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ANÁLISE CRÍTICA SOBRE A COMPOSIÇÃO DOS MEMBROS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL


Autoria:

Erick Jorge Viana Do Carmo


Técnico Judiciário da Justiça Federal de Primeiro Grau de São Paulo, 10º semestre de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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Resumo:

O presente trabalho tem como objetivo analisar da composição do Supremo Tribunal Federal no Brasil sob o aspecto da imparcialidade de seus ministros em suas decisões e levando-se em conta a representatividade política na formação desse tribunal.

Texto enviado ao JurisWay em 11/10/2010.

Última edição/atualização em 12/10/2010.



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INTRODUÇÃO

A divisão funcional do poder político representa um dos alicerces do estado democrático de direito; e assim o é, pois a cada poder é atribuída uma determinada função, de forma que sua atuação limita-se ao exercício de tal tarefa.

Ao Poder legislativo, eleito pelos cidadãos, cabe a elaboração de normas às quais todos se submeterão. Já o executivo, também escolhido pelo povo, tem o dever de administrar o Estado. E, por derradeiro, o Judiciário incumbe-se de pacificar os conflitos existentes entre os outros dois poderes e entre estes e quaisquer outras pessoas, aplicando as diretrizes aprovadas pelo Legislativo.

Dessa forma, tem-se um complexo mecanismo em que o poder político é controlado exatamente por quem o exerce. Assim, fica assegurado ao titular do poder (povo) que o seu delegado (governo) não extrapolará os limites por aquele impostos.

            Vez por outra, entretanto, esses limites são desobedecidos, cabendo ao Poder Judiciário determinar ao autor da ilegalidade a cessação dos atos que a originaram.

Apesar de parecer ter o Judiciário precedência sobre os demais poderes, não é o que se verifica na realidade, ou, pelo menos, não deveria assim ser. Todos devem se submeter a um conjunto de normas que estruturam o Estado, e determinam seus preceitos, funções, fundamentos, sua estrutura, seus objetivos etc. A esse conjunto, no estado democrático de direito, dá-se o nome de Constituição, a fundamental lei de um estado, principal objeto de estudo do Direito Constitucional, o qual é descrito por Alexandre de Moraes como

 

“um ramo do Direito Público, destacado por ser fundamental à organização e funcionamento do Estado, à articulação de seus elementos primários e ao estabelecimento das bases da estrutura política.” (MORAES, Alexandre de. Jurisdição Constitucional e Tribunais Constitucionais Garantia Suprema da Constituição. São Paulo. Editora Atlas S/A. 2000. p 37.

 

Ora, se a constituição a todos obriga, é imprescindível a existência de um controle garantidor de sua efetividade. Diversos tipos há, entretanto de controles existentes no mundo, bem como de órgãos responsáveis por tal atribuição. Existem, basicamente, três principais formas de controle constitucional:

O modelo norte-americano (também conhecido como difuso) é exercido pelo Judiciário na medida em que se lhe apresentam os casos através do exercício do direito de ação. Assim, todos os órgãos jurisdicionais (juízes ou tribunais) são dotados de competência para analisar, no caso concreto, afronta à Constituição, produzindo efeitos somente entre as partes da lide.

O modelo austríaco (chamado igualmente de controle concentrado ou abstrato), o qual contempla a existência de um tribunal cuja função específica é analisar a adequação de leis ou atos normativos às disposições constitucionais. Salienta-se que, nesse caso, o objeto principal na análise da constitucionalidade é a lei ou ato normativo impugnado, de sorte que a decisão do tribunal competente que entenda pela sua inconstitucionalidade retirará do ordenamento jurídico o comando normativo que contradiga a Lei Fundamental.

Outra modalidade de controle de constitucionalidade é o utilizado na França, que, diferentemente dos outros dois, não confere ao Judiciário o controle da Constituição. Segundo esse sistema, a garantia da supremacia da Constituição deve-se dar por um Conselho Constitucional, antes da vigência das leis e atos normativos. Trata-se de um conselho eminentemente político.

No Brasil, foram adotados, simultaneamente, os modelos norte-americano e austríaco, ambos a cargo do Judiciário, sendo que a forma concentrada cabe ao Supremo Tribunal Federal, o órgão jurisdicional superior da República Federativa do Brasil.

Dispõe o art. 101 da Constituição federal de 1988 que o Supremo Tribunal Federal é composto por onze ministros, escolhidos pelo Presidente da República, depois de aprovados pela maioria absoluta do Congresso Nacional. E o dispositivo seguinte estabelece que “compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente a guarda da Constituição”. Tem-se, destarte, uma estreita relação entre os órgãos constitucionais dos Estados e o controle de constitucionalidade das leis e atos normativos.

Diante do exposto, é de vital importância uma permanente análise acerca da total isenção de que devem ser dotados os integrantes da suprema corte brasileira e se o mecanismo de escolha de seus ministros se insurge contra tal preceito. Isto porque os atos do Presidente da República, bem como os do Congresso Nacional, submetem-se privativamente ao crivo do Supremo Tribunal Federal, desde que impugnados judicialmente. Observa Alexandre de Moraes que “

 

O controle exercido pelos Tribunais Constitucionais, longe de configurar um desrespeito à vontade popular emanada por órgãos eleitos, seja no Executivo seja no Legislativo, constitui um delicado sistema de complementaridade entre Democracia e o Estado de Direito, que, para manter-se balanceado, deve possuir claras e precisas regras sobre sua composição, competência e poderes” (MORAES, Alexandre de. Jurisdição Constitucional e Tribunais Constitucionais Garantia Suprema da Constituição. São Paulo. Editora Atlas S/A. 2000. p 23.)

 

Como não bastasse o motivo acima mencionado, a relevância do estudo sobre a imparcialidade dos ministros do Supremo Tribunal Federal diante da privativa escolha de seus membros a cargo do Presidente da República ganha contornos se se considerar que a composição de outras cortes constitucionais conta com procedimentos distintos, o que clama por uma análise científica sobre as vantagens e desvantagens de cada um deles. Identificadas tais características, pode-se (e deve-se) proceder a um ajuste na organização do Judiciário brasileiro.

Ademais, ainda que à época de sua promulgação o art. 101 fosse considerado o modelo ideal para a Democracia e o Estado de Direito brasileiros, a sociedade é mutável e exige medidas que assegurem a adequação das normas jurídicas aos seus anseios, sob pena de uma flagrante crise político-representativa. A aferição da necessidade ou não de mudanças na organização do Poder Judiciário deve dar-se também pela observação de seus atos e decisões que envolvam interesses dos responsáveis pela sua composição.

Pretende-se, portanto, com esse estudo oferecer uma contribuição ao desenvolvimento da democracia brasileira, fornecendo reflexões sobre a composição do Poder Judiciário, mormente do Supremo Tribunal Federal, e eventuais alterações no ordenamento jurídico pátrio. Procurar-se-á, dessa forma, entender a estrutura do Estado brasileiro, atendo-se, principalmente à composição desse órgão de cúpula do Poder Judiciário para, depois, compará-la a outros tribunais superiores estrangeiros.

 

CAPÍTULO I: OS TRÊS PODERES

 

A DEMOCRACIA COMO FUNDAMENTO DA SEPARAÇÃO

 

A Teoria da Separação dos Poderes em uma sociedade política tem como um de seus principais alicerces a democracia, cujo clássico conceito a apresenta como o “governo pelo povo”. Diante disso, tem-se que a sociedade que se inclina aos ideais democráticos é responsável pelo seu próprio governo.

Assim, em uma sociedade política afeta à democracia, o seu governo é exercido diretamente por todos os seus componentes, devendo todos os assuntos de interesse da sociedade ser submetidos ao crivo de cada um dos seus cidadãos.

Entretanto, sobretudo nas sociedades contemporâneas, muitas das quais formadas por inúmeros indivíduos, torna-se inviável que cada um de seus integrantes manifeste sua vontade sobre todas as decisões atinentes ao interesse público. Isto porque certas questões, em razão de sua importância e urgência, demandam rápidas soluções, sob pena de se tornarem ineficazes até que todos os titulares do poder se manifestem sobre o assunto e reflitam sobre todos os posicionamentos para somente então agir.

Dessa forma, contrapondo-se à já citada democracia direta, surge a figura da democracia representativa, segundo a qual o povo ainda continua sendo o titular absoluto do poder político. Entretanto, o exercício desse poder é confiado a um ou mais representantes, de maneira que estes defenderão os interesses dos representados, através do exercício de um mandato com prazo determinado, o qual poderá ser revogado por procedimentos específicos, caso se observe que o mandatário não está exercendo a contento as funções para as quais foi escolhido, sem prejuízo de responder pelos atos cometidos no exercício do cargo.

Cumpre observar que, em que pese o atual predomínio do sistema democrático representativo, há, ainda que de maneira tímida, uma participação mais efetiva dos cidadãos nas decisões políticas através do que se denominou democracia semi direta. Neste outro modelo, é o povo quem realmente se manifesta sobre determinado assunto que se lhe apresentou, seja para autorizar a tomada de alguma decisão, seja para ratificar uma decisão já tomada por seus representantes. Trata-se dos institutos do Plebiscito, Referendo, Iniciativa, Recall e Veto popular. Como ensina Dalmo Dallari, apesar de os cidadãos exprimirem o seu voto diretamente, os seus representantes “não dão ao povo a possibilidade de ampla discussão antes da deliberação, sendo por isso classificados pela maioria como representativos da democracia semi direta” (Dallari, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado, p. 153......).

