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A aplicação do princípio da irretroatividade das nulidades nos contratos de trabalho envolvendo o jogo do bicho


Autoria:

Marcello Albuquerque De Miranda


Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Jorge Amado (UNIJORGE), Advogado, sócio do Escritório Vidal & Albuquerque advogados assossiados, pós-graduando em Direito Imobiliário pela UNIFACS.

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Resumo:

O presente estudo parte da realidade de proibição normativa em contraposição a inércia reguladora do Estado para, assim, defender a possibilidade de reconhecimento de vinculo trabalhista de apontadores do jogo do bicho em face de seus empregadores.

Texto enviado ao JurisWay em 17/05/2010.

Última edição/atualização em 19/05/2010.



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1 INTRODUÇÃO

 

 

O estudo em questão toma como ponto de partida e objeto de análise, a relação existente entre o bicheiro, ou dono da banca (aquele que explora a atividade denominada de jogo do bicho) e seus Apontadores (indivíduos que realizam o recolhimento das apostas em favor do explorador da atividade).

As reflexões que se seguirão, têm como norte a verificação da possibilidade de reconhecimento de direitos trabalhistas dos apontadores do jogo do bicho, usando-se para tanto, da aplicação do princípio da irretroatividade das nulidades em face das referidas tratativas de âmbito laboral.

Especificamente neste estudo, embora em alguns momentos, inevitavelmente sejam questionados os fatos motivadores para a manutenção da ilegalidade de tal atividade, ainda assim, não se objetivará com isso, encontrar meios para uma eventual legalização do jogo do bicho.

O estudo aprofundado destas relações a qual se destina a presente Monografia analisará a necessidade de adequação do aparato regulador do Estado com vistas a promover um justo e efetivo desestímulo à atividade contraventora em questão, enquanto assim se caracterizar frente ao ordenamento jurídico pátrio.

As análises que se seguirão emanam da necessidade de se discutir a matéria em função do número considerável de demandas propostas perante a justiça do trabalho visando o reconhecimento do vínculo trabalhista pelos indivíduos que prestam sua força laboral em favor da prática do jogo do bicho.

As divergências interpretativas decorrentes da propositura de tais demandas serão esmiuçadas ao longo dos capítulos subseqüentes, conjuntamente com a devida ponderação dos argumentos favoráveis e contrários a existência de tais direitos.

Utilizar-se-á como elemento norteador, a atenção às peculiaridades dos litigantes envolvidos e suas distintas relações de dependência, assim como, de causa e efeito para a perpetuação desta atividade.

Diante da proposta interpretativa aqui preconizada, surge então a presente indagação: Como é possível a aplicação do princípio da irretroatividade das nulidades nos contratos de trabalho envolvendo o jogo do bicho?

A resposta para tal questionamento tem suas bases em uma construção argumentativa interdisciplinar, analisando as normas e fatos envolvidos, à luz de uma interpretação constitucional, bem como, em conformidade com os demais princípios protecionistas inerentes ao Direito do Trabalho.

Apenas para efeito exemplificativo, verificar-se–á, dentre outros argumentos, a orientação do intérprete do Direito pelo prisma principiológico da proteção ao trabalhador.

Partindo-se das hipóteses nas quais a aplicação do princípio da irretroatividade das nulidades já se encontra devidamente pacificada no âmbito do Direito do Trabalho, o presente estudo tentará chegar a uma interpretação extensiva deste princípio, visando aplicá-lo também nas relações que envolvem o bicheiro e seus apontadores.

Dado à relevância prática que permeia o tema, faz-se mister uma análise para além do estudo doutrinário, oportunidade em que também será objeto de verificação, os confrontos jurisprudenciais ainda hoje existentes, concedendo destaque especial ao posicionamento atual do TST em face da edição da Orientação Jurisprudencial n° 199.

Feitas estas considerações introdutórias, contextualizando em linhas gerais aquilo que será o objeto de estudo da presente Monografia, passa-se então, à análise específica de seu conteúdo na forma dos capítulos adiante elencados.

 

 

2 ASPECTOS CONTRÁRIOS AO RECONHECIMENTO DE DIREITOS TRABALHISTAS

 

 

Todos os aspectos que são levantados em defesa da inviabilidade do reconhecimento de direitos trabalhistas em favor do apontador do jogo do bicho, fundam-se para tanto, na questão da ilegalidade do objeto vinculado ao contrato de trabalho firmado entre estes e o bicheiro.         

Por força da referida ilegalidade que permeia o jogo do bicho, com previsão no Art. 58 do Decreto Lei n° 3.688/41, estes contratos mostram-se carentes de um dos requisitos gerais de validade do negócio jurídico.

Em geral, é com base nesta ilicitude, que se entende a inviabilidade do reconhecimento de direitos trabalhistas em favor dos apontadores do jogo do bicho, entendimento este, que é adotado atualmente pela mais alta corte de Direito trabalhista no Brasil (TST), como adiante será demonstrado.

Visando melhor demonstrar as implicações desta ilegalidade no tocante à produção de efeitos jurídicos dos referidos contratos de trabalho sob análise, necessário se faz um breve estudo dos planos de verificação do negócio jurídico.

 

 

2.1  BREVE ESTUDO DA TEORIA DAS NULIDADES

 

 

A doutrina preconiza que para verificação da produção de efeitos de um determinado negócio jurídico, deve o operador do direito submeter sua análise aos três planos do negócio jurídico. Estes planos constituem, especificamente, a análise de sua existência, validade e eficácia.

Da análise do plano da existência, cabe ao operador do direito verificar a presença de três elementos básicos. Os elementos concernentes a este plano do negócio jurídico configuram-se como seus pressupostos de existência, devendo para tanto, verificar no referido negócio, os elementos da vontade (manifestação livre e desembaraçada dos agentes na vontade da celebração negocial), objeto (a existência de um fim a qual se destina a pactuação) e por ultimo, a forma (meio pelo qual se dá a celebração do negócio jurídico sob análise).

A ausência de qualquer dos elementos citados determina a inexistência do negócio em questão, ou seja, o mesmo nem sequer povoa o plano existencial, sendo assim, incapaz de gerar efeitos jurídicos.

