “O Codex Justinianus” e o “Digesto”.

Os romanos, vítimas de injúria, utilizavam-se da ação pretoriana denominada injuriarum aestimatoria, pleiteando a reparação em dinheiro, que por sua vez ficava ao arbítrio do juiz, o qual deveria sopesar todas as circunstâncias e fatores para fazê-lo de forma moderada. O objetivo era separar e proteger os interesses do vitimado.

Prova dessa proteção à vítima, encontramos na Lei das XII Tábuas (Lex duodec tabularum), objeto da obra de Rogério Campos (Internet, 2009). A Tábua VII – De delictis, consagra-a, com o seguinte texto:

 

§ 1º Se um quadrúpede causa qualquer dano, que o seu proprietário indenize o valor desses danos ou abandone o animal ao prejudicado.

§ 2º Se alguém causa um dano premeditadamente que o repare;

§ 3º Aquele que fez encantamentos contra a colheita de outrem;

§ 4º Ou a colheu furtivamente à noite antes de amadurecer ou a cortou depois de madura, será sacrificado a Ceres;

§ 5º Se o autor do dano é impúbere, que seja fustigado o critério do pretor e indenize o dobro;

§ 6º Aquele que fez pastar o seu rebanho em terreno alheio;

§ 7º E o que intencionalmente incendiou uma casa ou um monte de trigo perto de uma casa, seja fustigado com varas e em seguida lançado ao fogo;

§ 8º Mas, se assim agiu por imprudência, que repare o dano; se não tem recursos para isso, que seja punido menos severamente do que se tivesse intencionalmente;

§ 9º Aquele que causar dano leve indenizará 25 asses;

§ 10. Se alguém difama outrem com palavras ou cânticos, que seja fustigado;

§ 11. Se alguém fere a outrem, que sofra a pena de Talião, salvo se houver acordo;

§ 12. Aquele que arrancar ou quebrar um osso a outrem deve ser condenado a uma multa de 300 asses, se o ofendido é homem livre; e 150 asses, se o ofendido é um escravo;

§ 13. Se o tutor administra com dolo, que seja destituído como suspeito e com infâmia; se causou algum prejuízo ao tutelado, que seja condenado a pagar o dobro ao fim da gestão;

§ 14. Se um patrono causa dano a seu cliente, que seja declarado a... (podendo ser morto como vítima devotada aos deuses);

§ 15. Se alguém participou de um ato como testemunha ou desempenhou nesse ato as funções de libripende, e recusa dar o seus testemunho, que recaia sobre ele a infâmia e ninguém lhe sirva de testemunha;

§ 16. Se alguém profere um falso testemunho, que seja precipitado da rocha Tarpéia;

§ 17. Se alguém matou um homem e empregou feitiçaria e veneno, que seja sacrificado com o último suplício;

§ 18. Se alguém matou o pai ou a mãe, que se lhe envolva a cabeça, e seja colocado em um saco costurado e lançado ao rio.

 

 

Pelos capítulos citados, não restam dúvidas que os romanos reparavam o dano através da pena pecuniária, embora houvesse resquícios da pena de Talião, encontrada na referida Lei das XII Tábuas, através do § 11 da mesma Tábua VII: “Se alguém fere a outrem, que sofra pena de Talião, salvo se existiu acordo” (Si, membrum rupsit, ni cum eo pacit, tálio esto).

Destarte, outrossim, denota-se que, os romanos tinham noções sólidas do dano moral, e é inegável seu aperfeiçoamento ao longo dos séculos, tendo repercussões nos aspectos históricos dos danos morais na Itália, Alemanha e na França, conforme demonstrado anteriormente, bem como pelos ensinamentos de  Rogério Campos.

 

3 CONCEITO

 

Conceituar o instituto “dano moral”, não é uma tarefa das mais simples, haja vista a dicotomia presente no seu próprio processo evolutivo, como foi e será demonstrado ao longo dessa pesquisa. No entanto, não necessariamente com intuito de fixar propriamente um conceito, mas, nos propusemos a demonstrar a dilação, ampliação do tema ora estudado, pois, hodiernamente, tem sido cada vez mais freqüente a disseminação pelos estudiosos do direito, a acepção do dano moral.

Na concepção valiosa e sintética do preclaro jurista Rui Stoco (2007, p. 1681), dispunha que antes mesmo do advento da nova ordem constitucional em 1988, o “dano moral é o constrangimento que alguém experimenta em conseqüência de lesão em direito personalíssimo, ilicitamente produzida por outrem”.

Na seqüência, o excepcional civilista Rui Stoco (2007, p. 1682), a lume da Constituição de 1988, assim dispunha:

 

O que se chama ‘dano moral’ é não um desfalque no patrimônio, nem mesmo a situação onde só dificilmente se poderia avaliar o desfalque, senão a situação onde não ou não se verifica diminuição alguma. Pois se houve diminuição no patrimônio, ou se difícil ou mesmo impossível de avaliar com precisão tal diminuição, já há dano, e este pode ser estimado por aproximação; e logo será supérflua a figura do dano moral. Vale dizer que dano moral é, tecnicamente, um não dano, onde a palavra ‘dano’ é empregada com sentido com sentido translado ou como metáfora: um estrago ou uma lesão (este o termo jurídico genérico) na pessoa, mas não no patrimônio. A indenização por dano moral tem aspecto absurdo porque não havia dano nem, por conseguinte, diminuição no patrimônio. E o dinheiro que o devedor paga nada indeniza. O dinheiro pago, por sua vez, não poderia recompor a integridade física, psíquica ou moral lesada. Não há correspondência nem possível compensação de valores. Os valores ditos morais são valores de outra dimensão, irredutíveis ao patrimonial. Daí que na indenização por dano moral não há nem indenização nem dano, e nem sempre é moral o mal que se quer reparar, pois o termo ‘moral’ segue o uso da doutrina francesa, onde moral se diz tudo quanto não é patrimonial ou econômico nem material, como se o econômico e o físico não entrassem no campo da moral. Daí também a necessária explicação do fenômeno no sentido de que a indenização por dano moral obraria como medida consolatória para a vítima de um mal irremediável no seu gênero. Há algo de compensação, mas de compensação realmente não se trata, porquanto não há termo ou medida de equivalência. Tampouco se trata de pena, já que as penas, também as civis, operam muito mais como medidas repressivas e muito menos como soluções reparativas. Terceira conseqüência de tal singularidade é que o dito ‘dano moral’ não é indenizável a não ser nas hipóteses em que o introduz a lei no ordenamento de modo expresso (visto que a espécie de artefato legal se apresenta como excrescência lógica da ordem jurídica): é o que demonstraram muito e o que estabeleceu o art. 253 do CC alemão, contrariando certamente os exaltados partidários da aplicação geral da espécie (cf. Melo da Silva. O Dano Moral, p. 24-28), (TJSP – Ap. 113.190-1 – Rel. Walter Moraes). 

 

Para Yussef Cahali (2005, p. 21), é possível distinguir-se, no âmbito dos danos, a categoria dos danos patrimoniais, de um lado, dos danos extrapatrimoniais ou morais, de outro; segundo ele, respectivamente, o verdadeiro e próprio prejuízo econômico, e o sofrimento psíquico ou moral, as dores, as angústias e as frustrações infligidas ao ofendido.

Na acepção mais recente e atual do tema proposto, os doutrinadores Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho ( 2003, p. 61) coadunam do seguinte entendimento:

 

O dano moral consiste na lesão de direitos cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro. Em outras palavras, podemos afirmar que o dano moral é aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa (seus direitos da personalidade), violando, por exemplo, sua intimidade, vida privada, honra e imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente.

 

Dessa forma, levando-se em consideração os ensinamentos dos renomados doutrinadores supramencionados, leva-se a concluir que o dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de um bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, a intimidade, a imagem, o bom nome dentre outros, como se infere dos artigos 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação. Assim, quando ao dano não correspondem às características de dano patrimonial, dizemos que estamos em presença do dano moral.

 

3.1 AVALIAÇÃO DO DANO MORAL

 

Segundo entendimento manifestado por Rui Stoco (2007, p. 1684), “o dano à pessoa repara-se mediante um capital ou uma pensão que supre à vítima a perda da capacidade laboral.”

Esclarece esse autor que, quando se cuida do dano moral, o fulcro do conceito ressarcitório acha-se deslocado para a convergência de duas forças: o “caráter punitivo”, para que o causador do dano, pelo fato da condenação, se veja castigado pele ofensa que praticou; e o “caráter compensatório” para a vítima, que receberá uma soma que lhe proporcione prazeres como contrapartida do mal sofrido.          Lembrava Rui Stoco (2007, p. 1684), há três décadas, quando ensinava a seus alunos:

 

O ressarcimento dos danos morais não atende à restitutio in integrum do dano causado; tende mais a uma genérica função satisfatória, com a qual se procura um valor que recompense, em certo modo, o sofrimento ou a humilhação sofrida. Se substitui o conceito de equivalência (próprio do ressarcimento) pelo de reparação que se obtém atenuando de maneira indireta a conseqüência dos sofrimentos daquele que padeceu uma lesão.

 

Nesse diapasão, em consonância com todo o exposto, obtempera com exação o saudoso Caio Mário (2001, p. 60):

 

A vítima de uma lesão a algum daqueles direitos sem cunho patrimonial efetivo, mas ofendida em um bem jurídico que em certos casos pode ser mesmo mais valioso do que os integrantes de seu patrimônio, deve receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo Juiz, atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. Nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva. Mas se é certo que a situação econômica do ofensor é um dos elementos da quantificação, não pode ser levada ela ao extremo de se defender que as suas más condições o eximam do dever ressarcitório.

 

Com efeito, levando-se em consideração os argumentos demonstrados na presente pesquisa, depreende-se que o fundamento da reparabilidade pelo dano moral, está em que, a par do patrimônio em sentido técnico, o indivíduo é titular de direitos integrantes de sua personalidade, não podendo conformar-se a ordem jurídica em que sejam impunemente atingidos.

 

 

3.2 RESPONSABILIDADE PELO USO IRREGULAR DO DIREITO E ABUSO DE DIREITO

 

 

Emerge-se da historia que o extremo individualismo do direito no século passado não se compadecia com a oposição de limites ao exercício dos direitos. Foi, então, em nosso século, que os juristas repensaram o problema do exercício dos direitos, a princípio no da propriedade e depois em outros institutos, como o de família ou dos contratos. E daí veio efetivamente nascer a teoria do “abuso do direito”.

No propósito de apresentar o problema, Caio Mário (2001, p. 252-253), começa por assentar que o exercício dos direitos é condicionado a certas “regras fundamentais de polícia jurídica”, expressando o seguinte:

 

Sem dúvida que todo direito enseja uma faculdade ou prerrogativa ao seu titular, mas ao mesmo tempo reconhece que tal prerrogativa deve ser exercida na conformidade do objeto que a lei teve em vista ao concedê-la ao indivíduo. Referindo-se ao uso filosófico do direito no século XIX, lembra que o princípio da liberdade assegurado na Declaração Universal proclamada pela Revolução Francesa era o “evangelho” então dominante. Reproduzia-se, desta sorte, o adágio Nullus videtur dolo focere qui suo iure utitur (Digesto, Liv. 50, Tít. 17, fr. 55). Hoje, todavia, está reconhecido que o princípio neminem laedit qui iure suo utitur está subordinado a certos limites, que se contêm na destinação normal, seja econômica seja social, do próprio direito.

 

 

E arremata o referido autor sustentando (2001, p. 253):

 

 

Que os direitos existem em razão de uma certa finalidade social e devem ser exercidos na conformidade deste objetivo. Todo direito se faz acompanhar de um dever, que é o de se exercer perseguindo a harmonia das atividades. “A contravenção a este deve constituir abuso do direito.

