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Breves notas sobre os aspectos societários da Lei n.º 12.846/13 ("Lei Anticorrupção")


Autoria:

Mikael Martins De Lima


Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Especialista em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestrando em Direito Comercial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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Resumo:

Neste trabalho são analisados os aspectos societários da Lei nº 12.846/13, conhecida como Lei Anticorrupção, especificamente do ponto de vista das sociedades limitadas empresárias, principal tipo societário utilizado na atividade empresarial.

Texto enviado ao JurisWay em 25/03/2014.



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1. Introdução

 

Em 2000 o Brasil ratificou a Convenção de Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da OECD, resultado do esforço internacional contra a corrupção que teve início com a Foreign Corrupt Practices Act – FCPA, de 1977 (lei federal norte americana pioneira no combate a atos de corrupção internacional), comprometendo-se a aprovar uma norma interna a respeito da “responsabilidade de pessoas jurídicas por corrupção de funcionários públicos estrangeiros” (art. 2 da Convenção).[1]

 

Apenas no ano passado, quando da publicação da Lei nº 12.846, de 01.8.2013, passamos a possuir uma norma prevendo a responsabilização administrativa e judicial de pessoas jurídicas “pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira” (cf. art. 1º).

 

Agora, além de continuarem em vigor as sanções aplicáveis às pessoas naturais dispostas na legislação extravagante (p. ex.: Código Penal, arts. 333, 337-B, 337-C e 337-D; Lei nº 8.429/92, Lei de Improbidade Administrativa, art. 12; Lei nº 12.529/11, Lei de Defesa da Concorrência, art. 36), será possível responsabilizar e punir as pessoas jurídicas beneficiadas por atos de corrupção no Brasil ou no exterior.


Com o viés de regulamentar a atuação empresarial diante da administração pública nacional e internacional, a Lei n.º 12.846/13 prevê uma série de sanções que exigirão observação pelos empresários e seus auxiliares, notadamente no campo do Direito Societário, pois a nova lei contém previsões aplicáveis desde o nascimento até a extinção de pessoas jurídicas, conforme procuraremos sintetizar a seguir.

 

Considerando que o Direito Societário compreende diversas espécies de pessoas jurídicas e, ainda, de vários tipos societários, todos com regras específicas e detalhes relevantes, a presente análise da Lei Anticorrupção é realizada com foco nas sociedades limitadas, tipo societário escolhido por ser o mais recorrente na atividade empresarial[2].

 

2. Aspectos Societários da Lei n.º 12.846/13 (“Lei Anticorrupção”)

 

2.1. Pessoas jurídicas sujeitas à Lei Anticorrupção

 

            De acordo com o rol previsto no art. 44, Código Civil, as pessoas jurídicas de direito privado compreendem as associações, as sociedades, as fundações, as organizações religiosas, os partidos políticos e as empresas individuais de responsabilidade limitada.

 

            Especificamente quanto às sociedades, estas dividem-se em sociedades não personificadas e personificadas, sendo que as últimas subdividem-se em sociedades simples e sociedades empresárias, categorias que congregam vários tipos societários.

 

            De todo o rol das pessoas jurídicas de direito privado, o art. 1º, par. ún., da Lei nº 12.846/13 expressamente prevê que quaisquer tipos de sociedades empresárias e de sociedades simples, personificadas ou não, bem como quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, ainda que de fato ou constituídas temporariamente, estariam no campo de incidência da nova norma de combate à corrupção internacional.

 

            Sendo assim, o legislador excluiu do campo de atuação da Lei Anticorrupção as organizações religiosas (cuja personificação é prevista no Decreto nº 119-A, de 7 de dezembro de 1890), os partidos políticos (Lei nº 9.096, de 19.9.1995) e, a princípio, também as empresas individuais de responsabilidade limitada (Lei nº 12.441/2011).

