JurisWay - Sistema Educacional Online
 
Kit com 30 mil modelos de petições
 
Cursos
Certificados
Concursos
OAB
ENEM
Vídeos
Modelos
Perguntas
Eventos
Artigos
Fale Conosco
Mais...
 
Email
Senha
powered by
Google  
 

Eutanasia: a legalização frente ao principio contitucional da dignidade da pessoa humana


Autoria:

Geyza Rocha Fróes


Sou graduanda em Direito da Universidade Jorge Amado, 10° semestre.

envie um e-mail para este autor

Resumo:

A Eutanásia é uma morte suave que alguem proporciona a outra pessoa que se encontra em estado vegetativo. o homem tem direito a vida com existencia digna.

Texto enviado ao JurisWay em 08/11/2010.



Indique este texto a seus amigos indique esta página a um amigo



Quer disponibilizar seu artigo no JurisWay?

CENTRO UNIVERSITÁRIO JORGE AMADO

CURSO DE DIREITO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

EUTANÁSIA: A LEGALIZAÇÃO FRENTE AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SALVADOR

2010

 

 

GEYZA ROCHA FRÓES

 

 

 

 

 

 

 

 

EUTANÁSIA: A LEGALIZAÇÃO FRENTE AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.

 

 

 

 

 

Monografia de conclusão de curso apresentada à Universidade Jorge Amado, como requisito parcial para obtenção de diploma de Bacharel em Direito.

 

Orientador: Tagore Trajano de Almeida Silva.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SALVADOR

2010

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Dedico esse trabalho a minha mãe e ao meu pai pelo amor, lição de vida, afeto e apoio demonstrado durante toda a vida; aos meus irmãos Ingrid e Patrick pelo incentivo, determinação, cumplicidade e por sonharem junto comigo, e ao meu noivo por me mostrar o lado simples da vida. Amo vocês.

 

 

 

 

 

 

AGRADECIMENTOS

 

 

Agradeço a Deus, pela força que me deu e me dar todos os dias da minha vida, força esta que faz com que eu supere todos os obstáculos, siga em frente sempre de cabeça erguida e principalmente apreenda com meus erros e amadureça cada vez mais. Ao meu orientador, Tagore Trajano, que apesar do pouco tempo de orientação, nem um momento desistiu de mim, e me fez enxergar que quando se quer e deseja algo, é necessário acreditar que é possível, além da paciência e da disponibilidade em me guiar no caminho certo para conclusão da minha monografia, muitíssima obrigada! Aos meus familiares; em especial meus pais que me incentivaram e me motivaram a cada dia por cada degrau que eu avançava, não me deixando desistir nunca. Aos meus colegas de faculdade, por ter me feito enxergar a beleza do curso de Direito, e a todos aqueles que um dia me disseram: “Você vai longe!”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

“O homem, quando virtuoso, é o mais excelente dos animais, mas, separado da lei e da justiça, é o pior de todos”.

                                                                                                                             Aristóteles

 

 

 

 

RESUMO

 

A Eutanásia é uma morte suave, que alguém dá a outrem que sofre de enfermidade incurável, a seu próprio requerimento, no intuito de abreviar a agonia muito grande e dolorosa. Esta prática vem desde a antiguidade, porém veio ser repudiada pela igreja católica, por afrontar o Direito a vida, dom sagrado concedido por Deus.

Diante de tantas descobertas do Homem, acaba se promovendo um debate entre manutenção artificial da vida e o direito de morrer com Dignidade – Eutanásia. Com isso, surgiu a Bioética com o intuito de buscar, em suas origens, aspectos fundamentais para a prática desses novos conhecimentos, os quais se encontram em constantes atritos com regras e com princípios, assim como com religiões e com outras culturas.

O ser humano da mesma forma que possui direito a uma vida com existência digna, também possui o direito à morte digna, e é exatamente isso que deve ser levado em consideração. Para tanto se faz necessário compreender o amplo alcance do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, seja sob o ponto de vista eminentemente jurídico, seja pela força de uma indagação ética e moral em torno da questão, de acordo com os princípios que norteiam a Bioética.

É sabido, que no Brasil a Eutanásia ainda não possui nenhum amparo legal, todavia alguns estudiosos do mundo todo a reclassificam e apresentam a esse novo cenário mundial. Muitos são os argumentos contrários a Eutanásia, dentre eles e o mais importante diz respeito ao fato fundamental defendido por diversas religiões: o Direito a vida como bem maior, irrenunciável e inviolável. Ademais, a quem defendam que viver sem dignidade não é viver, por isso a Dignidade da Pessoa Humana deve ser levada como célula mãe dos demais princípios e direitos, e é com base nesse argumento que se busca a legalização da Eutanásia.

 

 

 Palavras-Chave: Eutanásia; Dignidade da Pessoa Humana; Bioética; Biodireito; Legalização.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ABSTRACT

 

Euthanasia is a gentle death, that someone gives another person suffering from incurable disease, at his own request, in order to shorten the agony very large and painful. This practice comes from antiquity, but has come to be repudiated by the Catholic Church, through its defiance of Right to life, sacred gift given by God.

With so many discoveries of man, ends up promoting a debate between artificial maintenance of life and the right to die with Dignity - Euthanasia. With that came the Bioethics in order to seek, in its origins is fundamental for the practice of these new findings, which are in constant friction with rules and principles, as well as with other religions and cultures.

The human being in the same way that has the right to life with a dignified existence, also has the right to a dignified death, and that is exactly what should be taken into consideration. For this purpose it is necessary to understand the broad scope of the Principle of Human Dignity, whether from the standpoint eminently legal, either by virtue of an ethical and moral question around the issue, according to the principles that guide the Bioethics.

It is known that in Brazil the Euthanasia does not have any legal grounds, but some scholars worldwide to reclassify and present this new world scenario. There are many arguments against euthanasia, and the most important among them concerns the fundamental fact advocated by many religions: the right to life as well as larger, inalienable and inviolable. Moreover, those who argue that life without dignity is not living, so the Human Dignity should be taken as a mother cell of the other principles and rights, and is based on this argument, which seeks the legalization of euthanasia.


 

 

 

 

 

 Keywords: Euthanasia, Human Dignity, Bioethics; Biolaw; Legalization.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SUMÁRIO

                                                      

INTRODUÇÃO.........................................................................................................10

CAPÍTULO I

1 A EUTANÁSIA                                                                   

1. 1 Terminologia e Conceito.. 18.......................................................................................11                                                                                              

1. 2 Evolução Histórica do Tema.. 20.................................................................................12

1. 3. Relação com a bioética e o Biodireito.. 22..................................................................13

            1.3.1  Ética e Moral 23.......................................................................................................13

1. 3.2.  Bioética e Biodireito. 24.........................................................................................14

1.3.2.1 Princípios da Bioética.......................................................................................15

1.4 Classificação...........................................................................................................16

1.4.1 Quanto ao Tipo da Ação......................................................................................16

1.5 Distinções entre a Distanásia, Eutanásia, Ortotanásia e Suicídio Assistido...........17

CAPÍTULO II

2 PACIENTE TERMINAL

2. 1 Conceito de paciente terminal.. 55................................................................................20

2.2 Relação entre paciente e Médico.............................................................................20

2.3. Autonomia do paciente terminal.. 55............................................................................21

CAPITULO  III

3 A EUTANÁSIA E O ORDENAMENTO JURIDICO CONSTITUCIONAL

3.1 Conceito de Princípio e sua Distinção com as Regras............................................24.

3.2 Princípios Constitucionais. 39......................................................................................26

3.2.1 O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.............................27

3.2.2 Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa x Direito à Vida....................29

3.3 A Eutanásia no Brasil.............................................................................................32

CAPITULO IV

4. OS ARGUMENTOS PÓS E CONTRA A EUTANÁSIA

4.1 Argumentos contrários a Eutanásia.......................................................................35

4.2 Argumentos favoráveis a Eutanásia......................................................................40

CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................44

REFERÊNCIAS........................................................................................................46

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

Visa-se, pela presente monografia um estudo sobre a Eutanásia, tendo como base o Princípio constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, onde buscará informações necessárias e importantes para sua legalização.

O primeiro capítulo deste trabalho abordará o conceito, histórico, classificação, distinções, além de uma noção básica da Bioética e do Biodireito em torno da Eutanásia. No segundo abordará sobre o Paciente terminal, envolvendo desde o seu conceito, sua relação com o Medico até seu consentimento, dando destaque para o Princípio da Autonomia, também garantido na Constituição Federal, o qual serve como critério importante para a realização da Eutanásia.

No terceiro capítulo, voltar-se-á a análise do tema juntamente ao ordenamento jurídico, fazendo uma análise do conceito de princípios diante das diversas colocações de diferentes autores, enfocando especificamente no Principio da Dignidade da Pessoa Humana, no sentido de conceber ao ser humano o direito de morrer dignamente, bem como sua contraposição ao Direito a vida, dando ênfase no Ordenamento Brasileiro.

Por fim, o quarto tópico abrangerá os argumentos contrários e favoráveis a Eutanásia, levando em consideração a opinião Religiosa, Médica e principalmente da Sociedade, fazendo um paralelo com países do mundo que aceitam ou praticam a Eutanásia, afim de se chegar ao objetivo deste trabalho, qual seja, a impunidade daqueles que praticam a Eutanásia, desde que obedecidos alguns critérios legais e que seja consentida pelo enfermo.

 

 

 

 

 

 

 

CAPÍTULO I

 

1. A EUTANÁSIA

 

1. 1 – Etimologia e Conceito

O termo Eutanásia foi criado no século XVII, pelo filósofo inglês Francis Bacon (1561-1626), Chanceler inglês e Barão de Verulamio, em 1623, em sua obra “História da vida e da Morte”. Influenciado pela corrente de pensamento da filosofia experimental dominante da época, Bancon (1623) sustentou a tese de que, nas enfermidades consideradas incuráveis, era absolutamente humano e necessário dar uma boa morte, cessando assim, o sofrimento dos enfermos, sendo por tanto função do médico, quando este proporcionava morte indolor, calma e doce aos seus pacientes.

A palavra Eutanásia, deriva do grego eu (boa), thanatos (morte), podendo ser traduzido como “Boa morte”; morte suave e sem dor; “morte apropriada”, morte piedosa, morte benéfica, fácil, crime caritativo, ou simplesmente, direito de matar. Esta consiste na produção da morte de uma pessoa sem sofrimentos físicos e morais.

No início, a Eutanásia era vista não como morte, e sim como cuidados paliativos do sofrimento, como acompanhamento psicológico do doente e outros meios de controle da dor, bem como a interrupção de tratamentos inúteis ou que prolongassem a agonia, ou seja, a eutanásia não visaria à morte, mas o deixar que esta ocorresse da forma menos dolorosa possível.

Com o passar do tempo, a Eutanásia ganhou algumas definições, como por exemplo: é a morte que alguém proporciona a uma pessoa que padece de uma enfermidade incurável ou muito penosa, e a que tende a extinguir a agonia demasiada cruel ou prolongada". ( ASÚA, (1928, P.185).

