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Resumo:
A iminência da fiscalização do uso de cadeirinhas em veículos automotores, ditada na Res.277/CONTRAN, traz à baila, de novo, a exemplo da norma que instituiu os kits de primeiros socorros, a imperfeição da normatividade afeta ao trânsito brasileiro.
Texto enviado ao JurisWay em 14/06/2010.
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O USO DA CADEIRINHA PARA CRIANÇAS EM VEÍCULOS E A RESOLUÇÃO 277/CONTRAN. UMA ANÁLISE PRÁTICA.
Jorge Amaral dos Santos[1]
RESUMO
A iminência da entrada em vigor da fiscalização do uso de cadeirinhas nos veículos automotores, medida estipulada pela Resolução nº 277/CONTRAN de 28 de maio de 2008, traz à baila, mais uma vez, a exemplo da norma que instituiu a obrigatoriedade de kits de primeiros socorros nos veículos, a imperfeição da normatividade afeta ao trânsito brasileiro. A resolução que determina aos condutores de veículos que transportam crianças com idade inferior ou igual a sete anos e meio, com algumas exceções, a dotarem aqueles veículos de dispositivos de retenção (tipo bebê-conforto, cadeirinha e/ou assento de elevação) teve o início de sua fiscalização, que era originalmente previsto para 09 de junho, prorrogado para 1º de setembro de 2010. A proximidade da fiscalização da norma teve como efeito uma corrida às lojas especializadas a tal ponto de, em determinados locais, haver fila de espera para a compra daqueles equipamentos. A Resolução 277/ CONTRAN é lacunosa e imperfeita e, ao calar sobre determinados casos, chega a ponto de induzir o consumidor ao erro. Aqui tentaremos esclarecer determinadas situações fáticas a fim de melhor interpretarmos essa Norma.
Palavras-chave: Cadeirinha. Veículo. Cinto de segurança. Infração de trânsito.
INTRODUÇÃO
O transporte de crianças c om idade inferior a dez anos em veículos automotores e o uso de cinto de segurança, previstos nos art. 64 e 65 da Lei 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro), foram regulamentados em 06 de fevereiro de 1998 através da Resolução nº 15 do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN). Tal dispositivo era bastante genérico e determinava que o transporte de crianças menores de 10 anos de idade fosse feito no banco traseiro dos veículos, usando cinto de segurança ou sistema de retenção equivalente. Em 2008 o CONTRAN editou a resolução nº 277 regulamentando mais detalhadamente os artigos 64 e 65 do CTB e revogando a Resolução nº 15. Entretanto a regulamentação restou imperfeita e lacunosa, gerando inúmeras dúvidas nos proprietários de veículos e, inclusive, nos agentes aplicadores da fiscalização de trânsito. Aqui tentaremos expor nossa contribuição com a intenção de tentar dirimir tais incertezas.
O TRANSPORTE EM VEÍCULOS AUTOMOTORES DE CRIANÇAS MENORES DE 10 ANOS E SUA REGULAMENTAÇÃO ANTERIOR.
O transporte de crianças menores de dez anos atualmente é disciplinado pelo art. 64 do nosso Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97). Diz o referido artigo que “as crianças com idade inferior a dez anos devem ser transportadas nos bancos traseiros, salvo exceções regulamentadas pelo CONTRAN”. Sob a égide do Código anterior, a regulamentação era feita pela Resolução nº 611/1983 a qual, segundo Arnaldo Rizzardo[2], apenas recomendava que os menores de sete anos fossem transportados no banco traseiro. Entretanto, não cominava nenhuma sanção para a desobediência a tal conduta. Com a vigência do Código atual o CONTRAN expediu a Resolução nº 15, de 06.02.98, abrangendo as crianças com idade inferior a dez anos e passou a prever sanções para a desobediência a tal conduta. O transporte de crianças com idade inferior a dez anos é indispensável para a segurança delas, pois que, no banco traseiro, correm menores riscos em situações de desaceleração brusca do veículo ou acidentes, visto que, além do cinto de segurança ou sistema de retenção equivalente, encontram também proteção nos bancos dianteiros do veículo. Salienta-se que a dita regulamentação não trazia em seu bojo modelos dos tais sistemas de retenção, o que só foi alcançado com a normatização atual, como veremos a seguir.
