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Resumo:
A condução de veículo automotor é uma tarefa complexa na qual o motorista age e interage com o meio a sua volta, recebendo estímulos e exteriorizando condutas.
Texto enviado ao JurisWay em 13/08/2010.
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O CRIME DE DIRIGIR VEÍCULO SOB INFLUÊNCIA DE SUBSTÂNCIA PSICOATIVA E A OPERACIONALIDADE DO JUS PUNIENDI ESTATAL.
Jorge Amaral dos Santos[1]
RESUMO
A condução de veículo automotor é uma tarefa complexa na qual o motorista age e interage com o meio a sua volta, recebendo estímulos e exteriorizando condutas. O ato de dirigir sob influência de substância psicoativa é crime, e também responsável por parte da mortalidade no trânsito brasileiro. Em 2009 os acidentes de trânsito ceifaram mais de 35 mil vidas. Neste trabalho discorremos sucintamente sobre os efeitos das drogas nos motoristas, analisamos os aspectos doutrinários e legais desses atos e o que o Estado vem realizando, sob o aspecto fiscalizatório e sancionatório, para coibir essas condutas.
PALAVRAS CHAVE: Dirigir; Embriaguez; Substância Psicoativa; Crime;
INTRODUÇÃO
A condução de veículo automotor é uma tarefa complexa na qual o motorista age e interage com o meio a sua volta, recebendo estímulos e exteriorizando condutas. O ato de dirigir sob influência de qualquer outra substância psicoativa (que não o álcool) é crime, tipificado no Art. 306, última parte, do Código de Trânsito Brasileiro, alterado por força da Lei 11.705/2008. No Brasil o trânsito mata mais de 35 mil pessoas por ano e parte dessas mortes é causada por motoristas que dirigiam sob influência de drogas. Esse procedimento foi criminalizado, entretanto, para que não se torne “letra morta” há necessidade de que sua aplicabilidade seja efetivada sob vários aspectos. Desde a sua regulamentação, nos moldes do que foi feito com o crime de embriaguez ao volante (tipificado no mesmo artigo), até a sua instrumentalização de modo que os órgãos fiscalizatórios tenham condições de efetivar sanções, tanto administrativas quanto penais, na tentativa de se diminuir os trágicos efeitos dos acidentes de trânsito no Brasil. Há, logicamente, outros aspectos que devem ser verificados para que tenhamos uma diminuição nesses números, dentre eles o fator educacional e a mobilização da sociedade, entretanto, trataremos aqui apenas dos aspectos inerentes à legislação (penal e administrativa), doutrina e jurisprudência.
A INFLUÊNCIA DO USO DE DROGAS NO ATO DE DIRIGIR
Quando um motorista dirige um veículo automotor ele interage com o meio de forma constante, agindo e reagindo de acordo com os estímulos que percebe e recebe. Ao dirigir sob influência de drogas esse ato pode tornar-se anormal, pois as ditas substâncias psicoativas alteram a realidade sensorial do indivíduo. No entender de Julio de Carvalho Ponce e Vilma Leyton, em recente trabalho publicado na Revista de Psiquiatria Clínica da USP (SP):
“Dirigir é uma tarefa complexa na qual o condutor recebe informação continuamente, analisa-a e reage a respeito desta. Substâncias que têm uma influência em funções cerebrais ou em processos mentais envolvidos na condução certamente irão afetar seu desempenho. [...] Os efeitos das drogas no desempenho dos motoristas já são bem conhecidos e vários são os estudos que podem ser encontrados na literatura sobre a prevalência do uso de drogas por motoristas que foram mortos ou feridos em ocorrências de trânsito (World Health Organization, 2004). [...] O problema da condução veicular sob o efeito de drogas lícitas e ilícitas tem despertado muito interesse na comunidade científica, com inúmeros trabalhos publicados. Sabe-se que drogas lícitas (como o álcool), medicinais (como os tranqüilizantes e antidepressivos) e ilícitas (como cocaína, maconha e mais recentemente o ecstasy) têm expressiva participação na ocorrência de acidentes, não raro com vítimas fatais (Drummer et al., 2003) [2].”