Ao analisar as relações contratuais trabalhistas envolvendo o bicheiro e seus apontadores, desprende-se desta verificação a total observância dos pressupostos de existência do referido contrato, não havendo assim, o que se falar em carência de produção de efeitos jurídicos com base neste plano específico.

Terminada a análise do negócio jurídico à luz do plano da existência, deve-se passar à verificação deste sob o prisma do plano da validade. No âmbito deste segundo prisma de verificação tratar-se-á da verificação da nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico. Para o fim em específico, no plano da validade, deve o aplicador do direito atentar para a presença dos elementos previstos no art. 104 e incisos do C.C.

Os requisitos de validade do negócio jurídico mostram-se como elementos caracterizadores dos pressupostos de existência já analisados. Os requisitos constituem especificamente a celebração por agente capaz (vontade manifestada por agente capaz), objeto lícito, possível e determinado ou determinável (objeto que não possua previsão atentatória ao ordenamento jurídico, que tenha capacidade de ser atingido, bem como, susceptível de determinação) e por fim, forma prescrita ou não defesa em lei (que respeite a forma prevista para a celebração do referido negócio, quando a lei assim exigir, ou ainda, que não se faça por forma que a lei expressamente vede).

Cumpre ressaltar que a distinção entre nulidade e anulabilidade se dá de duas formas, levando-se em consideração respectivamente as causas e efeitos concernentes a estes institutos.

Considerando os aspectos gerais do Direito, tomando-se por base as causas motivadoras, a diferenciação se dá pelo fato da nulidade advir de lei, ou seja, decorre de fato que afronte previsão legal, podendo assim, ser declarada de ofício, já a anulabilidade decorre de afronta à previsão contratual, desta forma, devendo ser argüida pela parte interessada.

Tomando-se como referencial os efeitos advindos dos dois institutos em questão, a diferença repousa no fato da nulidade operar-se ex tunc, ou seja, retroage ao tempo da celebração do negócio jurídico, já a anulabilidade opera efeito ex nunc, assim sendo, reputam-se válidos os efeitos do negócio jurídico até a decretação judicial de sua anulabilidade.

Vale salientar que a teoria das nulidades possui concepção distinta no âmbito do Direito do Trabalho. Em função desta peculiaridade da concepção justrabalhista no âmbito da nulidade, esta especificidade será levantada no Capítulo II desta Monográfico, como elemento capaz de viabilizar o reconhecimento de direitos trabalhistas em favor do apontador do jogo do bicho.

Voltando à análise dos planos do negócio jurídico, recaem sobre o plano da validade, os fundamentos para inviabilizar o reconhecimento de direitos trabalhistas em favor dos apontadores do jogo do bicho, isso na concepção daqueles que assim entendem plausível.

De forma mais precisa, os contratos de trabalho envolvendo o jogo do bicho infringem, especificamente, o requisito do objeto lícito. O que demonstra o posicionamento doutrinário a seguir transcrito:

Embora o ramo justrabalhista tenha elaborado, como sua regra geral, teoria de nulidades específica e distinta, a velha matriz do Código Civil ainda aplica-se em algumas situações de vícios nos elementos constitutivos do contrato de trabalho. É o que se passa no tocante à ilicitude do objeto do contrato empregatício (o chamado trabalho ilícito). (DELGADO, 2009, p. 74)

 

Como já mencionado introdutoriamente neste capítulo, o Decreto Lei n° 3.688/41, mais precisamente em seu art. 58, prevê a ilegalidade da atividade do jogo do bicho. Da análise da citação acima identificada, fica a presente indagação: o jogo do bicho se encaixa nesta previsão genérica de ilicitude, tendo assim, a capacidade de refutar a aplicação da teoria das nulidades específica justrabalhista?

Para responder este questionamento, necessário se faz a análise dos elementos que serão abordados no Capítulo seguinte, no qual assim, buscar-se-á fundamentar a possibilidade de reconhecimento de diretos trabalhistas em favor do apontador do jogo do bicho.

Em face da carência de objeto lícito, o contrato de trabalho envolvendo o jogo do bicho mostra-se inválido e caracterizado como nulo, fato este que inviabiliza a passagem ao plano de verificação posterior que seria o concernente à análise da eficácia do referido contrato. Neste sentido, tem-se:

Primeiramente, há de se examinar o negócio jurídico no plano da existência, e aí, ou ele existe, ou ele não existe. Se não existe, não é negócio jurídico, é aparência de negócio (dito “ato inexistente”) e, então, essa aparência não passa, como negócio, para o plano seguinte, morre no plano da existência. No plano seguinte, o da validade, já não entram os negócios aparentes, mas sim somente os negócios existentes; nesse plano, os negócios existentes serão, ou válidos ou inválidos; se forem inválidos, não passam para o plano da eficácia, ficam no plano da validade; somente os negócios válidos continuam e entram no plano da eficácia. Nesse último plano, por fim, esses negócios, existentes e válidos, serão ou eficazes ou ineficazes (AZEVEDO, 2002, p. 75 apud VELOSO, 2009, p. 80).

 

Resumindo, é em função da forma de aplicação da teoria da nulidade, regra geral ou regra especial justrabalhista, que residem as discussões doutrinárias e jurisprudenciais acerca da possibilidade ou não de reconhecimento de direitos trabalhistas com base nos contratos que têm a atividade do jogo do bicho como objeto.

O tratamento jurisdicional concedido à problemática, aqui objeto de análise, passou por variações interpretativas diametralmente opostas ao longo do tempo. Essa inquietação de entendimentos subsiste até hoje, fato este que será demonstrado no estudo jurisprudencial de que fará uso a presente Monografia.

Vistos e analisados os elementos que influenciam a interpretação normativa daqueles que entendem pela impossibilidade de reconhecimento de direitos trabalhistas em favor dos apontadores do jogo do bicho.

Faz-se mister, para a demonstração da viabilidade de aplicação do princípio da irretroatividade das nulidades às referidas relações, um estudo detalhado dos argumentos capazes de confrontar o entendimento objeto de análise no presente capítulo. Com este intuito, passa-se a partir de então, à verificação destes argumentos, na forma do capítulo subseqüente.