 

 

Outrossim, foi através da construção jurisprudencial, a partir do século passado, que os autores franceses se fixaram na aceitação da teoria, respondendo à indagação se uma pessoa pode ser responsabilizada pelo mal que eventualmente cause a outrem, quando procede no exercício de seu próprio direito. Em outros sistemas jurídicos medrou o conceito, e acabou por encontrar quase universal aceitação. Destarte, pode-se hoje dizer que a primeira questão, que ocupou a atenção dos juristas, acha-se superada.

Dessa forma, quando o agente atua dentro dos limites da lei, não há obrigação de reparar, se da ação decorrer dano. Todavia, pode ocorrer que o agente pratique irregularmente um ato no exercício do direito, cometendo ato ilícito. Assim agindo, incorre no que a doutrina denomina “abuso de direito”. Embora atue dentro das prerrogativas que o direito concede, não se considera a finalidade social do direito subjetivo e, assim agindo, causa dano a outrem e, por sua vez, passível de reparação.

A doutrina do abuso de direito data do século passado, embora suas origens sejam bem mais antigas, oriundas do direito romano.

O primeiro texto legislativo moderno que procurou coibir o abuso de direito foi o Código Civil da Prússia de 1794, que assim dispunha (Internet, 2009):

 

O que exerce o seu direito, dentro dos limites próprios, não é obrigado a reparar o dano que causa a outrem, mas deve repará-lo, quando resulta claramente das circunstâncias que entre algumas maneiras possíveis de exercício de seu direito foi escolhida a que é prejudicial a outrem, com intenção de lhe acarretar dano (§§ 36 e 37).

 

Somente a partir do Código Civil alemão de 1900 alguns outros códigos passaram a admitir a inclusão da doutrina do abuso de direito, embora haja ainda grande diversidade de fórmulas adotadas.

Segundo a acepção doutrinária de Caio Mário (2001, p. 257), no direito brasileiro, o movimento inicia-se com o art. 160, nº I, do Código Civil de 1916 (que Aguiar Dias considera ter sido melhorado pelo Projeto de Código de Obrigações), recebendo uma interpretação construtiva, a saber,:

 

Se se estabelece que não constitui ato ilícito o proticado no exercício regular de um direito reconhecido, é de se entender, a contrario sensu, que o exercício anormal dele é ilícito, e, em conseqüência, constitui abuso de direito (cf. Clóvis Beviláqua, no respectivo comentário). Já o art. 3º do Código de Processo Civil de 1939 configurava a repressão ao abuso de direito no exercício da demanda, punindo com perdas e danos a parte que procedesse em juízo, como autor, por espírito de emulação, mero capricho ou erro grosseiro; e, como réu opusesse injustamente resistência ao andamento do processo, como decidiu o Tribunal de Justiça do Rio de janeiro, impondo condenação a indenizar por abuso de direito ao subinquilino de imóvel que retardou injustamente a execução de despejo. O mesmo propósito repressivo subsiste no Código de Processo Civil de 1973, art. 16, impondo ao improbus litigator a responsabilidade por perdas e danos, e definindo no art. 17 a conduta que qualifica como “litigante de má fé”.

 

 

Não havia em nosso direito positivo norma expressa que aceitasse ou repudiasse a teoria do abuso de direito, mas à luz do novo Código Civil, no art. 187, a ele se refere, segundo alguns autores, dentre eles Maria Helena Diniz (2007, p. 563), explicitamente, ao preceituar que:

 

Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa fé ou pelos bons costumes, condenando assim o abuso de qualquer direito subjetivo. O uso de um direito além do permitido, lesando outrem, traz o dever de indenizar. Sob a aparência de um ato lícito, esconde-se a ilicitude (antijuricidade sui generis) no resultado, por atentado ao princípio da boa fé e aos bons costumes ou por desvio da finalidade socioeconômica para a qual o direito foi estabelecido. A “ilicitude” do ato praticado com abuso de direito, para alguns autores, possui natureza objetiva, aferível independentemente de culpa.

 

 Ademais, em consonância com o exposto, existem normas que são contrárias ao exercício anormal de certos direitos, como ocorre, por exemplo, com o art. 188 do Código Civil, que, ao arrolar as causas excludentes da ilicitude, dispõe, dentre outras, que não constituem atos ilícitos: “os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido”, de forma que, contrario sensu, serão atos ilícitos os praticados no exercício irregular de qualquer direito.

Assim, nessa mesma acepção do contexto, em visão hodierna, tem sido o entendimento do saudoso Caio Mario (2007, p. 565-566), quando assim se expressa:

 

Responde pela reparação aquele que, procedendo em legítima defesa ou no exercício regular do direito, danificar a coisa alheia; igualmente sujeito está a reparar o dano causado o que é levado a danificar a coisa alheia em estado de necessidade, isto é, para remover perigo iminente. Segundo a noção mais exata, e já tantas vezes repetida, pressupõe o ato ilícito uma conduta contrária à ordem jurídica, e é claro que o procedimento daquele que se defende ou do que exercita um direito seu, como de quem pretende impedir que se consume o perigo, não se pode tachar de contraveniente à norma social de conduta. Não obstante, a obrigação de ressarcir o dano causado existe, sob fundamento de que, no conflito de dois direitos, o titular daquele socialmente mais valioso poderá sacrificar o outro, desde que se detenha no limite do razoável, mas nem por isto se exime de reparar o dano causado. Não há culpa no que se defende, ou no que necessita de remover perigo iminente. Mas há reparação e, portanto, responsabilidade sem culpa, se o agente exceder os limites do indispensável para a remoção do perigo (Código Civil, art. 188 e seu parágrafo).

 

 

A melhor definição para o tema supra-epigrafado, é o constante do Código Civil que, em seu art. 187, se refere expressamente ao abuso de direito, condenando o exercício abusivo de qualquer direito subjetivo ao estabelecer:

 

“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestadamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

 

Na lição de Rogério Campos, perfaz o seguinte entendimento (Internet, 2009).:

Mesmo no exercício daquelas prerrogativas que a lei nos confere, a nossa ação pode ferir interesses, lesar terceiros, produzir o desequilíbrio social. Esta lesão do direito de terceiro pode gerar a nossa responsabilidade, quando exercemos o nosso direito sem obedecer a certos ditames fundamentais da polícia jurídica, ordenados pela própria natureza das instituições jurídicas.

 

 

Dessa forma, o cerne da questão é que, mesmo que o indivíduo esteja exercendo seu direito legítimo, ainda assim, poderá causar dano a outrem, se o fizer abusivamente. Assim, o problema ligado ao limite do exercício do direito, quando abusivo, constitui a essência da teoria do abuso de direito.

A consciência jurídica inclina-se no sentido de que isso deve efetivamente ocorrer, pois o ofensor poderia, sem prejuízo para ele, não fazer uso do direito, ou fazê-lo de forma a não prejudicar terceiro.

Martinho Garcez Neto ( 2000, p. 161), a respeito do assunto em comento, assim expõe:

 

Os partidários da teoria do abuso de direito sustentam que a reparação é devida (1º) porque o direito não é um fim, e sim um meio, e, como tal, sob nenhum pretexto pode ser empregado de forma a causar prejuízo a outrem; (2º) porque a pessoa que tenha usado de uma prerrogativa legal, para prejudicar consciente ou inconscientemente aos outros, não usou dessa prerrogativa, como se impunha que o fizesse. Ao destinar o exercício de um direito a um fim que não era o legítimo fim que o direito previa, terá abusado desse direito.

 

 

Quando alguém se utiliza de um direito dentro das prerrogativas que lhe são conferidas, estará usando o seu direito. Comete, porém, abuso quem exceder tais prerrogativas.

Dessa forma, verifica-se que, mesmo no exercício do seu direito, uma pessoa pode causar dano a outrem, situação em que fica obrigada a efetuar a reparação devida.

Como norma de convivência social, a ordem jurídica assegura ao indivíduo exercer o seu direito subjetivo, sem que tal exercício possa causar a alguém um mal desnecessário. O problema existe quando se procura estabelecer o limite da regularidade ou a linha demarcatória entre o uso do direito e o abuso do direito.

Com efeito, implica dizer que a teoria do abuso de direito veio alargar o âmbito das nossas responsabilidades, cerceando o exercício dos nossos direitos subjetivos, no desejo de satisfazer melhor equilíbrio social e delimitar, tanto quanto possível, a ação nefasta e deletéria do egoísmo humano. Como corretivo indispensável ao exercício do direito, ela veio limitar o poder dos indivíduos, mesmo investidos de direitos reconhecidos pela lei, conciliando estes direitos com os da coletividade.

Comentando os critérios identificadores dos atos abusivos, Maria Helena Diniz afirma (2007, p. 566):

 

Para assinalar os atos abusivos que possam acarretar responsabilidade civil, os autores concentram sua atenção em três critérios: a) intenção de lesar outrem, ou seja, no exercício de um direito com o intuito exclusivo de prejudicar, que deverá ser provado por quem alega; b) ausência de interesse sério e legítimo; c) exercício do direito fora de sua finalidade econômica e social.

 

 

De tal sorte, quem age com abuso de direito responde pelos atos que praticar. Citando os casos de responsabilidade resultantes do exercício abusivo de direito, esclarece ainda Maria Helena Diniz ( 2007, p. 566), caem na órbita do abuso de direito, ensejando, obviamente, a responsabilidade civil:

 

a) Os atos emulativos ou ad emolutionem, que são os praticados dolosamente pelo agente, no exercício formal de um direito, em regra, o de propriedade, com a firme intenção de causar dano a outrem e não de satisfazer uma necessidade ou interesse de seu titular;

b) Os atos ofensivos aos bons costumes ou contrários à boa-fé, apesar de praticados no exercício formal de um direito, constituem abuso de direito. (...)

c) Os atos praticados em desacordo com o fim social ou econômico do direito subjetivo. Como o direito deve ser usado de forma que atenda ao interesse coletivo, logo haverá ato abusivo, revestido de iliceidade de seu titular, se ele o utilizar em desacordo com a finalidade social. Assim, se alguém exercer direito, praticando-o com uma finalidade contrária a seu objetivo econômico ou social, estará agindo abusivamente (...).

 

 

Desta feita, o abuso do direito não se circunscreve no âmbito do direito material.

Implica dizer, ainda, que a lei processual não dá condição de ação a quem não tem interesse processual. Se este consiste em ir a juízo quando há necessidade e utilidade que o provimento jurisdicional propicia, comete abuso de direito quem, sob o pretexto de ter em seu favor o direito constitucional de pleitear em juízo, o faz sem interesse, mas, apenas, por espírito de emulação ou vingança.

Destarte, por fim, é de se prever que, estruturada a teoria do abuso de direito como instituto autônomo, marchar-se-á para o critério de apuração objetiva. Assim, responderá por perdas e danos o titular do direito que o exercer além dos limites da normalidade ou regularidade, causando dano a outrem, independentemente de penetrar no psiquismo do sujeito, e indagar de seu propósito ou de sua consciência do dano causado. Com efeito, bastaria, então, verificar se o titular do direito o exerceu excedendo os limites impostos conferidos pela destinação econômica ou social.

 

4 O DANO MORAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO

 

No tocante a este instituto, ou seja, aos bens lesados e à configuração do dano moral, malgrado os autores em geral entendem que a enumeração das hipóteses, previstas na Constituição Federal, seja meramente exemplificativa, razão pela qual não deve o julgador afastar-se das diretrizes nela estabelecidas, sob pena de considerar o dano moral pequenos incômodos e desprazeres que todos devem suportar, na sociedade em que vivemos.

Desse modo, os contornos e a extensão do dano moral devem ser buscados na própria Constituição, ou seja, no art. 5º, inc. V, que assegura o “direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” e no inc. X, do mesmo dispositivo, que declara invioláveis “a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas” e, especialmente, no art. 1º, da Carta Maior, que erigiu à categoria de fundamento do Estado Democrático “a dignidade da pessoa humana”.

Para evitar excessos e abusos, recomenda Sergio Cavalieri (2007, p. 79), com razão, que só se deve reputar como dano moral “a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar.”