Soares (2002), também a definiu como prática pela qual se busca abreviar, sem dor ou sofrimento, a vida de um doente, reconhecidamente incurável, angustiado por um mal atroz.

Além disso, Oliveira leciona:

 

[...] A eutanásia alcança três níveis de manobras para lidar com a morte:

                              

1 - Acabar com a vida indigna, na hipótese do autor proporcionar a morte da pessoa por entender que ela leva uma vida intolerável. É a hipótese do enfermo hostil e agressivo, afetado por uma esquizofrenia do tipo paranóide, caracterizada por idéias delirantes de perseguições e alucinações;

2 - Acabar com a vida de doente sem perspectiva médica de alívio para suas intensas dores físicas ou torturas morais. É o que ocorre com o portador de câncer inoperável e multimetástico;

 3 - Acabar com a vida do paciente, antecipando-lhe a morte inevitável, que já estava em curso, na hipótese do prognóstico concluir que a pessoa está irremediavelmente chegando ao fim com cruciante agonia. É o caso do terrível acidente de trânsito que leva ao esmagamento da medula ou coluna raquiana da vítima. (OLIVEIRA, 2001, p. 55)

 

Nota-se então que o termo Eutanásia tomou outro rumo, ou seja, ao invés de deixar a morte acontecer, a eutanásia age sobre a morte, antecipando-a. Cabendo ressaltar também, que a idéia principal e de grande importância diz respeito ao fato da Eutanásia agregar a idéia de causar conscientemente a morte de alguém, por motivo de piedade ou compaixão, introduzindo outra causa, que por si só, seja suficiente para desencadear o óbito. A morte por Eutanásia é considerada uma morte “não natural”. (CARNEIRO, 2000, p. 92).

Além do mais, a Eutanásia não atenta nem ofende a integridade e saúde do indivíduo, como membro do corpo social, em condições normais de existência, ou seja, a eutanásia não se aplica ao indivíduo sadio – seja em terna idade, seja idoso – mas justamente aos casos de enfermiços incuráveis, achacadiços, inválidos, atormentados por sofrimentos atrozes, que não tem outro desejo senão o alívio da morte, o descanso eterno. Por exemplo, em alguns casos o termo eutanásia foi empregado de maneira equivocada como o que o regime nazista chamou de eutanásia, o que, na verdade foi um holocausto, uma técnica autoritária e aberrante de eliminação de seres humanos.

1.2 – Evolução Histórica do Tema

De acordo com Neto (2003), a prática da eutanásia não é recente, sendo que sua existência consta desde o início da civilização humana. O debate com relação aos valores sociais, culturais e religiosos envolvidos da eutanásia já ocorria na Grécia Antiga, onde filósofos como Sócrates defendia a idéia de que o sofrimento resultante de uma doença dolorosa justificava o suicídio, pois o que vale não é o viver, mas o viver bem; Epicuro e Pitágoras e Aristóteles, que ao contrário, condenava tal prática, assim como Hipócrates, que em seu juramento declarou não dar qualquer droga que fosse fatal a uma pessoa, mesmo que o solicitado.

  Além disso, existem também relatos bíblicos que relatam sobre a prática da Eutanásia. Diante exposto:

O rei Saul, de Israel, que gravemente ferido na guerra, para furtar-se ao sofrimento atroz e à possibilidade de cair vivo nas mãos dos filisteus, apressou a própria morte precipitando-se em sua espada, ou morrendo pela mão do amacelita ao qual, a crer-se no relato deste a Davi, pedira insistentemente lhe cortasse o fio da vida. E o amacelita, movido por piedade, praticou a primeira eutanásia, de que há positivo registro na história. (Favero, 1980, p. 984).

 

A Eutanásia é uma prática milenar, conforme se observa:

“pois os brâmanes matavam ou abandonavam na selva as crianças, de mais de dois meses de idade, que pareciam de má índole; os espartanos davam morte ás criaturas fracas, por considerarem-nas inúteis para a polis; os celtas, além de matarem as crianças deformes ou monstruosas, matavam também os velhos valetudinários, achacadiços e inválidos, tendo este último costume, igualmente, entre outros, os eslavos e escandinavos, parecendo que, em nossos dias, ainda assim o fazem certos povos como os batas e os neocaledônios”. (CORRÊA DE MENEZES, 1997, Pp. 39/40).                                                   

 

Também em Roma, conforme relata Carlin (1988, p. 140) é possível notar a presença da prática da eutanásia, quando César, ao colocar seu polegar para baixo, autorizava a Eutanásia, concedendo ao gladiador um modo de escapar da desonra e da morte com grande agonia. Ainda o Estado tinha o direito de não permitir cidadãos disformes ou monstruosos, logo, cabia ao pai matar o filho que assim nascesse.

Na Era Medieval, Paganelli (1998) também mostra tal prática, quando era entregue ao soldado mortalmente ferido um Punhal de Misericórdia, para que ele pudesse suicidar-se, com a finalidade de evitar um prolongado sofrimento, ou que viesse a cair em poder do inimigo. Assim admitida na antiguidade, à eutanásia só foi condenada a partir do judaísmo e do cristianismo, em cujos princípios a vida tem o caráter sagrado.

 1.3 – Relação com a Bioética e o Biodireito

1.3.1 – Ética e Moral

Ética é um conjunto de regras, princípios e formas de pensar, direcionada a realizar o bem em si mesmo, opondo-se àquilo que for contaminado de indignidade.  Já a Moral possui a capacidade de discernir entre o bem e o mal, e de avaliar julgando o valor das condutas e de agir conforme os padrões morais, tornando-se responsável pelas ações e emoções, e por suas conseqüências.

Pode-se afirmar que enquanto a Ética analisa as regras e os princípios morais que são destinados a orientar a ação humana, a Moral surge, sendo por tanto a reunião dessa regras que são determinantes para o relacionamento dos indivíduos, ou seja, quando a idéia for de costume, estaremos diante da moral, e quando se tratar de propriedade de caráter, estaremos no campo da ética. 

Adoni (2001, P. 399), expõe que embora sejam usados freqüentemente como sinônimos, a Ética e a Moral, não o são. Pois, a Ética estuda, aconselha e até ordena, mas a Moral é coexistente, sendo ambas relacionadas a valores e a decisões que levam a ações com todas as suas abrangências para o indivíduo e a coletividade.

A ética não possui caráter legal, traduzindo-se, enfim, no respeito a regras de conduta não sancionadas por outras normas: “Não é direito, não é deontologia e não é moral" (CARLIN. 1997 p. 33).

1.3.2 – Bioética e Biodireito

A revolução tecnológica, sobretudo no campo da medicina e das investigações cientificas, ocorre com uma fantástica velocidade, verificando-se no mundo uma série de acontecimentos biotecnológicos, fazendo com que surjam diversos questionamentos das mais variadas naturezas, sempre atrelados a valores que partem de um consenso universalmente aceito, que servem de indicadores a obtenção de uma fórmula que aponte a conduta humana correta e eticamente aceitável. (Site: acesso em 23 de Abril de 2010).

Tais avanços deram origem à Bioética, utilizada pela primeira vez, em 1970, pelo Prof. Van Renssealer Potter (1998), que equiparou a ética a uma ponte para o futuro, estabelecendo um equilíbrio entre a tecnociência biomédica e a preservação do homem. Ela permitiu que Homem influenciasse na duração e na qualidade de sua vida, através de transplantes de órgãos, da genética ou de meios extraordinários de prolongamento do período vital. 

Assim, a palavra Bioética significa ética da vida, tendo como principal característica o fato de ser uma ciência interdisciplinar; podendo ser conceituada como “ o estudo interdisciplinar dos problemas criados pelo progresso biomédico, sua repercussão na sociedade e seu sistema de valores”. (DIAZ, 2004, P. 24)

Por fim, a Bioética vem mediar o complexo relacionamento entre ciência e ética, sendo um ramo do conhecimento humano, que se apóia mais na razão e no bom juízo moral de seus investidores do que em alguma corrente filosófica ou autoridade religiosa.

A essas descobertas cientificas que implicam a relação do Homem com a vida, é forçosa a existência de normas que regulamentem a própria liberdade e os limites daquelas condutas que podem ou não ser praticadas. Esta difícil tarefa, ADONI ( 2001, P. 403) dar origem a um novo ramo do Direito, que passou a ser denominado Biodireito.

Biodireito, segundo Diniz:

 

 

[...] estudo jurídico que, tomando por fontes imediatas a bioética e a biogenética, teria a vida por objeto principal, salientando que a verdade científica não poderá sobrepor-se à ética e ao direito, assim como o progresso científico não poderá acobertar crimes contra a dignidade humana, nem traçar, sem limites jurídicos, os destinos da humanidade. (DINIZ, 2006, p. 301)

 

 

Diante do exposto, é notória a diferença entre o Biodireito e a Bioética, sendo que um versa sobre o Direito e o outro sobre a Ética. Entretanto para que todo esse contexto venha ao encontro do homem, é necessário que não fira o princípio constitucional fundamental da Dignidade da Pessoa Humana.

1.3.2.1 – Princípios da Bioética

Em 1974, em um Congresso norte-americano, criou-se a Comissão Nacional para a Proteção dos Seres Humanos sujeitos à Investigação Biomédica e do Comportamento para estabelecer os princípios éticos que deveriam nortear as pesquisas de experimentação com seres humanos. Após quatro anos, essa comissão publicou o Relatório Belmont, estabelecendo os três princípios norteadores: princípios da autonomia, beneficência e justiça.

a)                  Princípio da Autonomia

O princípio da Autonomia diz respeito à capacidade da pessoa humana de autogoverna-se, podendo escolher, dividir e avaliar sem restrições, ou seja, é a capacidade do sujeito de deliberar sobre sua vontade e objetivo pessoal.

 Trata-se de um princípio democrático, segundo o qual deve o médico, respeitar a vontade e o consentimento livre dos pacientes ou de seus representantes legais, permitindo que as pessoas se autogovernem e façam as suas escolhas pessoais, ainda que fundadas em crenças religiosas e valores morais, desde que aquela pessoa tenha pleno conhecimento da situação, e consciência daquilo que realmente quer, e desde que não venha trazer prejuízo para outrem.

Os estudos sobre o principio da autonomia, também conhecido como princípio do respeito às pessoas, indicam que ele incorpora pelo menos duas convicções éticas: uma se referindo ao tratamento dos indivíduos como agentes autônomos; e outra, que as pessoas com a autonomia diminuída devem ser tratadas com maior proteção. Dessa forma, este princípio, ao respeitar a autonomia do paciente, concede primazia à dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de Direito.                                              

b)       Princípio da Beneficência

 Este Princípio defende que a ação médica procura maximizar o bem e minimizar o mal, agindo sempre em benefício do paciente, sendo extremamente necessário levar em conta os desejos, necessidades e os direitos de outrem, ou seja, os profissionais da saúde têm como obrigação moral agir em beneficio dos outros, promovendo o bem-estar dos pacientes.

c)                  Princípio da Justiça

O princípio da justiça está muito próximo do conceito de isonomia usado pelos juristas, pois sob o enfoque da bioética, revela a obrigatoriedade de garantia da distribuição dos bens e serviços médicos ou da área da saúde, de forma justa, universal e eqüitativa, visando com que todos tenham as mesmas condições de acesso a tratamentos e demais terapias pertinentes, assumindo uma perspectiva deontológica de igualdade e de imparcialidade.