 

 

3 ASPECTOS FAVORÁVEIS AO RECONHECIMENTO DE DIREITOS TRABALHISTAS

 

 

A reflexão acerca dos elementos que serão abordados no presente capítulo tem como ponto de partida, a verificação da realidade conflitante atual, protagonizada pela norma jurídica proibitiva em contraposição à realidade social de permissividade para com o jogo do bicho no Brasil.

O ordenamento jurídico vigente mostra-se contrário à prática do jogo do bicho, ao passo que concede à referida atividade, a mácula de contravenção penal. Em contraposição à referida previsão legal, tem-se a realidade em concreto de uma inércia reguladora do Estado que culmina na prática difundida, “às claras”, deste ilícito no dia a dia da sociedade brasileira.   

O capítulo em questão parte do reconhecimento do caráter contra legem da prática do jogo do bicho frente ao Ordenamento Jurídico brasileiro, para tratar da necessidade de adequação da aplicação prática da norma proibitiva no âmbito das relações trabalhistas que a envolvem.

Para esse fim, analisar-se-á inicialmente essa condição da conduta, apenas em tese reprimida, à luz da realidade dos fatos cotidianos. Em suma, é desse panorama que se faz possível extrair as complicações decorrentes deste conflito de caráter sócio-normativo.

As considerações que se seguirão, terão como norte a harmonização deste conflito que urge por uma solução que esteja voltada para a regulação efetiva desta atividade, consideradas suas peculiaridades que serão abordadas nos tópicos específicos a seguir.

Cada tópico em questão abordará elementos motivadores para o reconhecimento de direitos trabalhistas dos apontadores do jogo do bicho, adotando para tanto um referencial argumentativo interdisciplinar. Terminadas estas considerações iniciais, passa-se agora à análise destes argumentos em específico.

 

 

3.1 A CONTRADIÇÃO SÓCIO-NORMATIVA DO JOGO DO BICHO

 

 

Com relação ao conflito existente atualmente, entre o ordenamento jurídico vigente e a realidade fática de permissividade para com a prática do jogo do bicho, mostra-se necessária a busca dos elementos originários que possibilitaram a referida divergência.

Este tópico destina-se à verificação dos elementos que orientam a criação da norma jurídica, buscando, no nascimento do imperativo normativo que proíbe o jogo do bicho no Brasil, o surgimento de tal embate, já que, em regra, como será adiante demonstrado, o fato precede o Direito.

É certo frisar que a norma jurídica, quando da sua criação, deve atender a requisitos formais e materiais para sua instituição e aplicação social. A observância de tais requisitos influencia sobremaneira na eficácia deste regramento, bem como, na efetividade de sua aplicação prática.

O cumprimento dos requisitos formais mencionados mostra-se de forma geral, como a regularização procedimental e de competência para sua criação. Constitui requisito formal da norma jurídica, a título exemplificativo, a verificação da legitimidade de quem propõe, sua aprovação pelo quorum previsto, entre outros nesta linha.

Os requisitos formais estão ligados diretamente à possibilidade de determinação de nulidade do referido regramento jurídico em caso de inobservância de qualquer dos elementos concernentes a esta espécie.

A regularização formal determina a possibilidade de aplicação da norma no contexto social, mas será sempre precedida pela incidência dos requisitos materiais. “Por isto, é certo afirmar que toda fonte formal já foi uma fonte material. Entretanto, nem toda fonte material chega a se transformar em formal, pois não se tornou coercitiva sobre os agentes sociais, apesar da movimentação desempenhada pelo grupo interessado para tanto” (CASSAR, 2009, p. 43).

Desta forma, os requisitos materiais já mencionados, encontram repouso na observação das referencias morais e dos ideais presentes na sociedade como um todo no momento da implementação das referidas normas.

Esta segunda espécie de requisito para criação da norma jurídica e que, como já anteriormente conclamado, precede os requisitos formais, tem por finalidade viabilizar a aplicação concreta destes regramentos na sociedade. Assim sendo, a doutrina defende que as fontes materiais caracterizam-se como:

 

[...] complexo de fatores que ocasionam o surgimento de normas, envolvendo fatos e valores. São analisados fatores sociais, psicológicos, econômicos, históricos etc., ou seja, os fatores reais que irão influenciar na criação da norma jurídica, fatores que o Direito procura realizar. (MARTINS, 2001, p. 71 apud CASSAR, 2009, p.42)

 

A observância dos requisitos materiais traduz-se como a maneira de se conceder eficácia na aplicação das normas jurídicas. A consideração destes requisitos para fins de criação dos regramentos jurídicos demonstra-se em conformidade com o entendimento de que o Direito mostra-se como a ultima das ciências sociais a incidir sobre as condutas humanas.

Esta incidência da norma jurídica no contexto social decorre de uma demanda socialmente emanada, ou seja, os sujeitos passivos destes imperativos legais, são em sua coletividade, os responsáveis por conceder sustentação material a tais regramentos.

Segundo o que determina parte da doutrina, há quem defenda a relação dos requisitos materiais vinculados à própria legitimidade da norma, ou seja, não estando adstrito só ao âmbito da eficácia, na qual em verdade, “a legitimidade está atrelada ao reconhecimento, no âmbito do Direito, de que esse satisfaz os anseios da população, ganhando o atributo de justo e satisfatório” (WOLKMER, 2003, p. 239).

Nesta mesma linha argumentativa, que vincula os requisitos materiais à própria legitimidade dos imperativos jurídicos, tem-se que, “a lei deverá representar a vontade da sociedade, devendo o seu aplicador, através do processo hermenêutico, tentar melhor subsumir a norma ao fato concreto na busca da justiça social” (CHACON, 2003, p. 01).

Destes entendimentos doutrinários se retira um ponto importante da questão conflituosa que envolve o tema em análise. Este conflito se perfaz pela sensação social de injustiça da norma jurídica que determina o caráter contraventor do jogo do bicho.