Com efeito, levando-se em consideração essas premissas delineadoras, conforme selecionados jurisprudenciais na obra Tratado de Responsabilidade Civil de Rui Stoco (2007, p. 1691-1694), têm entendidos os nossos tribunais à configuração do dano moral no âmbito trabalhista, dentre outras, as seguintes situações:

Comunicação à praça da demissão de empregado:

 

O comunicado à praça que certo empregado foi demitido e que a empresa não se responsabiliza por seus atos, quando a despedida foi ato rotineiro e sem motivo extraordinário ou especial, constitui ato ilícito, porque causa à imagem profissional das relações públicas. O dano moral deve ser fixado considerando a necessidade de punir o ofensor a evitar que repita seu comportamento (TJRS – 5º C. – Ap. – Rel. Araken de Assis).

Dispensa desonrosa, vexatória e humilhante de empregado:

 

A despedida do empregado insere-se no direito potestativo do empregador e não gera, via de regra, direito a indenização por dano moral. Todavia a exposição do obreiro, no ato da despedida, a desnecessária situação de constrangimento e humilhação perante terceiros, atingindo-lhe o sentimento de dignidade pessoal, o próprio conceito desfrutado perante os colegas de trabalho, extrapola os limites de tal direito, ensejando indenização por dano moral (TRT – 24ª R. – RO 1.494/2000 – Rel. Ademar de Souza Freitas).

 

Expedição de carta desabonadora da conduta do ex-empregado:

 

A expedição de carta desabonadora da conduta do empregado, impossibilitando sua contratação em novo emprego, caracteriza o dano moral, a ser indenizado segundo o prudente arbítrio do juiz, no sentido de que não se promova o enriquecimento ilícito do ofendido nem o empobrecimento do ofensor (TRT 11ª R. – RO 887/2002-911-11-00 – Ac. – Rel. Antônio Carlos Marinho Bezerra).

 

Ofensas verbais em público do empregador contra empregado:

 

Ofensas verbais injustamente proferidas pelo empregador contra o empregado, em público, diante dos demais colegas, caracterizam a comoção íntima própria do dano moral reparável, sendo, assim, passíveis de indenização (TRT – 15ª R. – 5ª T. – AP. 020071/2003 – Rel. Ricardo Regis Laraia).

 

Dessa forma, é salutar ressaltar, que dor, vexame, sofrimento e humilhação são conseqüências, e não causa. Assim, para efeitos ilustrativos, como a febre é o efeito de uma agressão orgânica, dor, vexame e sofrimento só poderão ser considerados dano moral quando tiverem por causa uma agressão a dignidade de alguém. Por conseguinte, melhor delinearemos o tema proposto em seu momento oportuno.

 

5 DANO MORAL - RECOMPOSIÇÃO IN NATURA

 

Este instituto, recomposição in natura, na realidade trata-se da reparação stricto sensu, específica, a que nos referimos anteriormente que, fundamentada na “restitutio in integrum”, busca o restabelecimento da situação anterior ao evento lesivo. Assim, consiste na forma mais perfeita de recomposição do status quo ante, uma vez que atribui um bem de natureza materialmente equivalente ao bem subtraído. Dessa forma, é a primordial forma de reparação, que sendo viável, não pode jamais deixar de ser utilizada pelo aplicador do Direito na composição do dano moral.

Com efeito, a compensação in natura está a merecer maior atenção dos operadores do direito, já acostumados ou até, em alguns casos, acomodados com a resposta encontrada na compensação pecuniária.

Nesse diapasão, preleciona Pontes de Miranda (1970, p. 251), que assim dispunha:

 

Se o bem atingido não pode ser medido economicamente, como de fato não pode, e se a tônica do instituto da responsabilidade é a restituição da vítima ao estado anterior ao dano, nada mais razoável do que procurar reparar em natura, tanto quanto seja possível.

 

O ilustre professor, Humberto Theodoro Júnior (2003, p. 93), bem expõe a questão:

 

Se for certo que a ordem constitucional moderna está preocupada em promover a pessoa em seu aspecto ético, valorizando-a pelos dados dos direitos da personalidade e não por suas posses, soa estranho que toda a preocupação doutrinária se encontre concentrada na técnica que vê na reparação pecuniária o único meio de satisfazer a vítima do dano moral.

 

O raciocínio do ilustre jurisconsulto está absolutamente correto sob o ponto de vista ético/social e mostra-se harmônico com o princípio da restituição integral, positivado no art. 944 do Código Civil. É pacífica a idéia de que a dignidade, a honra, enfim, os atributos de cada pessoa, são bens fora do comércio, de tal forma, que não se pode imaginar que a lesão moral tenha de ser compensada necessariamente ou exclusivamente em pecúnia.

Com efeito, há casos, e não são poucos, em que a compensação in natura é perfeitamente cabível e, cumpre muito melhor a sua verdadeira função, qual seja, a reposição da vítima ao seu estado anterior.

Para tanto, tomo a exemplo, o empregado que em decorrência de determinado acidente sofreu lesão deformante passível de correção cirúrgica. Que tipo de indenização atende melhor aos interesses da vítima? A reparação em natura (no caso cirúrgico) ou a entrega de determinada soma em dinheiro, lançando-se a vítima à própria sorte? Opto pela primeira alternativa, porque mais próxima do verdadeiro desiderato do instituto da responsabilidade, ou seja, a restituição integral do dano.

Ademais, in casu, não ignoro que mesmo se o resultado da aludida cirurgia for satisfatório, restabelecendo o aspecto físico da vítima, ainda restará a dor física inquestionavelmente emergente de tal situação. Nestas condições, o mais razoável é a realização do procedimento cirúrgico corretivo (reposição física ao estado anterior) acrescida de determinada quantia em dinheiro para, tão somente, compensar a dor física sofrida no ato da lesão e no período de cura e convalescença.

Lado outro, assim como a doutrina de tempos passados (passado não remoto) registrou grande resistência à compensação dos danos não patrimoniais, verifica-se agora a oposição à reparação deste mesmo tipo de dano em natura. A oposição por vezes é expressa, havendo clara manifestação contrária a reparação in natura; e, em outras, pode ser percebida pelo silêncio dos jurisconsultos, que sequer aventam tal possibilidade.

Dentre o primeiro grupo de opositores encontra-se, por exemplo, Ronaldo Alves de Andrade (2000, p. 25-26), para quem "O dano extrapatrimonial dada a sua natureza não comporta reparação específica ou in natura”. O autor, após citar algumas formas de reparação natural, sustenta:

 

Quando muito tais atitudes minimizam e aliviam o sofrimento, mas efetivamente não recompõe os interesses do lesado ao nível existente antes do ato lesivo, razão pela qual a reparação do dano extra-patrimonial deverá ser feita por indenização de natureza satisfativa, vale, dizer, por substituição. (...) Portanto, a reparação há de ser feita por indenização, substituindo-se o bem jurídico lesado por uma soma em dinheiro, como compensação à dor ou menoscabo experimentado pela vítima.

 

Em doutrina diametralmente contrária, Wilson Melo da Silva, leciona (1993, p. 660):

 

Entre o receber-se uma soma em dinheiro e o poder infligir-se ao ofensor o mesmo dano que ocasionou ao ofendido, a alternativa dificilmente se resolveria, para o comum dos homens, pela aceitação do dinheiro. Este, o dinheiro, pela faculdade de proporcionar ao lesado meios de obtenção de parcelas outras de sensações interiores de alegria e de contentamento, só de modo indireto e bem imperfeito, em muitos casos, poderia contribuir para a minoração da dor alheia. E assim, sendo possível o exercício do jus vindictoe dentro das normas sociais, moldadas pelo direito, a reparação se dará por uma espécie de desagravo direto, ao qual fosse estranho o valor econômico.

 

Opondo-se à reparação in natura, encontra-se também o Juiz Rodolfo Pamplona Filho (1999, p. 135 e 147), que utilizando a lição de João de Lima Teixeira Filho, registra "não há negar que a compensação pecuniária domina nas condenações judiciais, seja por influxos no cenário econômico, antes instável e agora em fase de estabilização, seja pela maior liberdade do juiz em fixar o quantum debeatur"; e, ao fazer referência a um único meio de reparação em natura - a concessão de carta de boa referência - mostra-se contrário, sustentando:

 

Obrigar alguém a emitir uma declaração de vontade, como é o caso da carta de boa referência, sem haver uma previsão específica desta obrigação no campo do Direito Material, nos parece uma violação contra o empregador, ainda que este tenha ensejado realmente o dano moral. Não hesito, inclusive, em afirmar que talvez teríamos a reparação do dano moral gerando um outro dano moral.

 

 Entretanto, não parece que a ausência de norma explícita e minuciosa (ex.: àquele que divulgar informações negativas a respeito de terceiros, deverá fornecer-lhe carta de boa referência), seja argumento consistente para não admitir a obrigação de fazer; especialmente quando o resultado desta obrigação (a carta de boa referência) atua com maior eficácia na recomposição da honra profissional. É que o legislador não precisa e por vezes não se lhe recomenda entrar em minúcias ao regular os meios de conduta social, estabelecendo direitos e deveres jurídicos e todas as conseqüências da desobediência.

Não obstante o posicionamento supramencionado, quando o art. 5°, inciso V, da Constituição Federal assegura "o direito de resposta proporcional ao agravo", está autorizando, inclusive, a emissão de carta de boa referência, que nada mais é senão o expresso desagravo profissional ao trabalhador lesado. Lembrando, sempre, conforme dispositivo supramencionado, a indenização deve ser medida pela extensão do dano (art. 944 do CC).

Dessa forma, refutamos também o último argumento do preclaro jurisconsulto. Se for seguido o seu raciocínio, nos casos de compensação pecuniária, se estaria da mesma forma, reparando o "dano moral gerando outro dano moral", pois o dinheiro que trará sensação de conforto espiritual à vítima será retirado do patrimônio do algoz, lhe ocasionando o sentimento contrário, de frustração, de perda do poder aquisitivo (ou parte dele). O que não se pode conceber de forma generalizada, é que a imposição de determinada obrigação com o fulcro de ressarcir ou compensar terceiro, lesado, venha a ser vista como geradora de outros danos (de qualquer natureza) em face daquele que desrespeitou um dever jurídico.

Na verdade, a compensação dos danos morais in natura vem ganhando relevo na doutrina. Além dos autores já citados, defendem este tipo de reparação Yussef Said Cahali; Carlos Alberto Bittar; Marcus Vinícius Lobregat; Alexandre Agra Belmonte; Cláudio Antônio Soares Levada; Enoque Ribeiro dos Santos; Walmir Oliveira da Costa e Robinson Bogue Mendes, dentre outros.

Dentre os doutos jurisconsultos supramencionados destacamos a lição do professor e Desembargador Yussef Said Cahali (2000, p. 704-705), que citando o saudoso Pontes de Miranda, preleciona o dano moral - in natura -, da seguinte forma:

 

Estabelece que o dano moral ou se repara pelo ato que o apague (e.g. retratação do caluniador ou do injuriante, casamento da mulher deflorada), ou pela prestação do que foi considerado como reparador. Ainda mais, afirma que a reparação pode ser específica, como a retificação, reconhecimento de honorabilidade; a condenação à retificação ou à retratação é condenação in natura, aproximativamente.

 

Segundo o autor supracitado, de um modo geral, a condenação com que se busca reparar o dano moral é representada, no principal, por uma quantia em dinheiro, a ser paga de imediato, sem prejuízo de outras cominações secundárias, nas hipóteses de ofensa à honra e à credibilidade da pessoa.

