A história do Direito Penal mostra que o Estado assenhoreou-se, paulatinamente, do direito de punir, substituindo o particular. Assim, hoje apenas o Estado pode aplicar sanções penais – penas e medidas de segurança – sempre por meio do devido processo penal.
No entanto, ainda que o Estado detenha o monopólio do ius puniendi, sua atuação, em determinadas infrações penais, se sujeita à provocação da vítima – ou de seu representante ou, ainda, de seu sucessor.
Por conta dessa circunstância, a ação penal – o direito de pedir ao Estado-Juiz a apuração de um delito e a imposição da pena correspondente – pode ser classificada em pública e privada. Pública, quando o titular da ação penal é o Ministério Público (artigo 129, inciso I, da Constituição Federal); privada, quando o titular da ação penal é o particular.
A ação penal pública subdivide-se em condicionada e incondicionada, conforme esteja ou não sujeita a uma determinada condição – a representação da vítima ou a requisição do Ministro da Justiça.
A ação penal privada subdivide-se em originária e subsidiária. Naquela, a lei outorga ao particular legitimidade para instaurar e conduzir a ação penal; nesta, a lei outorga ao particular legitimidade para agir em substituição ao Ministério Público, quando este permanece inerte. Na ação penal originária, distingue-se a ação penal originária personalíssima, caracterizada pela legitimidade restrita à vítima, de que é exemplo o crime de induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento (artigo 236 do Código Penal).
A ação penal pública incondicionada é a regra do sistema. A ação penal pública condicionada e a ação penal privada são exceções, que dependem de previsão expressa.
O Código Penal (CP) disciplina a ação penal no Título VII da Parte Geral, abrangendo os artigos 100 a 106. No Código de Processo Penal (CPP), a ação penal é disciplinada no Título III do Livro I, entre os artigos 24 a 62. No Projeto de Código de Processo Penal (PCPP), objeto de nossa análise, a ação penal é tratada no Título III do Livro I, abarcando os artigos 45 a 51.
A grande novidade do PCPP, nesse tópico, é a extinção da ação penal privada originária. Assim, o artigo 45 prevê que a ação penal “é pública, de iniciativa do Ministério Público, podendo a lei, porém, condicioná-la à representação da vítima ou de quem tiver qualidade para representá-la, segundo dispuser a legislação civil, no prazo decadencial de seis meses, contados do dia em que vier a saber quem é o autor do crime”. Como se vê na parte final do dispositivo, não houve mudança na extensão ou no termo inicial do prazo decadencial.
É claro que permanece íntegra a ação penal privada subsidiária da pública, porque se trata de direito previsto no artigo 5º, inciso LIX, da Constituição Federal, tratando-se, portanto, de cláusula pétrea (artigo 60, § 4º, inciso IV, CF).
No PCPP, a ação penal privada subsidiária é disciplinada no artigo 48, que pouco altera a disciplina atual, contida no artigo 29 do CPP. O artigo 48, caput, indica: (a) a hipótese de cabimento (“se o Ministério Público não intentar a ação penal no prazo previsto em lei”); (b) a legitimidade (“a vítima ou, no caso de sua menoridade civil ou incapacidade, o seu representante legal”); (b) o prazo decadencial (“6 (seis) meses da data em que se esgotar o prazo do Ministério Público”).
Os §§ 1º e 2º estabelecem as atribuições do Ministério Público na ação privada subsidiária: (a) promover o aditamento da queixa, com ampliação da responsabilização penal, ou oferecer denúncia substitutiva, sem restringir, contudo, a imputação constante da inicial acusatória – essa vedação não existe no regime em vigor; e (b) intervir em todos os termos do processo e retomar a acusação em caso de negligência do querelante.
O § 3º exige que a queixa seja assinada por advogado e estende a ela “todos os requisitos e procedimentos relativos à denúncia”. Esse parágrafo também confere à vítima o direito à nomeação de advogado para oferecer a queixa, se não tiver condições para constituir um, o que vai ao encontro do artigo 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal (“o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”).
Outra grande novidade do PCPP, operada pelo artigo 46, é a transformação, em crimes de ação pública condicionada à representação, dos delitos contra o patrimônio previstos no Código Penal, desde que atinjam exclusivamente bens jurídicos de particulares e sejam cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa. Essa regra abrange o furto, a apropriação indébita, o estelionato e a receptação (artigos 155, 168, 171 e 180 do Código Penal, respectivamente), para mencionar apenas os delitos patrimoniais mais freqüentes.
O artigo 46, §1º, esclarece que “a representação é a autorização para o início da persecução penal, dispensando quaisquer formalidades, podendo dela se retratar a vítima até o oferecimento da denúncia”. A doutrina e a jurisprudência já afirmam que a representação não exige formalidades e não houve mudança quanto à possibilidade e momento da retratação.
A inovadora regra contida no artigo 46, § 2º, estabelece que a conciliação entre o autor do fato e a vítima, nos crimes de que trata o caput, em que a lesão causada seja de menor expressão econômica, implicará a extinção da punibilidade, ainda que já proposta a ação. Caberá ao intérprete definir “lesão patrimonial de menor expressão econômica”, bem como até quando será possível a conciliação, com esse efeito extintivo da punibilidade.
A dispensabilidade do inquérito policial é afirmada pelo artigo 47, de forma expressa. Esse dispositivo também confere a qualquer pessoa do povo o direito de apresentar ao Ministério Público elementos informativos para o ajuizamento de ação penal pública.
O princípio da indisponibilidade da ação penal vem expresso no artigo 49, mediante proibição de que o Ministério Público dela desista.
Não houve mudança no prazo para oferecimento da denúncia: 5 (cinco) dias, se o investigado estiver preso, ou de 15 (quinze) dias, se estiver solto, contado da data em que o órgão do Ministério Público receber em definitivo o inquérito policial (artigo 50, caput, do PCPP). O parágrafo único esclarece que o termo inicial do prazo pode ser a data em que o Ministério Público tiver recebido as peças de informação ou a representação. Ao contrário do CPP (artigo 46, § 2º), o PCPP não prevê prazo diferenciado para aditamento da queixa, na ação privada subsidiária.
A extinção da punibilidade continua sendo matéria de ordem pública e, portanto, pode ser declarada de ofício pelo juiz, a qualquer tempo (artigo 51, caput, do PCPP). Trata-se de causa de extinção do processo com resolução do mérito, nos termos do artigo 264, inciso II, do PCPP. O parágrafo único mantém o contraditório e a possibilidade de dilação probatória, exigindo decisão em 5 (cinco) dias, sem admitir postergação, ao contrário do regime atual (artigo 61, parágrafo único, parte final, do CPP).