Muito embora as espécies acima citadas de exercício da democracia pareçam eficazes e suficientes à consecução dos anseios populares, na prática não é bem isso o que se observa. Tem-se visto, não raramente, na maioria dos estados democráticos, um abismo entre as atitudes dos representantes eleitos de forma livre pelos cidadãos e os anseios destes, devido, entre outros fatores, ao desinteresse do povo pela política, acarretando um abrandamento da fiscalização dos agentes políticos.

Este fenômeno é responsável pelo surgimento de mais uma das espécies de democracia: a democracia participativa. A crise de representação política popular fez com que indivíduos que comungavam dos mesmos interesses se reunissem em grupos para alcançar seus objetivos pressionando os órgãos exercentes do poder político.

O professor Alexandre de Moraes reforça tal entendimento ao afirmar que

 

“com o declínio do sistema representativo político surgem diversos grupos de participação política que, juntamente com os partidos políticos tornam-se importantes atores da competição” (p. 49...).

 

Dessa forma, os grupos de pressão, isentos de qualquer legitimidade popular, pois buscam apenas vantagens pessoais, tentam a todo tempo direcionar as decisões políticas para as resoluções de seus problemas.

Assim, todo esse cenário desvirtua a estrutura do princípio democrático, pois os mandatários que deveriam zelar pela vontade popular, dela em muito se distanciam.

Por oportuno salientar que o Estado Democrático de Direito surgiu em razão de um descontentamento com o estado absolutista, cujo único detentor do poder era o monarca, levado ao trono pela vontade de Deus, somente a quem devia prestar contas. Tal situação demonstrava-se totalmente desfavorável ao anseio popular, ou pelo menos em nada o favorecia, pois o rei não era responsabilizado por suas atitudes, não corria risco algum de ser destronado, haja vista ser o seu reinado vitalício, e, portanto, nada o motivava garantir o bem-estar de seus súditos, ainda mais se os seus próprios interesses conflitavam com os dos populares.

Nesta esteira, importante o ensinamento do professor Dalmo Dallari de que

“o Estado Democrático moderno nasceu das lutas contra o absolutismo, sobretudo através da afirmação dos direitos naturais da pessoa humana (...) através de três grandes movimentos político-sociais que se transpõem do plano teórico para o prático os princípios que iriam conduzir ao Estado Democrático: o primeiro desses movimentos foi o que muitos denominam Revolução Inglesa, fortemente influenciada por Locke e que teve sua expressão mais significativa no Bill of Rigths, de 1689; o segundo foi a Revolução Americana, cujos princípios foram expressos na Declaração de independência das treze colônias americanas, em 1776; e o terceiro foi a Revolução Francesa, que teve sobre os demais a virtude de dar universalidade aos seus princípios, os quais foram expressos na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, sendo evidente nesta a influência de Rousseau.” (p. 147).

 

É o que se verifica, de maneira análoga, com a representação política atual: uma divergência, e em certos casos até mesmo um conflito, entre os anseios dos eleitores e dos seus representantes, sendo necessária uma ampla reforma política a fim restabelecer o bom funcionamento do Estado Democrático que atinja o Poder Judiciário, inclusive; principalmente no que tange à composição do Supremo Tribunal Federal, o que será discutido oportunamente.

 

EVOLUÇÃO HISTÓRICA

 

Como dito anteriormente, a separação dos poderes é indissociável da democracia. Ora, se em um estado democrático de direito é adotada a representação política, o exercício do poder ficará a cargo de um número restrito de representantes devidamente eleitos. Forçoso então admitir a possibilidade de que aqueles que recebem o poder agirem apenas, ou principalmente, em proveito próprio, esquecendo-se do objetivo para o qual foram escolhidos. Isso pode ocasionar um aviltamento dos direitos e liberdades dos indivíduos.

Resta clara, portanto, a necessidade de se lançar mão de um mecanismo capaz de impor limites aos agentes do poder, ou seja, que lhes permita o exercício de suas atribuições e somente delas, através de uma divisão funcional e harmônica do poder, a qual por si só impõe limites aos governantes.

Foi Aristóteles, em seu livro A Política, um dos primeiros a imaginar a separação dos poderes. Segundo o professor Dalmo Dallari,

 

“o antecedente mais remoto da separação de poderes encontra-se em Aristóteles, que considera injusto e perigoso atribuir-se a um só indivíduo o exercício do poder”. (p. 217...).

 

No decorrer da história, outros estudiosos inclinaram-se ao estudo dessa teoria. Entretanto, foi John Locke quem conferiu os contornos doutrinários mais consistentes. Para ele, a sociedade ideal deveria ser composta pelo poder legislativo, a quem caberia a atribuição de legislar; pelo poder executivo, responsável pela execução contínua das leis elaboradas pelo primeiro poder; pelo poder natural ou federativo, que

 

“tem a competência para fazer a guerra e paz, ligas e alianças e todas as transações com todas as pessoas e todas as comunidades que estão fora da comunidade civil” (p. 171).

 

Entretanto, foi Montesquieu que desenhou o sistema de separação dos poderes nos moldes muito semelhantes aos atualmente reconhecidos. Ele organizou os poderes em poder legislativo, responsável pela feitura, atualização, modificação ou revogação das leis; em poder executivo, incumbido de administrar o estado, e principalmente defender seus interesses frente às outras sociedades estrangeiras; e por último, concebeu o “poder de julgar”, que punia os ilícitos cometidos pelo povo. (livro décimo primeiro, capítulo VI).

Impende salientar que o próprio Montesquieu já admitia a instituição da separação dos poderes do estado como forma de impor limites às ações tirânicas dos governantes:

 

“Quando em uma só pessoa, ou em um mesmo corpo de magistratura, o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não pode existir liberdade, pois se poderá temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado criem leis tirânicas para executá-las tiranicamente.

Também não haverá liberdade se o poder de julgar não estiver separado do poder legislativo e do executivo. Se o poder executivo estiver unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria o legislador. E se tiver ligado ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor.” (p. 166).

 

Este pensamento foi solidificado como direito positivo primeiramente na Declaração dos Direitos da Virgínia, em 1776, que culminou na independência dos Estados Unidos da América; e, em 1789, na Declaração dos Direitos do Homem e do cidadão, na França, documento que proporcionou a universalização dos direitos humanos e da separação dos poderes.

 

ESTRUTURA

 

Quando se pensa em separação de poderes do estado, vem à mente a idéia de uma divisão do próprio poder. Entretanto, deve-se entendê-la como uma divisão de atribuições, ou seja, uma divisão das funções de um mesmo poder, haja vista ser o poder uno e indivisível.

Tal divisão de competências tem como principal fundamento impedir que o poder seja totalmente atribuído a um só governante, situação que remeteria a um governo ditatorial, totalmente incompatível com os ideais democráticos, conquistados após anos de lutas contra o despotismo. Trata-se, dessa forma, de uma garantia aos indivíduos de que os seus direitos fundamentais não poderão ser atingidos pelo Estado de forma injustificada e sem que haja uma previsão legal para tanto.

O professor Alexandre de Moraes reforça tal entendimento ao afirmar que

 

“o objetivo inicial da clássica separação das funções do Estado e distribuição entre órgãos autônomos e independentes tinha como finalidade a proteção da liberdade individual contra o arbítrio de um governante onipotente”. (p.406)

 

Os estados modernos - exceção feita a poucos - estruturaram-se segundo o dogma da separação funcional do poder, composto pelos poderes legislativo, executivo e judiciário, todos independentes entre si. Com efeito, houvesse alguma relação de dependência entre eles, desconfigurada estaria a teoria consolidada por Montesquieu. É assegurado, portanto, aos poderes o livre desempenho de suas atividades típicas, sem a possibilidade de qualquer ingerência de outro poder em sua área de atuação.

Conquanto a teoria da separação dos poderes de Montesquieu seja amplamente adotada, mister se faz salientar que, no Brasil, assim como em outros países, houve uma tentativa de aperfeiçoá-la com a instituição do Ministério Público, a quem cabe a função precípua de fiscalizar os três poderes e agir para que eles respeitem o ordenamento jurídico. Instituído pela Constituição de 1988 em seus artigos 127 e seguintes, o Parquet deve “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia”; é o que dispõe o art. 129, inciso II da Carta Magna.

Sem embargo da fiscalização do Ministério Público exercida sobre os três Poderes, há também um controle recíproco entre eles, também denominado sistema de freios e contrapesos (check and balances). Destarte, cada poder tem a prerrogativa de, no exercício de suas funções, controlar as funções do outro, de maneira que este não se exceda em suas atividades.

Alexandre de Moraes corrobora tal entendimento quando ensina que

 

“A constituição Federal de 1988 atribuiu as funções estatais de soberania aos três tradicionais Poderes de Estado: Legislativo, Executivo e Judiciário, e à Instituição do Ministério Público, que, entre várias outras importantes funções, deve zelar pelo equilíbrio entre os Poderes, fiscalizando-os, e pelo respeito aos direitos fundamentais”. (p. 406)

 

Dessa forma, torna-se imperioso entender que cada poder deve exercer suas funções típicas de forma que não haja, ou que se evite ao máximo, conflitos entre eles. Trata-se da harmonia entre as funções. Muito embora não possa, por exemplo, o Judiciário compelir o Legislativo a cumprir uma decisão por aquele tomada, este deve usar de bom senso e respeito ao judiciário e acatá-la, em prestígio ao estado democrático de direito. Pois, se por um lado é proibida a ingerência de um poder no outro, por outro, deve-se respeitar a tomada de decisões de todos os poderes na esfera de sua atividade típica.

Oportuno observar também que todo esse sistema de separação dos poderes, em que todos são independentes e harmônicos entre si, cairia por terra não fosse um rol de garantias e proibições aos seus membros capazes de assegurar que suas atividades não ficarão à mercê do outro poder ou de interesses particulares em detrimento do interesse social.