Esta contradição se agrava ainda mais quando se analisa os efeitos desvirtuados desta ilegalidade, que em âmbito prático não atinge com efetividade os reais contraventores (Bicheiros). Em face desta necessidade de adequação prática da norma, como uma resposta, ao menos mais eficiente à referida conduta, tem-se a seguir o posicionamento doutrinário que visa um embasamento argumentativo necessário nesta linha:

 

[...]a justiça é a primeira virtude das instituições sociais, como a verdade é para o pensamento. Uma teoria que, embora elegante e econômica, não seja verdadeira, deverá ser revista; da mesma forma, leis e instituições, por mais eficientes e engenhosas que sejam, deverão ser reformuladas ou abolidas se forem injustas. (RAWLS, 1981, p.27. apud. LINS FILHO 2003, p. 02)

 

Ao analisar a citação acima, verifica-se a busca da justiça por intermédio da observância dos requisitos materiais existentes. Defende ainda a relativização da aplicação das normas quando conflitantes com tais requisitos, ainda que tais regramentos sejam eficientes em seus propósitos.

O que se pode falar então, quando um determinado imperativo legal, além da ausência de requisitos materiais que lhe concedam legitimidade e eficácia, mostra-se ao mesmo tempo, ineficientes em seus próprios propósitos reguladores?

Este questionamento levantado traduz em síntese a realidade atual da norma jurídica que proíbe o jogo do bicho no Brasil. A referida contravenção encontra-se historicamente arraigada no âmago social, bem como, os métodos reguladores do Estado mostram-se ineficientes, quando não verdadeiramente inexistentes, para combater tal prática.

Trazendo a questão destes requisitos necessários à criação da norma jurídica, para o viés mais específico do Direito do Trabalho e da relação envolvendo o bicheiro e seus apontadores, mostra-se igualmente necessária a adequação do tratamento concedido a estas relações.

O Direito do trabalho não foge à regra geral de requisitos para criação e modificação da norma jurídica. A observância dos requisitos materiais e formais, da mesma maneira orienta os imperativos normativos trabalhistas, como pode ser verificado no seguinte posicionamento doutrinário:

 

Em resumo, a fonte material de Direito do Trabalho é a ebolição social, política e econômica que influencia de forma direta ou indireta na confecção, transformação ou formação de uma norma jurídica. Afinal, as leis são confeccionadas para a satisfação dos apelos sociais e, o direito, para satisfazer a coletividade (CASSAR, 2009, p. 43).

 

Quando se analisa o posicionamento doutrinário acima citado, verifica-se a possibilidade de atualização interpretativa da norma jurídica como forma de se adequar a mesma à realidade social vigente, buscando desta maneira alcançar maior eficácia e justiça em sua aplicação.

O problema que se coloca para a adequação interpretativa da norma como forma de se atingir um ideal de justiça, concretiza-se na concepção da aplicação da segurança jurídica como o meio adequado para se chegar ao referido ideal, usando-se para isto de um prisma positivista ideológico.

A concepção de segurança jurídica, em breve e objetiva definição, demonstra-se como a uniformização de tratamento acerca de um mesmo fato, objetivando a possibilidade do sujeito passivo das normas jurídicas, antes mesmo da realização de uma dada conduta, possa saber o tratamento concedido pelo Estado a esta.

A idéia de segurança jurídica filia-se em termos gerais a uma noção de previsibilidade na aplicação do poder estatal, na qual para haver certeza do conteúdo do direito a norma tem que ser de conhecimento público e aplicável a todos na mesma situação e condição, bem como, deve ser aplicada de forma regular de acordo com o que ela prevê.

A aplicação positivista ideológica da segurança jurídica como forma de se atingir a justiça detém alguns percalços, ao passo que, "o problema que se enfrenta é de saber se existe alguma forma de razão, totalizadora e unificadora, que seja para o direito uma espécie de código doador de sentido [...] o direito deve ser justo ou não haveria sentido a obrigação de respeitá-lo” (FERRAZ JUNIOR, 1995, p. 350).

Ainda nesta linha, tem-se que, "a justiça, antes de ser uma conformidade à lei positiva, implica a conformidade desta aos imperativos éticos, os únicos que podem obrigar os indivíduos sem prejuízo de sua liberdade, isto é, respeitando-os como fins e não como meios" (REALE, 1990, p. 17-18. apud. LEITE, 2000, p. 03).

Essa ressalva que envolve a aplicação da segurança jurídica mostra-se necessária na análise concernente ao tema ora proposto, em função de alguns doutrinadores entenderem a atualização interpretativa como uma afronta à tripartição dos poderes, concedendo efeito legislativo ao Poder Judiciário. Em verdade, tal afronta só se verificaria se esta interpretação se fizesse livremente sem um viés metodológico.

Para evitar a extrapolação funcional do Judiciário, bem como, concomitantemente, combater o engessamento dos regramentos jurídicos com o decurso do tempo, deve-se adotar um referencial interpretativo teleológico. A interpretação teleológica das normas jurídicas trata da função do intérprete como aquele que deve orientar-se pelos fins perseguidos pelo referido regramento, não atendo-se meramente ao que literalmente descreve o texto normativo. Do mesmo modo, este viés interpretativo não afasta a segurança jurídica.

Sendo assim, mostra-se importante frisar que a segurança jurídica não pode ser vislumbrada como um fim em si mesma. A aplicação objetiva da norma como segurança jurídica, em verdade, pode dar ensejo à concepção contrária, mostrando-se desta forma, diametralmente oposta à própria expectativa do que venha a ser entendido por justo.

Esta aplicação objetiva da lei positivada, por sua vez, encontra contraposição no que se entende, como já mencionado, pela interpretação teleológica das normas jurídicas, na qual tem-se que:

 

[...] os fins sociais e as exigências do bem comum devem pautar a interpretação de uma norma, que se for de cunho trabalhista deve respeitar também o interesse público e social. Tal fim dirige o intérprete para o caminho da justiça ao invés de prestigiar a literalidade da letra fria da lei. Por isso, a norma trabalhista é inderrogável em face de seu interesse público e protetivo ao trabalhador – arts. 8° e 9° da CLT (CASSAR, 2009, p. 102).