As exceções referidas no artigo 64 do CTB (salvo exceções regulamentadas pelo CONTRAN) e que foram regulamentadas pela Resolução nº 15/CONTRAN, se referiam aos seguintes casos: veículos dotados unicamente de bancos dianteiros (pick ups, caminhões e outros); quando a quantidade de crianças menores de dez anos for maior que a capacidade do banco traseiro (o de maior estatura irá para o banco dianteiro); e aqueles que efetuassem transporte remunerado (táxis e veículos de transporte de escolares).
A REGULAMENTAÇÃO ATUAL.
Em 28 de maio de 2008, o Conselho Nacional de Trânsito expediu a Resolução nº 277 regulamentando mais detalhadamente o transporte de crianças menores de dez anos em veículos automotores. Além de dispor sobre os veículos, a norma também traz modelos de equipamentos considerados como dispositivos de retenção para crianças.
Diz a referida Norma:
Art.1° Para transitar em veículos automotores, os menores de dez anos deverão ser
transportados nos bancos traseiros usando individualmente cinto de segurança ou sistema de retenção equivalente, na forma prevista no Anexo desta Resolução.
§1º. Dispositivo de retenção para crianças é o conjunto de elementos que contém uma combinação de tiras com fechos de travamento, dispositivo de ajuste, partes de fixação e, em certos casos, dispositivos como: um berço portátil porta-bebê, uma cadeirinha auxiliar ou uma proteção anti-choque que devem ser fixados ao veículo, mediante a utilização dos cintos de segurança ou outro equipamento apropriado instalado pelo fabricante do veículo com tal finalidade.
§2º. Os dispositivos mencionados no parágrafo anterior são projetados para reduzir o risco ao usuário em casos de colisão ou de desaceleração repentina do veículo, limitando o deslocamento do corpo da criança com idade até sete anos e meio[3]. Grifamos.
Referentemente aos veículos, a resolução atual aumentou o leque de isenções ao que estabelecia a Norma anterior, passando a dispor que “as exigências relativas ao sistema de retenção, no transporte de crianças com até sete anos e meio de idade, não se aplicam aos veículos de transporte coletivo, aos de aluguel, aos de transporte autônomo de passageiro (táxi), aos veículos escolares e aos demais veículos com peso bruto total superior a 3,5t”. Manteve, porém, a disposição referente aos veículos dotados exclusivamente de banco dianteiro e nos casos de a quantidade de crianças for superior à capacidade de lotação do banco traseiro onde, como antes explicitado, o de maior estatura irá para o banco dianteiro. Ressalta-se que a disposição referente aos veículos isentos da aplicação da resolução é alvo de inquérito civil público instaurado pelo Ministério Público Federal de São Paulo, que cobra explicações do CONTRAN sobre essas exceções[4].
Ainda no caso dos veículos, a Norma diz que:
Nos veículos equipados com dispositivo suplementar de retenção (airbag), para o passageiro do banco dianteiro, o transporte de crianças com até dez anos de idade neste banco, conforme disposto no Artigo 2º e seu parágrafo, poderá ser realizado desde que utilizado o dispositivo de retenção adequado ao seu peso e altura e observados os seguintes requisitos:
I – É vedado o transporte de crianças com até sete anos e meio de idade, em dispositivo de retenção posicionado em sentido contrário ao da marcha do veículo.
II – É permitido o transporte de crianças com até sete anos e meio de idade, em dispositivo de retenção posicionado no sentido de marcha do veículo, desde que não possua bandeja, ou acessório equivalente, incorporado ao dispositivo de retenção;
III - Salvo instruções específicas do fabricante do veículo, o banco do passageiro dotado de airbag deverá ser ajustado em sua última posição de recuo, quando ocorrer o transporte de crianças neste banco.