 

LEGISLATIVO

 

O Poder Legislativo é aquele que contém um maior grau de representatividade de uma sociedade. Todos os seus membros são representantes diretos do povo, pois através de suas atividades típicas, quais sejam, legislar e fiscalizar, manifestam a vontade dos componentes da sociedade em relação à direção do Estado por eles formado. Com efeito, as leis nada mais são do que manifestações de vontade da sociedade sobre como determinado fato deve ser tratado; prescrevem sanções, prêmios, condutas etc.

Conquanto possa (e deva) o legislador elaborar as leis do estado, não lhe é concedida a plena liberdade para dispor sobre o que quiser e como bem entender. Há um limite imposto pela Constituição, a lei suprema de uma sociedade política, à qual todas as demais deverão obedecer e serão desconsideradas no que lhe for contrária. Destarte, pode o legislador fazer tudo aquilo que a Carta Maior lhe atribuir e nada além disso. É o que se entende da redação do §4º do artigo 60 da Lei Magna, ao prescrever que “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais.”

 

De fato, sem tais limites, ineficaz seria a implantação do sistema de separação dos poderes num estado, porquanto quando não se conferir a qualquer dos agentes políticos limites às suas atribuições, haverá um estado totalitário, sem qualquer garantia da preservação dos direitos humanos.

No Brasil, o Poder Legislativo da União é composto por duas instituições: o Senado Federal, formado por representantes dos Estados-Membros da Federação; e a Câmara dos Deputados, considerados como representantes do próprio povo. Daí a denominação bicameral. Diferentemente do Legislativo Federal, o Poder Legislativo dos Estados e dos Municípios é uno, formado somente pelos representantes do povo.

De vital importância esclarecer que a eleição dos representantes do povo se dá de forma proporcional, ou seja, segundo tal mecanismo, procura-se fazer com que todos os grupos da população tenham algum representante no Legislativo, ainda que tais grupos sejam minoria. Caso contrário, haveria não o prestígio à Democracia, mas um totalitarismo travestido democracia, estado em que somente a maioria é considerada.

A Constituição brasileira se encarregou de instituir o Poder Legislativo e estabelecer suas funções, prerrogativas, proibições e incompatibilidades nos artigos 44 e seguintes.

Mister se faz observar, entretanto, que, diferentemente do Legislativo Federal, o Legislativo dos Municípios, Distrito Federal e Estados-Membros são formados por representantes exclusivos do povo.

Nota-se que o bicameralismo fortalece o princípio federativo, pois tende a igualar as forças dos estados-membros, haja vista cada um deles poder enviar três representantes ao Senado Federal, independentemente de seu tamanho, população ou arrecadação.

 

EXECUTIVO

 

No que tange ao poder executivo, este é responsável pela administração do estado, ou seja, por decisões que impulsionam funcionamento da máquina estatal, medidas para a segurança do estado, entre outras. Em suma, ao poder executivo cabe a função de administrar o Estado sob a égide não só da Constituição como também de todo o material legislativo produzido pelo legislador, não ficando também ao seu livre arbítrio a tomada das decisões que lhe competirem. Tal administração engloba não só os assuntos internos do Estado, como também os seus interesses perante as outras nações.

O poder executivo tem por chefe também um representante eleito pelo voto popular, o qual poderá ser o presidente, primeiro-ministro ou monarca, a depender da forma de governo adotada. No Brasil, adotou-se, desde a primeira Constituição, de 24 de fevereiro de 1891, o presidencialismo, segundo o qual uma só pessoa, o Presidente, é responsável pela administração do Estado, exercendo simultaneamente as funções de chefe de estado e de governo. Dessa forma, o Poder Executivo é totalmente centralizado na pessoa do Presidente, porquanto as duas atividades típicas deste Poder são confiadas a ele.

Contrapondo-se ao presidencialismo, há o parlamentarismo, forma de governo que atribui a Chefia de Estado ao monarca, ou presidente, e deixa a Chefia de Governo a cargo do primeiro-ministro, geralmente escolhido pelo parlamento. Destarte, faz-se necessário distinguir o chefe de estado do chefe de governo. O primeiro ocupa uma função basicamente representativa do Estado, ao passo que ao segundo cumpre exercer as atividades políticas e administrativas.

No entendimento do professor Dalmo Dallari,

 

“O Chefe de Estado, monarca ou Presidente da República, não participa das decisões políticas, exercendo preponderantemente uma função de representação do Estado. Sendo secundária sua posição, em termos políticos, é normal nas repúblicas parlamentares que sua escolha seja feita por eleição no Parlamento e que seu mandato seja relativamente longo. É inegável, todavia, que o Chefe de Estado é uma figura importante, pois, além das funções de representação e além de atuar como vínculo moral do Estado, colocado acima das disputas políticas, ele desempenha um papel de especial relevância nos momentos de crise, quando é necessário indicar um novo Primeiro Ministro à aprovação do Parlamento (...). O Chefe de Governo, por sua vez, é a figura política central do parlamentarismo, pois é ele que exerce o poder executivo.” (Dalmo Dallari, Elementos da TGE, p. 235)

 

Conforme anteriormente observado, no Brasil, o Presidente da República será eleito pelo voto popular. Sua escolha se dará junto com a do Vice-Presidente, dentre brasileiros natos que forem registrados por partido político e obtiverem a maioria absoluta dos votos, consoante os artigos 12, §3º e 77, §2º.

Em que pese a administração do Estado estar sob a responsabilidade de um só governante, este não a exerce sozinho. Para tanto, o chefe de governo é auxiliado por ministros, nomeados à sua livre escolha, e por um corpo de servidores públicos. A Constituição brasileira, em seu artigo 76 dispõe que “O Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de Estados”.

Resta claro, portanto, que, seja no presidencialismo ou no parlamentarismo, o Poder Executivo é o responsável por impulsionar as atividades do Estado, ou seja, administrar a máquina pública. Todavia, tal administração não pode ser feita de forma livre pelo Presidente da República. A Carta Magna enumera suas atribuições no artigo 84. E mais: prescreve-lhe sanções caso sua administração cause prejuízos à República, como se observa no artigo 85, que tipifica os chamados Crimes de Responsabilidade.

 

JUDICIÁRIO

 

Por derradeiro, o poder judiciário tem a função de resolver os conflitos sociais que se lhe apresentarem. Para tanto, deverá embasar-se no sistema normativo produzido pelo poder legislativo, a fim de assegurar que a vontade popular, expressa pela produção normativa, seja cumprida. Tem-se com isso o objetivo de preservar a estrutura do estado democrático de direito, a liberdade e garantir que todos se submetam de forma constante e não arbitrária à lei.

Corrobora a importância da existência do judiciário e da estrita obediência à lei a obra de John Locke ao ensinar que

 

“a liberdade dos homens submetidos a um governo consiste em possuir uma regra permanente à qual deve obedecer, comum a todos os membros daquela sociedade e instituída pelo poder legislativo nela estabelecido. É a liberdade de seguir minha própria vontade em todas as coisas não prescritas por esta regra; e não estar sujeito à vontade inconstante, incerta, desconhecida e arbitrária de outro homem” (p. 95).

 

Observa-se ainda que à idéia de “atividade típica”, a qual há pouco fora mencionada, contrapõe-se à de “atividade não-típica”. De fato, todos os poderes possuem uma atividade que lhes é característica. Contudo, não lhe é única e exclusiva. Ora, pois se assim fosse, comprometida estaria mais uma vez a independência entre eles.

Tome-se como exemplo o judiciário. Para que lhe seja possível exercer a jurisdição com eficiência, faz-se necessário que se organize em tribunais e varas, que se distribua a competência entre os seus membros etc. Destarte, apesar de ter como função típica a jurisdição, deve também exercer atividades administrativas e até legislativas stricto sensu ao elaborar os regimentos internos de seus tribunais. Pois, se o judiciário tivesse de recorrer ao executivo para administrar os seus servidores e sua organização, estaria fatalmente ligado a ele, comprometendo sua independência.

O mesmo acontece com o legislativo e com o executivo, que, para a execução de suas atribuições, necessitam praticar outras, secundárias, portanto.

 

CAPÍTULO II: PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO

 

 

O Poder Judiciário no Brasil é instituição prevista na Constituição da República de 1988 em seu artigo 2º, o qual lhe conferiu também independência e autonomia em relação aos demais poderes. A Carta Política também lhe conferiu autonomia administrativa e financeira no art. 99. Note-se, dessa forma, que o ordenamento jurídico brasileiro adotou a teoria da separação dos poderes, consolidada por montesquieu.

Contudo, tais atributos tornar-se-iam ineficazes não fosse um rol de mecanismos aptos a impedir qualquer interferência nos julgamentos proferidos pelos seus membros.

Dessa forma, o art. 95 da Constituição assegura aos integrantes do Judiciário algumas garantias: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios.

De acordo com a primeira delas, todos os membros do Poder Judiciário, após dois anos de exercício efetivo de atividade judicante, adquirem a vitaliciedade, não podendo assim perder o cargo senão por sentença judicial transitada em julgado. Alexandre de Morais destaca que

 

“O fato de os magistrados serem vitalícios permite-lhes certa liberdade de preocupações a respeito da aprovação pública, permitindo uma atuação mais técnica” (direito constitucional, p. ).

 

Entretanto, ressalta-se que, nos dois primeiros anos de exercício, o cargo poderá ser perdido por deliberação do tribunal a que estiver vinculado o magistrado.

Em que pese tal possibilidade, não ficará o magistrado em seu primeiro biênio de exercício jurisdicional sujeito ao livre arbítrio dos membros do tribunal ao qual estiver vinculado. Isso porque o art. 93, inciso IX, dispõe que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”; e no mesmo sentido prega o inciso seguinte: “as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros”. Deve-se concluir, portanto, que dificilmente o membro do poder Judiciário terá ameaçado pela simples razão de decidir causa em que figure como parte alguma autoridade superior, ou pessoa influente.