 

A aplicação objetiva da segurança jurídica, como meio de se alcançar a justiça, pode determinar o risco de transformar o operador do Direito em mero aplicador das normas vigentes, sob a égide de um tratamento positivista ideológico.

A adoção deste referencial doutrinário, termina por confundir Direito e segurança jurídica. Esta concepção implica no engessamento do ordenamento jurídico, dificultando a aplicação da norma quando verificada a evolução das condutas sociais no decurso do tempo.

Tal posicionamento daria margem à configuração como justa de atividades jurisdicionais historicamente execráveis. Exemplificativamente, visando demonstrar a desvirtuação da justiça em conseqüência da referida concepção, claro, que guardadas as devidas proporções, poder-se-ia citar o holocausto perpetrado pela social democracia alemã, praticado em conformidade com a legislação nazista então vigente. Assim sendo, nota-se com clareza os riscos de se adotar tal referencial doutrinário como o mais apropriado para se perseguir o ideal de justiça.

Em verdade, mostra-se de bom grado, a necessidade da adoção de um referencial doutrinário fincado em base positivista metodológica. Este referencial tem como objetivo a aplicação da norma jurídica positivada, mas possibilitando a relativização de sua aplicação ao caso concreto, quando necessário para a aproximação de um ideal de justiça moralmente presente na sociedade como um todo.

Na busca por uma construção argumentativa que venha possibilitar atenuar este conflito pratico teórico, objeto do presente tópico, o trabalho monográfico em questão passará, a partir de então, a analisar os elementos diretamente relacionados às questões envolvendo a possibilidade de reconhecimento de direitos trabalhistas em favor do apontador do jogo do bicho, quando este em litígio com o bicheiro.

 

 

3.2 O DIREITO CONSTITUCIONAL AO TRABALHO

 

 

O exercício de uma atividade laboral apresenta-se como um direito social previsto constitucionalmente, mais precisamente no Art. 6° da carta magna. Em face desta determinação constitucional, faz-se necessário algumas considerações acerca do tratamento peculiar que deve ser concedido ao trabalho.

Ainda que verificada tal determinação, há de se vislumbrar com cautela a possibilidade de aplicação prática dos efeitos da referida previsão. Não parece condizente nem lógico defender o reconhecimento do vínculo trabalhista dos Apontadores do jogo do bicho, com base, tão somente, no descumprimento do dever constitucionalmente previsto de provimento do trabalho por parte do Estado.

O reconhecimento da existência de direitos trabalhistas, em face das demandas objeto da presente análise, ainda que careçam, para fins de um reconhecimento jurídico, de uma fundamentação para além da previsão pura e simples deste dever de cunho social de titularidade do Estado, ao mesmo tempo, não se pode desconsiderar tal prerrogativa.

Deve-se em verdade, aliar tal previsão constitucional, à aplicação da norma ao caso concreto. Objetiva-se com esta fundamentação, nas demandas em que se mostrarem inteiramente presentes os elementos configuradores da relação de trabalho de uma forma geral (basicamente: subordinação, onerosidade, pessoalidade e continuidade), possibilitar o reconhecimento de direitos trabalhistas dos apontadores do jogo do bicho.

É certo, que as relações aqui objeto de análise, fundam-se em um objeto ilícito.  Esta ilicitude deve ser tratada em conformidade com os fundamentos do tópico precedente e das demais peculiaridades que se verificarão neste e nos tópicos subseqüentes.

Analisando tal ilicitude no bojo da construção doutrinária que aqui se apresenta, em face da peculiaridade prática da referida contravenção, deveria o Estado, manter os efeitos do contrato até o momento da sua decretação judicial de nulidade. A adoção desta conduta pelo Estado, mostra-se como uma forma de se promover a justiça social e realizar conjuntamente a efetiva regulação da atividade.

Esta postura jurisdicional do Estado, aqui defendida, mostra-se, ao passo que se observa os reflexos práticos de tais provimentos, como uma forma mais eficaz no que concerne ao desestimulo à própria perpetuação da referida atividade ilegal.

O referido desestímulo, se adotada tal postura, se verifica em face dos dois pólos litigantes. Para viabilizar esta concepção, tem-se que, “esta é a tarefa mais importante do moderno aplicador do direito, que deve procurar, através da ferramenta disponível – o processo – concretizar as mudanças necessárias, em busca da paz social, ajustando a norma jurídica à realidade” (PESSOA, 2008, p. 30).

A proteção constitucional ao trabalho vai além, pregando em verdade, o direito ao efetivo trabalho. O provimento do efetivo trabalho demanda do Estado, a adoção de mecanismos necessários para oferecer não só o trabalho puro e simples, mas mecanismos que sejam capazes de fomentar a ampliação e formalização dos postos de trabalho. Dessa forma, a Constituição persegue a criação de postos de trabalho fundados em bases legais, visando à redução da informalidade.

Deve-se atentar que o fomento do trabalho formal constitui um mecanismo que visa garantir direitos ao trabalhador. Este mecanismo não pode ser interpretado em malefício daqueles que encontram-se na informalidade, deve-se vislumbrar como norte a previsão constitucional do direito ao trabalho inerente à todos sem qualquer distinção.

A formalização dos postos de trabalho, constitui o meio pelo qual se dará o alcance ao referido direito social em sua plenitude, com todos as garantias que o acompanham, tais como, a limitação da jornada, garantia do décimo terceiro salário, direito a férias remuneradas, dentre todos as outras que compõem o corolário de direitos do trabalhador.

É fato que não se pode defender o reconhecimento de direitos trabalhistas concernentes a toda e qualquer atividade, sobretudo quando fundada em objeto ilícito. O que se persegue aqui, é evitar a generalização de tratamento, fruto da inobservância da realidade do caso em concreto, ao passo que as relações trabalhistas são dotadas de uma especificidade deveras peculiar para a qual não devem caber rotulações.