 

            Dissemos a princípio porque a natureza jurídica das empresas individuais de responsabilidade limitada (“EIRELIs”) continua indefinida, pois, por exemplo, para Alfredo de Assis Gonçalves Neto, a EIRELI “se distancia completamente da sociedade e da associação, que têm como pressuposto para sua constituição uma união de pessoas”[3], enquanto Fábio Ulhoa Coelho entende ser modalidade de sociedade unipessoal, tal como a subsidiária integral prevista na Lei nº 6.404/76[4].


            O dissenso decorre, a bem da verdade, da má redação empregada pelo legislador, pois a Lei nº 12.441/2011 é contraditória e pouco clara a respeito da natureza jurídica da EIRELI.

 

            Com efeito, a nova redação do art. 44, VI, CC, estabelece expressamente que se trata de uma empresa individual (o que a identificaria com a pessoa física do empresário individual), mas, ao mesmo tempo, elenca a EIRELI como sexta espécie de pessoa jurídica de direito privado (passo em que deixa óbvio não se tratar de pessoa física e, por isso, não ficando sujeita às penas previstas na legislação anterior, como os artigos 337-B, 337-C, 337-D, Código Penal, p. ex.).

 

Além disso, a EIRELI é elencada como espécie de pessoa jurídica, distinta das sociedades, associações, fundações, organizações religiosas e partidos políticos e, não bastasse, é regulamentada pelo art. 980-A, Código Civil, topograficamente alocado “fora” do Título II, que trata especificamente das sociedades.

 

A despeito de tudo isso, porém, o art. 980-A, §3º, CC, refere-se à EIRELI como modalidade societária (a referência é indireta e decorre do uso da expressão “outra modalidade societária”), e, agravando o quadro, ainda no mesmo dispositivo expressamente está previsto que serão aplicáveis à EIRELI as regras previstas para as sociedades empresárias (§6º).

           

            O cenário acima retratado permite dizer que a submissão da EIRELI às disposições da Lei 12.846/13 dependerá da definição de sua natureza jurídica, pois, para quem entender que a empresa individual de responsabilidade limitada é uma subespécie de sociedade (espécie de pessoa jurídica incluída no art. 1º, §1º), a Lei Anticorrupção será aplicável a elas.

 

Contudo, se prevalecer a opinião de que as empresas individuais de responsabilidade limitada não são subespécie de sociedades, não poderão sofrer a incidência da Lei nº 12.846/13.

 

De qualquer modo, não será aceitável qualquer interpretação do art. 1º, par. ún., da Lei 12.846/13 com o intuito de estender a aplicação da nova lei à EIRELI por analogia, pois a Lei Anticorrupção possui inegável caráter sancionatório e isto impede a interpretação analógica visando a aplicação de penas a pessoas não indicadas no tipo legal, sob pena de, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, ocorrer violação ao princípio da legalidade estrita (STJ, RMS 21922/GO, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, 1ª T., j. 05.6.2007, DJ 21.06.2007, p. 273)[5] e ao da tipicidade (STJ, RMS 16.264/GO, Rel. Ministra Laurita Vaz, 5ª T., j. 21.03.2006, DJ 02.05.2006, p. 339)[6].

 

2.2. Pessoas responsáveis pelos atos de corrupção

 

            O art. 2º da Lei nº 12.846/13 estabelece que a pessoa jurídica será responsável solidariamente pelos atos de corrupção que forem praticados em seu benefício ou interesse, o que se aproxima da responsabilidade dos empregadores por atos de seus empregados, serviçais ou prepostos prevista no art. 932, III, Código Civil, que, segundo a doutrina, trata “de responsabilidade objetiva e não de responsabilidade subjetiva com presunção de culpa”, pois a “norma comentada imputa responsabilidade ao empregador”[7].

 

            Como, no entanto, a norma do art. 932, III, CC, exige que se prove a culpa do empregado, serviçal ou preposto para, então, surgir a responsabilidade objetiva da empregadora,[8] a nova lei foi além ao prever, em seu art. 3º, §1º, que a pessoa jurídica “será responsabilizada independentemente da responsabilização individual das pessoas naturais referidas no caput”, o que, a princípio, indica a intenção de responsabilizar a sociedade pelo resultado que o ato praticado por seus agentes, ainda que desprovidos de culpa, acarretar.