O ilustre professor e jurista baiano Calmon de Passos (Internet, 2009), em memorável e lúcido artigo, "O imoral nas indenizações por dano moral", cuja leitura se recomenda aos que ainda acreditam na ética, criticou visceralmente a mercantilização dos danos morais. Fazemos nossas as palavras do ilustre mestre e pensador do direito, que assim dispunha:

 

Quando a moralidade é posta debaixo do tapete, esse lixo pode ser trazido para fora no momento em que bem nos convier. E justamente porque a moralidade se fez algo descartável e de menor importância no mundo de hoje, em que o relativismo, o pluralismo, o cinismo, o ceticismo, a permissividade e o imediatismo têm papel decisivo, o ressarcimento por danos morais teria que também se objetivar para justificar-se numa sociedade tão eticamente frágil e indiferente. O ético deixa de ser algo intersubjetivamente estruturado e institucionalizado, descaracterizando-se como reparação de natureza moral para se traduzir em ressarcimento material, vale dizer o dano moral é significativo não para reparar a ofensa à honra e aos outros valores éticos, sim para acrescer alguns trocados ao patrimônio do felizardo que foi moralmente enxovalhado.

 

 

Destarte, é preciso que todos os operadores do direito façam uma revisão da desastrosa maneira com que doutrinadores e jurisprudência vêm tratando a matéria do dano moral, que se tornou sem dúvida, uma rendosa indústria de indenizações pecuniárias, repararem os danos morais através dos meios morais, é, a nosso ver, o único modo justo, coerente e eqüitativo de resolver a questão. É preciso restabelecer a moralidade em matéria de dano moral, eliminando a imoral conversão da moral em dinheiro.

Ademais, é de curial importância reprisar que sempre existirão os que não possuem reais condições de suportar o ônus de indenizar economicamente o lesado, caso em que a reparação natural pode vir a ser a única alternativa.

Assim, o real óbice da compensação in natura parece estar, exatamente, na postura até então adotada pelos operadores do direito, bem como das próprias vítimas. Vista que, sobrevindo o dano, passam a conjeturar sobre os valores que podem ser obtidos, em compensação, como se o dinheiro pudesse a tudo resolver.

 Infelizmente é cada vez mais presente este tipo de concepção na sociedade brasileira, arraigada de tal forma, que já parece fazer parte da própria cultura. Entretanto, é inconcebível a primazia exacerbada desse posicionamento, bem como a sua efetiva aplicabilidade prática. Pois, é preciso, primeiramente, deixar de lado esse pensamento, típico da cultura capitalista, dando-se abertura para outro e mais eficaz tipo de compensação ao lesado. Até porque, a finalidade precípua da indenização, em regra, é a efetiva reparação do dano causado, e não a locumplementação sem causa da vítima.

Com efeito, é salutar pensar em termos menos patrimoniais, para encarar um fenômeno que reconhecidamente não é patrimonial nem pode ser dimensionado pelos padrões econômicos. Haja vista, que a dor por si só não é mensurável, nem tão pouco aferível para fixação de determinada importância pecuniária.

Destarte, conclusivamente, temos a reparação in natura como fórmula primária pra a composição do dano moral baseada no “restitutio in integrum”, que viabiliza o restabelecimento da esfera jurídica lesada do sujeito passivo do dano à situação anterior ao evento danoso, lesivo, e que não exclui a indenização, caso não seja tida como satisfatória pelo órgão julgador.

 

5.1 FORMAS DE COMPOSIÇÃO IN NATURA

 

A reparação in natura, ou reparação natural é a forma mais tradicional de reparação dos danos, e também a mais perfeita, pois seu objetivo é a restituição da situação atual ao statu quo ante. Através dela substitui-se o bem lesado ou subtraído por outro de igual natureza e valor, desaparecendo o dano.

Assim, tão variadas são as formas de compensação in natura, quanto são os tipos de lesão aos atributos da pessoa humana. Sem pretender esgotar o tema, passamos a arrolar algumas formas.

 

5.1.1 Carta de boa referência

 

A obrigação de indenizar nasce toda vez que o patrimônio moral - quer do empregado, quer do empregador - reste desrespeitado e/ou agredido; toda vez que se verificar ofensa ou lesão à dignidade, ou qualquer outro valor íntimo, de qualquer das partes do contrato de trabalho, havendo inequívoca relação de causa e efeito entre o ato ilícito (ação ou omissão) e o dano experimentado.

Assim, a emissão de carta de boa referência pode ser exigida quando a lesão causada ao trabalhador (normalmente após o término do contrato, mas não necessariamente naquele momento) consiste em prestar informações de desabono sobre sua conduta profissional, desaconselhando outras empresas ou empregadores a contratá-lo.

Dessa forma, o ato patronal em questão é tão danoso que por vezes subtrai do trabalhador a oportunidade de obter nova colocação no concorrido mercado formal de trabalho, impedindo-o de prover o sustento próprio, de sua família e, inclusive, frustrando a ascensão profissional por todo ser humano almejada.

A indenização pecuniária, nestes casos, é de uma insuficiência gritante, como bem ressalta Marcus Lobregat (2001, p. 124-125), aderindo à doutrina de Valdir Florindo:

Uma vez verificado o dano moral e seus graves reflexos na vida do trabalhador, não basta a indenização 'in pecunia' pelo dano, mister também se faz a entrega de carta de boa referência, posto que a pecúnia tem efeito meramente compensatório, haja vista que não é possível voltar ao 'status quo ante', sendo que os efeitos do dano continuarão a existir, ainda que de forma diminuída, acompanhando o trabalhador durante toda a sua existência, razão porque a concessão de referida carta terá como visão principal o futuro. Essa acompanhará o trabalhador por todos os seus dias, servindo de passaporte para obtenção de novo emprego.

 

Nesse sentido, compartilhando o mesmo pensamento, é o entendimento de Alexandre Belmonte (2001, p. 192), sugerindo inclusive:

 

A determinação de expedição de cartas de referência pelo agente causador do dano a todos aqueles a quem foram prestadas informações incorretas e prejudiciais ao trabalhador, ou mesmo a imposição de publicação de retratação patronal em jornais de grande circulação, destinada a recompor a boa imagem do obreiro, tudo sob pena de pagamento de astreintes diárias até o cumprimento da obrigação de fazer.

 

In casu, assim sendo, a natureza punitiva da reparação do dano moral encontraria razão de ser na constatação de que aquele que paga sente a repressão da ordem legal face à sua atividade antijurídica, o que se lhe impõe como advertência, com efeito intimidatório, para que não venha mais a transgredir os valores morais de outrem.

 

5.1.2 Retratação pública

 

O instituto envolvendo a retratação pública, por sua vez, tem a ver com a propagação do dano no meio social, considerado como tal o quadro funcional e diretivo da empresa onde ocorreu a lesão; o meio empresarial e profissional (segmento econômico e categoria de trabalhador); o círculo familiar, social, esportivo e/ou estudantil freqüentado pelo lesado; assim como, quaisquer outros grupos dos quais o trabalhador faça parte.

Desta feita, a retratação pública só poderá ser admitida quando o evento danoso desbordar-se, ou seja, indo além das pessoas (vítima e algoz) diretamente envolvidas, chegando por quaisquer meios (exceto por divulgação da própria vítima) ao conhecimento de terceiros.

No que diz respeito à imprensa, trata-se de norma expressamente regulamentada, conforme dispõe o art. 29 e seguintes da Lei n° 5.250/67.

 

Art. 29. Tôda (sic) pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade pública, que fôr (sic) acusado ou ofendido em publicação feita em jornal ou periódico, ou em transmissão de radiodifusão, ou a cujo respeito os meios de informação e divulgação veicularem fato inverídico ou, errôneo, tem direito a resposta ou retificação.

 

Outrossim, em âmbito geral, o art. 5º, inciso V, da Constituição Federal, assegura "o direito de resposta, proporcional ao agravo". Comentando o referido dispositivo, Alexandre de Moraes (2003, 76-77), leciona:

 

A norma pretende a reparação da ordem jurídica lesada, seja por meio de ressarcimento econômico, seja por outros meios, por exemplo, o direito de resposta e, a seguir, esclarece: A consagração constitucional do direito de resposta proporcional ao agravo é instrumento democrático moderno previsto em vários ordenamentos jurídico-constitucionais, e visa proteger a pessoa de imputações ofensivas e prejudiciais a sua dignidade humana e sua honra.

 

Todavia, como bem restou-se demonstrado, este tipo especial de reparação, in natura, é tema delicado, devendo haver, antes do pedido em juízo ou de sua imposição pelo magistrado, a análise esmerada da conveniência de modo que os efeitos desejados (de desagravo à vítima) não sejam inversos. Isto porque, evidentemente, na retratação pública o trabalhador lesado estará mais uma vez exposto correndo-se o risco de aumentar o número de pessoas conhecedoras dos fatos e da própria lesão, tornando por vezes mais difícil a contenção ou a redução de seus efeitos. Assim, quem não tomou conhecimento do ato lesivo ao seu tempo, pode passar a conhecê-lo por ocasião do desagravo, daí a necessidade de máxima cautela. Neste caso, o interesse da vítima deve vir em primeiro lugar.

Nesse mesmo sentido, o doutrinador Wilson Melo da Silva (1993, p. 660) com precisão e sapiência dispunha:

 

O dano moral será sempre ressarcido, de maneira preferencial, pelo próprio desagravo ou pela compensação não econômica, quando isto se possa fazer, socialmente falando, sem o risco de novos danos, deixando evidente a plausível preocupação com a eficácia deste tipo de ressarcimento.

 

Por outro lado, em relação ao agente que ocasionou a lesão, a publicação do desagravo certamente terá o efeito, primordial, de inibir outras condutas nocivas. Muito provavelmente nenhum empregador (empresa, profissional liberal e etc.) quer ter seu nome vinculado a ato de desrespeito a dignidade da pessoa humana; ou, ainda, ser visto publicamente como àquele que deixa de cumprir seus deveres jurídicos.

Dessa forma, a compensação através da retratação pública, de desagravo, corresponde ao direito de resposta contido na norma constitucional (garantia fundamental), podendo ser utilizada como mais uma alternativa na reparação dos danos morais, bem como à colocação da vítima ao seu anterior status.

A diretora de pesquisa do Center for Public Leadership e conferencista em políticas públicas na John F. Kennedy School of Government, Barbara Kellerman, em matéria publicada recentemente sobre o tema, preleciona da seguinte forma (Internet, 2009):

 

”(...) o pedido de desculpas feito pelo dirigente não é, mesmo na melhor das circunstâncias, livre de riscos para a empresa. Vários especialistas já alertaram para possíveis efeitos negativos. Mary Frances Luce, professora de marketing na Wharton, observa que, embora possa aplacar a ira do consumidor, a retratação pode também reforçar o elo negativo entre a marca e o problema. E completa: “É pena, porque a comunicação adequada muitas vezes pode reduzir bastante o grau de animosidade de uma situação”. É esse, justamente, o ponto. Mesmo quem sugere cautela concorda que um bom pedido de desculpas, feito na hora certa, tem mais chances de melhorar uma situação ruim do que de agravá-la. (...). Aliás, quanto mais grave o dano, mais importante é o pedido de desculpas para a resolução do conflito. Robert Rotberg, diretor do Program on Intrastate Conflict and Conflict Resolution, da Harvard University, estudou a Comissão de Verdade e Reconciliação na África do Sul e concluiu que um ato de contrição pode abrir a possibilidade de cicatrização até nas situações pós-conflito mais extremas: “A apresentação de um pedido de desculpas pelo lado dominante à minoria prejudicada, ou a retratação mútua da parte de todos os envolvidos, pode amainar turbulências antigas e ser de grande assistência para uma transição de sucesso”.

 

 

Com efeito, não obstante haver mais relatos pontuais do que dados sistemáticos sobre o verdadeiro efeito de um pedido de desculpas, estudos acadêmicos feitos até aqui sugerem que um líder tende a superestimar o custo da retratação e a subestimar as vantagens. Contudo, sabemos, por exemplo, que o pedido de desculpas costuma aplacar, ou seja, suavizar, abrandar a ira de quem se sente lesado, injustiçado e ou magoado no seu mais reservado íntimo.

Destarte, como bem assevera a autora, para que haja uma retratação pública deve ter um pedido pleno de desculpas, reconhecer a ofensa, aceitar a responsabilidade, expressar arrependimento e prometer que o deslize não se repetirá. Dessa forma, buscar-se-á publicamente a retratação, se redimindo da situação vexatória imposta ao lesado.