Isto é, nos veículos com air bag no banco dianteiro, quando a criança tiver de ser transportada neste, seja por não possuir banco traseiro, seja por ter mais crianças no banco de trás (a de maior estatura irá no banco da frente), o transporte não pode ser feito com a criança posicionada em sentido contrário ao da marcha do veículo (virada para trás, como em certos casos de utilização da cadeirinha ou do bebê-conforto) e o banco deverá ser posicionado na posição mais à retaguarda possível.
No que tange ao dispositivo de retenção para crianças, o anexo da resolução traz três espécies aplicáveis conforme o caso:
1 – As crianças com até um ano de idade deverão utilizar, obrigatoriamente, o dispositivo de retenção denominado “bebê conforto ou conversível”;
2 – As crianças com idade superior a um ano e inferior ou igual a quatro anos deverão utilizar, obrigatoriamente, o dispositivo de retenção denominado “cadeirinha”;
3 – As crianças com idade superior a quatro anos e inferior ou igual a sete anos e meio deverão utilizar o dispositivo de retenção denominado “assento de elevação”.
E por fim: “As crianças com idade superior a sete anos e meio e inferior ou igual a dez anos deverão utilizar o cinto de segurança do veículo”.
Em uma análise mais detalhada verifica-se que no caso dos itens 1 e 2 (crianças até um ano de idade e crianças com idade superior a um e inferior a quatro anos, respectivamente), a Resolução estabelece a obrigatoriedade da utilização do “bebê conforto ou conversível” ou da “cadeirinha” conforme o caso. Todavia, quando a Norma se refere ao uso do “assento de elevação” (item 3) para aquelas crianças com idade superior a quatro anos e inferior ou igual a sete anos e meio, não está estipulada a obrigatoriedade do uso de tal dispositivo.
O art. 9º - O não cumprimento do disposto nesta Resolução sujeitará os infratores às penalidades prevista no art. 168 do CTB traz a obrigatoriedade de obediência à referida norma legal. O artigo 168 do CTB reza que “transportar crianças em veículo automotor sem observância das normas de segurança especiais estabelecidas neste Código: infração – gravíssima; penalidade – multa; medida administrativa – retenção do veículo até que a irregularidade seja sanada.
O ASSENTO DE ELEVAÇÃO
A polêmica que tem causado a interpretação dessa Resolução, haja vista sua má redação, se refere ao nº 3 de seu anexo: as crianças com idade superior a quatro anos e inferior ou igual a sete anos e meio deverão utilizar o dispositivo de retenção denominado “assento de elevação”, por três motivos:
a) a figura que ilustra o nº 3 do anexo da resolução traz um cinto de segurança do tipo “três pontos”, dispositivo inexistente no banco traseiro de boa parte da frota de veículos do país, seja nos veículos mais antigos seja nos modelos mais “populares”;
b) o nº 3 do anexo da resolução, diferentemente do previsto no nº. 1 e 2, não traz a palavra “obrigatoriamente”, o que leva a entender que a obrigatoriedade da utilização do “assento de elevação” dar-se-á apenas para o caso de veículos dotados de cinto de segurança do tipo “três pontos” no banco onde será usado esse assento;
c) o próprio fabricante dos dispositivos tipo “assento de elevação” PROÍBE, expressamente, o uso desse assento em conjunto com o cinto de segurança tipo “abdominal”.
Em uma leitura superficial, entende-se que a resolução regulamentou o transporte de crianças em veículos automotores da seguinte forma: crianças até um ano devem utilizar o bebê-conforto; crianças com idade superior a um e inferior ou igual a quatro anos necessitam utilizar a cadeirinha; e crianças com idade superior a quatro e inferior ou igual a sete anos e meio precisam utilizar o assento de elevação. O que for diferente disso estará sujeito às sanções previstas no art. 168 do Código, quais sejam: multa gravíssima (sete pontos na carteira) e retenção do veículo até sanar a irregularidade.