 

Já a inamovibilidade visa a assegurar que o magistrado no exercício de sua função, e em razão dela, não poderá ser transferido arbitrariamente para outra comarca. Com efeito, se não gozassem os integrantes do Judiciário dessa garantia, poderiam ficar expostos a retaliações, pois, se o juiz estivesse protegido somente pelo manto da vitaliciedade, não podendo perder sua função senão por processo judicial em que lhe seja assegurada ampla defesa, poder-se-ia, então, tentar prejudicá-lo de outra forma, transferindo-o, por exemplo, para outro juízo muito distante, longe de sua família e amigos, o que lhe poderia provocar alguns transtornos.

A terceira garantia assegurada aos magistrados é a irredutibilidade de seus subsídios fora dos casos previstos na Constituição. Mais uma vez a Carta Magna buscou proteger a independência e imparcialidade do julgador ao impedir que lhe diminuam vingativamente os seus vencimentos sem que haja uma justificativa constitucionalmente prevista. De maneira análoga ao que se disse quanto à inamovibilidade, seria inútil garantir a permanência do juiz no cargo de um lado e, de outro, permitir lhe sejam aviltados seus subsídios.

Nota-se, portanto, que a Constituição buscou proteger os magistrados das ações de retaliação daqueles que tiverem seus interesses frustrados em virtude de decisões judiciais, pois cabe ao judiciário julgar toda e qualquer ameaça ou lesão a direito que lhe for apresentada. Assim, fácil é concluir que, muitas vezes, poderá haver decisões que vão de encontro com os interesses de pessoas influentes no meio jurídico ou político, as quais conseguiriam coagir o julgador a lhes beneficiar a qualquer custo.

Este rol de garantias, se não asseguram a independência e autonomia do Poder Judiciário, pelo menos em muito as fortalece.

Mister se faz, dessa forma, analisar como está organizada a estrutura do Poder Judiciário Brasileiro para entender a importância do Supremo Tribunal Federal e de seus membros na sociedade política do Brasil.

Cuida o art. 92 da Constituição de 1988 de tal tarefa ao estabelecer os órgãos que compõe o Judiciário:

 

“São órgãos do Poder Judiciário:

I – Supremo Tribunal Federal

II – Conselho Nacional de Justiça

III – Superior Tribunal de Justiça

IV – Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais

V – Tribunais e Juízes do Trabalho

VI – Tribunais e Juízes Eleitorais

VII – Tribunais e juízes Militares

VIII – Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.”

 

Note-se que o legislador constitucional optou por instituir a justiça especializada, composta pelos Tribunais e Juízes do Trabalho, Eleitorais e Militares. Destarte, as matérias relacionadas a tais assuntos deverão ser decididas pelo respectivo Tribunal ou Juiz, tudo devidamente regulamentado nos arts. seguintes da Carta Magna e nos regimentos internos dos Tribunais.

Também em prestígio ao princípio federativo, dividiu a justiça brasileira em estados, tendo cada um dos entes federados e o Distrito Federal e Territórios autonomia para resolver os conflitos que se lhe apresentarem em sua jurisdição. Entretanto, para determinadas matérias, fixou que a competência para julgar seria exercida por tribunais federais, sejam os Tribunais Regionais Federais ou o Superior Tribunal de Justiça.

Cumpre observar que a competência dos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal e Territórios consiste em uma competência residual, ou seja, todos os casos em que a Constituição não determinou como competente a Justiça Federal serão decididos pelos tribunais de justiça dos estados e do Distrito Federal e Territórios.

Chama também a atenção a criação do Conselho Nacional de Justiça, que foi idealizado pelo legislador constitucional através da emenda nº 45 de 2004. Trata-se de um órgão responsável principalmente pelo controle administrativo do Poder Judiciário. O artigo 103-B da Constituição dispõe que o Conselho Nacional de Justiça é responsável pelo “controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes”.

Em que pese tal controle exercido pelo Conselho Nacional de Justiça, não há sequer o enfraquecimento da autonomia e independência do Poder Judiciário em relação aos outros poderes ou em relação àquele órgão, porquanto tal controle é apenas administrativo e financeiro, e não jurisdicional.

Dessa forma, as decisões tomadas pelos magistrados em suas atividades judicantes não podem ser reformadas pelos membros do Conselho Nacional de Justiça, cujo escopo é aperfeiçoar os serviços prestados pelo Judiciário aos indivíduos.

O professor Alexandre de Moraes esclarece que:

 

“A EC nº45/04 estabeleceu, como órgão de cúpula administrativa do Poder Judiciário, o Conselho Nacional e Justiça, com sede na Capital Federal, porém sem funções jurisdicionais, pois, como lembram Garcia de Enterría e Fernandez Tomás-Ramón, ‘a relação entre o Direito e o Juiz é direta, sem que nenhum outro sujeito ou órgão possa intervir no momento de tomar suas decisões’”

Como bem salientou o Supremo Tribunal Federal, ‘a composição híbrida do CNJ não compromete a independência interna e externa do Judiciário, porquanto não julga causa alguma, nem dispõe de atribuição, de nenhuma competência, cujo exercício interfira no desempenho da função típica do Judiciário, a jurisdicional’”. (direito constitucional, p. 516)

No que concerne à composição do Conselho Nacional de Justiça, procurou o constituinte reformador, no artigo 103-B, formá-lo de representantes de órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público e da sociedade. Destarte, determinou que, de seus quinze membros, haveria: representantes do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, da Justiça do Trabalho, da Justiça Federal, dos tribunais de justiça, do Ministério Público e cidadãos indicados pelo Poder Legislativo.

Percebe-se, portanto, uma tentativa do legislador constitucional em aprimorar os serviços jurisdicionais prestados aos indivíduos com a criação do Conselho Nacional de Justiça, que deverá se esforçar para criar mecanismos que tornem o mais eficiente possível o Poder Judiciário no exercício de suas funções.

De vital importância neste momento uma análise um pouco mais cuidadosa do Supremo Tribunal Federal e de sua composição.

 

CAPÍTULO III: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

 

Consoante a redação do artigo 101 da Constituição Federal brasileira, o Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.

Nota-se a adoção de certos requisitos para que alguém possa compor o órgão de cúpula do Judiciário brasileiro: idade entre trinta e cinco e sessenta e cinco anos; ser cidadão, donde se deduz que o candidato à vaga de Ministro deverá estar no pleno gozo de seus direitos políticos; notável saber jurídico e reputação ilibada. Importante esclarecer que este último ponto não exige formação acadêmica em Direito. Basta que o conhecimento jurídico seja notável, ou seja, reconhecido por muitos como um profundo conhecedor da ciência jurídica, sendo dispensável a formação acadêmica em Direito. O artigo 12 da Carta Magna também estabelece um requisito para um Ministro do Supremo Tribunal Federal: ele deve ser brasileiro nato. Dessa forma, automaticamente excluídos estão os estrangeiros e os brasileiros naturalizados de tal posto.

Assim, qualquer pessoa, cumpridos os requisitos acima, poderá ser nomeado Ministro da corte suprema brasileira pelo Presidente da República, após ser sabatinado pelo Senado Federal e aprovado pela maioria absoluta de seus membros.

Imperioso agora conhecer, ainda que superficialmente, a evolução histórica do Supremo Tribunal Federal para se entender qual sua verdadeira essência.

 

ASPECTOS HISTÓRICOS

 

A idealização do órgão de cúpula do Judiciário brasileiro se deu ainda no Brasil Império, quando Dom Pedro II patrocinou um estudo sobre o Supremo Tribunal de Justiça de Washington, a fim de implantar um órgão semelhante no império. Todavia, a efetiva instituição do Supremo Tribunal Federal deu-se efetivamente no Brasil República, com o Decreto 510/1890. Observa-se que, desde sua criação, o Supremo Tribunal Federal tinha o escopo de proteger a constituição brasileira das decisões e leis que contra ela atentavam.

De vital importância também salientar que o Supremo Tribunal Federal foi idealizado sob forte influência da Suprema Corte americana. Oscar Vilhena Vieira afirma que

 

“sob a inspiração da Suprema Corte americana, o Supremo Tribunal Federal foi concebido como órgão de cúpula do Poder Judiciário, porém, com expressas atribuições políticas, visto que a ele cabia limitar a atuação do Estado aos parâmetros estabelecidos pela Constituição.” (STF, jurisprudência política, p. 71, revistas dos tribunais, 1994)

 

Vê-se flagrantemente, dessa forma, uma forte veia política a guiar o supremo tribunal brasileiro desde o seu início.

Cumpre observar também que durante todos esses anos de existência do Supremo Tribunal Federal, ele assumiu várias posições em relação ao governo vigente; ora se mostrava condescendente, ora era altamente reprimido pelos regimes ditatoriais, ora assumia o seu principal papel de guardar a constituição.

Mesmo após sua criação, não houve mudanças significativas em relação ao Tribunal de Justiça do Império. Entretanto, liderado por Rui Barbosa, o Supremo Tribunal Federal começou a desempenhar o seu devido papel nos cenários político e jurídico, chegando a provocar inclusive animosidades entre o tribunal e o Poder Executivo.