A realidade social e cultural do país não pode ser desconsiderada para fins de verificação das referidas relações. Tratar o apontador do jogo do bicho em pé de igualdade com o dono da banca é fechar os olhos para a peculiaridade das referidas relações. Agir desta forma constitui comungar da idéia de que o indivíduo ao integrar estas tratativas, opta pela atividade contraventora a despeito de outra atividade laborativa regular, a ele disponível, o que seria surreal.

O indivíduo que presta sua força laboral na função de apontador do jogo do bicho, em regra o faz em caráter pessoal, em favor do dono da banca, submetendo-se à subordinação deste, com o dispêndio habitual, mediante uma remuneração muitas vezes em caráter comissionado a título de contraprestação.

Os deveres de titularidade do apontador assumidos perante seus respectivos empregadores, superam enormemente os direitos por eles obtidos em função da ausência de intervenção do Estado em tais relações.

A não incidência reguladora do Estado, nas referidas relações, limitando direitos e obrigações, é reflexo da ilicitude do objeto em questão. Alia-se ainda a este aspecto, a ausência de reprimenda eficaz da referida contravenção. Este conjunto de fatores, termina por influir diretamente no fomento destas relações anômalas, contribuindo, o Estado, para agravar ainda mais o desequilíbrio inerente as tratativas neste âmbito.

Em face deste desequilíbrio exacerbado por força do beneficiamento unilateral proporcionado pelos fatores acima identificados, não parece lógico concluir que alguém opte por tal relação, senão por força de flagrante necessidade e carência de oferta de emprego regular.

Neste sentido protetivo da atividade laboral, por força da relação de dependência, sobretudo econômica, existente no âmbito da esfera trabalhista, deve-se verificar que, “sendo o direito social, em última análise, o sistema legal de proteção dos economicamente fracos (hipossuficientes), é claro que, em caso de dúvida, a interpretação deve ser a favor do economicamente fraco, que é o empregado, se em litígio com o empregador” (CESARINO JÚNIOR, 1957, p. 112 apud. AMARAL, 2001, p. 01).

Nesta mesma linha de pensamento protetivo, em face da dependência, principalmente econômica do empregado face a seu empregador, entende a doutrina que:

 

[...] o salário do empregado, é, antes de tudo, destinado ao seu próprio sustento e ao da família. Com as energias despendidas no trabalho obtém os meios de subsistência, única fonte de renda e de manutenção a que pode aspirar. Daí, a proteção especial dispensada pela lei ao salário [...] (GOMES, 1990, p. 238. apud. BUSTO, 2004, p. 01).

 

Desprende-se, da mesma forma, da Constituição Federal brasileira, o repúdio a qualquer tipo de tratamento discriminatório, em função disso, entende-se que a lei deve ser igual para todos. Partindo desta vedação. O que se pode obter da análise do tratamento jurisdicional divergente, concedido ao apontador e ao bicheiro, quanto aos efeitos da sentença que nega o reconhecimento de direitos trabalhista no âmbito do jogo do bicho?

As decisões neste sentido, terminam por beneficiar o bicheiro pela sua própria torpeza, alegada em juízo, a despeito da punição do apontador, com fundamento no mesmo fato.

Tal provimento jurisdicional vem a servir, tão somente, para contribuição e perpetuação da desigualdade social, sem que atinja qualquer patamar de regulação efetiva da atividade. Desta forma, deve o Estado, primar pela aplicação do princípio da igualdade proporcional como forma de equilibrar, sobretudo, as relações de eminente poder de uma parte em face de outra, conforme preceitua a doutrina. Assim sendo, tem-se que:

 

[...] a absoluta igualdade jurídica não pode, contudo, eliminar a desigualdade econômica; por isso, do primitivo conceito de igualdade, formal e negativa (a lei não deve estabelecer qualquer diferença entre os indivíduos), clamou-se pela passagem à igualdade substancial. E hoje, na conceituação positiva da isonomia (iguais oportunidades para todos, a serem propiciadas pelo Estado), realça-se o conceito realista, que pugna pela igualdade proporcional, a qual significa, em síntese, tratamento igual aos substancialmente iguais. A aparente quebra do princípio da isonomia, dentro e fora do processo, obedece exatamente ao princípio da igualdade real e proporcional, que impõe tratamento desigual aos desiguais, justamente para que, supridas as diferenças, se atinja a igualdade substancial [...] (CINTRA, DINAMARCO e GRINOVER, 1998, p. 53-54. apud. AMARAL, 2001, P. 02).

 

A proteção peculiar destinada às relações de âmbito trabalhista, por força do eminente desequilíbrio existente e especificidade do tema, supera a previsão genérica constitucional. Por força desta peculiaridade, a matéria demandou do Estado um regramento jurídico próprio, que se fez por meio da Consolidação das Leis Trabalhistas. Esta codificação específica de direitos e obrigações que integram as relações de trabalho possui distinções, por força desta especificidade, das relações de caráter eminentemente cíveis.

Antes de adentrar especificamente neste mérito, se fazem necessárias algumas considerações acerca do contrato de trabalho propriamente dito, a fim de se demonstrar o enquadramento da relação entre apontador e bicheiro como possível geradora de efeitos jurídicos nos limites de sua peculiaridade.

 

 

3.3 O CONTRATO DE TRABALHO E SUAS PECULIARIDADES

 

 

O contrato de trabalho deve reger-se prioritariamente pelas normas e princípios do Direito do Trabalho. A CLT determina o conceito de empregado em seu Art. 3° como sendo toda pessoa física que presta serviço de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

Do mesmo modo, em seu Art. 8°, a CLT prevê a subsidiariedade do Direito Civil, que deverá ser aplicado apenas no que não seja incompatível com os princípios fundamentais do Direito do Trabalho.

Neste sentido, tem-se que os requisitos de validade do negócio jurídico, com previsão genérica no C.C., mais precisamente em seu Art. 104, podem e devem ser relativizados quando flagrantemente incompatíveis com os princípios norteadores do Direito do Trabalho.

A relativização dos requisitos previstos no C.C. mostra-se possível por força do caráter subsidiário da legislação comum para tratar de matéria específica trabalhista. É tomando por base este entendimento, que a nulidade no Direito do Trabalho possui caráter distinto no que se refere à incidência de seus efeitos.