A cannabis sativa, da qual se produz o haxixe e a maconha, e que tem um maior consumo desta última, em escala mundial é a droga mais disseminada entre motoristas. Conforme Ponce e Leyton:
“Essa droga influencia percepções, a performance psicomotora e cognitiva e as funções afetivas. Dessa forma, são afetados, no motorista, a coordenação, a vigilância e o estado de alerta e, conseqüentemente, a capacidade de dirigir. Os efeitos debilitantes se concentram nas primeiras duas horas, mas podem durar por mais de cinco horas.[3]”
O uso da cocaína pode levar o motorista a assumir comportamentos de risco, à diminuição da concentração e atenção, levando-o a cometer atos no trânsito muitas vezes fatais. O ecstasy deixa o indivíduo agressivo e posteriormente apático, o que certamente aumenta o comportamento de risco dos motoristas sob efeito dessa substância. A heroína induz à euforia e analgesia deixando a pessoa num estado de sonolência, fora da realidade, aumenta o tempo de reação do indivíduo e afeta o ato de dirigir. Já os alucinógenos, como o LSD, provocam sonolência e alucinações.
“A cocaína pode ocasionar uma pequena melhora na performance do motorista durante a fase de euforia, segundo estudos laboratoriais. No entanto, o indivíduo sob efeito de cocaína está mais propenso a assumir comportamentos de risco, o que pode levar a um envolvimento maior em acidentes de trânsito. O prejuízo no desempenho observado pode ser em razão da perda de concentração e atenção, e maior sensibilidade à luz, em virtude das pupilas dilatadas. [...]Existem estudos que mostram que o uso de derivados anfetamínicos (como o ecstasy) podem aumentar perigosamente a autoconfiança do condutor, com aumento no envolvimento em situações de risco. O usuário se torna agressivo no início e apático quando os efeitos agudos passam (Transportation Research Board, 2006). Como com a cocaína, a dilatação das pupilas pode causar sensibilidade à luz. [...]Os alucinógenos (GHB, LSD etc.) debilitam a performance psicomotora por produzirem alucinações, sonolências e reações psicóticas, incompatíveis com a direção segura...[4]”
Um vídeo auto-explicativo que informa os efeitos da combinação drogas versus direção (10 Drogen, die Sie nicht nehmen solltenn... ...wenn Sie Auto fahren[5]) veiculado na internet no site youtube faz uma perfeita correlação entre o tipo de droga que foi usado e o comportamento do motorista.
A professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Drª Renata Limberger, coordena e integra dois importantes projetos afetos ao uso de drogas por motoristas no trânsito brasileiro, a saber:
“ESTUDO DO IMPACTO DO USO DE BEBIDAS ALCOÓLICAS E OUTRAS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS NO TRÂNSITO BRASILEIRO. O projeto está dividido em diferentes estudos e etapas, busca obter o mérito de identificar e apropriadamente documentar as associações descritas acima, tanto no nível regional como nacional. Sobretudo, trata-se de uma seqüência de estudos original, pois a prevalência de alcoolemia positiva, uso de substâncias e acidentes ainda não foi documentada de forma sistemática e apropriada em motoristas brasileiros - e algumas destas associações são controversas inclusive na literatura internacional. Mais ainda, a proposta contemplada neste projeto não é apenas a de produzir pesquisa nesta área, mas também a de desenvolver metodologia que capacite outros centros a executarem pesquisas com as mesmas características e padrões, subsidiando a elaboração e o planejamento das políticas públicas, em conformidade com as necessidades da população brasileira
DETERMINAÇÃO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS NA SALIVA: Efetividade de método de triagem e análise confirmatória. Objetiva estimar o impacto do uso de bebidas alcoólicas e outras substâncias psicoativas no trânsito brasileiro, a fim de auxiliar na criação de políticas públicas visando à redução dos acidentes de trânsito. Em uma etapa inicial de trabalho, realizada através da coleta de 100 amostras de saliva de motoristas profissionais na região de Porto Alegre, entre agosto e setembro de 2008, obteve-se os seguintes resultados: 1,6% cocaína, 0% anfetamina, 0,8% benzodiazepínicos, 5,2% THC, quando analisadas pelo teste de ELISA. No entanto, sabe-se que os derivados anfetamínicos (chamados rebites) são largamente utilizados por estes profissionais. Assim, estes resultados colocam em dúvida a aplicabilidade dos kits utilizados para análise de anfetaminas no que se refere à detecção de derivados anfetamínicos.[6]”
Percebemos que a violência no trânsito brasileiro também é alvo de preocupação, análise e estudos da comunidade científica.
O CRIME DE DIRIGIR SOB INFLUÊNCIA DE SUBSTÂNCIA PSICOATIVA
Dirigir veículo sob influência de substância psicoativa é crime previsto no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97) com redação dada pela Lei 11.705/08: Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência. A primeira parte do artigo se refere ao crime de embriaguez ao volante, e é necessária a comprovação por meio de exames do limite mínimo da concentração de álcool no sangue do motorista. A segunda parte diz respeito às drogas, isto é, qualquer outra substância psicoativa que determine dependência. A expressão substância psicoativa[7] (substâncias que ao entrarem em contato com o organismo, sob diversas vias de administração, atuam no sistema nervoso central produzindo alterações de comportamento, humor e cognição, possuindo grande propriedade reforçadora sendo, portanto, passíveis de auto-administração - OMS, 1981) é genérica, englobando também as substâncias entorpecentes e as que causam dependência física ou psíquica.