 

            Por outro lado, a nova lei não alterou o regime da responsabilidade subjetiva dos administradores pelos atos que, na condição de presentantes da pessoa jurídica,[9] realizarem como órgãos da sociedade (art. 3º, §2º, Lei nº 12.946/13).

 

Sob esse regime, os administradores respondem solidariamente, perante a sociedade, quando agirem com culpa no desempenho de suas funções (art. 1.016, Código Civil), o que aconselha sejam definidas as atribuições individuais de cada cargo de administração no contrato social ou no ato em separado que designar os administradores, a fim de evitar a responsabilização de todos eles, indistintamente.

 

            Sendo assim, residindo a responsabilidade dos administradores na culpa, a ausência de participação de dirigentes e administradores na atividade ilícita, assim como a ausência de nexo causal entre as condutas destes últimos e o dano causado deverão, necessariamente, acarretar a exclusão de qualquer responsabilidade da pessoa jurídica acusada de atos de corrupção.

 

2.3. Sucessão nos casos de fusão, incorporação e cisão

 

            A fusão “determina a extinção das sociedades que se unem, para formar sociedade nova, que a elas sucederá nos direitos e obrigações” (art. 1.119, Código Civil). Já na incorporação “uma ou várias sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações” (art. 1.116, CC).

 

            Considerando a sucessão universal e ilimitada estabelecida no Código Civil para as hipóteses de fusão e incorporação, o disposto no art. 4º, §1º, da Lei 12.846/13, tem o condão de afastar toda e qualquer dúvida que poderia surgir, na medida em que assegura que a sucessão estará limitada à obrigação pecuniária atinente ao pagamento das multas aplicadas e à reparação dos danos e, sobretudo, que essa responsabilidade estará limitada ao patrimônio transferido. Com isso, as demais sanções, inclusive a de perdimento de bens, não poderá ser estendida às sucessoras por fusão ou incorporação.

 

            A operação de cisão, consistente da transferência de parcela do patrimônio de uma pessoa jurídica para uma ou mais sociedades, constituídas nessa mesma operação ou já existentes, exigiu solução diversa justamente porque nela pode não ocorrer a extinção da pessoa jurídica cindida, que, assim, continua responsável por todas ou por apenas algumas das obrigações.[10]

 

Por isso, prevê o art. 229, §1º, Lei nº 6.404/76, que haverá a sucessão apenas com relação aos direitos e obrigações relacionados no ato de cisão (desde que a sociedade cindida continue existindo) ou que haverá a sucessão apenas quanto à parcela do patrimônio transferido (se a cindida for extinta), regime legal que não foi alterado no concernente às penas previstas na Lei Anticorrupção.

 

            No entanto, é preciso ressalvar que também na cisão a sucessão estará limitada à obrigação pecuniária atinente ao pagamento das multas eventualmente aplicadas e à indenização dos danos causados, sempre respeitando o limite do patrimônio transferido, de modo que a ausência da cisão no rol do art. 4º, §1º, Lei nº 12.846/76, não pode significar que as sociedades que receberem o patrimônio cindido poderão ser consideradas sucessoras da cindida com relação às demais sanções (publicação extraordinária da decisão condenatória; direitos e valores que representem vantagem ou proveito do ilícito; suspensão ou interdição parcial de suas atividades; dissolução compulsória; e proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos públicos).

 

A impossibilidade de sanções serem transferidas a terceiros é garantia fundamental, prevista no art. 5º, XLV, da Constituição Federal, segundo o qual “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”, que também condicionou a sucessão das obrigações de reparação dos danos e da decretação do perdimento de bens ao limite do valor do patrimônio transferido.