Como exemplo, Oscar Vilhena cita que

“As diversas intervenções – mais ou menos incisivas – a que foi submetido o Tribunal nesse período são prova do desconforto que o Supremo provocou para alguns presidentes. Floriano Peixoto não preencheu por um longo período as vagas de juízes que se aposentaram, inibindo, dessa forma, a possibilidade do Supremo de julgar, uma vez que não era alcançado o quorum mínimo previsto por lei para o seu funcionamento. Ao fazê-lo, nomeou o médico Barata Ribeiro, que foi Ministro por mais de um ano, até que o Senado anulasse a sua nomeação. Também buscou nomear os generais Galvão de Queiroz e Ewerton Quadros, que não tomaram posse. O Presidente Hermes da Fonseca também deixou de acatar decisões do Supremo, o que gerou protestos por parte dos Ministros Pedro Lessa e Amara Cavalcanti.” (p. 74)

Já no que concerne ao período Vargas, o tribunal de cúpula brasileiro adotou uma postura subserviência em relação ao estadista.

O professor Oscar Vilhena reforça que

 

“No Período Vargas, do padrão de relacionamento que variou na Primeira República, entre o conflito e a submissão do Supremo em relação ao governo, prevaleceu a submissão. O reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal do governo provisório instaurado em 1930, foi manifestado alguns dias após a tomado do poder por Getúlio Vargas, pelo seu Presidente Godofredo Xavier da Cunha, ao transmitir ao Presidente da República os ‘melhores votos para o governo de fato, que se instalara’”. (p. 75)

 

Tem-se, portanto, na Era Vargas, uma sensível perda de autonomia do Supremo Tribunal Federal, expressa pela constituição de 1934 e com o advento do Estado Novo. Todavia, não se pode negar que houve uma evolução em relação ao controle de constitucionalidade das normas, como por exemplo a possibilidade do controle através de uma ação direta de inconstitucionalidade, contudo, não nos moldes da atual ação.

Tal postura de obediência ao Poder Executivo também se mostrou clara no regime da ditadura militar, principalmente a partir de 1967, com a constituição militar. Isso porque, nas palavras de Oscar Vilhena,

“A manutenção dos poderes constitucionais do Supremo Tribunal Federal não evitou que este se tornasse vítima de diversos atos arbitrários emanados da cúpula militar, como a aposentadoria compulsória de três de seus ministros em 1969” (p. 79)

O Ato institucional nº5 fragilizou sobremaneira a autonomia não só do Supremo Tribunal Federal como todo o Poder Judiciário, porquanto foram retiradas as garantias de todos os magistrados e mais: os atos institucionais foram resguardados do controle do Poder Judiciário.

O processo de transição da ditadura para a democracia ocorreu com uma participação tímida da corte suprema brasileira, que teve seu rol de competência alargado com a reforma judiciária de 1977, a qual recebeu um auxílio de seus ministros.

Com o advento da Constituição de 1988, não houve mudanças na estrutura do Supremo Tribunal Federal, entretanto, nota-se uma ampliação significativa de suas competências. O legislador constituinte optou pela convivência do o controle de constitucionalidade concentrado com o difuso, de forma que estes poderiam ser realizados por toda a magistratura. Destaca-se no controle concentrado a criação da ação direta de inconstitucionalidade por omissão e o mandado de injunção, que tem por escopo obrigar o poder público obedecer aos comandos normativos constitucionais; também foram concebidas a argüição de descumprimento de preceito fundamental e a ação declaratória de constitucionalidade. Esta última com o objetivo decidir sobre controvérsias judiciais que surgirem em torno de norma ou ato normativo federal.

Importante salientar que a Constituição de 1988 manteve a linha das cartas anteriores e estabeleceu que ao Supremo Tribunal Federal caberia a sua guarda, consoante a redação do artigo 102. Com isso, o órgão jurisdicional supremo assumiu a função de tribunal constitucional, pois foi encarregado de garantir a supremacia da constituição em relação às leis e atos normativos elaborados pelo poder público e assegurar o seu cumprimento.

Destarte, o constituinte não confiou ao Supremo Tribunal Federal somente a função de tribunal constitucional. Dotou-lhe de competência recursal em alguns casos. Oscar Vilhena esclarece que

“o Supremo Tribunal Federal ocupa um duplo papel no atual sistema constitucional brasileiro. É órgão de cúpula do Poder Judiciário, pois detém a competência recursal máxima, podendo rever decisões dos demais tribunais, face sua incompatibilidade com a Constituição. Exerce também a função de tribunal constitucional, ao apreciar, de forma concentrada, as ações diretas de inconstitucionalidade. O sistema constitucional brasileiro conjuga, dessa maneira, os modelos americano e europeu de controle da constitucionalidade das leis, competindo ao Supremo Tribunal Federal atribuições de órgão de cúpula do sistema difuso e especial no sistema concentrado”. (p. 139)

Ademais, tem também o Supremo Tribunal competência originária para julgar autoridades dentre as quais o Presidente e o Vice-Presidente da República, membros do Congresso Nacional, e seus próprios ministros nos casos de crimes comuns, conforme redação do artigo 102, I da Constituição.

 

CAPÍTULO IV: COMPOSIÇÃO DOS TRIBUNAIS CONSTITUCIONAIS

 

Suprema Corte Americana

 

A Suprema Corte Americana, juntamente com os demais magistrados dos Estados Unidos da América, possui um importantíssimo papel na garantia da supremacia da Constituição estadunidense. Conforme frisado anteriormente, o sistema de controle de constitucionalidade norte-americano se baseia no judicial review, ou controle difuso, mecanismo em que a magistratura assegura a superioridade da Constituição em detrimento de atos ou normas que com ela conflitem. Todavia, tais decisões são tomadas somente mediante a apresentação dos casos concretos que forem submetidos ao judiciário, sendo vedado à corte analisar de forma abstrata alguma lei ou ato normativo do poder público. Assim, o efeito dessas decisões atinge somente as partes do litígio.

Cumpre salientar que a Constituição norte-americana também conferiu à Suprema Corte algumas competências originárias, as quais se mostram significativas na prática. Dessa forma, consiste o colegiado em um tribunal essencialmente recursal.

Conquanto seja esse tribunal o guarda da Carta Política dos Estados Unidos, sua composição, competência e organização ficam a cargo da legislação infraconstitucional e dos costumes, pois a Constituição não dispôs acerca dessa matéria, apenas conferindo a nomeação dos seus membros a cargo do Presidente, após a aprovação da maioria simples do Senado. Alexandre de Moraes esclarece que

 

“Inexiste constitucional e legalmente a exigência de requisitos capacitários para a nomeação de juiz da Corte Suprema, sendo a mesma de escolha eminentemente política do Presidente da República e aprovação do Senado.

Note-se que a maioria dos juízes nomeados participava ativamente da vida política dos Estados Unidos da América, caracterizando-se suas nomeações frequentemente por disputas políticas entre os dois grandes partidos dominantes.” ( jurisdição constitucional e tribunais constitucionais, p. 87)

 

Destarte, resta clara a grande influência política que paira sobre as nomeações dos Ministros da Suprema Corte dos Estados Unidos.

Esse tribunal é composto atualmente por nove juízes, todos escolhidos pelo Presidente da República, consoante o disposto no Código Judiciário Federal, o qual também regulamenta sua competência e organização.

Gozam os juízes da Suprema Corte de algumas garantias, como a vitaliciedade, a qual, nas palavras de Alexandre de Moraes,

“existe, no sentido norte-americano, de os juízes conservarem o cargo enquanto bem servirem a nação, sem limite de idade para a aposentadoria” (p. 89)

Importante destacar que o juiz coberto pelo manto dessa garantia somente perderá o cargo após um processo de impeachment, segundo dispõe o artigo 2º, seção IV da Lei Maior norte-americana. O Presidente desse tribunal, também chamado de chief justice, é escolhido pelo próprio Presidente da República e goza de vitaliciedade.

No que tange aos requisitos para a escolha dos componentes da Corte Suprema, inexiste qualquer exigência no direito positivo dos Estados Unidos. Assim, não há qualquer exigência de formação acadêmica ou profissional ou limites máximo e mínimo de idade, senão a de incompatibilidade entre qualquer tipo de ligação entre um membro do Judiciário com o Legislativo ou o Executivo. O integrante do Poder Judiciário exerce exclusivamente tal função, sendo-lhe defeso acumular qualquer outro cargo nos outros dois poderes.

Ante o exposto, conclui-se que, embora seja a Suprema Corte Americana prevista pela constituição, ela se mostra frágil, uma vez que sua composição, organização e competência podem ser alteradas facilmente pela legislação infraconstitucional a fim de satisfazer os anseios de alguns partidos políticos ou grupos de pressão que não representam, via de regra, a vontade nacional.

Da mesma forma, corrobora tal fragilidade a ausência de requisitos para a investidura no cargo de juiz desse tribunal. Muito embora historicamente não haja registros de nomeações de juízes tecnicamente leigos, tal fato não garante que eventuais nomeações irresponsáveis ocorram. Ademais, a nomeação dos juízes da Suprema Corte se dá pelo Presidente da República, após a aprovação do Senado e, como anteriormente salientado pelo professor Alexandre de Moraes, há uma forte influência política para a ocupação de tais cargos, o que pode enfraquecer os critérios técnicos em detrimento das vantagens políticas que se obterão ao investir como juiz alguém que privilegie os interesses políticos de que o colocou no cargo.

Além disso, já que é inevitável a disputa política em torno da nomeação dos juízes da Suprema Corte, mister se faz uma politização dessas nomeações, não entregando a nomeação de todos os seus membros somente nas mãos do Executivo, assunto que Será tratado oportunamente.

 

Tribunal Constitucional Austríaco

 

Diferentemente do modelo norte-americano de controle de constitucionalidade, segundo o qual a constitucionalidade das leis e atos normativos do poder público deve ser analisada conforme sejam apresentados os casos concretos a qualquer membro competente do Judiciário, o modelo austríaco prega que esse controle deve ser atribuído a um único órgão, denominado Tribunal Constitucional, ao qual também foram delegadas algumas competências de ordem política e administrativa.

