Tramita no Senado Federal, desde 22 de abril de 2009, o Projeto de Lei nº. 156, que trata da reforma do Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº. 3.689, de 03 de outubro de 1941). Esse projeto, aprovado pela Comissão Temporária de Estudo da Reforma do Código de Processo Penal em 09 de dezembro de 2009 e pela Comissão de Constituição e Justiça em 17 de março de 2010, encontra-se, hoje, em discussão no plenário do Senado Federal.
Referido projeto tem como base anteprojeto elaborado por uma comissão de juristas constituída por Antonio Correa, Antonio Magalhães Gomes Filho, Eugênio Pacelli de Oliveira, Fabiano Augusto Martins Silveira, Felix Valois Coelho Júnior, Hamilton Carvalhido, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, Sandro Torres Avelar e Tito Souza do Amaral.
Este artigo – primeiro de uma série – apresentará algumas novidades trazidas pelo projeto, ressaltando, desde logo, que a existência de consenso sobre a necessidade de se criar um novo Código de Processo Penal, porque o Brasil de 1940 não é o Brasil de 2010 e, sobretudo, porque aquele Brasil não era um Estado Democrático de Direito, como este Brasil tem a pretensão de ser.
O primeiro título do Código de Processo Penal terá como objeto os “princípios fundamentais”, invocando os “princípios fundamentais constitucionais” (artigo 1º); o “devido processo legal constitucional” (artigo 2º); o contraditório e a ampla defesa, com expressa referência à defesa técnica (artigo 3º); e a estrutura acusatória, “vedada a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão da acusação” (artigo 4º).
O segundo título do Código de Processo Penal cuidará da “investigação criminal”, em quatro capítulos: “disposições gerais”, “do juiz das garantias”, “do inquérito policial” e “da identificação criminal”.
Das disposições gerais ressalta-se a previsão contida no artigo 10, parágrafo único, que impõe à autoridade investigante o dever de evitar que a vítima, as testemunhas e o investigado sejam submetidos à exposição dos meios de comunicação. Hoje, a exposição dos investigados é quase uma regra, não havendo preocupação alguma em preservá-los. Também se destaca o conteúdo do artigo 11, que garante ao investigado e ao seu defensor “acesso a todo material já produzido na investigação criminal, salvo no que concerne, estritamente, às diligências em andamento”. Enfatiza-se, por fim, o artigo 13, que faculta ao investigado “tomar a iniciativa de identificar fontes de prova em favor de sua defesa, podendo inclusive entrevistar pessoas”, desde que observe as cautelas referidas no parágrafo único do mencionado artigo.
O Juiz das Garantias talvez seja a principal inovação do Projeto de Lei nº. 156, evidenciando sua preocupação com o sistema acusatório. Ele é “o responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário” (artigo 14, caput).
Assim, o Juiz das Garantias deve ser informado da abertura de qualquer inquérito policial e da prisão em flagrante, competindo-lhe “zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido a sua presença” (artigo 14, incisos I a IV).
As medidas cautelares em geral são da competência do Juiz das Garantias, abrangendo, dentre outras, a prisão provisória; a produção antecipada de provas; a interceptação telefônica e de outras formas de comunicação; a quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico; e a busca domiciliar (artigo 14, incisos V a XV).
O Juiz das Garantias, justamente por ter atuado na fase investigatória (pré-processual), “ficará impedido de funcionar no processo, observado o disposto no parágrafo único do artigo 701” (artigo 16). O artigo 701, caput, prevê que o Código entrará em vigor 6 (seis) meses após sua publicação, enquanto o referido parágrafo único dispõe que a regra de impedimento do artigo 16, “entrará em vigor no prazo de 3 (três) anos após a publicação deste Código, e em 6 (seis) anos, se se tratar de comarca onde houver apenas 1 (um) juiz”.É o tempo que o Poder Judiciário terá para se adaptar a esse novo ator do processo penal.
Desse capítulo, ainda merece destaque a regra contida no artigo 14, parágrafo único: se o investigado estiver preso, será possível uma única prorrogação – de 10 (dez) dias – do prazo para conclusão do inquérito policial – de 15 (quinze) dias – sob pena de automática revogação da prisão.
O extenso capítulo relativo ao inquérito policial foi dividido em sete seções: disposições preliminares, da abertura, das diligências investigativas, do indiciamento, dos prazos de conclusão, do relatório e da remessa dos autos ao Ministério Público e do arquivamento.
Nas disposições preliminares destaca-se a regra do artigo 19, parágrafo único, que manda aplicar ao delegado de polícia, no que couberem, as disposições dos artigos 52 e 54. Esses artigos disciplinam a atuação do juiz, prevendo causas de impedimento e suspeição. Podem ser argüidos, portanto, o impedimento ou a suspeição daquela autoridade.
O inquérito policial será iniciado pelo delegado de polícia de ofício, mediante requisição do Ministério Público ou a requerimento, verbal ou escrito, da vítima ou de seu representante legal, nos termos do artigo 20. Excluiu-se, portanto, a possibilidade de instauração de inquérito a partir de requisição da autoridade judiciária.
O controle do inquérito policial pelo Ministério Público é evidenciado pelo artigo 20, § 1º, o qual exige que a abertura do inquérito policial seja comunicada imediatamente àquela instituição.
Se o delegado de polícia que indeferir o pedido de instauração de inquérito policial, a vítima ou seu representante legal podem optar entre interpor recurso “à autoridade policial hierarquicamente superior” e oferecer representação ao Ministério Público, conforme o artigo 20, §§ 2º e 3º. Essas alternativas também se apresentam na hipótese de o delegado de polícia não se manifestar em 30 (trinta) dias.
Já se percebe, na seção em foco, a extinção da ação penal privada, pois o artigo 22 faz referência apenas aos crimes de ação penal pública condicionada, cuja apuração, via inquérito policial, depende de representação da vítima.
O projeto teve o cuidado de criar cautelas na investigação de crimes atribuídos a policiais. De acordo com o artigo 23, “havendo indícios de que a infração penal foi praticada por policial, ou com sua participação, o delegado de polícia comunicará imediatamente a ocorrência à respectiva corregedoria de polícia, para as providências disciplinares cabíveis, e ao Ministério Público, que designará um de seus membros para acompanhar o feito”.
Na seção das diligências investigativas merece destaque a previsão de que o reconhecimento de pessoas e coisas, as acareações e a reprodução simulada dos fatos somente podem ser realizadas “com prévia ciência do Ministério Público” (artigo 24, parágrafo único).
O projeto cria diversos mecanismos de amparo às vítimas de crimes. No artigo 25, prevê que o delegado de polícia deve “informar a vítima de seus direitos e encaminhá-la, caso seja necessário, aos serviços de saúde e programas assistenciais disponíveis”.