 

2.4. Responsabilização de controladoras, controladas, coligadas e consorciadas 

 

A noção de sociedade controladora é extraída, a contrário senso, do disposto no art. 1.098, Código Civil, no sentido de que será a sociedade que detiver a maioria de votos nas deliberações societárias e o poder de eleger a maioria dos administradores ou, ainda, que detenha o controle indireto, por possuir ações ou quotas de sociedades que, por sua vez, detenham o controle de outras.[11]

 

O conceito de controle também está previsto no art. 116 da Lei nº 6.404/76, e consiste na pessoa ou grupo de pessoas vinculadas por um acordo de voto ou sob controle comum que seja titular de direitos que lhe assegurem, de modo permanente, “a maioria dos votos nas deliberações da assembléia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia” e, cumulativamente, que utilizem efetivamente “seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia”.

 

O conceito legal, contudo, exige que se interprete o que se deve entender por “permanente”, sendo que a Comissão de Valores Mobiliários – CMV, já se posicionou no seguinte sentido:

 

“Outro ponto importante desse primeiro requisito é a necessidade de permanência do poder. Em razão dele, vencer uma eleição ou preponderar em uma decisão não é suficiente. É necessário que esse acionista possa, juridicamente, fazer prevalecer sua vontade sempre que desejar (...) Por esse motivo, em uma companhia com ampla dispersão, ou que tenha um acionista, titular de mais de 50% das ações, que seja omisso nas votações e orientações da companhia, aleatório acionista que consiga preponderar sempre, não está sujeito aos deveres e responsabilidades do acionista controlador, uma vez, que preponderá por questões fáticas das assembleias não preenchendo o requisito da alínea ‘a’ do art. 116, embora preencha o da alínea ‘b’. Esse acionista seria considerado, para determinação de sua responsabilidade, como um acionista normal (sujeito, portanto, ao regime do art. 115).”[12]

 

Ora, desde que o controlador detenha o poder de dirigir as atividades e orientar o funcionamento da sociedade no sentido de “fazer prevalecer sua vontade sempre que desejar”, tudo indica que o legislador pressupôs a sua responsabilidade solidária quanto às sanções pecuniárias (pagamento de multa e reparação do dano) previstas na Lei Anticorrupção porque teria influenciado ou, ao menos se omitido, para a prática da ilicitude.

 

Mas, se por um lado a responsabilidade do controlador é justificada, a extensão da solidariedade às sociedades coligadas e controladas[13] que, obviamente, não exercem qualquer influência sobre a sociedade “acusada” de corrupção, não apresenta qualquer fundamento, pois, com isso, o art. 4º, §2º, da Lei Anticorrupção, atribui uma responsabilidade excessiva a pessoas jurídicas que nada poderiam fazer para evitar o ato de corrupção e que, na ampla maioria dos casos, sequer serão beneficiadas pelo evento.

 

            Já quanto à responsabilidade solidária das sociedades consorciadas, parece óbvio que a Lei nº 12.846/13 refere-se apenas aos consórcios constituídos para a celebração de contratos com a administração pública.

 

Neste caso, a solidariedade é obrigatória e decorre dos arts. 33, V, da Lei nº 8.666/93, e 19, §2º, da Lei nº 8.987/95, pois, “para fins de licitação e de contratação administrativa, o consórcio produz uma espécie de sociedade de fato, em que todos os atos praticados individualmente se comunicam aos demais consorciados”[14].

 

            Novamente, portanto, a Lei nº 12.846/13 reitera a limitação constitucional prevista no art. 5º, XLV, Constitucional Federal, mas ampliando-a para que apenas a pena de multa e a obrigação de indenização integral dos danos sejam estendidas a terceiros, os consorciados neste caso.

 

2.7. Suspensão ou interdição parcial de suas atividades

 

            O pressuposto da sanção de suspensão ou interdição é a prática de uma atividade ilícita que se visa reprimir, de modo que não será aplicável esta punição quando se tratar de apenas um ato isolado, ainda que ilícito.

 

            Resume-se a uma medida eminentemente preventiva que, mediante decisão judicial, permite que se determine a suspensão provisória e parcial das atividades reputadas ilícitas, o que significa que as demais atividades que forem lícitas não deverão ser afetadas.