 

 

5.1.3 Prestação de serviços comunitários

 

Há quem defenda a reparação de danos através da imposição, ao agente responsável pela lesão, de realização de serviços comunitários. Trata-se, na verdade, de compensação que não será entregue diretamente para a vítima, mas para terceiros onde os ditos serviços vierem a ser prestados. A vítima, por sua vez, seria atendida, compensada, via reflexa, pela satisfação de ter auxiliado seus pares.

O professor Humberto Theodoro Júnior (2003, p. 93) faz relevante abordagem a respeito da prestação - de serviços comunitários, lembrando que por vezes o responsável pela lesão não possui capacidade econômico/financeira para suportar o ônus da condenação em pecúnia. Nestes casos, por real impossibilidade, a sentença condenatória seria inexeqüível.

Na mesma linha de raciocínio, porém, com a inversão do agente causador do dano, Alexandre Agra Belmonte (2001, 197), dispunha do seguinte entendimento:

 

Vê na prestação de serviços comunitários outra forma de realizar a composição do dano moral trabalhista, desta feita, por parte do empregado ofensor de direito da personalidade do empregador; ou seja, seriam àqueles casos em que a moral atingida é a da pessoa do empresário ou profissional liberal (empregador).

 

Cumpre salientar, em que pese à lição citada, que atualmente não é incomum encontrarem-se empregadores em condições semelhantes às de seus empregados.

Portanto, hodiernamente são comuns aos pequenos e modestos empreendimentos, emergentes da conjuntura econômica. Nestas pequenas ou micro empresas, os titulares nada mais são do que empregados que não mais obtém colocação no mercado formal de trabalho (ou porque está saturado, ou por atingir idade avançada, ou pela substituição da máquina e tecnologia pelo trabalho humano, dentre vários outros fatores), partindo para a iniciativa privada sem deter vocação ou respaldo financeiro. Nestas condições, a obrigação de prestar serviços comunitários, como forma alternativa de reparação do dano, pode ser imposta ao próprio empregador.

Assim sendo, trata-se de um meio, útil, que visa não permitir que o responsável pela lesão fique incólume, dando azo a outros atos de desrespeito à dignidade alheia. Para tanto, a necessidade de desestimular e prevenir comportamentos anti-sociais justifica-se este tipo de reparação in natura.

 

5.1.4 Financiamento de tratamento médico/psiquiátrico

 

Este instituto, por sua vez, consiste em especial, as formas pelas quais são caracterizadas e identificadas as lesões, bem como em que âmbito dar-se-á as possíveis reparações.

Assim, o financiamento de tratamento médico e/ou psiquiátrico resulta, muito provavelmente, na melhor e mais eficaz forma de reparar os danos de ordem moral em duas hipóteses distintas: 1) quando da ação ou omissão lesiva, dada a gravidade, resta comprometida a integridade psíquica da vítima; 2) quando da ação ou omissão lesiva, resultam danos a saúde (doença profissional) ou a integridade física do trabalhador (acidente do trabalho), abalando, via reflexa, a integridade psíquica.

A primeira hipótese é pouco explorada pela doutrina, o que se justifica pela novidade que ainda envolve o assunto bem como a necessidade de estudo de outro ramo da ciência: a medicina. A segunda hipótese vem recebendo tratamento tradicional: compensa-se a dor física e psíquica (dano moral) ocasionada pela doença profissional e através dos acidentes de trabalho (danos físicos: perda de algum membro, aleijões, cicatrizes) com o pagamento de uma única e determinada quantia em dinheiro. Comumente é desconsiderado o fato de que a vítima, para quem restam graves seqüelas físicas e/ou estéticas, pode evoluir para um quadro mais grave, de abalo psíquico.

Dessa forma, há vários casos em que o dano ou o abalo moral pode evoluir para um dano psíquico. Celeste Leite dos Santos Pereira Gomes (1998, p. 17), afirma:

 

Quando a repercussão psíquica do dano moral atinge intensidade suficiente, "provoca transtornos psíquicos", para os quais se adota, atualmente, a Classificação Internacional de Doenças, em sua décima revisão, conhecida como CÍD-10. O dano psíquico, segundo a autora, "relaciona-se com a existência de uma deterioração, disfunção, distúrbio ou transtorno, ou desenvolvimento psicogênico ou psico-orgânico que, afetando suas esferas afetiva e/ou intelectual e/ou volitiva, limita sua capacidade de gozo individual, familiar, atividade laborativa, social e/ou recreativa.

 

Nas hipóteses inicialmente referidas, a compensação in natura, consistente no tratamento médico/psiquiátrico, é primordial. A autora supramencionada (1998, p. 18), refere ainda:

 

“(...) estamos diante da perspectiva da psicoterapia na questão dos danos psíquicos, o que é de enorme importância para a questão sob estudo. Para ilustrar, veja-se que não se pode modificar um fato; entretanto, com a psicoterapia pode-se alterar a perspectiva deste fato que, assim, passa a ter um novo julgamento. Sartre já dizia que, a idéia que formamos de algo, adere-se importantes cargas afetivas. Ora, se alterarmos esta idéia, poderemos modificar as cargas emocionais que lhe são inerentes”.

 

Nesse diapasão, a autora francesa psiquiatra, psicanalista, e psicoterapeuta de família, formada em vitimologia Marie-France Hirigoyen (2000, p. 52) externou o seguinte posicionamento:

 

Ao longo da vida há encontros estimulantes, que nos incitam a dar o melhor de nós mesmos, mas há igualmente encontros que nos minam e podem terminar nos aniquilando. Um indivíduo pode conseguir destruir outro por um processo contínuo e atormentante assédio moral. Pode mesmo acontecer que o ardor furioso desta luta acabe em verdadeiro assassinato psíquico. Todos nós já fomos testemunhas de ataques perversos em um nível ou outro, seja entre um casal, dentro das famílias, dentro das empresas, ou mesmo na vida política e social. No entanto, nossa sociedade mostra-se cega diante dessa forma de violência indireta. A pretexto de tolerância, tornamo-nos complacentes.

 

Feitas estas considerações iniciais, passemos analisar a possibilidade de reparação em natura dos danos morais que evoluem para o dano psíquico; primeiro, em relação ao dano moral puro (decorrente de ofensa exclusivamente moral) e, segundo, do dano moral reflexo (decorrente de doença profissional ou de acidente do trabalho).

 

5.2          DANO MORAL DIRETO

 

A priori, salutar ressaltar que o Brasil é um dos poucos países que possui o instituto do dano moral constitucionalizado. Para tanto, o artigo 5º, incisos V e X, da Carta Magna de 1988, alberga, de forma inquestionável, a admissão do dano moral da seguinte forma:

 

Art. 5º, V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; e, X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

 

 

O ser humano, desde a sua concepção, tem direitos assegurados pelo ordenamento jurídico. Todavia, é do nascimento com vida que passa a ser capaz de direito, o que significa dizer, que ele constitui capacidade de ser sujeito de direitos e obrigações na ordem civil; de ser titular de direitos e de obrigações; de ser sujeito em relações jurídicas. Portanto, adquire direitos da personalidade (direito à moral, à honra, à imagem, ao nome, etc.).

Ademais, os aludidos direitos são inerentes à pessoa humana e a ela ligados de maneira perpétua e permanente. São direitos não patrimoniais e, por conseguinte, inalienáveis, intransmissíveis, imprescritíveis e irrenunciáveis. Nesses termos, a sociedade, ou seja, os indivíduos que a compõem, deve respeito a esses direitos, oponíveis erga omnes. A sua violação está a exigir uma sanção, uma indenização pelo dano causado à vítima.

Dessa forma, de pronto observa-se que um dos meios empregados para a ocorrência do fato danoso não se restringe apenas ao físico, corporal, mas pode caracterizar-se com facilidade na forma verbal ou expressões simbólicas, ou seja, um sujeito será atacado em sua integralidade por emprego de palavras, gestos, símbolos, figurações, etc.

Assim, o dano moral encontra guarida tanto na Lei Maior, quanto no âmbito da responsabilidade civil, esta, por sua vez, há séculos agasalha o princípio geral de direito sobre o qual se funda a obrigação de indenizar. Conforme sábios e seguros ensinamentos do mestre Silvio Rodrigues (2002, p. 13), ao abordar o tema da responsabilidade civil, assim elucida:

 

Princípio geral de direito, informador de toda a teoria da responsabilidade, encontradiço no ordenamento jurídico de todos os povos civilizados e sem o qual a vida social é quase inconcebível, é aquele que impõe a quem causa dano a outrem o dever de reparar.

 

 

Comungando com o entendimento supracitado, o saudoso Pontes de Miranda (1984, p. 463), assim dispunha:

 

Responsabilidade só se faz efetiva se há remédios jurídicos prontos e se a aplicação da Lei não fica à mercê de interpretações tendenciosas. A impunidade, havendo Leis, é mais grave do que a impunidade por se não terem Leis. E, conclui, o valor dos povos mede-se pelo valor intrínseco das suas Leis e pela segurança de serem aplicadas em toda (sic) a sua extensão.

 

Destarte, pelo contido nos comandos constitucionais, bem como no ordenamento jurídico como um todo, torna-se inquestionável a admissão do dano moral, ainda que isoladamente, ou seja, sem estar cumulado com os danos materiais, dada a possibilidade de ocorrer dano moral sem que haja danos materiais. Para tanto, destaque-se, ainda, o disposto no artigo 186 do Código Civil que pacifica a lesão moral, por si só, como um direito a ser preservado: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".

Ademais, se, conforme referido anteriormente, o dano moral é do tipo grave, intenso, a vitima pode sofrer abalo psíquico e, conseqüentemente, necessitar de tratamento psicológico, ou psiquiátrico, como forma de reequilibrar seus sentimentos negativos e recuperar o equilíbrio psíquico.

 

5.2.1 Dano Psíquico ou Psicológico

 

No campo da responsabilidade civil, o chamado “dano psíquico” traduz expressão difusa e aleatória, sem definição satisfatória, carecendo de concreção.

A doutrina não lhe deu autonomia, nem se debruçou sobre a questão com maior profundidade.

Assim, Rui Stoco (2007, p. 1678) preleciona:

 

Pode-se entender dano psíquico ou psicológico como a lesão física que a pessoa venha a sofrer em razão de acidente, com comprometimento de suas reações físicas e higidez psicológica e mesmo dos sentidos, tais como a visão, audição, olfato, paladar e tato, ou, ainda, com o comprometimento de funções orgânicas.

 

Por outro lado, não obstante o entendimento do mestre Rui Stoco (2007, p. 1678), ele próprio citando Celeste Leite dos Santos Pereira Gomes, Maria Celeste Cordeiro Leite Santos e José Américo Santos, compartilha do seguinte entendimento:

 

Podemos falar da existência de dano psíquico em um determinado sujeito, quando este apresenta uma deterioração, disfunção, distúrbio ou transtorno, ou desenvolvimento psicogênico ou psicoorgânico que, afetando suas esferas afetiva e/ou intelectual e/ou volitiva limita sua capacidade de gozo individual, familiar, atividade laborativa, social e/ou recreativa.

 

Com efeito, nesta ótica, está-se diante de uma lesão, que se pode denominar “dano psíquico” e, por sua vez, empenha reparação de ordem patrimonial, seja indenizando a vítima em razão da diminuição ou supressão de sua capacidade laborativa, através de pensionamento mensal, de trato sucessivo, seja compondo danos emergentes e despesas de tratamento.

Lado outro, pode-se entender “dano psíquico” como o distúrbio ou perturbação causado à pessoa, através de sensações anímicas desagradáveis, embora passageiras ou transeuntes, em que a palavra “dano” está mal aplicada e tem um sentido meramente translado e veicular.

Assim, o indivíduo em razão de determinado fato, sofre fortes emoções que ofendem ou alteram o seu psiquismo e comportamento durante determinado período de tempo.