Entretanto, ao realizar-se uma análise mais acurada, verifica-se que o CONTRAN não explicitou como serão transportadas as crianças com idade superior a quatro anos e inferior ou igual a sete anos e meio, nos veículos automotores que possuem cintos de segurança tipo abdominal, atendo-se apenas àqueles veículos dotados de cinto de segurança tipo três pontos. Em uma visão teleológica do assunto conclui-se que a finalidade do “assento de elevação” é, pois, a “elevação” do corpo pequeno da criança, de modo que, em caso de rápida desaceleração do veículo, seja por freada, seja por choque ou qualquer outro fator, é evitar que o cinto de segurança tipo “três pontos” cause lesão no pescoço da criança. Este raciocínio faz com que se conclua desnecessária a utilização do “assento de elevação” em veículos dotados de cinto de segurança tipo abdominal, aliás, como já afirmamos, informação veiculada pelo próprio fabricante do produto.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se que a obrigatoriedade de utilização do dispositivo tipo “assento de elevação” (para crianças com idade superior a quatro e inferior ou igual a sete anos e meio) está atrelada somente àqueles veículos que possuem cinto de segurança do tipo “três pontos” e somente nessas condições se torna exigível. Para os veículos que possuem cinto de segurança do tipo “abdominal” e que estiverem transportando criança com a idade acima citada, a obrigatoriedade é de que tal infante esteja seguro pelo cinto de segurança do veículo.
O objetivo da resolução é o de regulamentar (especificar, detalhar, esmiuçar, pormenorizar), no presente caso, os artigos 64 e 65 do Código de Trânsito Brasileiro. Ao realizar essa tarefa que lhe é afeta, o Conselho Nacional de Trânsito o fez de maneira imperfeita, lacunosa e as conseqüências são desastrosas: consumidores acorrendo às lojas para a compra dos dispositivos de retenção tendo de enfrentar filas de espera, em virtude da falta do produto; a falta de detalhamento da Norma deixa a entender casos em que, na verdade, a utilização do assento de elevação não se faz exigível (nos veículos dotados de cinto de segurança tipo abdominal); o preço de tais dispositivos aumentou consideravelmente (cerca de mais de 100% em pouco menos de três anos); a resolução, no caso do “assento de elevação” só contempla veículos equipados com cinto de segurança do tipo três pontos e não traz maiores detalhamentos a cerca de veículos dotados com cintos de segurança do tipo abdominal.
A ampla divulgação da mídia, que se ateve ao dispositivo superficial da Norma, em muito colaborou para a interpretação errônea da resolução, como exemplifica notícia veiculada no site de um dos maiores conglomerados jornalísticos do país:
uso dos dispositivos de retenção para transporte de crianças nos automóveis passaria a ser obrigatório a partir desta quarta em todo o país. A punição definida pelo Contran é de multa de R$ 191,54 e sete pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
Pelas novas regras, bebês de até um ano devem usar bebê conforto no banco de trás. Para crianças entre um e 4 anos, será obrigatória cadeirinha no banco de trás. De 4 a 7 anos e meio, as crianças devem ser transportadas em assento de elevação, sem encosto, no banco de trás, com cinto de segurança. De 7 anos e meio a 10 anos, é preciso estar no banco de trás com cinto”[5].
A fiscalização da resolução em comento, que tinha data de início para 09 de junho, foi adiada para 1º de setembro. Com isso, espera-se que o CONTRAN modifique a referida Norma para detalhá-la de forma a não induzir os consumidores ao erro.
[1] Policial rodoviário federal. Especialista em Direito público e em Direito penal e processual penal.
[2] RIZZARDO, Arnaldo. Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.
[3] Resolução nº 277 CONTRAN, de 28 de maio de 2008. Disponível em: http://www.denatran.gov.br/download/Resolucoes/RESOLUCAO_CONTRAN_277.pdf Acessado em 04 jun 2010.
[4] MPF/SP instaura inquérito para apurar falhas em norma do Contran sobre o uso de cadeirinhas. Inquérito Civil Público nº 1.34.001.005339/2010-39. Disponível em: http://noticias.pgr.mpf.gov.br/noticias/noticias-do-site/copy_of_direitos-do-cidadao/08-06-10-mpf-instaura-inquerito-para-apurar-falhas-em-norma-do-contran-sobre-o-uso-de-cadeirinhas Acesso em 05 jun 2010.
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