 

Assim, a suspensão deve ser proporcional e específica para fazer cessar apenas e exclusivamente a atividade ilícita, sem impedir a continuidade das demais que se mostrarem lícitas e cumpridoras de sua função social.

 

2.8. Dissolução compulsória

 

            A dissolução compulsória prevista no art. 19, III, da Lei Anticorrupção não se confunde com quaisquer das hipóteses de dissolução legal previstas no art. 1.033, incisos, do Código Civil. A bem da verdade, ela não possui tratamento legal expresso desde a revogação do Código Civil de 1916, que previa:

 

            Em seu art. 21, II e III, o CC/16 previa duas hipóteses de dissolução não convencionais tanto de sociedades quanto de associações: (a) a que tinha início por determinação legal e (b) a que decorria da cassação da autorização para funcionar em virtude de “atos opostos aos seus fins ou nocivos ao bem público”.

 

            Segundo a lição de Clóvis Bevilaqua, a dissolução legal, por assim dizer, correspondia às hipóteses elencadas no art. 1.399, I a V, CC/16, quais sejam: (i) implemento da condição, a que foi subordinada a sua durabilidade, ou pelo vencimento do prazo estabelecido no contrato; (ii) extinção do capital social, ou seu desfalque em quantidade que impossibilite de continuar a sociedade; (iii) consecução do fim social ou verificação de sua inexequibilidade; (iv) falência, incapacidade, ou morte de um dos sócios; e (v) renúncia de qualquer sócio, se a sociedade for de prazo indeterminado.[15]

 

            Já a dissolução em virtude de ato de Governo compreendia tanto a hipótese da extinção da autorização para funcionar, de que tratamos anteriormente, quanto a hipótese de a pessoa jurídica “promover fim illicito ou se servir de meios illicitos”, quando, então, poderá ser “dissolvida por sentença do poder judiciario, mediante denuncia do Ministerio Publico”[16] e, para nós, os mesmos motivos justificavam a extinção judicial das fundações cuja manutenção fosse nociva (art. 30, CC/16).

 

            Também não são aplicáveis às sociedades as hipóteses de dissolução compulsória previstas nos Decretos-Lei nº 9.085/46 e 41/66, pois o primeiro diz respeito apenas às associações e às fundações e, o segundo, às associações assistenciais que recebam auxílio ou subvenção do Poder Público ou que se mantenham, no todo ou em parte, com contribuições periódicas de populares.

           

Diante disso, até o advento da Lei Anticorrupção (e, ainda assim, de forma restrita às hipóteses elencadas no art. 5º e desde que a dissolução compulsória seja a sanção aplicável), o único fundamento para se requerer a dissolução jurídica de sociedades era o art. 170, incisos e parágrafo único, Constituição Federal, sob a alegação de não cumprimento da função social da empresa que se dedica a atividades ilícitas.

 

            Especificamente quanto à aplicação da dissolução compulsória a sociedades, considerando que isso implicará na extinção da pessoa jurídica e, portanto, no encerramento de todas as suas atividades, fechamento de postos de trabalho, cessação das compras junto aos fornecedores e das vendas aos consumidores, reduzindo-se, ainda, os impostos a serem recolhidos ao Estado, a pena prevista no art. 19, III, Lei nº 12.846/13, deve ser interpretada e aplicada de forma sistemática ao princípio da função social da empresa (art. 17º, II, CF) e ao princípio da preservação da empresa (art. 47, Lei nº 11.101/05).

 

A partir da interpretação sistemática que propomos, a sanção judicial da dissolução compulsória somente pode ser aplicada quando a morte da pessoa jurídica for a única forma de fazer cessar a ilicitude, devendo-se preferir sempre as demais sanções que se mostrarem proporcionais e suficientes para garantir a continuidade das atividades produtivas da sociedade acusada, tais como a suspensão ou interdição parcial, a fim de reprimir apenas a atividade reputada ilícita.