Nesse caso, para o jurista Rui Stoco (2007, p. 1678), estar-se-ia diante do dano moral, haja vista que, segundo ele:

 

O ‘dano psíquico’ exsurge tão-somente como expressão sinônima de “dano moral”, em que a pessoa é atingida na sua parte interior, anímica ou psíquica, através de inúmeras sensações desagradáveis e importunantes, como, por exemplo, a dor, a angústia, o sofrimento, a tristeza, o vazio, o medo, a insegurança, o desolamento e outros.

 

Dessa forma, melhor seria, para diferenciar as duas hipóteses, que se falasse em “lesão psíquica” e “ofensa psíquica”, esta como contingente do dano moral, cujo espectro de abrangência é muito mais dilargado, postando-se, assim, como gênero de que a ofensa psíquica é espécie.

Todavia, há certo consenso na doutrina, na esteira do entendimento por nós acima esboçado, de que o dano psíquico é tratado pela doutrina e jurisprudência como se fosse uma espécie de dano moral.

Por fim, resta por admitir que, embora se possa buscar as diferenças entre o dano psicológico e o dano moral, existe um elemento comum entre eles, que, ademais, se vincula com o interesse jurídico protegido.

Sendo assim, sem adentrar na casuística do dano moral, é necessário citar exemplo para melhor exposição e elucidação do tema ora pesquisado. Estudos estão sendo empreendidos, sobre uma das maiores ameaças no ambiente de trabalho moderno, ou seja, o assédio moral.

 

5.2.2 Assédio moral

 

Assédio moral ou violência moral no trabalho, como refere alguns pesquisadores, não é um fenômeno novo. Pode-se dizer que ele é tão antigo quanto o próprio trabalho.

A novidade, no entanto, reside na intensificação, gravidade, amplitude e banalização do fenômeno, assim como, na abordagem que tenta estabelecer o nexo-causal com a organização do trabalho e tratá-lo como não inerente ao trabalho. A reflexão e o debate sobre o tema são recentes no Brasil, tendo ganhado força após a divulgação da pesquisa brasileira realizada por Dra. Margarida Barreto.

A aludida autora (Internet, 2009) em sua dissertação de mestrado em Psicologia Social, defendida em 22 de maio de 2000 na PUC/ SP, sob o título "Uma jornada de humilhações", sustenta a seguinte tese:

 

Caracteriza-se pela degradação deliberada das condições de trabalho em que prevalecem atitudes e condutas negativas dos chefes em relação a seus subordinados, constituindo uma experiência subjetiva que acarreta prejuízos práticos e emocionais para o trabalhador e a organização. A vítima escolhida é isolada do grupo sem explicações, passando a ser hostilizada, ridicularizada, inferiorizada, culpabilizada e desacreditada diante dos pares. Estes, por medo do desemprego e a vergonha de serem também humilhados associado ao estímulo constante à competitividade, rompem os laços afetivos com a vítima e, freqüentemente, reproduzem e reatualizam ações e atos do agressor no ambiente de trabalho, instaurando o 'pacto da tolerância e do silêncio' no coletivo, enquanto a vitima vai gradativamente se desestabilizando e fragilizando, 'perdendo' sua auto-estima.

 

Nessa mesma linha de raciocínio, com muita primazia, a pesquisadora e autora francesa, Marie-France Hirigoyen (2005, p. 19), assim define o assédio moral:

 

Qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho; e, a seguir, esclarece: "cada ataque tomado de forma isolada não é verdadeiramente grave; o efeito cumulativo dos microtraumatismos freqüentes e repetidos é que constitui a agressão.

 

Trata-se, em resumo, do uso excessivo e/ou da deturpação do poder diretivo empresarial, através da prática repetida, deliberada e perversa de impor ordens e condições de trabalho degradantes, com o objetivo de destruir a vítima e de afastá-la do ambiente (há uma variante em relação ao trabalho em condições análogas às de escravo, onde a intenção do perverso é manter a pessoa sob seu jugo, sem viabilizar qualquer reação).

Desta feita, o assédio moral no trabalho pode se manifestar de várias formas e tem como conseqüências iniciais o estresse e a ansiedade, evoluindo para a depressão quando se prolonga por mais tempo e chegando a distúrbios psicossomáticos.

A psicanalista e psicoterapeuta Marie-France (2005, p. 161), obra já citada, sustenta:

 

Após um certo tempo de evolução dos procedimentos de assédio, os distúrbios psicossomáticos passam quase sempre ao primeiro plano. O corpo registra a agressão antes do cérebro, que se recusa a enxergar o que não entendeu. Mais tarde, o corpo acusara o traumatismo, e os sintomas correm o risco de prosseguir sob a forma de estresse pós-traumático. O desenvolvimento dos distúrbios psicossomáticos é impressionante e grave, e de crescimento muito rápido. Acontece sob forma de emagrecimentos intensos ou então rápidos aumentos de peso (quinze a vinte quilos em alguns meses), distúrbios digestivos (gastrites, colites, úlceras de estômago), distúrbios endocrinológicos (problemas de tireóide, menstruais), crise de hipertensão arterial incontroláveis, mesmo sob tratamento, indisposições, vertigens de pele etc.

 

Assim, as pessoas que são alvo de graves lesões no ambiente de trabalho (assédio moral, assedio sexual, trabalho em condição análoga a de escravo, trabalho infantil, etc.), perdem sua integridade psíquica, chegando a sofrer reflexos físicos (doenças) e, antes de mais nada, precisam ser tratadas por profissionais da área de saúde.

Ademais, outrossim, levando-se em consideração as circunstâncias do caso concreto, o juiz poderá de ofício (art. 130 do CPC) ou acolhendo pedido da parte lesada, determinar a realização de perícia médica (comum em casos de acidente do trabalho), para obter o diagnóstico sobre a extensão da lesão psíquica sofrida.

Com efeito, destarte, diagnosticada a lesão psíquica a melhor compensação será, sem dúvida, dispor para a vítima, às custas do agente responsável pela lesão, o tratamento médico, psiquiátrico ou psicológico, adequado, como forma insubstituível de melhor reparar efetivamente o dano. Assim, ao promover uma decisão que tem esse liame como finalidade, estará o juízo concedendo o que é de Direito com a mais elevada Justiça!

 

5.3          DANO MORAL REFLEXO

 

Para o mestre Caio Mário da Silva (2001, p. 42-43), o dano moral reflexo ou dano em richochete merece consideração especial. Assim, não se trata de responsabilidade indireta, que compreende responsabilidade por fato de terceiro e, assim, conclui:

 

A situação aqui examinada é a de uma pessoa que sofre o “reflexo” de um dano causado a outra pessoa. Pode ocorrer, por exemplo, quando uma pessoa, que presta alimentos a outra pessoa, vem a perecer em conseqüência de um fato que atingiu o alimentante, privando o alimentado do benefício. Seria o caso do ex-marido que deve à ex-mulher ou aos filhos uma pensão devida em conseqüência de uma separação ou divórcio, vir a perecer ou ficar incapacitado para prestá-la, como conseqüência de um dano que sofreu.

 

Nesse sentido, Enéas de Oliveira Matos (Internet, 2009), doutorando em direito pela Faculdade de Direito da USP, em considerações sobre os danos morais reflexos, defende o seguinte posicionamento:

 

Tratam-se os danos morais reflexos de espécie diferenciada, vez que enquanto os danos morais são, em regra, ofensas diretas à integridade física ou psíquica da pessoa humana, hipóteses há de se atingir, por via reflexa, indiretamente, terceira pessoa, impingindo-lhe danos morais, por ver sua integridade moral notoriamente abalada diante da ofensa à bem jurídico de que guarda relação, consubstanciando-se, no que a doutrina francesa chama de par ricochet, ou seja, danos à ricochete, danos indiretos, reflexos, onde há dois bens jurídicos ofendidos, sendo o dano diretamente ocorrido da lesão de um, que gera outro - na pessoa humana, pode haver a lesão à “B”, injuriando-o, v.g., ocasionando não só danos morais à “B”, mas também a seus filhos, “C” e “D”, por via reflexa - , gerando a obrigação de reparar todos os danos causados a título próprio.

 

Para tanto, a responsabilidade do causador do dano, nestes casos, há de ter maior amplitude; com a efetiva entrega, para a vítima, de meios para o mais pleno restabelecimento físico e emocional.

Torna-se fácil apreender o fato de que as vítimas de doenças ou de lesões físicas têm a sua estrutura emocional abalada a ponto de, em certos casos, perder o gosto pela vida. Conforme foi anteriormente explanado, se a doença ou lesão são graves, a vítima muito provavelmente desenvolverá um quadro de estresse emocional grave, que resultará em lesão psíquica.

No âmbito do trabalho estes danos têm origem nos métodos utilizados para a realização da atividade, que podem causar doenças profissionais e acidentes. Aqui a indenização não se restringe à reposição das perdas materiais normalmente decorrentes (impossibilidade de prover o próprio sustento e da família; impossibilidade de desenvolver o ofício para o qual se capacitou; impossibilidade de ascensão profissional; e etc.), mas, também, das possíveis compensações de ordem moral, onde se inclui a lesão psíquica.

Ad exemplifcandum, a perda de um membro ou de parte dele, sempre que for clinicamente possível, deve ser substituída por prótese, acompanhada de tratamento especializado para perfeita adaptação, tanto em relação a parte funcional da prótese quanto em relação aos efeitos psíquicos decorrentes da nova situação a ser enfrentada pela vítima. Em casos desta natureza, não tenho dúvidas de que esta é a melhor e mais eficaz forma de reparar o dano moral, pois se estará colocando a vítima em uma condição, não ideal, mas bem mais próxima de seu anterior estado.

A pessoa com mutilação física (aleijada), sem um membro, sofre intensamente pela rejeição alheia e por não mais se achar dentro dos padrões sociais de estética e de beleza, assim como, pela redução de sua plena capacidade física, porque, não raro, fica excluída do mercado de trabalho e de muitos meios de lazer (esportes, atividade físicas dentre outros).

Se o trabalhador acidentado receber o adequado tratamento médico (prótese, cirurgias plásticas reparadoras, fisioterapias) e psicológico/psiquiátrico, certamente a lesão que é indelével, será amenizada. A pessoa bem assistida não só recuperará parte de sua capacidade física, como recuperará a sua auto-estima de forma gradativa, podendo, inclusive minimizar dores físicas sempre presentes em tais situações.

Destarte, portanto, parece-me pouco, quase nada, entregar a estas vítimas, na maioria das vezes vilipendiadas, determinada quantia para compensar os danos morais, por mais suficiente que pareça ser esta quantia. Ademais, ínsita salientar, que indenizações pecuniárias sob a administração de pessoas incompetentes para tal fim, o risco é iminente da perda de elevada monta. E, conseqüentemente, não haverá a efetiva reparação da lesão, nem tão pouco o gozo da quantia auferida.  

Por fim, deve-se considerar, que apesar de dano reflexo, tal hipótese é de legitimidade por dano que lhe é causado diretamente, por ofensa a sua paz mental, tratando-se, portanto, de “prejuízo direto” à sua saúde mental e, por isso, passível de responsabilidade pelo causador da lesão, tanto de forma a reparar efetivamente a mesma, quanto a indenizar os prejuízos advindos desta.

 

6 REPARAÇÃO E INDENIZAÇÃO

 

Os vocábulos “reparação” em sentido estrito e “indenização” possuem significados distintos. A observação desta distinção se faz mister para uma melhor compreensão das formas e fundamentos da responsabilidade civil por danos morais.

Com efeito, a partir dessa empreita, cumpre observar as formas de reparação possíveis e disponíveis, e estabelecer entre elas a forma prioritária que deve ser buscada para uma adequada composição do dano.

Cabe ainda, observar a natureza jurídica e as funções da reparação. Seria ela satisfeita compensatória? Seria pena punitiva? Abarcaria característica dupla, ou seja, satisfatória e punitiva?