Todavia, este princípio assumiu novos contornos quando a saúde deixou de ser uma questão privada e tornou-se um problema público, exigindo, a partir daí, a distribuição dos encargos e benefícios de forma eqüitativa.

 

1.4 Classificação da Eutanásia

 

Devido à grande diversidade e classificações encontradas na doutrina, foi feito uma reunião de determinadas espécies, com base em vários autores.

 

1.4.1– Quanto o tipo da ação

 

a)      Eutanásia ativa: o ato deliberado de provocar a morte sem sofrimento do paciente, por fins misericordiosos.

b)      Eutanásia passiva: a morte do paciente ocorre, dentro de uma situação de terminalidade, ou porque não se inicia uma ação médica ou pela interrupção de uma medida extraordinária, com o objetivo de minorar o sofrimento.

c)      Eutanásia de duplo efeito: quando a morte é acelerada como uma conseqüência indireta das ações médicas que são executadas visando o alívio do sofrimento de um paciente terminal.

 

1.4.2 – Quanto ao Consentimento do Paciente

 

a)      Eutanásia voluntária: quando a morte é provocada atendendo a uma vontade do paciente.

b)      Eutanásia involuntária: quando a morte é provocada contra a vontade do paciente.

c)      Eutanásia não voluntária: quando a morte é provocada sem que o paciente tivesse manifestado sua posição em relação ao assunto.

 

1.5 - Distinção entre a Distanásia, Eutanásia, Ortotanásia e Suicídio Assistido

 

Diante dos diversos significados que os autores dão a Eutanásia e a termos a ela correspondente, será feita uma abordagem jurídica de determinados institutos tais como eutanásia, distanásia, ortonásia e suicídio assistido.

A eutanásia, como já abordado, é a morte dada àquelas pessoas que sofrem de moléstias incuráveis e dolorosas, próximas do fim, para abreviar-lhes o sofrimento, inspirada no sofrimento da compaixão e solidariedade humana. Se a doença não for incurável, afasta-se a eutanásia. Quando se busca simplesmente causar morte, sem a motivação humanística, não se pode falar sobre eutanásia. A eutanásia é usualmente provocada por parentes, amigos e médicos do paciente.

Um outro termo relacionado à eutanásia é a distanásia. Chama-se de distanásia o prolongamento artificial do processo de morte, com sofrimento do doente. É uma ocasião em que se prolonga a agonia, artificialmente, mesmo que os conhecimentos médicos, no momento, não prevejam possibilidade de cura ou de melhora. É expressão da obstinação terapêutica pelo tratamento e pela tecnologia, sem a devida atenção em relação ao ser humano. Ao invés de se permitir ao paciente uma morte natural, prolonga-se sua agonia, sem que nem o paciente nem a equipe médica tenham reais expectativas de sucesso ou de uma qualidade de vida melhor para o paciente. Conforme Diniz (2001), "trata-se do prolongamento exagerado da morte de um paciente terminal ou tratamento inútil. Não visa prolongar a vida, mas sim o processo de morte".

Essa conduta esclarece Adoni (2001, P. 406), não prolonga a vida, mas sim o processo de morrer, pouco importando a situação e as condições de dignidade humana do paciente, pois a distanásia tem como foco uma cega e censurável obstinação terapêutica, prendendo-se ao próprio tratamento em si e às realidades tecnológicas existentes.

Desta forma, a Distanásia, é algo comum em hospitais, sendo, portanto, aceita pela sociedade, uma vez que passa-se a idéia de que tudo está, ou foi feito, para que se mantivesse a vida.

A Eutanásia e a Distanásia enquanto procedimentos médicos têm em comum a preocupação com a morte do ser humano. A primeira se preocupa com a qualidade de vida humana na sua fase final, eliminando o sofrimento, enquanto a segunda se dedica ao prolongamento ao máximo a quantidade de vida, combatendo a morte como se ela fosse o grande e último inimigo. 

 Em oposição à distanásia, surge o conceito de ortotanásia que é utilizada como sinônimo de morte natural e comparada à eutanásia passiva. É o ato de deixar morrer em seu tempo certo, sem abreviação ou prolongamento desproporcionado, deixando de usar meios artificiais para prolongar a vida do paciente em coma irreversível, por ser intolerável o prolongamento da vida vegetativa sob o prisma físico, emocional e econômico, acatando solicitação do próprio enfermo ou de seus familiares.

A ortotanásia é definida conforme a Resolução CFM n° 1805/2006, como a circunstância de o doente estar incurso já em um processo que, segundo o conhecimento humano e um razoável juízo de prognose médica, conduzirá, imediatamente e sem remissão, à morte. Além do mais, apenas o médico pode realizar a ortotanásia, pois se entende que o médico não está obrigado a prolongar o processo de morte do paciente, por meios artificiais, sem que este tenha requerido que o médico assim o fizesse. Além disso, o médico não é obrigado a prolongar a vida do paciente contra a vontade deste.

Por último, o suicídio assistido ocorre quando alguém ajuda a pessoa que não dispõe de meios para consumar, por si mesma, o próprio óbito, a se matar oferecendo-lhe meios idôneos para tal. A vítima é quem provoca, por atos seus, sua própria morte. Para que a ação de auxílio a suicídio tenha a valoração de eutanásia, é preciso que o paciente tenha solicitado a ajuda para morrer, diante do fracasso dos métodos terapêuticos e dos paliativos contra as dores, o que acaba por retirar a dignidade do paciente, segundo seu próprio entendimento. A solicitação ou o consentimento partir do ofendido não afastam a ilicitude da conduta, conforme se observa no Filme Mar Adentro (2004).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CAPÍTULO II

 

2. PACIENTE TERMINAL

 

2.1 - Conceito de paciente terminal.. 55

 

Segundo França (1991), considera-se paciente terminal aquele que, na evolução de sua doença, é incurável ou sem condições de prolongar a sobrevivência, apesar da disponibilidade dos recursos, inserido num processo de morte inevitável, restando apenas os cuidados para propiciar-lhe o máximo de bem-estar.

 

2.2 - Relação entre paciente terminal e o Médico ..  

 

Antes de se falar em autonomia do paciente terminal, é mister  saber que a relação médico-paciente estabelece entre ambos um vínculo contratual, e ainda, ato jurídico perfeito, de obrigações de resultados ou obrigações de meios. O que se percebe então é um conjunto de direitos que se reserva ao Paciente terminal e que deve ser observado pela equipe médica e pelos familiares quando da tomada de decisões, sendo o primeiro deles o direito à verdade, diretamente relacionado à obtenção do consentimento informado.

O direito à informação é constitucionalmente assegurado (art. 5º, XIV, CF), e os pacientes têm o direito de saber o que se passa com eles, estando ao lado deste mencionado direito, o direito ao consentimento. Nesse diapasão, rezam os artigos 46 e 48 do Código de Ética Médica (1988), inseridos no capítulo IV (Direitos humanos), os quais proíbem o médico de:

 

Art. 46° – Efetuar qualquer procedimento médico sem o esclarecimento e o consentimento prévios do paciente ou de seu responsável legal, salvo em iminente perigo de vida.

[...]

Art. 48° – Exercer sua autoridade de maneira a limitar o direito do paciente de decidir livremente sobre a sua pessoa ou seu bem-estar.

 

Deste modo, a melhor conduta é aquela que prima pela revelação ao paciente de tudo aquilo que for necessário para uma tomada de decisão verdadeiramente esclarecida. Todavia, a grande preocupação hoje gira em torno de como a informação verdadeira deve ser transmitida ao doente, em vista do mesmo se encontrar destruturado emocionalmente, uma vez que a doença humilha e angustia o ser humano.

Ainda remetendo-se ao Código de Ética Médica (1988), pode-se concluir o presente tópico transcrevendo seu artigo 59°, o qual veda ao médico:

 

Art. 59° – Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta ao mesmo possa provocar-lhe dano, devendo, nesse caso, a comunicação ser feita ao seu responsável legal.

 

Diante o exposto, verifica-se que somente em casos extremos, em atenção às condições psíquicas do doente, será lícito ocultar-lhe informações, pois, embora não seja mais possível curar, subsiste ainda a obrigação ética de cuidar. Contudo, o profissional da Medicina sempre buscar cautela e ponderação, não se esquecendo de que “assume o papel de Juiz que sentencia e marca a data da execução, de senhor da vida e da morte”. (SÁ, 2001, p. 65).

Ademais, o diálogo, entre médico-paciente para informações do estado real do enfermo, inclui o respeito à dignidade do paciente, expressando também o reconhecimento da autonomia, da liberdade do sujeito que se afirma sobre a sua fragilidade.

2.4 – Autonomia do Paciente Terminal

É direito inerente do paciente, ainda que afetado por grave doença incurável, decidir pelo inicio de um tratamento, mesmo que paliativo ou até interrompê-lo. Para tanto a Carta dos Direitos do Paciente da Associação Americana de Hospitais, de 1793, estabelece que “o paciente tem o direito de receber do médico, informações completas do seu estado real, a respeito do seu diagnóstico, tratamento e prognóstico, em termos que possa entender”, para que possa tomar decisão consciente e bem esclarecida, que afeta sua vida e sua integridade físico-psíquica, recusando, ou não, certo tipo de tratamento.

O Código de Ética Médica Brasileiro (1996), em seu artigo 59, também prevê que o médico informe ao paciente sobre o grau de complexidade de sua doença, no entanto tem o médico a opção de não informar ao paciente quando a comunicação puder lhe causar dano ou trauma psíquico, conforme mencionado anteriormente.

O fato é que na prática, existem diferente situações em que o médico deverá tomar diferentes decisões, como por exemplo, nos casos que o paciente esteja nos serviços de reanimação ou for incapaz, tal decisão competirá a seu representante legal ou parente, mas se a equipe médica observar que o responsável não está agindo de acordo com os interesses do paciente, terá o dever ético-legal de solicitar a revisão judicial daquela decisão; e nos casos de emergência, em que o paciente não consegue dar o seu consenso e não há familiares, fundam-se no principio da beneficência, hipótese em que se pode falar em consentimento presumido do doente.

Nos Estados Unidos em 1991, conforme relata Diniz (2001, p. 336/337), aprovou-se uma lei sobre a autodeterminação do paciente (The Patient Self-Determination Act – PSDA) redimensionando o principio da autonomia do paciente terminal que tenha manifestado previamente sua vontade de recusar tratamento.