 

3. Conclusão

 

            A Lei nº 12.846/13, ao instituir a possibilidade de responsabilização das pessoas jurídicas de direito privado elencadas (1º, §1º) por atos de corrupção contra a administração pública nacional e estrangeira, procurou manter a coerência com a legislação constitucional e infraconstitucional vigentes, como se infere da limitação da responsabilidade dos sucessores nas hipóteses de fusão, incorporação e cisão, assim como das sociedades controladoras e consorciadas, estas últimas no âmbito dos respectivos contratos.

 

            Em outros casos, porém, a Lei Anticorrupção merece críticas ao responsabilizar pessoas jurídicas, objetivamente, mesmo quando inexistir culpa de seus dirigentes ou administradores, e também quando estende as responsabilidades pecuniárias a sociedades coligadas ou controladas. Afinal, em todos esses casos responsabilidade alguma deveria existir.

 

            Por fim, ao prever as sanções consistentes de suspensão ou interdição de atividades e dissolução compulsória, a Lei nº 12.846/13 o fez em linha com o art. 5º, XIX, Constituição Federal, pois as condicionou a uma decisão judicial.

 

Além disso, acrescentemos as penas de suspensão de atividades ou de dissolução compulsória de sociedades exigem uma interpretação sistemática com o artigo 170, II, CF, e com o art. 46, da Lei 11.101/05, pois ambos exigem que tais sanções sejam aplicadas com rigorosa observância aos princípios da função social da empresa e da preservação da empresa.

 

            Estas breves notas, portanto, que nunca objetivaram esgotar os assuntos aqui tratados, limitam-se a apontar as principais implicações societárias da Lei nº 12.846/13 que, em nosso entendimento, reclamarão definições por parte da doutrina e da jurisprudência e que, principalmente, exigirão observância por parte dos empresários a fim de atenuar os riscos e custos da novidade legislativa.

 

4. Bibliografia

 

BEVILÁQUA, Clóvis. Código civil dos Estados Unidos do Brasil, comentado. 7. tir. Edição histórica. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1975.

 

CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao Código Civil, volume 13: parte especial: do direito de empresa (artigos 1.052 a 1.195). 2. ed. Antônio Junqueira de Azevedo (Coord.). São Paulo: Saraiva, 2005.

 

COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, volume 2: direito de empresa. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

 

GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de Empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil. 4. ed. rev. atual. e ampliada. São Paulo: RT, 2012.

 

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 14. ed. São Paulo: Dialética, 2010.

 

LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. 6. ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

 

NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil comentado. 4. ed. rev. ampl. e atualizada até 20.5.2006, inclusive com a Lei 11.280/2006. São Paulo: RT, 2006.

 

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte geral, tomo I (Introdução, Pessoas físicas e jurídicas). 3. ed. Editor Borsoi, Rio de Janeiro, 1970, págs. 413-414.

 



[1]              A finalidade da lei especial foi expressamente declarada na proposta do seu anteprojeto, assinada por Jorge Hage Sobrinho, Tarso Fernando Herz Genro e Luis Inácio Lucena Adams: “Além disso, o anteprojeto apresentado inclui a proteção da Administração Pública estrangeira, em decorrência da necessidade de atender aos compromissos internacionais de combate à corrupção assumidos pelo Brasil ao ratificar a Convenção das Nações Unidas contra Corrupção (ONU), a Convenção Interamericana de Combate à Corrupção (OEA) e a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). 8. Com as três Convenções, o Brasil obrigou-se a punir de forma efetiva as pessoas jurídicas que praticam atos de corrupção, em especial o denominado suborno transnacional, caracterizado pela corrupção ativa de funcionários públicos estrangeiros e de organizações internacionais. Dessa forma, urge introduzir no ordenamento nacional regulamentação da matéria - do que, aliás, o país já vem sendo cobrado -, eis que a alteração promovida no Código Penal pela Lei n.º 10.467, de 11 de junho de 2002, que tipificou a corrupção ativa em transação comercial internacional, alcança apenas as pessoas naturais, não tendo o condão de atingir as pessoas jurídicas eventualmente beneficiadas pelo ato criminoso.” Disponível em http://www.camara.gov.br/sileg/integras/1084183.pdf, acessado em 08.01. 2014.