Por fim, tendo-se em vista o número de demandas cada vez mais presente no cotidiano forense, cumpre realizar uma abordagem no sentido das perspectivas de reparação para a modernidade, tendo em vista a acelerada evolução social.

 

6.1 NOÇÕES PRELIMINARES

 

Como abordado anteriormente, o vocábulo reparação pode ser concebido em dois sentidos: um amplo e outro restrito.

Num sentido amplo, a reparação pode ser entendida como:

 Ato ou efeito de reparar o dano patrimonial ou moral causado a outrem, ou seja, caracteriza-se na forma de retratação, desdizendo ofensas; indenização; renovação; restauração; ato de conservar a coisa; restabelecimento da coisa ao estado anterior.

Deste conceito, infere-se que a reparação lato sensu abrange a reparação stricto sensu e a indenização. Disso deflui que a Reparação lato sensu é um gênero do qual figura como espécie a reparação stricto sensu e a indenização.

A reparação lato sensu, por sua vez¸ pressupõe o restabelecimento do patrimônio afetado, seja ele material ou moral, no estado anterior à ocorrência do evento lesivo, quando se estará diante da reparação stricto sensu, também chamada reparação específica; ou, diante da impossibilidade material de dito restabelecimento natural, a sua substituição por um equivalente pecuniário, no qual se identifica a Indenização.

Dessa forma, a reparação pode ser de duas formas, in natura ou por equivalente pecuniário, na medida, respectivamente, em que estabeleça a substituição do bem da vida afetado por outro igual ou equiparável, que na medida da sua impossibilidade pode dar lugar ao dever de pagar uma soma em dinheiro. Ou seja, a reparação in natura tem, necessariamente, que operar a substituição dos efeitos de um determinado foto lesivo, pelos efeitos da prática de um ato outro, reparatório, que conduzirá o estado de espírito do lesado à mesma situação em que se encontrava primitivamente. 

Assim sendo, a reparação in natura é preferível, bem como bastante razoável, na medida em que revela a recomposição absoluta e/ou relativa do status quo ante da vítima lesada. De tal sorte que, a forma de reparação estará condicionada pelo interesse lesado e, em muitas hipóteses será mais adequada a reparação por equivalente ou, mesmo, a reunião de ambos os tipos.

 

6.2 NATUREZA JURÍDICA DA REPARAÇÃO

 

É cediço a controvérsia a respeito da natureza jurídica da reparação do dano moral. Alguns autores vislumbram apenas o caráter punitivo, enquanto outros, afirmam que tal colocação não satisfaz para fundamento da reparação do dano moral, bastando considerar que, nos casos em que o ato ilícito assume maior gravidade, pelo perigo social dele resultante, a ponto de considerar-se crime, o direito penal intervém, aplicando a pena (pública) ao delinqüente.

Hodiernamente, levando-se em consideração os ensinamentos do civilista Carlos Roberto Gonçalves (2007, p. 375), tem prevalecido, no entanto, o entendimento de que a reparação pecuniária do dano moral tem duplo caráter, ou seja:

 

Compensatório para a vítima e punitivo para o ofensor. Assim, ao mesmo tempo em que serve de lenitivo, de consolo, de uma espécie de compensação para atenuação do sofrimento havido, atua como sanção ao lesante, como fator de desestímulo, a fim de que não volte a praticar atos lesivos à personalidade de outrem.

 

Não se pode negar ainda, segundo o aludido autor, que a reparação pecuniária do dano moral é um misto de pena e de satisfação compensatória, tendo função (2007, p. 375):

a)             Penal, ou punitiva, constituindo uma sanção imposta ao ofensor, visando a diminuição de seu patrimônio, pela indenização para ao ofendido, visto que o bem jurídico da pessoa – integridade física, moral e intelectual – não poderá ser violado impunemente, subtraindo-se o seu ofensor às conseqüência de seu ato por não serem reparáveis; e

b)             Satisfatória ou compensatória, pois, como o dano moral constitui um menoscabo a interesses jurídicos extrapatrimoniais, provocando sentimentos que não têm preço, a reparação pecuniária visa proporcionar ao prejudicado uma satisfação que atenue a ofensa causada.

 

Desta feita, não se trata, como demonstrado, de uma indenização de sua dor, da perda de sua tranqüilidade ou prazer de viver, mas de uma compensação pelo dano e injustiça que sofreu, suscetível de proporcionar uma vantagem pecuniária ao ofendido, como forma de atenuar, em parte, seu sofrimento. Bem como demonstrado alhures ao longo dessa pesquisa, quando possível, a reparação in natura, com forma de reparar o dano, a lesão ao status quo ante da vítima.

Com efeito, é de curial importância salientar, que o ressarcimento do dano material ou patrimonial tem, igualmente natureza sancionatória indireta, servindo para desestimular o ofensor à repetição do ato, sabendo que terá de responder pelos prejuízos que causar a terceiros. O caráter punitivo, por sua vez, é meramente reflexo ou indireto, ou seja, o autor do dano sofrerá um desfalque patrimonial que poderá desestimular a reiteração da conduta lesiva. Mas a finalidade precípua do ressarcimento dos danos não é punir o responsável, e sim recompor o patrimônio do lesado.

 

6.3 A QUANTIFICAÇÃO DO DANO MORAL

 

Ao longo dos anos, o problema da quantificação do dano moral tem preocupado o mundo jurídico, em virtude da proliferação de demandas, sem que existam parâmetros seguros para a sua estimação. De tal sorte que, enquanto o ressarcimento do dano material procura colocar a vítima no estado anterior, recompondo o patrimônio afetado mediante a aplicação da fórmula “danos emergentes – lucros cessantes”, a reparação do dano moral objetiva apenas uma compensação, um consolo, sem mensurar a dor.

Dessa forma, em todas as demandas que envolvam danos morais, o juiz defronta-se com o mesmo problema, ou seja, a perplexidade ante a inexistência de critérios uniformes e definidos para arbitrar um valor, que se julga, adequado.

 

6.4 CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO DO QUANTUM DEBEATUR

 

Este instituto, sem dúvida, consiste um dos grandes desafios da ciência jurídica. Pois, como efetivamente chegar uma reparação justa do dano moral? Como apurar o quantum indenizatório, se o padrão moral varia de pessoa para pessoa e se tanto o próprio nível social, econômico, cultural e intelectual como o meio em que vivem os interessados repercutem no seu comportamento? E, ainda, se a reparação do dano moral não tem correspondência pecuniária, ante a impossibilidade material de equivalência de valores, como poderá ser absoluta e precisa?

Dessa forma, na fixação do quantum indenizatório, à falta de regulamentação específica, os tribunais utilizaram, numa primeira etapa, o s critérios estabelecidos no Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº 4.117, de 27-8-1962), por se tratar do primeiro diploma legal a estabelecer alguns parâmetros para a quantificação do dano moral, ao determinar que se fixasse a indenização entre cinco e cem salários mínimos, conforme as circunstâncias e até mesmo o grau de culpa do lesante. Mesmo tendo sido revogado os dispositivos do referido Código pelo Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967, a Lei de Imprensa (Lei nº 5.250, de 9-2-1967) elevou o teto da indenização para duzentos salários mínimos.

Durante muito tempo esse critério serviu de norte para o arbitramento das indenizações em geral. Argumenta-se: se, para uma simples calúnia, a indenização pode alcançar cifra correspondente a duzentos salários mínimos, em caso de dano mais grave tal valor pode ser multiplicado uma ou várias vezes. Esse limite de duzentos salários mínimos não mais subsiste, em face da atual Constituição, que não prevê nenhuma tabela ou tarifação a ser observada pelo juiz.

Lado outro, algumas recomendações da Lei de Imprensa, feitas no art. 53, no entanto, continuam a ser aplicadas na generalidade dos casos, como a situação econômica do lesado; a intensidade do sofrimento; a gravidade, a natureza e a repercussão da ofensa; o grau de culpa e a situação econômica do ofensor, bem como as circunstâncias que envolvam os fatos. Em razão da diversidade de situações, muitas vezes valem-se os juízes de peritos para o arbitramento da indenização, como no caso de dano à imagem dentre outros.

Ante a dificuldade de estimação pecuniária do dano moral, a disparidade de julgados, para alguns autores, o mais sensato seria que houvesse uma disciplina legal prescrevendo, para impedir excessos, atendendo as peculiaridades de cada caso.

Todavia, como na prática isso ainda não ocorre, o mais razoável para dirimir as indagações supracitadas, relativamente à reparação do dano moral, consiste na possibilidade e/ou dever de o juiz buscar amparo naquilo que lhe parecer equitativo, ou justo, agindo sempre com um prudente arbítrio, ouvindo as razões das partes, verificando os elementos probatórios, para só assim fixar moderadamente e com exação uma indenização.

Com muita lucidez e coerência, Maria Helena Diniz (2007, p.101-102) enumera algumas regras a serem seguidas pelo órgão judicante no arbitramento, tendo por objetivo atingir homogeneidade na avaliação do dano moral:

 

a)       Evitar indenização simbólica e enriquecimento sem causa, ilícito ou injusto da vítima. A indenização não poderá ser ínfima, nem ter valor superior ao dano, nem deverá subordinar-se à situação de penúria do lesado; nem poderá conceder a uma vítima rica uma indenização inferior ao prejuízo sofrido, alegando que sua fortuna permitiria suportar o excedente do menoscabo;

b)       Não aceitar tarifação, porque esta requer despersonalização e desumanização, e evitar porcentagem do dano patrimonial;

c)       Diferenciar o montante indenizatório segundo a gravidade, a extensão e a natureza da lesão;

d)       Verificar a repercussão pública provocada pelo fato lesivo e as circunstâncias fáticas;

e)       Atentar às peculiaridades do caso e ao caráter anti-social da conduta lesiva;

f)         Averiguar não só os benefícios obtidos pelo lesante com o ilícito, mas também a sua atitude ulterior e situação econômica;

g)       Apurar o real valor do prejuízo sofrido pela vítima e do lucro cessante, fazendo uso do juízo de probabilidade para averiguar se houve perda de chance ou de oportunidade, ou frustração de uma expectativa.

h)       Levar em conta o contexto econômico do país. No Brasil não haverá lugar para fixação de indenizações de grande porte, como as vistas nos Estados Unidos;

i)         Verificar não só o nível cultural e a intensidade do dolo ou o grau de culpa do lesante em caso de responsabilidade civil subjetiva, e, se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poder-se-á reduzir, de modo equitativo, a indenização (CC, art. 944, parágrafo único), como também as passes econômicas do ofensor para que não haja descumprimento da reparação, nem se lhe imponha pena tão elevada que possa arruiná-la;

j)         Basear-se em prova firme e convincente do dano;

k)       Analisar a pessoa do lesado, considerando os efeitos psicológicos causados pelo dano, a intensidade de seu sofrimento, seus princípios religiosos, sua posição social e política, sua condição profissional e seu grau de educação e cultural;

l)         Procurar a harmonização das reparações em casos semelhantes;

m)     Aplicar o critério do justum ante as circunstâncias particulares do caso sub sudice (LICC, art. 5º), buscando sempre, com cautela e prudência objetiva, a equidade e, ainda, procurando demonstrar à sociedade que a conduta lesiva é condenável, devendo, por isso, o lesante sofrer a pena.

 

 

Assim, na qualificação do dano moral, o arbitramento deverá, portanto, ser feito com bom-senso e moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, sendo caso de responsabilidade civil subjetiva, à gravidade da ofensa, ao nível socioeconômico do lesante, à realidade de vida e às particularidades do caso sub examine. De tal forte que, a avaliação do quantum do dano moral não pode ser um simples cálculo matemático-econômico, havendo necessidade de o juiz seguir um critério justo.

Por maior razão, levando-se em consideração as peculiaridades do bem atingindo, um campo que pode revelar tal reparação é a interdição de determinadas atividades, como forma de reduzir as conseqüências danosas, reparação que se soma a um valor pecuniário. Haja vista que a reparação é condicionada pelo interesse atingido, podendo se revelar in natura ou por equivalente pecuniário.