Pelo PSDA (The Patient Self-Determination Act) os hospitais tem o dever de informar seus pacientes, no momento de sua admissão, sobre seu direito de aceitar ou recusar tratamento. Para tanto, propõe-se o PSDA a:

a)      Garantir o direito do paciente à autodeterminação e à participação nas decisões relativas ao cuidado de sua saúde;

b)      Estimular pacientes a exigir seus direitos e a formular suas objeções de consciência no que disser respeito à sua vida; e

c)      Recomendar o uso de ordens antecipadas para o tratamento.

Com isso acreditasse que teria o paciente participação no período de crise da trajetória de sua moléstia e o respeito à sua opção.

Pelo PSDA a pessoa em estado de lucidez poderia decidir sobre si própria quanto a uma possível doença incurável de três modos:

a)      Manifestação explicita da própria vontade, relativa às providências a serem tomadas, indicadas, anteriormente, em documento escrito pelo próprio paciente, recusando possíveis tratamentos a serem aplicados quando estiver inconsciente ou em situação terminal, caso em que essa norma reconhece a imunidade civil e criminal do médico que vier a suspender o tratamento, determinando que não seja utilizada medida terapêutica considerada inútil;

b)      Poder permanente do responsável legal ou curador para cuidado da saúde, que não é advogado profissional, mas o que está investido do poder legal de representar o paciente, tomando decisões relativas a sua saúde e comunicando-as à equipe médica;

c)      Ordem antecipada para cuidado médico, pela qual a pessoa, após consulta com o médico e seus familiares, resolve o tipo de tratamento que pretende receber num futuro estado terminal, apresenta um documento contendo identificação dos valores que acata e dão sentido à decisão terapêutica por ele tomada ou indica um curador para auxiliar na interpretação da decisão que tomou ou para solucionar novo problema que surgir, tomando decisão que, de acordo com seu julgamento, seria a do doente.

Adoni (2001, P. 420), registra que quando o paciente decide em sujeitar-se ou não a um tratamento, seja para iniciá-lo ou interrompe-lo, não parece suficiente falar em consentimento informado, pois a postura do mesmo, não é de passividade nessas hipóteses, mas visivelmente ativa, dando motivo a manifestação de sua autonomia e liberdade, constitucionalmente garantida. Acresça-se, ao ensejo, o artigo 15° do Código Civil Brasileiro (2006) que estabelece que ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a internação cirúrgica.

Conforme estabelece Kant, a autonomia é uma característica fundamental e necessária do agente racional, “a autonomia é, portanto, o solo indispensável da dignidade da natureza humana ou de qualquer natureza racional”, que, no entanto, só seria verdadeira, se estivesse em conformidade com o imperativo categórico da consciência moral. (KANT, 2003, p.70)

Sendo assim, o direito do ser humano à autonomia da vontade gera a obrigação dos demais de respeitá-lo, acatando a decisão tomada pelo titular do direito sobre seu plano de vida e ação. Esse respeito à autodeterminação fundamenta-se no principio da dignidade da natureza humana.

 

 

 

 

 

 

 

CAPÍTULO III

 

3. A EUTANÁSIA E O ORDENAMENTO JURIDICO CONSTITUCIONAL

 

A doutrina jurídica constitucionalista brasileira, não vê com bons olhos este tema, conforme expressa Silva (2004, P. 201), ao determinar que a Eutanásia é uma forma não espontânea de interrupção do processo vital, pois infringe o Direito à vida consagrado pela Constituição, não sendo possível o individuo dispor da vida, mesmo em situação dramática, ou seja, mesmo com o consentimento lúcido do paciente não exclui o delito.

No mesmo sentido, Moraes (2004, p. 180), leciona que o ordenamento jurídico não autoriza nenhuma das espécies de eutanásia, quais sejam, a ativa ou passiva.

 3.1 - Conceitos de Princípios e sua distinção com as Regras

 Princípios são, dentre todo o sistema ético-jurídico, os mais importantes a serem considerados dentre todas as demais normas jurídicas existentes. Conforme Bandeira de Mello (2002), princípio seria a diretriz fundamental de um sistema.

Faz-se necessária também à observação da conceituação advinda do doutrinador Bonavides:

 

A idéia de princípio, segundo Luís Diez Picazo, deriva da linguagem da geometria, "onde designa as verdades primeiras". Logo acrescenta o mesmo jurista que exatamente por isso são "princípios", ou seja, "porque estão ao princípio", sendo "as premissas de todo um sistema que se desenvolve more geométrico”. (BONAVIDES 1999, p.68.)

 

Também é conceituado por Maximiliano como:

 

Todo conjunto harmônico de regras positivas é apenas o resumo, a síntese, o ‘substratum’ de um complexo de altos ditames, o índice materializado de um sistema orgânico, a concretização de uma doutrina, série de postulados que enfeixam princípios superiores. Constituem estes as ‘diretivas’, idéias do hermeneuta, os pressupostos científicos das ordens jurídicas. (MAXIMILIANO, 1988, p. 295.)

  

Destaca-se também os ensinamentos de Luís Roberto Barroso:

 

 

[...] os princípios constitucionais são, precisamente, a síntese dos valores mais relevantes da ordem jurídica. A Constituição [...] não é um simples agrupamento de regras que se justapõem ou que se superpõem. A idéia de sistema funda-se na de harmonia, de partes que convivem sem atritos. Em toda ordem jurídica existem valores superiores e diretrizes fundamentais que ‘costuram’ suas diferentes partes. Os princípios constitucionais consubstanciam as premissas básicas de uma dada ordem jurídica, irradiando-se por todo o sistema. Eles indicam o ponto de partida e os caminhos a serem percorridos.

 

Desta forma, os princípios situam-se no ponto mais alto de qualquer sistema jurídico, de forma genérica e abstrata, mas essa abstração não significa incidência no plano da realidade. Por isso, se faz necessário a distinção entre Princípios e normas, distinguindo-os da seguinte forma:

 

A palavra princípio é equívoca. Aparece com sentidos diversos. Apresenta a acepção de começo, de início (...) significa norma que contém o início ou esquema de um órgão, entidade ou de programa. (...) As normas são preceitos que tutelam situações subjetivas de vantagem ou de vínculo, ou seja, reconhecem, por um lado, a pessoa ou a entidade, a faculdade de realizar certos interesses por ato próprio, (...) Os princípios são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas. (SILVA, 2004, p. 106)

 

Já para Canotillho (1998, p. 1124), para distinguir entre regras e princípios, há diversos critérios a serem utilizados. Quanto ao grau de abstração, os princípios são normas com um grau de abstração mais elevado, enquanto as regras têm sua abstração reduzida. De maneira que, em função dos princípios serem vagos e indeterminados, necessitam de intervenções que os concretizem, já as regras, diante de sua precisão, podem ser aplicadas diretamente. Os princípios estabelecem padrões juridicamente vinculantes, estabelecidos em função da justiça ou da própria idéia de direito; as regras podem ser normas vinculativas com conteúdo apenas funcional.

Entende-se assim que princípios são os objetivos que regem determinado direito positivado, devendo ser respeitados na concepção posterior de qualquer norma. São portanto, normas mais abrangentes do que as regras. Ambos (princípios e regras) constituem espécies distintas de normas jurídicas, embora com características diferenciadas.

Um princípio não determina as condições que tornam sua aplicação necessária. Ao revés, estabelece um fundamento que conduz o intérprete numa direção, mas que não reclama uma decisão específica, única. Daí que um princípio, numa determinada situação, e frente a outro princípio, não prevaleça, o que não significa que ele perca a sua condição de princípio, que deixe de pertencer ao sistema jurídico.

Por conseguinte, as regras, “são aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é valida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é valida, e neste caso nada contribui para a decisão”. (R. DWORKIN, 2003, p. 333/334).

Desta primeira diferença decorre uma outra, de acordo com o mesmo doutrinador: os princípios possuem uma dimensão de peso ou de importância que as regras não têm. Quando os princípios conflitam, para resolvê-lo é necessário ter em consideração o peso relativo de cada um.

As regras não possuem esta dimensão. Não se pode afirmar que uma regra é mais importante do que uma outra dentro do sistema jurídico, no sentido de que, se duas regras colidem, uma prevalece sobre a outra em virtude de seu maior peso.  Assim, se duas regras colidem, então uma delas não pode ser válida. A este conflito a doutrina denomina antinomia, que são resolvidas pelos critérios: cronológico - lex posterior derogat priori; hierárquico - lex superior derogat inferior; da especialidade - lex specialis derogat generali.     

3. 2 - Princípios Constitucionais

Conforme o ensinamento de Ribeiro Bastos, princípios constitucionais:

 

São aqueles que guardam os valores fundamentais da ordem jurídica. Isto só é possível na medida que estes não objetivam regular situações especificas, mas sim desejam lançar a sua força sobre todo o mundo jurídico. Alcançam os princípios esta meta à proporção que perdem o seu caráter de precisão de conteúdo, isto é, conforme vão perdendo densidade semântica, eles ascendem a uma posição que lhes permiti sobressair, pairando sobre uma área muito mais ampla do que uma norma estabelecedora de preceitos. Portanto, o que o principio perde em carga normativa ganha como força valorativa a espraiar-se por cima de um sem-número de outras normas. (BASTOS, 2001, p. 307)

 

Reale (1980), afirma que princípios são verdades de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional.

A não observância do princípio tornará irrelevante qualquer interpretação, uma vez que o princípio é como “estrela” máxima do universo ético-jurídico, vai sempre influir no conteúdo e alcance de todas as normas.

3. 2.1- Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana

Atualmente a Constituição, tem-se como principal direito fundamental constitucional garantido a dignidade da pessoa humana, pois funciona como princípio maior para a interpretação de todos os direitos e garantias conferidos às pessoas no texto Constitucional.

Plácido e Silva (2003), define Dignidade como palavra derivada do latim dignitas (virtude, honra, consideração) em regra se entende a qualidade moral, que, possuída por uma pessoa, serve de base ao próprio respeito em que é tida.

A dignidade é garantida por um princípio, logo, é absoluta, plena, não pode sofre arranhões nem ser vítima de argumentos que a coloquem num relativismo. (NUNES, 2002, p. 48)

Em nossa Constituição Federal/88, em seu artigo 1º, no inciso III, descreve a seguinte redação:

 

Artigo 1º -  A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Direito Federal, constitui-se em Estado democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...)

 III - a dignidade da pessoa humana; (grifo do monografista)

 

Tem-se, então, a Dignidade como um dos princípios norteadores de nossa Constituição, pela visão do doutrinador Alexandre de Moraes, o significado de tal princípio:

 

Concede unidade dos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente as personalidades humanas. Esse fundamento afasta a idéia de predomínio das concepções transpessoalista de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual.