[2]              Basta analisarmos que em 2005, antes de completarem um século de existência, as sociedades limitadas correspondiam a 99% (noventa e nove por cento) do total de sociedades no Brasil, somando 4.300.257 de sociedades limitadas contra um total de 4.346.602 de sociedades arquivadas, cf. relatório do Departamento Nacional de Registro do Comércio, disponível em http://www.dnrc.gov.br/ e acessado em 20 de fevereiro de 2014.

[3]              GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de Empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil. 4. ed. rev. atual. e ampliada. São Paulo: RT, 2012, pág. 127.

[4]              COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, volume 2: direito de empresa. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, pág. 47

[5]              “(...). No âmbito do poder estatal sancionador, penal ou administrativo, não se admite tipificação ou penalização por analogia.”

[6]              “(...). Ressalte-se que a utilização de analogias ou de interpretações ampliativas, em matéria de punição disciplinar, longe de conferir ao administrado uma acusação transparente, pública, e legalmente justa, afronta o princípio da tipicidade, corolário do princípio da legalidade, segundo as máximas: nullum crimen nulla poena sine lege stricta e nullum crimen nulla poena sine lege certa, postura incompatível com o Estado Democrático de Direito.”

[7]              NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil comentado. 4. ed. rev. ampl. e atualizada até 20.5.2006, inclusive com a Lei 11.280/2006. São Paulo: RT, 2006, pág. 626.

[8]              STJ, AgRg no REsp 1411569/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, 4ª T., j. 06.02.2014, DJe 17/02/2014.

[9]              PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte geral, tomo I (Introdução, Pessoas físicas e jurídicas). 3. ed. Editor Borsoi, Rio de Janeiro, 1970, págs. 413-414.

[10]             “Aqui a nuance: enquanto na incorporação e na fusão os patrimônios das sociedades extintas são transferidos em bloco para a sociedade incorporadora e para a sociedade nova resultante da fusão, na cisão o patrimônio da cindida fragmenta-se em tantas parcelas quantas são as sociedades que as receberão (sociedades especialmente criadas para esse fim ou já existentes), havendo ainda a hipótese de a cindida subsistir, com seu capital reduzido.” (LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. 6. ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, pág. 668).

[11]             CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao Código Civil, volume 13: parte especial: do direito de empresa (artigos 1.052 a 1.195). 2. ed. Antônio Junqueira de Azevedo (Coord.). São Paulo: Saraiva, 2005, págs. 423-424.

[12]             Proc. CVM RJ 2005/4069, Reg. N. 4788/2005, Rel. Pedro Marcilio, j. 11.4.2006.

[13]             “Art. 1.097. Consideram-se coligadas as sociedades que, em suas relações de capital, são controladas, filiadas, ou de simples participação, na forma dos artigos seguintes.”

[14]             JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 14. ed. São Paulo: Dialética, 2010, pág. 506. Diferentemente, portanto, dos consórcios de que tratam os arts. 278 e ss., Lei nº 6.404/76, segundo o mesmo autor: “Cada consorciado, no direito privado, atua isoladamente e não se apresenta perante terceiros como uma soma de recursos econômicos e de pessoal. Não há responsabilidade solidária porque não há atuação conjunta perante terceiros. Isso não ocorre no âmbito administrativo, em que a Administração não realiza uma pluralidade de contratos – um com cada consorciado. Há um único contrato. A administração contrata com o “consórcio”, o que torna a situação radicalmente distinta.” (Idem, ibidem, pág. 506).

[15]             BEVILÁQUA, Clóvis. Código civil dos Estados Unidos do Brasil, comentado. 7. tir. Edição histórica. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1975, pág. 233.

[16]             Idem, ibidem, pág. 234. (sic)

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