Para que ocorra o crime é preciso que o motorista esteja sob efeito de drogas e dirija o veículo, na via pública, de forma “anormal”, isto é, em zig-zag, avançando o sinal vermelho do semáforo, na contramão de direção, com excesso de velocidade, etc., conforme o entendimento do Professor Luiz Flávio Gomes:
O que significa estar "sob a influência" de uma substância psicoativa? O estar "sob influência" exige a exteriorização de um fato (de um plus) que vai além da embriaguez, mas derivado dela (nexo de causalidade). Ou seja: não basta a embriaguez (o estar alcoolizado), impõe-se a comprovação de que o agente estava sob "sua influência", que se manifesta numa direção anormal (que coloca em risco concreto a segurança viária). Note-se, não se exige a prova de risco concreto para uma pessoa determinada. Não é isso. Basta que a direção tenha sido anormal (em zig-zag, v.g.): isso já é suficiente para se colocar em risco a segurança viária. Em outras palavras: não se trata de um perigo concreto determinado (contra pessoa certa), sim, de um perigo concreto indeterminado (risco efetivo para o bem jurídico coletivo segurança viária, mesmo que nenhuma pessoa concreta tenha sofrido perigo).[8]
Por óbvio, o legislador não estabeleceu limite mínimo para a concentração da substância psicoativa no sangue do motorista, ao contrário do fixado para o álcool, por isso, para a devida caracterização do crime, é preciso a prova de que o condutor fez uso da droga e também a ocorrência da condução “anormal” do veículo na via.
Diz o Código de Trânsito Brasileiro:
“Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:
Infração - gravíssima;
Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses;
Medida Administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação.
Parágrafo único. A embriaguez também poderá ser apurada na forma do art. 277.
Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado.
§ 1o Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos.
§ 2o A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor.
§ 3o Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo.”
Verifica-se que o termo de constatação, documento hábil a constatar que o motorista apresenta notórios sinais de embriaguez ou de uso de substâncias psicoativas, como trataremos a seguir, é usado apenas quando ele se nega a fazer os outros testes, exames e perícias, e serve somente para caracterizar a infração administrativa do art. 165 CTB, não o crime.
DA FISCALIZAÇÃO DO ATO DE DIRIGIR SOB INFLUÊNCIA DE SUBSTÂNCIA PSICOATIVA
A segurança pública é, sem sombra de dúvida, um dos temas mais preocupantes na vida do brasileiro. No trânsito não é diferente. Inúmeras são as causas determinantes de acidentes automobilísticos e entre elas está a de o motorista dirigir sob efeito de álcool ou outra substância psicoativa.
A fiscalização rotineira no trânsito, no que se refere ao estado e conduta do motorista, se dá pelo elemento humano. É o servidor público (agente de trânsito, policial militar, policial rodoviário, etc.) que, ao realizar a abordagem de um veículo, faz uma breve entrevista com o condutor e daí conclui sobre as condições deste. Essa fiscalização é feita nos trechos urbanos (ruas, avenidas, etc.) pelos agentes de trânsito, policiais militares, etc. e nos trechos urbanos e rurais (rodovias e estradas), normalmente pelos policiais rodoviários.
Ao abordar um motorista durante uma fiscalização, percebendo o agente público indícios de que o condutor está sob efeito de alguma substância psicoativa, irá retê-lo momentaneamente e proceder à realização de determinadas condutas. Se a desconfiança é de que o motorista está dirigindo embriagado, pelos indícios apresentados (fala, hálito, caminhar, cor da face, vestes, comportamento, etc.) será convidado a realizar o teste do etilômetro (bafômetro). Na recusa do motorista em se submeter a tal teste, será feito novo convite para, junto ao perito médico competente (normalmente em repartições do instituto médico legal), fazer a colheita de material para exames laboratoriais (sangue ou urina) para a averiguação de possível ingestão de álcool, e o exame clínico, também feito pelo médico. Negando-se o motorista a se sujeitar a qualquer desses procedimentos e apresentando ele notórios sinais de embriaguez, o agente público procede ao preenchimento de um termo de constatação onde, juntamente com duas testemunhas, conclui que o condutor estava dirigindo sob efeito de álcool e toma as medidas administrativas (art. 165) elencadas no Código de Trânsito Brasileiro. Neste caso não se procede às medidas na esfera penal, já que não se tem como mensurar a concentração de álcool no sangue do motorista fiscalizado.