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. (MORAES, 2002, P. 56)

 

Sarlet conceitua dignidade da pessoa humana como sendo:

 

 

Qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existentes mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (SARLET, 1998, p. 60)

 

 

Desta forma, observa-se que um indivíduo, pelo só fato de integrar o gênero humano, já é detentor de dignidade. Esta é atributo inerente a todos os homens, decorrente da própria condição humana, porém diante do contexto social em que se cresce e vive, sua dignidade ganha um acréscimo de dignidade. Ele nasce com integridade física e psíquica, mas chega um momento de seu desenvolvimento que seu pensamento tem de ser respeitado, suas ações e seu comportamento – isto é, sua liberdade -, sua imagem, sua intimidade, sua consciência – religiosa, cientifica, espiritual – tudo compõe a dignidade.

Realizando um salto histórico, chega-se a Immanuel Kant (1724-1804) cuja concepção de dignidade prevalece até os dias atuais impregnada no pensamento filosófico-constitucional. O homem é concebido como sujeito do conhecimento e, por isso, é capaz de ser responsável por seus próprios atos e de ter consciência de seus deveres. Assim, mais do que respeitar um dever, tem o homem que se tornar um ser moral. Kant, então elaborou o seguinte imperativo categórico “age apenas segundo uma máxima tal que possas querer que ela se torne uma lei universal. Desta fórmula o doutrinador concluiu que “o homem existe como fim em si mesmo, nunca como meio para realização das vontades”. (KANT, 2003, p. 74)

Mas Immanuel Kant não parou por aí, foi vai mais longe e afirmou que “qualquer ação é justa se for capaz de coexistir com a liberdade de todos de acordo com uma lei universal, ou se na sua máxima a liberdade de escolha de cada um puder coexistir com a liberdade de todos de acordo com uma lei universal”. (KANT 2003, p.76/77)

A dignidade constitui um valor universal: “mesmo aquele que já perdeu a consciência da própria dignidade merece tê-la (sua dignidade) considerada e respeitada”. (SARLET, 2002, p. 60).

Diante do exposto, a dignidade possui dois pilares importantes, tais como: igualdade entre os seres humanos e a liberdade, a qual permite ao homem exercer plenamente os seus direitos existenciais.

A importância do valor da dignidade da pessoa humana sobressai na Declaração Universal dos Direitos Humanos, já em seu art. 1º, põe em destaque os dois pilares da dignidade humana: Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”

Para ilustrar o caráter único e insubstituível da dignidade, Kant a contrapõe ao preço Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade.(KANT, 2003, p. 65)

 Assim sendo, o respeito à dignidade humana constitui princípio fundamental, ou seja, independe, para a produção de efeitos jurídicos, de inclusão expressa em texto normativo.

 

3. 2.2 - Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana X direito à vida.

 

A relevante discussão em torno da Eutanásia está em face dela se contrapor ao mais relevante direito constitucionalmente assegurado: A Vida. Tal direito é o mais fundamental de todos os direitos por ser pré-requisito à existência e o exercício de todos os demais direitos. É por isto o direito humano mais sagrado que não se pode renunciar, logo o ordenamento jurídico não confere aos cidadãos o direito de morrer.

Para justificar tal posicionamento, a Constituição Federal em seu artigo 5o, da CF/1988, traz:

 

Art. 5° - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...].

 

Desta forma, observa-se que o Direito a Vida é regido pelos princípios Constitucionais da  inviolabilidade e irrenunciabilidade, ou seja, o direito à vida, não pode ser desrespeitado, sob pena de responsabilização criminal, nem tampouco pode o indivíduo renunciar esse direito e almejar sua morte.

Todavia, como diz Léo Pessini:

 

A medicina não pode afastar a morte indefinidamente. A morte finalmente acaba chegando e vencendo. Quando a terapia médica não consegue mais atingir os objetivos de preservar a saúde ou aliviar o sofrimento, novos tratamentos tornam-se uma futilidade ou peso. Surge então a obrigação moral de parar o que é medicamente inútil e intensificar os esforços no sentido de amenizar o desconforto de morrer." É claro que o texto refere-se à distanásia, mas o mesmo argumento pode ser utilizado para a adoção da eutanásia, já que, conforme o mesmo autor, "Dispor da vida humana e intervir nela não fere o senhorio de Deus, se esta ação não for arbitrária. (PESSINI, 1997, p. 583.)

 

É mister ressaltar, que nenhum direito é absoluto, pois mesmo a vida pode ser sacrificada dentro dos lindes da legalidade como no caso da pena de morte em caso de guerra, em legitima defesa, em caso de aborto quando não há outro meio de salvar a vida da gestante, ou gravidez resultado de estupro, conforme o inciso XLVII, do artigo 5º, inciso II, do artigo 23°, inciso I e II, artigo 128, da Constituição Federal da República Brasileira.

Alguns doutrinadores, em suas obras, fazem algumas observação necessária para o entendimento da abrangência do citado artigo constitucional, tais como  Irany Novah Moraes:

 

A Constituição Federal proclama, portanto, o direito à vida, cabendo ao Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de ter a vida digna quanto à subsistência. (MORAES, 1995, P.47)

 

 Também Slaibi Filho, relata:

 

O direito à vida resumisse no vocábulo existir. Mas não basta o existir como fundamento do direito constitucional à vida, pois deve se acompanhar da exigência do tratamento digno – artigo 1º, inciso III da Constituição Federal Brasileira – que se defere a todo ser humano. (SLAIBI FILHO, 2004, P. 141).

 

Vem ainda o Prof. Carlin afirmar que retirar do ser humano sua dignidade, em nome de um “direito absoluto”, não é muito diferente do que sentenciá-lo à própria morte, em vida. (ADONI, 2001, p. 414).

É notório que a Constituição Federal Brasileira protege o direito à vida, mas não no sentido de compelir o ser humano a existir até os seus últimos limites, inclusive submetendo-o a condições de degradação, humilhação, dor e sofrimento físico e emocional. Destarte, a Carta Magna enuncia o direito à vida, cabendo ao Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, ou seja, zelar e proteger o direito de continuar vivo, mas, sobretudo defendendo a existência de uma vida digna, em consonância com o respeito devido à dignidade da pessoa humana.

Entende-se então que, o direito à vida é uma obrigação do Estado, e não uma imposição do Estado, sendo que a questão relacionada à Dignidade é fator obrigatório para a manutenção da vida humana. Além do mais, o direito à vida não pode ser visto isoladamente dentro de nosso ordenamento jurídico, que possui diversos princípios norteadores, como o da dignidade da pessoa humana, a proibição de tratamentos desumanos ou degradantes, autonomia, dentre outros.

Todavia, numa tentativa de delinear o nosso entendimento quanto ao valor da dignidade da pessoa humana, faz uso das palavras do juiz Ingo Sarlet:

 

O que se percebe em última análise, é que onde não houver respeito pela vida e pela integridade física do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde a intimidade e identidade do indivíduo forem objeto de ingerências indevidas, onde sua igualdade relativamente aos demais não for garantida, bem como onde não houver limitação do poder, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana, e esta não passará de mero objeto de arbítrio e injustiças. A concepção do homem-objeto, como visto, constitui justamente a antítese da noção da dignidade da pessoa humana. ( Grifo do monografista) (SARLET, 1995, p. 108)

 

 

A Dignidade da Pessoa Humana, conforme mencionado acima se trata de cláusula geral constitucional que não é princípio, ou seja, pode ou não expressar princípio, o que facilitará a compreensão de que o direito fundamental à vida, bem como os demais direitos fundamentais, tem seu núcleo essencial no primado da Dignidade da Pessoa Humana, resultando positiva a resposta quanto a possibilidade da prática de eutanásia, em determinadas hipóteses, haja vista que o direito à vida retrata o próprio direito ao respeito à vida, e isso somente se alcança ao se conferir eficácia a dignidade humana.

Sendo assim, nota-se que não se pode privilegiar apenas a dimensão biológica da vida humana, negligenciando a qualidade de vida do indivíduo, pois um indivíduo que se encontra em estado terminal irreversível e com sofrimentos físicos insuportáveis, não apresenta mais vida, uma vez que não mais goza do direito à vida, nem sequer apresenta vida digna, pois está privado de sua liberdade e do exercício de muitos de seus direitos, não podendo usufruir de um nível de vida adequado, como educação, cultura, lazer e nem mesmo de suas funções vitais.

 O conflito entre a Dignidade da Pessoa Humana e o Direito a Vida, é esclarecido da seguinte maneira:

 

Se realizarmos uma enquête sobre a relação hierárquica entre o direito à dignidade e o direito à vida, possivelmente grande parte das respostas apontaria em primeiro lugar o direito à vida e abaixo deste o direito à dignidade. O argumento que aparenta ser decisivo é que sem vida não é possível a dignidade. Essa afirmação pode parecer de grande impacto, contudo é errônea. Implica uma transposição de lugares, de um ponto de biológico, é certo que não é concebível a dignidade em um ser inerte, em uma pedra, ou em um vegetal. Assim como se afirma que sem vida não há dignidade(o que aceitos somente de um enfoque biológico), nos perguntamos se existe vida sem dignidade. Que vida é esta? Era vida a dos escravos tratados como animais que servem para trabalhar e reproduzir-se? Biologicamente sim, mas eticamente não. (EKMEKDJIAN, 1996, p. 115)

 

3.3 – Brasil

A Eutanásia não é aceita no ordenamento jurídico, face a proteção ao mais valioso dos bens - a vida - pois a Eutanásia é vista como um homicídio.

O Código Penal Brasileiro atual não fala em eutanásia explicitamente, mas em "homicídio privilegiado". Hodiernamente, no caso de um médico realizar eutanásia, o profissional pode ser condenado por crime de homicídio – com pena de prisão de 12 a 30 anos – ou auxílio ao suicídio – prisão de dois a seis anos.

Em 1984, o Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal brasileiro, (artigo 121, § 3°), disciplinou a eutanásia, ao isentar de pena o médico, assim dispondo: "o médico que, com o consentimento da vítima, ou, na sua possibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge ou irmão, para eliminar-lhe o sofrimento, antecipa morte iminente e inevitável, atestada por outro médico". Porém, houve a reforma da Parte Geral da atual legislação penal, sem que a parte especial chegasse a ser realizada.

No dia 25/3/98, foi publicado no DOU, o Anteprojeto de Lei, que altera dispositivos do Código Penal Brasileiro e dá outras providências, no seu art. 2º introduz nova redação ao art. 121 do atual CP, conforme já mencionado.

Com a redação proposta, passaria haver punição do autor de crime movido pela compaixão, havendo, de outro lado, a exclusão da ilicitude da morte provocada, se atestada por dois médicos, como inevitável e iminente, com consentimento do paciente ou de outras pessoas ali arroladas.

De acordo com o Anteprojeto de Lei, assim ficaria o art. 121° do Código Penal Brasileiro:

 

Art. 121 (…)

§ 1º …

§ 2º …

Eutanásia

§ 3º Se o autor do crime agiu por compaixão, a pedido da vítima, imputável e maior, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave:

Pena: Reclusão de 3 (três) a 6 (seis) anos.