Segundo a doutrina austríaca, idealizada por Hans Kelsen, o controle de constitucionalidade deverá ser apreciado por esse tribunal de forma abstrata, ou seja, se por um lado a lei ou ato normativo compatível com a constituição obriga a todos, por outro, deverá deixar de ser aplicada a todos, caso conflite com as disposições constitucionais. Trata-se de uma análise sobre a compatibilidade de uma lei com a Constituição, e não de um caso prático, onde a constitucionalidade é aferida de forma mediata.

Importante salientar a independência da Corte Austríaca frente aos três poderes. Assim, além de se mostrar independente dos poderes Executivo e Legislativo, também não guarda vínculo com o Judiciário. Nas palavras de Alexandre de Moraes,

 

“O Tribunal Constitucional não se situa em nenhum dos clássicos Poderes de Estado, preservando sua independência e garantindo plena liberdade em seus julgamentos”. (p. 119)

 

Em que pese a neutralidade do Tribunal Constitucional austríaco, ele carece de autonomia administrativa, porquanto o preenchimento das funções administrativas desse órgão fica a cargo do governo. Dessa forma, tal dependência administrativa coloca o tribunal à mercê represálias do governo resultantes de decisões desfavoráveis a ele.

A corte constitucional austríaca é composta por catorze membros, todos vitalícios, podendo perder o cargo somente nos casos da lei, por decisão judicial, e com a aposentadoria compulsória no último dia do ano em que completarem os setenta anos de idade. Há também a previsão constitucional de seis juízes suplentes.

Os membros do tribunal são investidos nos cargos de duas formas distintas: pelos Poderes Executivo e Legislativo. Ao primeiro incumbe nomear seis de seus membros, o Presidente, o Vice-Presidente e mais três suplentes dentre magistrados e professores universitários de Direito. Ao segundo cabe nomear os seis membros restantes e os outros três suplentes, de forma que três membros e dois suplentes são escolhidos pela maioria qualificada de uma das casas do Legislativo: o Conselho Nacional; e os restantes ficam a cargo da maioria absoluta da outra casa: o Conselho Federal.

Muito embora a constituição austríaca tenha sido silente quanto ao critério de escolha dos membros do Tribunal Constitucional, convencionou-se que a composição da corte se daria conforme a força dos partidos políticos no parlamento. Dessa forma, o partido político com maior representação no parlamento tem podido escolher a maioria dos membros do tribunal austríaco.

No que concerne aos requisitos para investidura no órgão constitucional austríaco, exige-se de seus membros no mínimo dez anos de atuação na área jurídica, não havendo, entretanto, qualquer exigência quanto ao limite mínimo de idade. Todavia, como já mencionado, no dia trinta e um de dezembro do ano que completar setenta anos, há a aposentadoria compulsória do magistrado.

Cumpre observar que todos os membros e suplentes do tribunal não podem ter exercido, nos quatro anos que antecederem a nomeação, qualquer cargo de membro do Governo Federal, do governo de qualquer estado, do Legislativo ou de assembléia representativa. Também são proibidos de exercer qualquer atividade político-partidária enquanto ocuparem o cargo.

A respeito da composição desse órgão constitucional, conclui-se que há uma verdadeira politização da justiça austríaca, haja vista às indicações serem feitas proporcionalmente à representação dos partidos políticos no parlamento.

 

Conselho Constitucional Francês

 

Semelhantemente ao Tribunal Constitucional da Áustria, o Conselho Constitucional francês encontra-se separado dos três clássicos poderes do Estado Francês. É um órgão constitucional dotado de autonomia e independência em relação ao Legislativo, do Executivo e do Judiciário.

Concebido no ano de 1958, com a Constituição Francesa, esse conselho foi se desenvolvendo e teve suas competências alargadas com o passar do tempo. Inicialmente, tinha como principal função o controle preventivo das normas criadas pelo parlamento em relação à constituição como um todo. Dessa forma, antes de nascerem efetivamente para o mundo jurídico, as normas eram submetidas ao crivo do conselho. Todavia, tal função foi sendo cada vez mais específica. Nas palavras de Alexandre de Moraes,

“a partir da decisão 71-44 DC, de 16-7-1971, onde o Conselho Constitucional reconheceu pleno valor constitucional ao Preâmbulo da Constituição, para, consequentemente, possibilitar o pleno controle preventivo de constitucionalidade das leis que desrespeitassem os direitos fundamentais lá consagrados, a jurisdição constitucional deixou de ter como meta primordial o controle do Parlamento, para consagrar-se como protetiva dos Direitos Humanos Fundamentais. Portanto, após a citada decisão, a proteção dos direitos fundamentais tornou-se a primeira e mais importante função do controle da constitucionalidade das leis, passando a jurisdição constitucional, de certa maneira, de um controle preventivo de constitucionalidade exercido para o interesse dos poderes públicos e em particular do Poder Executivo, para um controle de constitucionalidade protetivo dos interesses dos cidadãos.” (p. 139)

O conselho é composto por todos os Ex-Presidentes da República, com mandato vitalício, e mais nove membros, com mandato único de nove anos, sendo três escolhidos pelo Presidente da República, três pelo Presidente da Assembléia Nacional e três pelo Presidente do Senado, sem que haja qualquer requisito técnico para tal escolha. Assim, os nove componentes não vitalícios são indicados em razão de critério puramente políticos, não necessitando de qualquer experiência ou formação jurídica. Também não há exigências quanto aos limites mínimo ou máximo de idade, tal qual acontece com os membros vitalícios. Um terço dos cargos com mandato temporário será renovado a cada período de três anos. Importante salientar que a Presidência do conselho, será exercida mediante livre escolha do Presidente da República.

Destaca-se, dessa forma que o conselho poderá conter membros sem capacitação jurídica, os quais poderão, inclusive, ser Presidente do Conselho Constitucional, deixando-o quase que totalmente entregue aos ideais político-partidários. Sem contar que poderão compor o conselho pessoas sem o mínimo conhecimento jurídico necessário para seu exercício.

            A perda do mandato no conselho poderá dar-se com a morte de seus membros; com o término de seu prazo; ou através da renúncia, da suspensão de direitos políticos ou civis do integrante do órgão, do advento de incapacidade física permanente que impossibilite o exercício do cargo, consoante as disposições da Lei Orgânica do Conselho Constitucional. Há ainda a demissão de ofício, que ocorre quando um membro do conselho é dele excluído, em votação secreta, por maioria simples do colegiado, nos casos de incompatibilidade com o exercício do cargo.

 

Tribunal Constitucional Federal Alemão

 

Criado em 1949, pela constituição alemã, o Tribunal Constitucional Federal Alemão é o órgão responsável pelo controle de constitucionalidade de normas e atos normativos desse Estado. Previsto nos artigos 92, 93 e 94, o tribunal pertence ao Poder Judiciário, sendo dotado de autonomia administrativa e orçamentária. Não está, portanto, sujeito a quaisquer ingerências dos outros Poderes.

O tribunal alemão, nas palavras de Alexandre de Moraes,

“compõe-se de 16 membros, divididos em dois Senados, que se encontram no mesmo plano hierárquico, com oito membros cada um. Como afirmado por Klaus Schlaih, ‘ambos os Senados estão baseados no princípio da igualdade, de modo que cada um deles constitui o Tribunal Constitucional Federal’. Em cada Senado, três juízes deverão ser escolhidos entre os juízes dos tribunais federais superiores, que exerçam o cargo há mais de três anos (art. 94, I da Lei Fundamental e §2º, alínea 2 da Lei do Tribunal Constitucional Federal), e os restantes livremente”. (p. 155)

A escolha dos membros é feita mediante eleição do Parlamento Federal e do Conselho Federal, de maneira que cada uma das casas escolha a metade dos membros do tribunal. Enquanto o Parlamento Federal realiza sua eleição de forma indireta, por meio de uma comissão de doze parlamentares designada conforme a representação partidária, o Conselho Federal o faz de maneira direta, lançando mão ainda de outra peculiaridade: cada unidade da federação representa um voto. A semelhança entre os procedimentos utilizados por esses órgãos legislativos é o quórum de aprovação, que deverá ser de dois terços dos membros de cada casa.

Dessa forma, é imprescindível que haja um verdadeiro debate entre os membros dessas instituições acerca da indicação para o órgão constitucional. Isso impede uma ditadura da maioria, pois exige certo consenso entre os parlamentares, propiciando alguma representação das minorias no tribunal alemão. Feita a escolha, o Presidente da República nomeará os eleitos. Ressalte-se que o Presidente e o Vice-Presidente do tribunal também são escolhidos pelos parlamentares, sem prazo para o exercício da função.

Ao contrário do que ocorre com o Supremo Tribunal Federal no Brasil, o Tribunal Federal Constitucional Alemão não confere vitaliciedade aos seus juízes, mas sim somente um mandato com duração de doze anos, sendo defeso o retorno ao tribunal.

Cumpre observar que, para assegurar a independência e a autonomia do órgão constitucional alemão, a Lei Fundamental germânica concedeu aos seus juízes as mesmas garantias da magistratura, só podendo deixar o cargo com o término do mandato, ou nos casos de atitudes incompatíveis com o exercício do cargo. As incompatibilidades de que trata a constituição consistem em exercício simultâneo de cargo no Poder Legislativo ou no Executivo.

No que concerne ao rol de competências do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, sua principal atribuição é o controle de constitucionalidade, que poderá ser exercido de forma abstrata ou difusa, tal como ocorre no Brasil, porém com algumas diferenças. Além da possibilidade do controle abstrato e do difuso, há o Recurso Constitucional, que pode ser interposto por todo cidadão, ou até mesmo por pessoas jurídicas alemãs, perante o Tribunal Constitucional Federal sempre que tiverem seus direitos, dentre esses os fundamentais, violados pelo poder público.