Quanto ao procedimento referente ao uso de outra substância psicoativa que não o álcool (cocaína, crack, maconha, LSD, ecstasy, heroína, haxixe, etc.), o procedimento é semelhante, diferindo em alguns aspectos. O condutor alvo de fiscalização, em suspeita de estar dirigindo sob influência de entorpecentes, tóxicos ou substância análoga (pelos sinais notórios) será submetido aos testes já descritos no art. 277 CTB. Na negativa dele em realizá-los o agente público lavra o termo de constatação e toma as providências administrativas (art. 165 CTB). Se o motorista faz algum daqueles testes (colheita de material para exames laboratoriais e ou exame clinico) e há a constatação de que ele fez uso de drogas, então subsiste além da infração administrativa o crime do art. 306, última parte, do CTB.
Como dissemos, para outra substância psicoativa a Lei não determinou limite mínimo, logo, qualquer quantidade usada configurará o ilícito se preenchidas as outras premissas: a conduta do motorista tem de ser “anormal” (zig-zag, contramão, excesso de velocidade, frenagem brusca, cavalo de pau, etc.), onde se configura o ato de dirigir “sob influência”, e a comprovação pelo agente público de que o motorista fez uso de drogas, através dos exames previstos. Aqui verificamos que o chamado termo de constatação não se presta como prova material para a configuração do ilícito penal, haja vista ter o legislador limitado o alcance de tal instrumento apenas para a caracterização da infração administrativa do art. 165 CTB.
Nota-se que o agente público possui meios para coibir essas condutas apenas na seara administrativa. Entretanto, quando se trata da configuração do crime de dirigir sob influência de substância psicoativa, a decisão passa para a esfera privada do próprio, em tese, autor do delito, pois ele se submete aos diversos exames para a constatação do uso de drogas se quiser fazê-lo.
AS SANÇÕES PENAIS DO CRIME DE DIRIGIR SOB INFLUÊNCIA DE SUBSTÂNCIA PSICOATIVA.
A jurisprudência referente ao crime de dirigir sob influência de outra substância psicoativa é pródiga. Ao contrário do que ocorre com o álcool onde, dentre os vários instrumentos eficazes para constatar o crime, o uso do bafômetro é bastante comum, para a comprovação do uso de outras drogas a conduta é mais complexa. É preciso que o motorista autorize a colheita de sangue ou urina para exames laboratoriais ou se submeta ao exame clínico realizado pelo médico perito.
A Lei 11.705/2008 passou a autorizar o uso de outras provas em Direito admitidas apenas no âmbito administrativo (art. 165). Na sua antiga redação, o dispositivo previa que “na recusa do condutor em se submeter aos testes, a infração poderá ser caracterizada mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas pelo agente de trânsito acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor resultante do consume de álcool ou entorpecentes..., e assim, como não havia limite mínimo de concentração de álcool no sangue para a configuração do crime sendo suficiente o atestado de embriaguez e a exposição a dano potencial, também incorria no crime aquele motorista que estava sob influência de drogas, bastando para tanto o termo de constatação confeccionado pelo agente de trânsito. Nesse sentido, colamos acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME DE TRÂNSITO (ART. 306, CAPUT , Lei N. 9.503/97) - PRELIMINAR AFASTADA - ACUSADO QUE, SOB EFEITOS DE SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES, CONDUZ VEÍCULO AUTOMOTOR EM VIA PÚBLICA - FATO QUE, POR SI SÓ, PÕE EM RISCO A INCOLUMIDADE PÚBLICA, PRESCINDINDO DO PERIGO CONCRETO - MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS - EXAME DE EMBRIAGUEZ QUE CONFIRMA O EFETIVO ESTADO DO ACUSADO - CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL CORROBORADA PELOS DEPOIMENTOS DAS TESTEMUNHAS E PELAS DEMAIS PROVAS COLHIDAS EM JUÍZO - RETRATAÇÃO EM JUÍZO DISSOCIADA DO CONTEXTO PROBATÓRIO - PALAVRA DOS POLICIAIS QUE EFETUARAM A PRISÃO EM FLAGRANTE ISENTOS DE MÁCULA E EM HARMONIA COM O CONJUNTO PROBATÓRIO - PROVA BASTANTE PARA A CONDENAÇÃO - CONDUTA REALIZADA EM LOCAL DE ACESSO AO PÚBLICO - ELEMENTOS DO TIPO PENAL CARACTERIZADOS - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. Extrai-se dos autos, que no dia 11 de agosto de 2005, por volta das 23h20min, após fumar um cigarro de maconha, o denunciado [...] conduzia o veículo GM/Monza, [...], pelo pátio do estabelecimento comercial Auto Posto [...], neste município. Naquela oportunidade, o denunciado realizou manobras perigosas na direção de seu automóvel, chegando a colidir contra um ônibus que estava estacionado no local. Em seguida, policiais militares abordaram o denunciado e constataram que o mesmo efetivamente encontrava-se em sob efeito de substância entorpecente. Desta forma, o denunciado conduzia veículo automotor sob a influência de substância entorpecente, de efeitos análogos ao álcool, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem. [...] A materialidade delitiva vem demonstrada pelos Boletins de Ocorrência (fls. 7-9), Ficha de Ocorrência Policial (fl. 18) e Auto de Constatação de Embriaguez (fl. 19). APELAÇÃO CRIMINAL SC 2008036903-2. RELATOR: Des. SOLON D’EÇA NEVES. 08/01/2009.