Exclusão de Ilicitude

§ 4º Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos, a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente, ou na sua impossibilidade de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão.

 

Desta forma, observa-se a tentativa de incluir no direito brasileiro a possibilidade de abreviar a morte iminente e inevitável, desde que atestada por dois médicos. É exatamente, ai que surge a crítica, pois não exige que sejam médicos especialistas na área da enfermidade do paciente; a outra crítica que se pode fazer é com relação à possibilidade do consentimento poder ser dado por outras pessoas que não o próprio paciente.

Portanto o que se nota é uma falha no projeto de lei, considerado por Souza (2003) incompleto e superficial, pois não prevê a regulamentação de prazos para que o paciente reflita sobre sua decisão, sobre quem será o médico responsável pela realização do procedimento que irá causar a morte do paciente, entre outros aspectos importantes desta prática.

Já a eutanásia passiva, desenhada no § 4º do artigo 121 do CP, há expressa exclusão da ilicitude. Não é crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos a morte como iminente e inevitável e desde que haja consentimento do paciente ou, em sua impossibilidade, de cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão. Pessoa ligada por estreito vínculo de afeição à vítima não poderá suprir-lhe a anuência.

No mesmo diploma legal, a Eutanásia passiva, está atualmente tipificada como crime previsto no artigo 135° CP, intitulada omissão de socorro:

 

 

Art. 135° - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco, à criança abandonada ou extraviada, ou a pessoa inválida ou ferida, ao desamparado ou em grave e eminente perigo; ou não pedir, nesses casos socorro da autoridade pública:

Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.

Parágrafo único. A pena é aumentada da metade, se da omissão resultar lesão corporal de natureza grave, e triplica, se resulta a morte.

 

Concluindo, o Projeto de Lei 125/96, elaborado desde 1995, e que tramita no Senado Federal estabelece critérios para a legalização da "morte sem dor" e prevê a possibilidade de que as pessoas com sofrimentos físicos ou psíquicos possam solicitar que sejam realizados procedimentos que visem a sua própria morte. A autorização para estes procedimentos será dada por uma junta médica, composta por cinco membros, sendo dois especialistas no problema do solicitante. Caso o paciente esteja impossibilitado de expressar a sua vontade, um familiar ou amigo poderá solicitar à Justiça tal autorização, porém este projeto nunca foi colocado em votação.

Já no anteprojeto de alteração da Parte Especial do Código Penal, a redação proposta, passaria haver punição do autor de crime movido pela compaixão, havendo, de outro lado, a exclusão da ilicitude da morte provocada, se atestada por dois médicos, como inevitável e iminente, com consentimento do paciente ou de outras pessoas ali arroladas.

Destarte, a principal finalidade de uma Constituição é a garantia das liberdades e dos direitos individuais e coletivos, sem que isso implique numa negativa ao direito de morrer. Pois, se viver é um direito, morrer também o é, especialmente quando se trata de morrer bem e com dignidade. O que não se pode é admitir que o direito à vida, constitucionalmente garantido, se transforme em dever de sofrimento e, por isso, dever de tentar viver, uma vez que o indivíduo que passa por todo esse sofrimento não pode ter uma vida normal como qualquer outro perante a sociedade, se fazendo necessário recorrer ao Judiciário para ver garantido o seu direito de morrer, apesar da ausência de legislação específica sobre a matéria.

Diante o exposto, o que se pode notar é o número elevado pessoas que concordam com a prática da Eutanásia, além da verificação de países que a cada ano classifica a eutanásia como ato lícito, mesmo que obedecendo a certas condições. É notória a necessidade de maior aprofundamento acerca do tema, visto que o Brasil, por ser um país de maioria católica e onde o tema começa a ser tratada de forma mais concisa, no dias atuais, torna-se de suma importância um aprofundamento quanto aos resultados obtidos nos países em que a Eutanásia é permitida bem como nas leis e condições gerais para que este processo possa ser legalizado no Brasil.

 

 

 

 

CAPITULO IV

 

4. OS ARGUMENTOS PÓS E CONTRA A EUTANÁSIA

Atualmente na sociedade existem posições divergentes, em que algumas pessoas são contra, mas outras são a favor. Desta forma serão elencados os principais argumentos da tese de que a prática da Eutanásia é crime, bem como a analise dos argumentos gerais favoráveis à eutanásia.

4.1 Argumentos contrários a Eutanásia

Muitos são os argumentos contra a eutanásia, que vão desde os religiosos, éticos e até os políticos e sociais.      

Do ponto de vista religioso, este assunto sempre inspirou grandes inquietações e controvérsias. Tanto o Islamismo, quanto o judaísmo condenam tal prática. A primeira, nos dizeres de Nogueira (1995), considera que a vida humana é sagrada, aliada a “limitação drástica da autonomia da ação humana, proibindo assim tanto a Eutanásia como o suicídio, já a segunda, assinala que o médico serve como meio de Deus para preservar a vida humana, sendo-lhe proibido arrogar-se à prerrogativa divina de decisão entre a vida e a morte de seus pacientes.

Também o cristianismo condena a Eutanásia, pois considera a vida como sagrada, não podendo ser abreviada ou terminada. A Declaração Sobre a Eutanásia (1980), elaborada pela Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, entende-se por Eutanásia: “uma ação ou omissão que, por sua natureza ou nas intenções, provoca a morte a fim de eliminar toda a dor. A Eutanásia situa-se, portanto, no nível das intenções e no nível dos métodos empregados”            O II Concílio do Vaticano (26 de julho de 1980), através do Papa João Paulo II, condenou a eutanásia, reafirmando que

 

nada nem ninguém pode autorizar a morte de um ser humano inocente, porém, diante de uma morte inevitável, apesar dos meios empregados, é lícito em consciência tomar a decisão de renunciar a alguns tratamentos que procurariam unicamente uma prolongação precária e penosa da existência, sem interromper, entretanto, as curas normais devidas ao enfermo em casos similares. Por isso, o médico não tem motivo de angústia, como se não houvesse prestado assistência a uma pessoa em perigo. (NOGUEIRA, 1995, p. 47)

 

E por fim, exprimindo o ponto de vista da Igreja Católica, afirmou, em 1956, o Papa Pio XII:

 

Qualquer forma de eutanásia direta, isto é, a administração de narcótico para provocar ou apressar a morte, é ilícita porque se tem a pretensão de dispor diretamente da vida. Um dos princípios fundamentais da moral natural e cristã é que o homem não é senhor e proprietário, mas somente usufrutuário e seu corpo e de existência.  (CHAVES, 1994, p. 66)

 

             Já a Medicina , vem traçando uma postura moral em relação a Eutanásia, bem exemplificado pelo juramento de Hipócrates, considerado o pai da medicina e que hoje é parte integrante e obrigatória da colação de grau dos futuros médicos. Resumidamente ajuíza o seguinte: “A ninguém darei, para agradar, remédio mortal, nem conselho que o induza a perdição”.

Na norma vigente, o que está previsto no Código de Ética dos Conselhos de Medicina do Brasil, Lei nº 3.268/57, é:

 

I – São deveres fundamentais do medico:

1 – “Guardar absoluto respeito pela vida humana, jamais usando seus conhecimentos técnicos ou científicos para sofrimentos ou extermínio do homem”.

2- “Não pode o médico, seja qual for a circunstância, praticar atos que afetem a saúde ou a resistência física ou mental do ser humano, salvo quando se tratar de indicações estritamente terapêuticas ou profiláticas em benefício do próprio paciente”.

II – Relações com o doente:

1 – “O médico tem o dever de informar o doente quanto ao diagnóstico, prognóstico e objetivos do tratamento, salvo se as informações puderem causar-lhes dano, devendo ele, neste caso, prestá-los a família ou aos responsáveis”.

2- “Não é permitido ao médico abandonar o tratamento do doente, mesmo em casos crônicos ou incuráveis, salvo por motivos relevantes”.

 

 

Em março de 1984, segundo a articulista Novah Moraes (1987), “o Conselho Federal de Medicina exarou a Resolução nº 1.154, denominada Código Brasileiro de Deontologia Médica, que dispõe em seu art. 29°: “é vedado ao médico no exercício de sua profissão contribuir para apressar a morte do paciente ou usar meios artificiais quando comprovada a morte cerebral”.

Todavia, o que se observa é uma falha bastante perceptível, uma vez que o legislador deveria utilizar-se da expressão “morte encefálica”, ao invés de “morte cerebral”, pois a primeira é mais abrangente e envolve, além do cérebro, o centro de respiração.

Existem alguns procedimentos, ditos por Nogueira (1995), como alternativos em que o médico no caso em que o paciente esteja em condições de morte iminente, coma irreversível ou em estado terminal, poderá adotar; consideremos, porém o sentido de ter a capacidade de exercer ou não exercer e a faculdade de aventar essas possibilidades:

1 – Apressar a morte, que é considerada eutanásia ativa, portanto, trata-se de crime;

2 – A não utilização de meios artificiais e adoção de medidas que propiciem o alívio da dor e minimizem o sofrimento. É o que podemos chamar de eutanásia passiva, tratando-se de procedimento ético;

3- Fazer o “desmame”, ou seja, desligar progressivamente todo os aparelhos de respiração artificial, também é considerado um procedimento ético;

4 – Usar meios artificiais logo após a morte encefálica para a manutenção de determinados órgãos vivos a fim de serem aproveitados em transplantes, também se constitui como procedimento ético.

O Doutor Christian Barnard, o cirurgião sul africano que realizou o primeiro transplante de coração, afirma que “o principal objetivo da medicina é o de aliviar o sofrimento, não o de prolongar a vida”, e acrescenta: “Meu conceito de medicina é de que os médicos dêem aos seus pacientes uma vida boa. E a morte é parte da vida. Se não podemos dar-lhes vida, que lhes demos uma boa morte”.

Os contrários à prática da Eutanásia também sustentam que é dever do Estado preservar, a todo custo, a vida humana, que é bem jurídico supremo: Defendendo que o poder público está obrigado a fomentar o bem-estar dos cidadãos e a evitar que sejam mortos ou colocados em situação de risco.

Outros argumentos contra, centra-se na parte legal, uma vez que o atual Código Penal não especifica o crime de eutanásia, condenando qualquer ato anti-natural na extinção de uma vida. Sendo quer o homicídio voluntário, o auxilio ao suicídio ou o homicídio mesmo que a pedido da vitima ou por “compaixão”, punidos criminalmente. Dentro ainda do aspecto legal há a preocupação dos herdeiros pedirem a eutanásia para pacientes inconscientes, tendo em vista a herança do mesmo. É importante salientar que a sociedade de hoje vive num mundo capitalista, em que não podem gastar seu tempo cuidando de seus enfermos.

