Com a aquisição da personalidade jurídica da sociedade a mesma passa a ser sujeito de direito, podendo ser titular de direitos e contrair obrigações no mundo jurídico. A partir da personificação, os bens da sociedade não se confundem com os bens pessoais dos sócios, ou seja, é a teoria da separação do patrimônio. Porém, tendo em vista fraudes e abusos por parte dos sócios, que atingem direitos de credores e terceiros, promovidas através da personalização de sociedades anônimas, seja em problemas de âmbito privado, seja em relações de direito público, foi elaborado, por construção jurisprudencial, uma doutrina para coibir os abusos verificados.
A desconsideração da personalidade jurídica tem seus fundamentos históricos no Código Civil de 1916, que dispunha:
Art. 21. Termina a existência da pessoa jurídica:
(...)
III - pela sua dissolução em virtude de ato do Governo, que lhe casse a autorização para funcionar, quando a pessoa jurídica incorra em atos opostos aos seus fins ou nocivos ao bem público. (Redação dada pelo Decreto do Poder Legislativo nº 3.725, de 15.1.1919)
A personalidade jurídica não constitui um direito absoluto, mas está sujeita e contida pela teoria da fraude contra credores e pela teoria do abuso do direito. Entende-se por desconsideração da pessoa jurídica como "afastamento" da personalidade jurídica de uma sociedade (basicamente, privada e mercantil) para buscar corrigir atos que a atinjam, comumente em decorrência de manobras fraudulentas de um de seus sócios. Não se trata, necessariamente, de suprimir, extinguir ou tornar nula a sociedade desconsiderada.
Configura, uma fase momentânea ou casuística durante a qual a pessoa física do sócio pode ser alcançada, como se a pessoa jurídica não estivesse existindo. O artigo 28 da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor afirma que:
"O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração." Como ensina Fábio Ulhoa Coelho, a teoria da desconsideração tem pertinência apenas quando a responsabilidade não pode ser imputada diretamente ao sócio, controlador ou representante legal da sociedade jurídica. Portanto, não há desconsideração da personalidade jurídica nos casos daqueles que agem com excesso de poder, infração da lei, violação dos estatutos ou contrato social, ou qualquer modalidade de ata ilícito.
Dessa forma vem se posicionando a Jurisprudência:
PENHORA - BENS PARTICULARES DOS SÓCIOS - ATO FRAUDULENTO - Configura ato fraudulento da sociedade o não pagamento das verbas devidas aos seus empregados, o que autoriza a penhora dos bens particulares de seus sócios para a satisfação da divida, caso a sociedade não tenha condições financeiras para tal. Agravo de petição a que se nega provimento. (TRT 6ª R. - AP 42/95 - 2ª T. - Rel. Juiz Adalberto Guerra Filho - DOEPE 20.06.1995)
A medida radical de dissolução da personalidade jurídica caberá quando for ela desviada dos fins que determinaram a sua constituição, porém não dependerá de previsão legal. Mesmo nas hipóteses não previstas em lei, o juiz poderá ignorar a autonomia patrimonial da empresa sempre que esta incorrer em ato fraudulento. Observa-se, por fim, que a desconsideração não se confunde nem acarreta a nulidade dos atos que propiciaram a atuação judicial. Os atos praticados não são anulados; apenas outras medidas são tomadas para corrigir e compensar, "distorcer" e desfazer o que de fraudulento houvesse sido praticado, indo buscar, no patrimônio ou na pessoa física de quem agira como se a pessoa jurídica fosse, essa compensação ou o cumprimento da obrigação assumida e não adimplida.