Um exemplo desta relativização, é o que ocorre nos contratos de trabalho celebrados por agente incapaz. Tais contratos serão reconhecidamente nulos, mas gerarão efeitos até a data da decretação judicial desta nulidade.

Este relativização da previsão do Art. 104 do C.C., se dá por força da especificidade da matéria trabalhista. Este tratamento jurisdicional já se encontra pacificado na doutrina e jurisprudência, assim como ocorre em outros casos nos quais também incidem nulidades, mas que ainda assim, tais contratos são capazes de surtirem efeitos legais.

Em face desse entendimento é que se faz possível a discussão relativa à extensão interpretativa do princípio da irretroatividade das nulidades, viabilizando assim, falar-se em reconhecimento de direitos trabalhistas em benefício do apontador do jogo do bicho. Este entendimento será objeto de análise específica posterior, mais precisamente no tópico 3.4.6 do presente Capítulo.

Os elementos configuradores básicos do contrato de trabalho são especificamente a subordinação, a pessoalidade, a habitualidade ou não eventualidade e a onerosidade. A presença destes elementos, configura uma relação jurídica como de âmbito trabalhista, bem como, caracterizam a figura do empregado, distinguindo-o de seu empregador.

A subordinação reflete o dever de obediência do empregado às diretrizes e ordens do empregador. Se o empregado presta dever de obediência e segue os mandamentos do explorador da atividade, configura-se desta forma o elemento caracterizador da subordinação.

Neste sentido tem-se que, “a expressão subordinação deriva do termo subordinare (sub – baixo; ordinare – ordenar), isto quer dizer imposição da ordem, submissão, dependência, subalternidade hierárquica.” (CASSAR, 2009, p. 203).Assim sendo, a subordinação reflete o poder diretivo do empregador no controle da exploração da atividade objeto do trabalho.

É por força da subordinação que se faz possível a identificação das formas de dependência do empregado para com o seu empregador, tais com, dependência econômica, técnica e por fim, jurídica. Sendo esta ultima a que de fato sempre se apresentará visível, decorrente diretamente da relação de hierarquia existente no âmbito da relação trabalhista.

Com relação à pessoalidade, esta diz respeito à vinculação do indivíduo, tido como empregado, para com o contrato de trabalho a qual ele se encontra obrigado. Este elemento característico do contrato de trabalho determina que o contrato de trabalho vincula o indivíduo à atividade, de forma que a este cabe desempenhar pessoalmente o labor contratado, ou seja, sem que se possa fazer substituir por outrem à sua livre escolha. Neste sentido a doutrina esclarece que:

 

A pessoalidade não quer dizer que o trabalho só poderá ser desenvolvido, com exclusividade, por aquele empregado, e nenhum outro. Na verdade, o empregador poderá trocar de empregado, seja para substituí-lo no posto de trabalho, seja para cobrir suas faltas, férias ou atrasos.Isto significa que o obreiro pode ser trocado por outro empregado, por escolha do empregador ou com o consentimento deste, mas não pode se fazer substituir livremente por alguém da sua própria escolha, estranho aos quadros da empresa e sem o consentimento do patrão. (CASSAR, 2009, p. 201)

 

No que diz respeito à habitualidade, este elemento por sua vez, trata da relação de prestação contínua do labor no decurso do tempo. Significa dizer que o mesmo não se presta de forma esporádica e aleatória, mas sim vinculada às determinações do empregador que demonstra a necessidade permanente do serviço prestado, e não de forma acidental, assim, tem-se:

 

A expressão não eventual referida no art. 3° da CLT deve ser interpretada sob a ótica do empregador, isto é, se a necessidade daquele tipo de serviço ou mão de obra para a empresa é permanente ou acidental. Não se deve empregar a interpretação literal do referido dispositivo legal, pois conduz à falsa ilação de que o que é episódico e fortuito é o trabalho daquele empregado em relação àquele empregador. (CASSAR, 2009, p. 213)

 

Já no que diz respeito à onerosidade, este elemento se caracteriza pelo fato de que a realização do labor sempre deve acarretar uma contraprestação. Esta contraprestação da qual o indivíduo espera receber pela realização do trabalho, quando de forma regular, sempre deve ter caráter pecuniário, ainda que não o seja em sua totalidade.

Ainda assim, se de forma irregular, o trabalho for remunerado em sua totalidade de forma não pecuniária, poderá se vislumbrar o caráter oneroso da contraprestação. Neste sentido defende a doutrina:

 

Um trabalhador que executar serviços em troca de casa e comida, o faz de forma onerosa. Seu pagamento (salário) é pago sob a forma de utilidade. Apesar de irregular, pois o empregador deveria pagar um mínimo em pecúnia, na forma do art. 82, parágrafo único, da CLT, parte do pagamento foi efetuado, logo, o trabalho se deu de forma onerosa. (CASSAR, 2009, p. 209)

 

O Código Civil brasileiro dispõe de forma genérica sobre a regulamentação dos negócios jurídicos. Para o fim em questão, o referido código prevê em seu Art. 104 incisos I, II e III, os requisitos de validade de tais negócios que são, respectivamente, a celebração por agente capaz, tratar sobre objeto lícito, possível, determinado ou determinável e por ultimo, a observância de forma prescrita ou não defesa em lei.

Não obstante a existência destes requisitos, a matéria envolvendo a relação de trabalho, como já demonstrado por meio das considerações explanadas no princípio deste tópico, consiste de grande especificidade.

Foi em função desta peculiaridade, por força dessa demanda específica, que se vislumbrou a necessidade de regulamentação por meio de um ordenamento jurídico próprio, determinando assim a criação da CLT.

A CLT, como regramento jurídico específico para tratar de matéria trabalhista, possui princípios fundamentais próprios que constituem fontes do Direito do Trabalho devendo assim orientar a correta aplicação dos dispositivos nela contidos. Nesta linha, a CLT prevê a submissão da aplicação supletiva do Direito Comum às diretrizes principiológicas do Direito do Trabalho.

