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Texto enviado ao JurisWay em 11/08/2010.
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A vida da militante comunista Olga Benario, figura de relevo no frustrâneo levante de 1935, é tema de livro (best seller) e de filme, havendo manifestações de uma corrente que critica sua extradição para a Alemanha. Contudo, ainda que respeitável e, em certa medida, admirável o idealismo da jovem ativista do passado, como razoável presumir a sinceridade de seus propósitos, o sentimentalismo exacerbado não deve empanar a verdade que a história registra. A propósito, ouçamos os historiadores. Eric Hobsbawm: dois jovens, “mobilizados pela revolução soviética da Baviera de 1919, Olga Benario, filha de um próspero advogado de Munique, e Otto Braun, um professor primário. Ela iria ver-se organizando a revolução no hemisfério ocidental, ligada e afinal casada com Luiz Carlos Prestes, líder da longa marcha insurrecional pelos sertões brasileiros, que havia convencido Moscou a apoiar um levante no Brasil em 1935. O levante fracassou e Olga foi entregue, pelo governo brasileiro, à Alemanha de Hitler, onde acabou morrendo num campo de concentração” - “Era dos Extremos – O breve século XX, 1914-1991”, p. 79, trad. bras., 2ª ed., 26ª reimp., 2003.
Não temos elementos para saber se tratava de extradição ou de expulsão de estrangeiro. A primeira, pressupõe pedido de recambiamento de alguém que tenha praticado crime no território do Estado solicitante. A extradição é ato jurídico que se insere na assistência internacional contra o crime. É um direito e um dever. De regra, independe de acordo prévio entre os Estados. Ao criminoso não se deve permitir escapar ao cumprimento da pena ao saltar a linha divisória entre dois países. A expulsão, ao contrário, é ato unilateral de um Estado, “universalmente reconhecido”, a cujo respeito, entre nós, há antigo acórdão do Supremo Tribunal Federal (de novembro de 1919) no sentido de que ao Estado é conferida a faculdade soberana de expulsar os estrangeiros perigosos à segurança social e à ordem pública, seja qual for o tempo de residência. Noutras palavras: está sujeito a expulsão, entre outros casos, o estrangeiro que, em nosso país, comete crime contra a segurança nacional. No caso Olga Benario, tudo faz crer que se trata de expulsão, a menos tenha também praticado crime, ou crimes, no seu país de origem, ensejando pedido extraditório. Hoje, deportação, expulsão e extradição estão reguladas no estatuto do estrangeiro, dispondo o art. 65 do diploma de 1989, que “é passível de expulsão o estrangeiro que, de qualquer forma, atentar contra a segurança nacional...”.
Olga Benario, ao que parece, foi expulsa do Brasil em 1936, quando vigorava, entre nós, a Constituição democrática de 1934. Expulsa ou extraditada a estrangeira, fundadamente à luz do direito (nacional e internacional), não pode o governo brasileiro ser julgado pelo que aconteceria num futuro distante; pelo confronto com fatos ocorridos anos depois na Alemanha (sua morte, cinco anos mais tarde, em campo de concentração). A expulsão, ou a extradição, exprimia ato muito anterior ao início da 2ª Guerra Mundial, somente deflagrada em setembro de 1939. Ainda que assim não fosse, a providência do governo fora juridicamente irreprochável. Cabe, ainda, lembrar que, à época da fracassada intentona comunista, 1935, Hitler era figura admirada na Europa, não só porque personificava significativa resistência à ameaça comunista que apavorava os europeus, em particular, os alemães, como também pelo muito que fizera e fazia no surpreendente ressurgimento da Alemanha, já na primeira metade da década de 30, quando encontrara o país mergulhado no caos, conseqüência da derrota de 1918. O insuspeito Lloyd George - nome de destaque no Parlamento britânico - àquele tempo, isto é, antes da segunda guerra mundial (e, naturalmente, antes das porvindouras e abomináveis atrocidades contra os judeus) considerava Hitler “a maior figura da Europa desde Napoleão” (John Lukacs, O Hitler da História, p. 171. trad. bras., Rio de Janeiro, 1998). Por sua vez, referindo-se ao führer, Joachim Fest especulava que, “se tivesse falecido, de repente, em 1938” – entenda-se, antes da segunda guerra mundial –, “Hitler teria sido, e provavelmente seria, considerado um dos maiores alemães de toda a história” (in Lukacs, loc. cit., p. 77).
Portanto, do exame sereno dos fatos, não há razão para ligar a expulsão (ou a extradição) aos campos de concentração em que faleceu Olga Benario, os quais, ao que se sabe, foram criados durante a segunda guerra; ou, se antes os havia, deles não se tinha notícia no Brasil.
Por mais lamentáveis sejam as circunstâncias em que morreu a heroína, é injusta e juridicamente inaceitável qualquer crítica ao governo brasileiro da época, naturalmente.
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N. Doreste Baptista – Desembargador TJRJ, apos.
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