O Professor Alexandre de Moraes Esclarece que tal previsão

“Decorre da auto-aplicabilidade dos direitos fundamentais e assemelhados previstos nas Leis Fundamental e, conseqüentemente, da necessidade de existência de um órgão que garanta sua efetividade (...). Assim, a principal competência do Tribunal Constitucional Federal Alemão corresponde ao recurso constitucional (verfassungsbeschwerde), previsto no artigo 93, item 1.4.a da Lei Fundamental.” (p. 161 e 162)

 

Importante frisar que, além de zelar pelo cumprimento da Constituição Alemã, o Tribunal Constitucional é competente para julgar o Presidente da República nos casos em que ele for acusado por uma das casas legislativas de violar a Lei Fundamental ou qualquer lei federal; também tem competência para aplicar sanções disciplinares aos juízes que infringirem os princípios contidos na Carta Alemã; para apreciar a perda de alguns direitos fundamentais sempre que eles forem utilizados para prejudicar a ordem constitucional.

Ainda há previsão na constituição de que a competência do tribunal constitucional poderá ser ampliada mediante lei federal, o que pode representar um perigo à eficiência do órgão, se, com sua competência ampliada, tiver de resolver inúmeros casos, podendo provocar um congestionamento processual, além de, segundo Konrad Hesse, citado por Alexandre de Moraes,

“em sua totalidade essas competências ultrapassam essencialmente o quadro tradicional da competência judicial-constitucional. É essa amplitude que fundamenta o significativo aumento da jurisdição constitucional na ordem constitucional da Lei fundamental, que, naturalmente, ao mesmo tempo, também deixa aparecer com nitidez aumentada a problemática da jurisdição constitucional, especialmente a questão de seus limites”. (p. 173)

 

Tribunal Constitucional Português

 

A atual Constituição Portuguesa, vigente desde 1976, confiou, com a revisão de 1981, a análise das questões constitucionais ao Tribunal Constitucional Português. Muito embora ele esteja alocado no Título VI, Parte III da Carta Política portuguesa, separado das disposições sobre os clássicos poderes e com autonomia administrativa e orçamento próprio, o órgão constitucional é parte do Judiciário.

José Manuel Cardoso Costa, citado por Alexandre de Moraes, exorta que

“o Tribunal Constitucional não só o integra, como representa mesmo o seu órgão de cúpula, em razão da competência cassatória de que dispõe relativamente às decisões de todos os outros tribunais (sem excluir o Supremo Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Administrativo), em matéria da constitucionalidade das normas que a estes caiba aplicar e matérias equiparadas”. (p. 179)

 

De forma assemelhada ao Tribunal Constitucional Federal Alemão, a corte portuguesa, formada por treze juízes, divide-se em duas seções, sem qualquer hierarquia entre elas. Cada seção é composta pelo Presidente do tribunal e por mais seis magistrados. Dessa forma, o Presidente do órgão integra suas duas seções. Nos casos de controle abstrato de constitucionalidade, ou se se for analisar legalidade de um ato ou norma, exige-se a decisão pelo Tribunal Pleno.

Todos eles são investidos, nas palavras de Alexandre de Moraes, de duas formas distintas:

 

“escolha pela Assembléia da República e cooptação pelo próprio Tribunal. Assim, 10 juízes são designados pela assembléia da República, mediante eleição. As candidaturas serão apresentadas por um mínimo de 25 e um máximo de 50 deputados, perante o Presidente da Assembléia da República, exigindo-se o aceite do próprio candidato, e constarão em boletins de voto, por ordem alfabética. Serão considerados eleitos os candidatos que obtiverem o voto de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções (art. 16.4 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional). Os outros três juízes serão cooptados pelo próprio Tribunal. Assim, existindo vagas, os 10 juízes eleitos pela Assembléia da República se reunirão, no prazo de 10 dias, e escolherão, por voto secreto, o novo membro do tribunal constitucional. (...). Considerar-se-á eleito o candidato que obtiver um mínimo de sete votos na mesma votação e aceitar a designação.” (p. 181)

 

Já a escolha do Presidente e do Vice-Presidente é feita por seus colegas para um mandato de dois anos, sendo permitida a recondução.

De vital importância analisar a presença de alguns requisitos para composição do Tribunal Constitucional Português. Seis dentre os juízes do órgão constitucional devem ser oriundos dos outros tribunais portugueses, pouco importando o seu tempo de atuação na magistratura. Os demais devem possuir formação acadêmica em Direito e estarem em pleno gozo de seus direitos políticos e civis.

Igualmente, silenciou a Constituição Lusitana quanto à exigência de limites mínimo e máximo de idade para o exercício do cargo no colegiado constitucional. Não há, portanto, hipótese de aposentadoria compulsória. Assim, o exercício do magistrado se finda com o término do mandato.

Com relação à duração do cargo de um juiz do Tribunal Constitucional Português, não há se falar em vitaliciedade. Todos os membros possuem um mandato de nove anos, sem a possibilidade de recondução.

Visando à efetivação da autonomia dos Membros do Tribunal Constitucional Português, a Constituição instituiu um rol de garantias aos juízes do órgão de cúpula do Judiciário português, como independência, inamovibilidade e imparcialidade. Interessante também o artigo 24 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, que possibilita aos membros do tribunal a irresponsabilidade dos julgamentos proferidos, ressalvados os casos e formas previstos na legislação.

Se, por um lado os magistrados do Tribunal Constitucional Português possuem garantias, pesam sobre eles algumas restrições. É incompatível com o exercício da magistratura o desempenho de qualquer outra atividade profissional ou político-partidária, sendo-lhes permitido ocupar cargos de professor ou pesquisador, contudo sem remuneração. Demais disposições, tais como a organização e o funcionamento do tribunal, poderão ser regulamentadas pela legislação infraconstitucional.

A Carta Política de Portugal atribuiu à corte constitucional a competência para resolver as questões de ordem constitucional, o que representa uma grande amplitude na atuação do tribunal. Ademais, possibilitou à legislação comum estabelecer-lhe ainda mais competências. Merece destaque a forma como é realizado o controle de constitucionalidade. Poderá ser feito de forma preventiva ou repressiva, concentrado ou por via difusa.

 

CAPÍTULO V: A QUESTÃO DA IMPARCIALIDADE

 

Entendida toda a estrutura em que se alicerça o Estado brasileiro, mais especificamente o principal órgão do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal, e após entender o sistema de composição dos tribunais constitucionais de alguns outros Estados, passa-se à reflexão sobre o mecanismo de escolhas dos membros desses órgãos.

Primeiramente, recordando-se sobre a composição do Supremo Tribunal Federal, tem-se que ele é composto por onze ministros escolhidos dentre cidadãos brasileiros natos, com mais de trinta e cinco anos e menos de sessenta e cinco anos de idade, pelo Presidente da República, após a aprovação da maioria absoluta dos membros do Senado Federal, ocupando um cargo vitalício, que poderá findar-se somente com a aposentadoria compulsória ou por sentença judicial transitada em julgado.

Ademais, os candidatos a ministro não precisam ter formação acadêmica em Direito ou experiência profissional alguma. Basta que, a critério do Presidente da República e do Senado Federal, tenham notável saber jurídico e reputação ilibada.

Procurar-se-á entender e comentar cada uma das etapas envolvidas na formação do tribunal constitucional brasileiro, apontando possíveis alternativas a fim de contribuir para um mecanismo de escolha garantidor da máxima isenção dos ministros em suas decisões, independentemente de que estejam julgando.

 

LEGITIMIDADE PARA INDICAÇÃO

 

No que tange à legitimidade para a escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal, cabe ao Presidente da República a indicação dos juízes, após a aprovação da maioria absoluta dos membros do Senado Federal. Verifica-se, assim, uma perda da representatividade na formação desse tribunal constitucional.

Ora, se o Presidente da República é eleito pela maioria dos votos e os senadores também, há sem sombra de dúvidas uma representação maciça das maiorias. Todavia, os grupos que formam as minorias ficam alijados de todas essas decisões. Isso pode se agravar mais ainda ao se considerar o crescimento dos já mencionados grupos de pressão, que tentam a todo custo defender manipular as decisões políticas a fim de um benefício incondicional.

 Assim, seria interessante que essa aprovação, se não ficasse totalmente a cargo da Câmara dos Deputados, pelo menos contasse com sua participação. Isso porque os deputados são eleitos obedecendo-se o sistema proporcional, o qual garante um maior grau de representatividade popular.

Dalmo Dallari elucida que

 

“de fato, quando se pretende desconcentrar o poder, atribuindo o seu exercício a vários órgãos, a preocupação maior é defesa da liberdade dos indivíduos, pois, quanto maior é a concentração de poder, maior será o risco de um governo ditatorial” (p. 217)

 

Dessa forma, a falta de representatividade na escolha dos ministros de uma corte constitucional constitui, de certa forma, uma concentração do poder e implica em uma ditadura da maioria, que naturalmente oprime a minoria, a qual não possui meios para defender seus interesses.

Sem contar que o fato de o Presidente da República poder escolher com grande margem de discricionariedade os ministros do Supremo Tribunal Federal pode causar algum desconforto aos ministros, se, eventualmente, tiverem de julgá-lo. Isso porque tal indicação não se apóia em critérios técnicos e objetivos. Trata-se de uma decisão política, a qual é realizada levando-se em conta, ainda que levemente, afinidades ideológicas.