Os contrários a Eutanásia afirmam ser moralmente ilícita a ação, que, por sua natureza, provoca, direta ou intencionalmente, a morte do paciente. Por conseguinte jamais é lícito matar um paciente, nem sequer para não vê-lo sofrer ou não fazê-lo sofrer, ainda que ele o peça expressamente. Nem o paciente, nem os médicos, nem os enfermeiros, nem os familiares têm a faculdade de decidir ou provocar a morte de uma pessoa, uma vez que a vida humana é considerada Santa.

Entende-se, ainda, que, paralelo ao fato de acreditar-se ser a Vida um direito irrenunciável, não possui, um enfermo em estado terminal, condições para manifestar sua vontade. E mesmo que manifestasse seria escasso, senão nenhum, o valor de sua manifestação de vontade.

Outro argumento bastante utilizado é o do dogma da infalibilidade científica. Basicamente, segundo eles, a situação de extremo sofrimento pela qual passa alguém não é motivo para praticar a eutanásia, posto que a ciência ainda poderá, algum dia, eliminar a dor que aflige essa pessoa, pois a medicina avança a cada dia sendo que dessa forma, o que hoje é irreversível, amanhã pode não ser, sendo que qualquer atitude diante da eutanásia, é fatal.  A todo instante, se vê a realização de façanhas que, em tempos atrás, jamais seriam imaginadas por alguém em sã consciência.

Os defensores desta corrente consideram ilícito penal, em qualquer que seja a classificação da Eutanásia, e sendo uma violação aos princípios éticos médicos. Essa corrente teme os abusos e finalidades escusas como a "morte encomendada", pois segundo esse argumento, se a eutanásia for permitida, correríamos um sério risco: ela abriria estrada a eutanásia voluntária, ao infanticídio e assim por diante, além de entender que a dor, não é justificativa aceitável para o extermínio de si ou de outrem.

4.2 – Argumentos Favoráveis a Eutanásia                       

As correntes defensoras da prática de Eutanásia dividem-se em dois grupos, os quais chamam-se de Radicais e Moderados, que defendem a Eutanásia da seguinte forma:

a)       Para os Radicais:

Toda a vida gravemente tolhida em suas manifestações por padecimento físico ou moral carece de valor; Nessas hipóteses, pode representar gravame injusto para a família e para a sociedade, por exemplo, ocupando leitos hospitalares; Se a situação é irreversível, não há porque lutar contra o que as próprias forças da ciência revelam-se impotentes; O interessado tem direito à morte com dignidade;

b)       Para os moderados:

O consentimento do interessado ou de membro da família; A certeza da proximidade e inevitabilidade da morte atestada por profissional habilitado. Defendem também que: Todo o ser humano tem o direito de viver em dignidade, dessa forma porque negar-lhe, de modo reacionário, o poder de decidir sobre sua morte com dignidade e que seja auxiliado nessa escolha.E questionam: Por que o Direito impede o exercício de um direito?

Não há dúvida que a Eutanásia pode cessar o sofrimento físico e emocional do paciente, assim como de seus familiares, bem como cada um é dono de si mesmo. E se o suicídio é um direito do titular da vida, como negar-lhe o mesmo quando não mais lhe convém viver, quando ele mesmo renuncia, abdica, deste direito. Não pode a lei interferir na decisão, pois o paciente terminal, embora mantido vivo, artificialmente, por meio de sofisticados aparelhos, já não possui mais condições de interagir, ou atuar em situações simples do cotidiano.

O direito à vida deve ser entendido da forma mais ampla possível, compreendendo, essencialmente e indissociavelmente, a Dignidade da Pessoa Humana, que, em certos casos, orienta-se para acatar a morte como única opção.

Como todo ser humano é mortal, deve-se aceitar, naturalmente, o declínio e a morte como parte da condição humana, pois não se pode, indefinidamente, evitar o óbito, por ser um mal que fatalmente ocorrerá, havendo moléstia invencível. É preciso dar ênfase ao paradigma de cuidar e não de curar, procurando aliviar o sofrimento. É necessário que se aceite a morte e que se tenha por objetivo à restauração da saúde. O ser humano pode ser curado de uma doença mortal, mas não de sua mortalidade.

Os favoráveis também entendem que de nada adiantaria um viver sem vida, um paciente em estado terminal, com constantes abalos físicos e psicológicos, não teria o porquê de continuar com esse sofrimento, ou seja, mesmo que a vida seja um bem indisponível, não pode ser, ao mesmo tempo, um bem impositivo. A Constituição Federal Brasileira prima pela Dignidade da Pessoa Humana, e essa é defendida para que o Homem a tenha por toda a vida, inclusive em seu término.

De que adiante viver com dignidade, se ao final perder-se-á? Concluindo, o que os defensores da Eutanásia, entendem que viver é um direito e não uma obrigação.

Diante dos argumentos favoráveis a realização da Eutanásia, é importante frisar que já existem alguns países que a aceitam, e procuram legalizá-la. Dentre estes países podemos citar a Austrália, Bélgica, Uruguai, Estados Unidos da América e Holanda, os quais serão analisados individualmente.

Na Austrália a “Lei dos Diretos dos Pacientes Terminais” esteve em vigor entre junho de 1996 a março de 1998, a qual permitia a prática da Eutanásia, porém foi revogada pelo Parlamento Australiano depois que quatro pessoas já haviam morrido sob o seu amparo. Já na Bélgica permite-se a prática da Eutanásia , desde que a doença seja incurável e ocasione um sofrimento físico ou mental constante e insuportável ao paciente terminal

Nos Estados Unidos da América, cada Estado concede a Eutanásia de maneira particular, por exemplo, em 1991, foi feita uma proposição de alteração do Código Civil da Califórnia/EEUU, não aceita em um plebiscito, de que uma pessoa mentalmente competente, adulta, em estado terminal poderia solicitar e receber uma ajuda médica para morrer. O objetivo seria o de permitir a morte de maneira indolor, humana e digna. Os médicos teriam imunidade legal destes atos.

Em 1994, foi aprovada na cidade de Michegan, por via de plebiscito, a permissão ao médico para administração de substância letal a paciente que deseja morrer, legalizando assim o suicídio assistido.

No Estado de Oregon, o departamento de saúde paga 45 dólares a cada paciente terminal que, após aprovação médico-psiquiátrico, desejar participar do programa de suicídio assistido, aprovado em referendo popular.

Em abril de 1996, o juiz Stephen Reinhard, do 9º Tribunal de Apelação de Los Angeles Califórnia, estabeleceu que a Constituição Americana garante o direito ao suicídio assistido a todo paciente terminal.

Também a legislação Uruguaiana é a favor da prática da eutanásia, quando em 1° de agosto de 1934, o seu código Penal caracterizou o “Homicídio Piedoso”, no artigo 37, do capítulo III, abordando a questão da impunidade. Todavia, quem realizou tal ação deverá preencher três condições básicas: ter antecedentes honoráveis, ser realizado por motivo piedoso e a vítima ter feito reiteradas súplicas.

Outro país que merece destaque é a Holanda, Desde 1990, o Ministério da Justiça e a Real Associação Médica Holandesa (RDMA) concordaram em um procedimento de notificação de Eutanásia. Desta forma, o médico fica imune de ser acusado, apesar de ter realizado um ato ilegal.

A Lei Funeral (Burial Act) de 1993 incorporou os cinco critérios para Eutanásia e os três elementos de notificação do procedimento. Tornando a Eutanásia e o suicídio assistido procedimentos aceitos, porém não legais. Estas condições eximem o médico da acusação de homicídio.

Os cinco critérios estabelecidos pela Corte de Rotterdam, em 1981, para a ajuda à morte não criminalizável: A solicitação para morrer deve ser uma decisão voluntária feita por um paciente informado; A solicitação deve ser considerada por uma pessoa que tenha uma compreensão clara e correta de sua condição e de outras possibilidades. A pessoa deve ser capaz de ponderar estas opções, e deve ter feito tal ponderação; O desejo de morrer deve ter alguma duração; Deve haver sofrimento físico ou mental que seja inaceitável ou insuportável; Obrigatória a consultoria a outro médico.

O acordo entre o Ministério da Justiça e a Real Associação Médica da Holanda, estabelece três elementos para notificação: O médico que realizar a Eutanásia ou suicídio assistido, não deve dar um atestado de óbito por morte natural. Ele deve informar a autoridade médica local utilizando um extenso questionário; A autoridade médica local relatará a morte ao promotor do distrito; O promotor do distrito decidirá se haverá ou não acusação contra o médico. Se o médico seguir as cinco recomendações, o promotor não fará a acusação.

Em abril de 2002, entrou em vigor a lei que passou a regular a prática da Eutanásia. De acordo com a legislação, os médicos holandeses só podem ajudar pacientes a morrer em casos de doenças incuráveis e se o doente sofrer uma dor insuportável e impossível de ser amenizada.  A lei também obriga os médicos a consultarem outros profissionais antes de induzirem o paciente à morte. Em todos os casos, o paciente tem que expressar sua vontade de se submeter à eutanásia.

Os médicos também são obrigados a anunciar os critérios nos quais baseiam sua decisão, incluindo as condições de saúde do paciente, a evolução e as perspectivas de sua doença e um detalhado relatório cronológico do tratamento recebido.

Vale ressaltar que, a exterminação de milhares de enfermos mentais e de outras pessoas denominadas, por Adolf Hitler, como “raça inferior” não caracteriza, nem chega perto de ser considerada como prática de eutanásia. (ADONI, p. 414)

Diante o exposto, o que se nota é uma tendência, cada vez maior em aceitar a suspensão do tratamento ou dos meios artificiais da vida, ante uma morte concretamente confirmada. Parte da sociedade passa a entender que nas situações de irreversibilidade da consciência e de outras funções superiores, e quando essa vida se mantém de forma considerada artificial, o indivíduo teria direito de morrer com toda a dignidade possível. Considerando que negar a Eutanásia a um paciente em fase terminal é o mesmo que lhe furtar a liberdade.

 Segundo a professora de antropologia e diretora da Associação Internacional de Bioética, Débora Diniz (2005), "eutanásia não é assassinato. Viver é sempre fazer escolhas, inclusive a escolha de decidir morrer”, ela assinala ainda que existem dois princípios éticos muito utilizados para deliberar sobre a própria morte, que são o princípio da dignidade, em que devemos nos questionar até que ponto podemos considerar vida digna a de uma pessoa que não consegue executar mais suas funções vitais sozinha, e que não tem consciência da sinergia que se estabelece ao seu redor. E o segundo é o princípio da autonomia, pois sendo a eutanásia compreendia como o exercício de um direito individual é uma garantia do cuidado a que as pessoas têm direitos, que inclui o direito de morrer.

Desta forma, será que não se estar deixando passar o livre arbítrio do ser Humano, pelo simples fato da religião acreditar que só a Deus pertence o direito de morrer, visto que ele é o grande criador da Vida?

Na realidade, a questão que se coloca em discussão quando é abordado o assunto eutanásia, vem a ser justamente a disponibilidade da vida humana, e isto ainda continuará sendo um assunto de calorosas controvérsias pelo longo de um bom tempo, estando longe de encontrar um consenso, devendo sempre ser analisada de acordo com o caso concreto.