Portanto, muitas vezes é suficiente, para trazer satisfação à vítima, a condenação formal do ofensor, valendo mais o aspecto moral dessa condenação que o seu aspecto econômico. Por outro lado, nessas outras formas de compensar o lesado, além da reparação em dinheiro, como a retratação e divulgação imediata da resposta ou a publicação gratuita de sentença condenatória, nas ofensas à honra veiculada pela imprensa. São soluções expressamente previstas no ordenamento jurídico. Nada obsta, porém, que o magistrado conceda ao lesado a reparação específica que entenda mais adequada, ainda que não haja previsão legal explícita. Basta que, implicitamente, o sistema admita a forma de reparação alvitrada.

Ademais, saliente-se, no entanto, que é de bom alvitre que o magistrado antes de determinar a reparação in natura, verificando a sua viabilidade, consulte a vítima, para certificar-se que esta aceita essa forma de reparação, haja vista que a escolha é dela.

Nesse sentido, é o entendimento de Robinson Bogue Mendes (2000, p. 153) que externa o seguinte posicionamento:

 

Não sendo possível a recolocação das coisas no seu estado anterior, o dano será coberto, então, por determinada importância em dinheiro que possa, da melhor maneira possível, satisfazer o ofendido. E, conclui: a escolha entre a repristinação ou a indenização, em moeda corrente, caberá, como regra, à vítima.

 

Com efeito, como alhures mencionado, nada impede, conforme o caso, considerando as circunstâncias e a gravidade da lesão, que o juiz condene o agente causador do dono, a repará-lo em ambas as formas. Haja vista, que a reparação in natura e a indenização não se excluem, mas ambas se completam.

 

7 CONCLUSÃO

 

Partindo-se da premissa que o direito é uma ciência, e como tal, não é estática e, por sua vez, evolui de acordo com a sociedade; ao longo dos tempos, procurou-se adaptar as constantes transformações que lhe dera origem e, por conseqüência, sofre contínuas alterações devido às necessidades impostas pela constante evolução.

A pesquisa empreendida ao logo desse trabalho monográfico teve como finalidade precípua analisar de forma sucinta, porém clara e objetiva a “compensação do dano moral in natura na Justiça do Trabalho”. De tal sorte que, não obstante o fato de não haver normas regulamentadoras para a devida reparação do instituto supramencionado, ou seja, dano moral in natura é patente a tutela assegurada tanto na Constituição da República quanto nas normas esparsas, bem como na doutrina e jurisprudências pertinentes.

Assim sendo, diante das mais diversas acepções terminológicas do instituto ora pesquisado, dano moral, não podemos nos apartar de um aspecto fundamental, qual seja, o de que “a pessoa, e não o patrimônio, é o centro do sistema jurídico” e, por sua vez, nesse mundo particularmente internalizado, voltado para o interior do ser humano enquanto dotado de personalidade única, inconfundível e inviolável, as questões relacionadas à matéria, de natureza patrimonial ou com expressão meramente pecuniária, não são levadas em conta. Contudo, ganham relevo e importância apenas a proteção desses atributos da personalidade e ela própria, ainda que o resultado dessa proteção possa ser convertido em dinheiro por mera convenção ou conveniência.

Ademais, é de curial importância salientar, que todo ser humano é constituído de bens morais, tais como a honra, a imagem, o bom nome, a intimidade, a opinião, e dentre outros elementos que compõe a "face" interna de cada um, e que tais bens devem permanecer intactos, sem ser molestados. De tal sorte, que a dignidade da pessoa humana ressalta os valores sociais do trabalho, que por sua vez cria um espírito de cidadania, permanecendo os valores éticos, sociais e culturais de uma sociedade em determinada época.

De tudo se conclui que, ou aceitamos a idéia de que a ofensa moral se traduz em dano efetivo, embora não patrimonial, atingindo valores internos e anímicos da pessoa, ou haveremos de concluir que a indenização tem mero caráter de pena, como punição ao ofensor e não como reparação ou compensação ao ofendido.

E não temos dúvida de que de dano se trata, na medida em que a Constituição Federal elevou à categoria de bens legítimos e que devem ser resguardados todos aqueles que são a expressão imaterial do sujeito, seu patrimônio subjetivo, como os sentimentos d’alma, a intimidade, a vida privada, a honra, a imagem, que, se agredidos, sofrem lesão ou dano que exige reparação. Até mesmo a dor moral – como a angústia, a aflição e a tristeza – faz parte do patrimônio subjetivo da pessoa, embora de natureza negativa, mas que deve ser respeitada. O escárnio e zombaria dessas manifestações anímicas pode casar dano moral.

Significa, portanto, que o dano que se deve vislumbrar é aquele que atinge a pessoa nos seus bens mais importantes, integrantes do seu patrimônio subjetivo. Com efeito, a compensação em natura está a merecer maior atenção dos operadores do direito, já acostumados ou até, em alguns casos, acomodados com a resposta encontrada na compensação pecuniária. Se o bem atingido não pode ser medido economicamente, como de fato não pode, e se a tônica do instituto da responsabilidade é a restituição da vítima ao estado anterior ao dano, nada mais razoável do que procurar reparar em natura, tanto quanto seja possível.

A teoria da responsabilidade civil, cujas raízes estão fixadas no princípio fundamental do neminem laedere, encontra sua justificação na liberdade de atuação do homem, enquanto ser social, e na sua racionalidade. Busca a satisfação dos interesses do lesado, com vistas a restaurar o seu patrimônio ou compensar o seu sofrimento, conforme o caso. Distingue-se entre a fundada na lei e a que se origina nas relações contratuais, recebendo a chancela do Direito Civil brasileiro sob o fundamento genérico da culpa (lato sensu), não obstante as concessões feitas à responsabilidade objetiva. E, no seu processo evolutivo, centra-se, hoje, cada vez mais acentuadamente, na reparação de dano à vítima.

No Direito brasileiro, o princípio geral de reparabilidade da lesão moral teve como origem a exegese literal do art. 159 do Código Civil de 1916, hoje contemplado no art. 186 do novo diploma legal, do qual não decorre qualquer distinção a respeito do tipo de dano capaz de ensejar o dever de indenizar (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus).

Inspirada na construção doutrinária e pretoriana, há de se reconhecer que a reparação do dano moral, no Brasil, a partir da Constituição da República de 1988, representa conquista de direitos e garantias fundamentais. Inexoravelmente, nossa Lex Mater espancou de vez qualquer dúvida a respeito da possibilidade de reparação do dano moral e permitiu aos nossos Tribunais promovê-la da maneira mais ampla, positivando, definitivamente, o silogismo criado pela doutrina e jurisprudência.

Hoje, enraizada, pois, no sistema normativo brasileiro e na própria Carta Política, a reparação tem aplicação certa no Direito pátrio, diante de qualquer lesão injusta ao patrimônio moral da pessoa.

Alicerçadas sobre o mesmo fundamento – o princípio geral da obrigação de não lesar (neminem laedere) – a reparação do dano de cunho material e a da ofensa moral têm como principal diferença o fato de que a primeira se resolve em indenização, ocorrendo, nesse caso, a eliminação do prejuízo e das conseqüências da conduta lesiva, enquanto que a segunda possui natureza eminentemente compensatória, pois nem sempre será possível o retorno ao status quo ante.

Vale enfatizar, a propósito, que o próprio mecanismo protetor da norma geral que impõe a reparação – neminem laedere – caracteriza-se por sua natureza mista, pois, se, de um lado, compõe danos, de outro lado, impõe a sanção do ato ilícito. E, via de conseqüência, ao comandar a punição do infrator, orienta condutas.

Delineados os principais aspectos referentes ao dano moral, resta, agora, concluir sobre o tema central objeto do presente estudo: os critérios para efetiva reparação do dano moral in natura pelo Judiciário.

A fixação do quantum compensatório insere-se entre os temas delicados do Direito, a exigir acurada sensibilidade e senso de justiça, pois, como visto, diferentemente do que ocorre com relação aos danos materiais, não se volta à recomposição patrimonial do ofendido, mas com o restabelecimento puro e simples do status quo ante; persegue, acima de tudo, a compensação, de alguma forma, das aflições da alma humana, das dores provocadas pelas mágoas produzidas em decorrência das lesões íntimas.

A meu modesto sentir, o valor reparatório, a título de dano moral, deve ficar ao livre e prudente arbítrio do magistrado, único legitimado a aferir, a partir de seu convencimento e tirocínio, a extensão da lesão e o que a esta corresponda. De tal sorte que, nada mais razoável do que a reparação in natura como forma de melhor restaurar efetivamente a lesão sofrida. Ou, ainda, a depender do caso concreto, a reparação in natura juntamente com a indenização pecuniária, haja vista que elas não se excluem, mas ambas se completam.

Há quem tema, e muito, tal liberdade dada ao julgador, e, via de conseqüência, defenda, enfaticamente, a implantação de um tarifamento ou dosimetria de valores por parte da lei, a fim de coibir eventuais excessos.

Mas, em se tratando da fixação da reparação do dano moral, o voto de confiança na atividade judicante se faz ainda mais imprescindível, pois a valoração de um juiz, inegavelmente, tem infinitas vantagens sobre a previsão fria de uma lei genérica.

Por maior razão, sem dúvida, não se apresenta como a melhor alternativa, o sistema tarifário diante da aflição humana. Até porque, a dor, a tristeza, o âmago, ou seja, os sentimentos anímicos inerentes a cada um são imensuráveis. Ademais, os interesses intersubjetivos de cada vítima são sempre distintos, e díspares são os efeitos causados pelos danos cometidos, o que impossibilita a dosimetria. Não bastasse isso, no condenado sistema, estar-se-ia a igualar realidades desiguais, o que não se admite. E, além do que, considerada a nossa realidade cultural, a tendência nesse “tabelamento”, certamente, seria a de limitar o direito aquém do necessário e justo, caminhando-se na contramão da história.

Assim, prudência e razoabilidade devem ser tomadas como palavras-de-ordem em todo o processo de apuração do dano moral e da indenização devida em função deste.

Dessa forma, necessita o juiz, ao estimar a reparação in natura e/ou o valor indenizável, repita-se, tarefa das mais tortuosas, determinar um ponto a partir do qual exercerá sua avaliação. Seu trabalho assemelha-se ao da lapidação de uma pedra de inestimável valor, no qual a força mal empregada é capaz de arruinar todo o resultado pretendido.

O ponto de partida, esse primeiro parâmetro a ser buscado, explorado ao logo da presente pesquisa, se possível, a reparação in natura, de forma a restaurar o status quo ante da vítima e, por maior razão, a efetiva reparação dos danos causados.

Num segundo momento, o parâmetro a ser considerado, se presente, há de ser o valor pedido pelo ofendido, que, em tese, em um momento posterior, obviamente, seria o único capaz de mensurar o quantum suficiente, haja vista o caráter compensatório da indenização. Demais disso, não se pode esquecer que a reparação pecuniária do dano moral não indeniza de maneira satisfatória – e nem poderia – a agressão íntima sofrida pelo lesado.

Por derradeiro, caberia a intervenção do juiz, que, passaria a apreciar, de forma integrada, a gravidade ou extensão do dano, as circunstâncias (objetivas e subjetivas) do caso, a situação pessoal e social do ofendido e a condição econômica do lesante. Bem como a melhor forma de reparação e/ou indenização, ou ainda, ambas concomitantemente no mais intenso senso de JUSTIÇA aplicado ao caso concreto!

Somente considerados todos esses aspectos pelo Judiciário estaria assegurada a compensação in natura e/ou a quantificação da indenização devida por dano moral, de forma a punir de fato o ofensor, na proporção da gravidade da lesão por ele cometida – o que, por certo, não ocorreria se a compensação não fosse plausível ou valor fixado fosse simbólico ou “tabelado” – e a compensar o ofendido em natura, ou esta juntamente com a pecuniária, alcançando-se, assim, o que lhe é de Direito com o mais elevado ideal de JUSTIÇA.

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