Com a nova redação do art. 306, para a configuração do crime de embriaguez basta a comprovação do quantum de álcool existente no sangue do motorista, o que pode se dar pelo simples teste no bafômetro. Entretanto, ao se tratar de outra substância psicoativa, além da conduta “anormal” do motorista é preciso a comprovação material de que ele está sob efeito de tal substância (cocaína, maconha, crack, LSD, esctasy, etc.), o que só se fará se ele aceitar fazer os exames. E como dissemos acima, a decisão de tomar ou não essa conduta é da esfera privada do motorista infrator.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trânsito no Brasil continua fazendo milhares de vítimas anualmente. Os mortos chegam a 35 mil por ano; os traumatizados e sequelados, tanto física quanto psicologicamente, são em número bem mais expressivo. A denominada “lei seca”, que veio com a intenção de diminuir essa carnificina, na verdade teve efeito contrário. Juridicamente, com a nova tipificação do art. 306 do CTB trazendo um limite mínimo para a caracterização do crime de embriaguez (0,6 dc/L), em todos aqueles processos onde as denúncias tiveram a materialidade comprovada por exame clínico ou termo de constatação, e que ainda não haviam transitado em julgado com a vigência da nova lei, houve a chamada abolitio criminis, isto é, tornou tal conduta atípica, penalmente irrelevante. Quanto ao fato de dirigir sob influência de outra substância psicoativa, a nova Lei tornou a prova da materialidade do delito uma decisão atinente à esfera de vontade do próprio, em tese, autor da infração penal, haja vista que ele só se submeterá à realização dos diversos exames se assim o desejar.
Em nossa modesta opinião o caminho mais eficaz para obter-se resultados significativos, tendo em vista que a maioria da população brasileira é composta pelas classes baixa e média, é um aumento vertiginoso no valor das sanções administrativas (multas) referente a essas infrações (embriaguez e drogas ao volante). Acreditamos que se o motorista for severamente punido (financeiramente) ao praticar essas condutas, a tendência natural será uma diminuição considerável de tais eventos, resultando assim num trânsito mais civilizado.
NOTAS
[1] Policial Rodoviário Federal. Especialista em Direito Público e Especialista em Direito Penal e Processual Penal.
[2] Drogas ilícitas e trânsito: problema pouco discutido no Brasil. PONCE, Julio de Carvalho, e Vilma Leyton. Revista de Psiquiatria Clínica – USP SP. Disponível em: http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol35/s1/65.htm. Acesso em: 02/08/10.
[3] Idem
[4] Ibidem
[5] 10 Drogas, que não se pode usar... ... ao dirigir. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=tktl6MQK-Yg Acessado em 30/07/10.
[6]LIMBERGER, Renata Pereira. DETERMINAÇÃO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS NA SALIVA: Efetividade de método de triagem e análise confirmatória. Projeto de pesquisa 2008-2012. Disponível em: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4791855J3 Acesso em 31/07/10.
[7] AZEVEDO, Renata. Tese de doutorado: Aids e usuários de cocaína: Um estudo sobre comportamentos de risco. Disponível em: http://www.prdu.unicamp.br/vivamais/Substancias_Psicoativas.pdf Acesso em 22/06/10.
[8] GOMES, Luiz Flávio. Reforma do Código de Trânsito (Lei nº 11.705/2008): novo delito de embriaguez ao volante. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1827, 2 jul. 2008. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11453 Acesso em: 04 ago. 2010.
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