Para tanto, merece destaque um famoso processo de número 19.6.93 (1a instância n. 5 de Barcelona), em que Ramón Sampedro Camean pleiteou, judicialmente, que lhe fosse permitido morrer dignamente, haja vista sofrer de paraplegia e tetraplegia traumática, por síndrome de secção medular, permanecendo, por 29anos em uma cama, com imobilização absoluta, à exceção da cabeça. O processo foi inadmitido, em grau de apelação, sob a alegação de falta de competência territorial.

Assim sendo, encerra-se o presente trabalho, “A previsibilidade da Eutanásia no Direito Penal Moderno”, com um excerto do testamento de Ramon Sampedro:

 

Eu, tal como alguns Juízes e a maioria das pessoas que amam a vida e a liberdade, penso que a vida é um direito, não uma obrigação. Contudo, fui obrigado a suportar esta penosa situação durante vinte e nove anos, quatro meses e alguns dias. Recuso-me a continuar a fazê-lo por mais tempo! Apelei à justiça para evitar que os meus atos tivessem conseqüências penais para outros. Estou à espera há cinco anos. E como tanta demora me parece ridícula, decidi pôr fim a tudo isso de uma forma que considero mais digna, humana e racional. Como podem ver, a meu lado tenho um copo de água com uma dose de cianeto de potássio. Quando o beber terei renunciado, voluntariamente, à propriedade mais legítima e privada que tenho; ou seja, o meu corpo. Também me terei libertado de uma humilhante escravidão – a tetraplegia. A este ato de libertação, com ajuda, chamam-lhe vocês cooperação num suicídio – ou suicídio assistido. Contudo, eu considero-o uma ajuda necessária, e humana, para ser dono e soberano da única coisa que o ser humano pode realmente chamar de sua, ou seja, o corpo e aquilo que é, ou está, com ele, a vida e a sua consciência. Poderão castigar esse próximo que me amou e foi coerente com esse amor, isto é, amando-me como a si próprio. Claro que para isso teve que vencer o terror psicológico da vossa vingança – é esse o seu delito. Além de aceitar o dever moral de fazer o que deve, quer dizer, o que menos lhe interessa e mais lhe dói. Senhores juízes, negar a propriedade privada do nosso próprio ser é a maior das mentiras culturais. Para uma cultura que sacraliza a propriedade privada das coisas, entre elas a terra e a água, é uma aberração negar a propriedade mais privada de todas, nossa Pátria e reino pessoal. O nosso corpo, vida e consciência. O Nosso Universo. (CARVALHO, 2001, pp. 143-144).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

1. A Eutanásia é uma prática milenar, conforme se pode observar no decorrer do trabalho. Sendo conceituada como a morte que alguém proporciona a uma pessoa que padece de uma enfermidade incurável ou muito penosa, e que tem como objetivo abreviar o sofrimento do paciente, ou seja, não visa exterminar humanos, e sim, o respeito ao ser humano, evitando sofrimento e tortura ao término de sua vida. Sendo apoiada pelos princípios norteadores da Bioética, Autonomia e Beneficência, os quais reconhecem a autonomia do paciente terminal e de sua escolha ou não, por uma morte digna.

2. A autonomia do paciente é um direito assegurado pela Constituição Federal, e que, portanto, deverá ser respeitado, cabendo ao médico informar ao doente o grau de complexidade da sua doença, exceto quando a informação puder lhe causar dano ou trauma psíquico, para o que o mesmo decida pelo inicio de um tratamento ou até mesmo por interrompê-lo. Este princípio é fundamental, pois o consentimento do paciente é um dos fatores de suma importância que contribuem para tornar a Eutanásia uma prática lícita e impunível.

 3. Apesar de não serem encontrados subsídios para que a Eutanásia passe a ser um direito do Homem, apoiado no princípio constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, tal normatização merece atenção, uma vez que não será imposta, mas, sim, possibilitada a quem tiver interesse, contribuindo, dessa forma, para a aplicabilidade da Constituição Federal, que deve ser vista a partir de um novo paradigma - o da vida com bem individual e por cada um possível de disponibilidade - e não mais sob o paradigma da vida como bem divino e indisponível como o trata à Carta Magna. É sabido que o direito a Vida é, sem dúvida, uma obrigação do Estado, porém não deve ser entendido como uma imposição legal do Estado, cabendo, a esse, o dever de proporcionar dignidade ao ser humano, e viabilizar todos os mecanismos que impeçam qualquer ato que afronte a Vida. Todavia, essa leitura deve limitar-se a vontade do ser humano, no tocante do seu direito individual, apoiado ao direito à liberdade e à dignidade, sendo esta a célula mãe de todos os demais valores, assegurando o Direito à vida e não o dever à vida, a qualquer custo ou condição.

4. Assim sendo, e com base nos diversos argumentos favoráveis, bem como sua aceitação em diversos países do mundo, a Eutanásia voluntária deveria ser prática aceita no âmbito jurídico, ou seja, legítimo exercício não só da medicina, mas de um direito do indivíduo que se encontre na fase terminal de sua vida, ou seja, daquele individuo portador de doença incurável e que não possui mais nenhuma perspectiva de vida digna, apesar da disponibilidade dos recursos. Além do mais, é incabível manter uma pessoa que se encontra em estado vegetativo em um hospital, onde os custos cobrados pelos tratamentos intensivos e de doenças prolongadas, sem qualquer perspectiva ou esperança de melhora, são exorbitantes. O que se nota, infelizmente, é uma grande indústria que se alimenta do sofrimento exagerado dos pacientes, do ônus impagável por eles ou por seus familiares. Tudo isso, só se mantém devido à conveniência das empresas hospitalares, graças à ficção jurídica da irrenunciabilidade ao tempo de vida, quando irrenunciável deveria ser a qualidade dela. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

ADONI, André Luis. Bioética e Biodireito: Aspectos Gerais sobre a eutanasia e o direito à morte digna, 2001.

 ANGHER, Anne Joyce. Vade Mecum Acadêmico de Direito. 4ª Ed. São Paulo: Rideel, 2007.

 

ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva 1999.

 

ASÚA, L.J. Liberdade de amar e direito de morrer: ensaios de um criminalista sobre eugenesia, eutanasia e endocrinologia. Lisboa: Clássica, 1928.

 

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996.

 

BÍBLIA, Sagrada. Samuel, cap. 31, vers. 1 à 13.

 

BIZATTO, José Idelfonso. Eutanásia e responsabilidade médica. São Paulo: Direito, 2000.

BONAVIDES, Paulo, Curso de Direito Constitucional. 9ed. São Paulo, ed. Malheiros, 1999.

BRASIL. Código Civil –  4 em 1. Código Universitário Saraiva. Editora Saraiva, 2006.

BRASIL. Código de Ètica Médica. 3. ed. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1996;

 

BRASIL. Código Penal – 3 em 1. Código Universitário Saraiva. Editora Saraiva, 2005.

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

 

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2000.

 

CARLIN, Volnei Ivo. (Org.), Ética e bioética: novo direito e ciências médicas.

 

CARLIN, Volnei Ivo. Deontologia jurídica, ética e justiça. Florianópolis: Obra Jurídica, 1997. 180 p.

 

CARVALHO, Gisele Mendes de. Aspectos Jurídico-penais da Eutanásia. 1.ed. São Paulo: IBCCRIM, 2001;

 

CORRÊA, Elidia Aparecida de Andrade. GIACOIA, Gilberto. CONRADO, Marcelo. Biodireito e Dignidade da pessoa humana. Ed. Juruá. 2006.

 

DIAS, Maria Berenice. Bioética e Direito. Disponível em: http://www.mariaberenice.com.br>. Acesso em: 05.Abril.2010.

 

DINIZ, Débora. Porque Morrer?O Direito à morte digna. Fonte: Revista do Terceiro setor, 01.abr.2005.

 

DINIZ, Maria Helena. O estado atual do Biodireito. Saraiva, 2007.

 

DWORKIN, Ronald. Domínio da Vida – Aborto, eutanásia e liberdades individuais. Martins Fontes. São Paulo, 2003.

 

Favero, Flamínio. Medicina Legal. 11º ed. Ed. Itatiaia. São Paulo. 1980.

Florianópolis: Terceiro Milênio, 1998. 176 p.

 

FRANÇA, Genival Veloso. Direito de viver e direito de morrer. Porto Alegre: Fase.

 

KANT, I. A metafísica dos costumes. Trad. Edson Bini. Bauru: EDIPRO, 2003.

 

ALEJANDRO, Amenábar - MAR ADENTRO. Espanhol, 2004. Videocassete: 125min.

 

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 10ª ed., Forense 1988, p. 295)

 

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. Ed. Atlas. 2004 – 16ª edição.

 

MORAES, Irany Novah. Morte e Morrer. O Estado de São Paulo, 28 abril,1987.

 

NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Em defesa da vida: aborto, eutanásia, pena de morte, suicídio, violência, linchamento. São Paulo: Saraiva, 1995.

 

NUNES, Rizzatto. O Principio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. Doutrina e Jurisprudência. Ed. Saraiva, 2002. p.19.

 

PESSINI, Léo. A eutanásia na visão das grandes religiões mundiais (Budismo, Islamismo, Judaísmo e Cristianismo). Disponível em:. Acesso em: 25.mar.2010.

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 1980.

SÁ, Maria de Fátima Freire. Direito de Morrer: eutanásia, suicídio assistido. 1°. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001;

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre, 2001.

 

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constiuição Federal de 1988. ,2 ED., Porto Alegre, 2002.

 

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Ed. Malheiros – 2004 – 23ª edição.

 

SLAIBI FILHO, Nagib. Direito Constitucional. Ed. Forense. Rio de Janeiro, 2004.

Importante:
1 - Conforme lei 9.610/98, que dispõe sobre direitos autorais, a reprodução parcial ou integral desta obra sem autorização prévia e expressa do autor constitui ofensa aos seus direitos autorais (art. 29). Em caso de interesse, use o link localizado na parte superior direita da página para entrar em contato com o autor do texto.
2 - Entretanto, de acordo com a lei 9.610/98, art. 46, não constitui ofensa aos direitos autorais a citação de passagens da obra para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor (Geyza Rocha Fróes) e a fonte www.jurisway.org.br.
3 - O JurisWay não interfere nas obras disponibilizadas pelos doutrinadores, razão pela qual refletem exclusivamente as opiniões, ideias e conceitos de seus autores.

Nenhum comentário cadastrado.



Somente usuários cadastrados podem avaliar o conteúdo do JurisWay.

Para comentar este artigo, entre com seu e-mail e senha abaixo ou faço o cadastro no site.

Já sou cadastrado no JurisWay





Esqueceu login/senha?
Lembrete por e-mail

Não sou cadastrado no JurisWay




 
Copyright (c) 2006-2024. JurisWay - Todos os direitos reservados