Cumpre observar que o critério político utilizado na composição de um tribunal constitucional não é prejudicial. Entretanto é funesto à democracia a exclusividade ideológica. E a própria Constituição Federal de 1988 fez questão de estabelecer como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil o pluralismo político (art. 1º, IV). Dessa forma, nada mais condizente com os preceitos fundamentais constitucionais que a indicação dos ministros do Supremo Tribunal Federal se processasse com obediência ao pluralismo político.

Como dito anteriormente, o Tribunal Constitucional Austríaco, em razão de um costume histórico, aceita seus membros atendendo ao princípio proporcional, por escolha do parlamento, prestigiando os ideais democráticos de um estado de direito. Com o mesmo intuito, as constituições francesas, alemã e portuguesa confiaram, pelo menos em parte, a indicação aos cargos de seus órgãos constitucionais ao Legislativo, a fim de não se distanciarem da representatividade.

 

QUÓRUM

 

Urge exortar também sobre o quórum de aprovação da escolha para ocupar o tribunal constitucional. Se se faz necessário representatividade nas aprovações de indicações para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal, por meio de um órgão representativo, não se pode deixar que o quórum de aprovação neutralize tal exigência. Pois, se o Presidente da República gozar do privilégio (não raro, diga-se de passagem) de possuir a maioria do Congresso Nacional a seu favor, sua escolha dificilmente será recusada.

Assim, ainda que a Câmara dos Deputados se encarregue de analisar a indicação dos candidatos, tal decisão deverá ter um quórum qualificado, para que todos os grupos ali representados tenham força com seu voto. É o que se verifica na Alemanha. Alexandre de Moraes ensina que

 

“a eleição dos juízes constitucionais deverá ser realizada metade pelo bundestag (parlamento alemão) e a outra metade pelo Bundesrat (Conselho Federal), exigindo-se maioria de dois terços, o que acaba por obrigar os partidos políticos a um consenso, de forma que a escolha reflita a representatividade parlamentar.” (p. 156)

 

LIMITES ETÁRIOS

 

Importante também destacar os limites de idade para o exercício do ministério constitucional. Ao estabelecer o requisito etário, o legislador constituinte pode ter impedido que mentes muito talentosas prestassem um grande serviço à República brasileira. E mais: não raro outras mentes, igualmente talentosas foram simplesmente arrancadas do tribunal em virtude de terem preenchido o requisito para a aposentadoria compulsória. Trata-se de um requisito meramente biológico que, se retirado, não prejudicará em nada a formação do tribunal.

Muito embora a inexperiência possa ser, em alguns casos, prejudicial ao exercício da atividade judicante, a idade avançada não representa nenhum perigo aos jurisdicionados; ao contrário: contribui em muito para o exercício jurisdicional. Nos dias de hoje, quando expectativa de vida vem crescendo razoavelmente, não raro se vêem grandes profissionais exercendo seus ofícios em avançada idade. Ademais, de um ministro do Supremo Tribunal Federal não se exige um trabalho braçal, mas sim intelectual.

Andaram bem, dessa forma, as Constituições americana, francesa, alemã e portuguesa, que não fixaram limites etários para a investidura dos cargos de seus tribunais constitucionais.

 

VITALICIEDADE

 

Outro fator merecedor de destaque é a garantia da vitaliciedade dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Levando-se em conta a possibilidade de  alguém compô-lo aos trinta e cinco anos de idade, poderá ocupar o cargo por trinta e cinco anos. Há que se considerar que a atividade judicante no Supremo Tribunal Federal não é a mesma da justiça comum. Existe um forte viés político envolvido. Oscar Vilhena corrobora tal entendimento ao afirmar que

“sob a inspiração da Suprema Corte americana, o Supremo Tribunal Federal foi concebido como órgão de cúpula do Poder Judiciário, porém, com expressas atribuições políticas, visto que a ele cabia limitar a atuação do Estado aos parâmetros estabelecidos pela Constituição” (p.71)

Observa-se, portanto, que, por se tratar de um cargo com certa natureza política, não é saudável que seja exercido prolongadamente. Da mesma forma que acontece com os membros do Congresso Nacional e com o Presidente da República, o cargo de ministro do Supremo Tribunal demanda a imposição de mandatos para seu exercício. Pois, se há a necessidade de uma representatividade constante no Supremo Tribunal Federal, deve-se cuidar para que a mentalidade de seus membros acompanhe a mudança natural de pensamento por que passa toda a sociedade.

E os ideais da sociedade, sobretudo a brasileira, são dinâmicos. Prova disso são as inúmeras alterações que são feitas anualmente pelo Congresso Nacional no ordenamento jurídico. Inúmeras leis são criadas, revogando anteriores. A Constituição de 1988, com pouco mais de vinte anos de história, já sofreu mais de cinqüenta emendas. A busca incessante pelo conhecimento e pela aperfeiçoamento científico fazem com que o ser humano reflita sobre seus posicionamentos e procure adequá-los a uma nova concepção.

Assim, de vital importância que os membros de um tribunal constitucional político não se perpetuem em seus cargos. Ou, pelo menos nem todos deles. O Conselho Constitucional Francês, o Tribunal Constitucional Federal Alemão e o Tribunal Constitucional Português são compostos por membros com mandatos de nove, doze e nove anos, respectivamente.

Cumpre observar, entretanto que, na França, os Ex-Presidentes da República que integram o Conselho Constitucional são vitalícios. Há que se reconhecer um certo equilíbrio na estrutura desse órgão constitucional, que mescla a vasta experiência de homens políticos com as concepções sociais trazidas pelos membros detentores de mandato temporário.

 

REQUISITOS TÉCNICOS E OBJETIVOS

 

Por derradeiro, passa-se à reflexão quanto à ausência de requisitos técnicos e objetivos para se compor o órgão de cúpula do Judiciário brasileiro. Reza a Constituição que o os ministros do Supremo Tribunal Federal deverão ter notável conhecimento jurídico e reputação ilibada. Não deixou, todavia, qualquer critério objetivo para se aferir o que é notável conhecimento jurídico. Dessa forma, fica à livre escolha do Presidente da República e posteriormente do Senado Federal entender se o candidato ao cargo possui ou não notável saber jurídico e reputação ilibada.

Note-se, com essa ausência de requisitos o caráter político da escolha dos membros do Supremo Tribunal Federal. E, mais uma vez, esclarece-se que não poderia ser diferente. Todavia, não se trata de uma função exclusivamente jurídica, mas, sobretudo técnica. Afinal, trata-se de um órgão dotado de jurisdição; e mais: não só jurisdição constitucional. Possui diversas outras competências.

Para um ministro exercer satisfatoriamente sua atividade necessita de vastos conhecimentos jurídicos, haja vista às disposições constitucionais. A Carta Magna brasileira, por ser extremamente analítica, abarca uma quantidade significativa de matérias com certa profundidade. Portanto, torna-se perigoso deixar esse tipo de indicação exclusivamente à mercê de critérios políticos.

De extrema importância, portanto o equilíbrio entre os requisitos. A Constituição alemã, ao dispor sobre a composição do seu tribunal constitucional parece entender da mesma forma. Dos dezesseis juízes que a integram, seis devem ser juízes dos tribunais superiores alemães, deixando a escolha dos demais à política. Já o tribunal português é um pouco mais radical. Exige que, de seus treze componentes, ao menos seis sejam juízes; e os outros sete devem ter formação acadêmica em ciências jurídicas.

Destarte, inegável que a formação do Supremo Tribunal Federal seja preenchida com coerência, a fim de se evitar a parcialidade em suas decisões, demandando para isso um equilíbrio jurídico-político.

CONCLUSÃO

 

Com o presente trabalho, buscou-se traçar perfil do Supremo Tribunal Federal e, a partir de um trabalho comparativo com alguns tribunais constitucionais de outros Estados, refletir sobre como esse órgão superior é formado.

Chega-se, dessa forma, a uma sugestão do que seria poderia ser um órgão constitucional isento e independente:

Em primeiro lugar, essencial que um tribunal constitucional seja independente dos outros poderes e autônomo administrativa, financeiramente.

Por se tratar de uma jurisdição com viés político, essencial que a escolha de seus membros também se apóie em critérios políticos. Todavia, imprescindível também que haja a representatividade política na indicação de tais membros, a fim de se evitar um afastamento dos princípios democráticos. Como já ressaltado, em que pese a veia política do tribunal constitucional, este continua sendo um tribunal, exigindo-se, dessa forma, pelo menos que parte de seu corpo tenha conhecimentos técnicos.

Atendendo aos anseios sociais e à dinâmica da vontade social, interessante a previsão de mandatos temporários para os membros do Supremo Tribunal Federal, sem que haja qualquer limite etário para o exercício do cargo.

Por derradeiro, no que concerne à legitimidade da indicação dos membros do tribunal, nada mais justo que confiá-la aos representantes do povo, que, mediante um quórum qualificado decidam sobre a composição do órgão, de maneira que todos os grupos tenham participação efetiva na votação.

8. BIBLIOGRAFIA

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23ª edição. São Paulo. Editora Atlas, 2008.

MORAES, Alexandre de. Jurisdição Constitucional e Tribunais Constitucionais: Garantia Suprema da Constituição. São Paulo. Editora Atlas, 2000.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 25ª edição. São Paulo. Editora Saraiva, 2005.

VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremo Tribunal Federal: Jurisprudência Política. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 1994.

LOCKE, John. Segundo Tratado Sobre o Governo Civil e Outros Escritos: Ensaio Sobre a Origem, os Limites e os Verdadeiros fins do Governo Civil. 2ª Edição. São Paulo. Editora Vozes, 1999.

MONTESQUIEU, Charles de Secondat. Do Espírito das Leis. São Paulo. Editora Martins Fontes, 1993.

 

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