Em função destas especificidades do contrato de trabalho, bem como, da supletividade da aplicação do direito comum neste âmbito, demanda-se de igual maneira, uma aplicação distinta do art. 104 do C.C. nas demandas trabalhistas.

A ausência de algum dos requisitos gerais de validade do contrato, que ordinariamente, se submetido ao crivo do Judiciário cível, determinaria a nulidade do mesmo inviabilizando a geração de efeitos jurídicos, na esfera trabalhista, a ausência de um destes requisitos continuará levando à nulidade do contrato, mas este ainda assim poderá gerar seus efeitos.

A existência da possibilidade de um contrato nulo passível de gerar efeitos jurídicos é o ponto chave para se discutir a viabilidade da existência de direitos trabalhistas de titularidade do apontador do jogo do bicho.

A possibilidade de reconhecimento de direitos acima prevista, decorre logicamente, da observância de uma serie de fatores, entre eles, o mais relevante, consiste na verificação caso a caso destas reclamações trabalhistas propostas.

A análise casuística defendida, presta-se à constatação dos elementos caracterizadores do contrato de trabalho no âmbito das relações entre apontador e bicheiro. Confirmada a presença de tais elementos configuradores, deveria o Juiz, tratar da ilegalidade do objeto, quando possível, apenas como fato motivador para a decretação de nulidade do contrato, mantendo os seus efeitos até a decretação do referido provimento jurisdicional.

A adoção deste posicionamento deve atentar, da mesma forma, à peculiaridade jurídica da ilegalidade que macula o jogo do bicho. A atividade ilegal em questão trata-se de uma contravenção penal, diverso assim, da previsão referente à atividade criminosa. Este aspecto diferenciador dos institutos penais aqui levantados, será especificamente abordado no tópico 3.5 do presente capítulo.

Ao submeter tal concepção à realidade das relações entre bicheiro e apontadores, em regra, verifica-se a presença de todos os elementos caracterizadores de uma relação de emprego regular. Assim sendo, a adoção do posicionamento a que se propõe este capítulo possui muito mais poder de repressão à atividade ilegal em questão, do que promover o enriquecimento ilícito do bicheiro, como ocorre com a postura hoje preponderante, da qual tratou-se no capítulo precedente.

Ainda no que diz respeito à verificação das peculiaridades do contrato de trabalho. No que compete em âmbito específico à relação entre apontador e bicheiro, mostra-se inafastável, para efeito de reconhecimento do vínculo, o entendimento dos costumes como fonte do Direito do trabalho. Desta forma tem-se:

 

A qualidade e a função dos costumes como normas jurídicas autônomas, vocacionadas a suprirem lacunas percebidas nas fontes jurídicas principais do sistema, são referidas pela legislação trabalhista não apenas genericamente (através do mencionado art. 8° da CLT), como também de modo tópico e específico. (DELGADO, 2009, p. 154)

           

Reitera-se a necessidade de reconhecimento de direitos trabalhistas em favor do apontador do jogo do bicho. Deve-se atentar mais uma vez, para a flagrante permissividade que permeia a referida atividade ilícita.

A atividade centenária do jogo do bicho encontra-se, como já mencionado, inequivocamente enraizada no costume popular, fato este que clama pela adoção de uma postura condizente por parte do Estado. A inércia reguladora estatal neste âmbito, serve tão somente para incentivar a existência de relações anômalas tais quais as que envolvem o bicheiro e seus empregados.

Como elemento agravante, tem-se ainda o fato da pouca regulação existente pesar prioritariamente sobre os ombros do hiposuficiente.

Ainda no que pesa em relação à supletividade aplicativa do Direito Comum no âmbito trabalhista, há de se vislumbrar o seguinte entendimento doutrinário:

 

[...] ao contrário do verificado no Direito Civil, os costumes trabalhistas contra legem podem ter plena validade, desde que respeitado o critério hierárquico especial vigorante no Direito do Trabalho. Desse modo, consubstanciando o costume trabalhista, norma jurídica mais favorável do que a oriunda do preceito legislativo prevalece sobre este, com caráter de imperatividade. (DELGADO, 2009, p. 154)

 

O posicionamento acima declinado demonstra claramente a possibilidade de reconhecimento de direitos trabalhistas mesmo em face da existência de nulidade que macule o contrato, usando para tanto dos costumes como fonte subsidiária do Direito do Trabalho. Exemplo claro disso, traduz-se pela possibilidade de geração de efeitos jurídicos de contrato de trabalho celebrado por agente incapaz (abordado especificamente no tópico 3.4.6 desta Monografia).

Cumpre mencionar ainda, que embora citado que os costumes contra legem podem ter plena validade, via de regra a doutrina entende não aplicar-se aos casos envolvendo objeto ilícito. Assim tem-se:

 

Tal critério de aferição de validade apenas não subsiste se o conflito normativo instaurar-se com respeito a normas proibitivas do Estado, que sempre hão de prevalecar em face do matiz soberano de que tais normas se encouraçam em sua incidência sobre os casos concretos. (DELGADO, 2009, p. 154)

 

No que cumpre à ilicitude do jogo do bicho, esta deve ser verificada à luz das peculiaridades que a permeiam. Não cabe aqui a generalidade de todo e qualquer ilícito. O Estado não pode eximir-se da responsabilidade decorrente de sua contribuição histórica para o surgimento e perpetuação destas relações anômalas que gravitam em torno da atividade do jogo do bicho.

Não se pode privilegiar, sobretudo na Justiça do Trabalho, ramo do Direito que tem como um de seus princípios basilares a primazia da realidade (abordado especificamente no tópico 3.4.4 desta Monografia), a aplicação rigorosa de uma norma flagrantemente ineficaz, que curva-se em âmbito prático à imperatividade do costume social.

Em caso de manutenção deste entendimento para as demandas envolvendo o jogo do bicho, a Justiça será cega apenas para a parcela correspondente à inequívoca responsabilidade estatal, em contrapartida, retirará sua venda para enxergar o apontador do jogo do bicho, hiposuficiente em tais relações, como o único responsável e merecedor de punição pela prática do referido ilícito.

À luz desta realidade, reitera-se a necessidade de consideração dos costumes para efeito de aplicação da irretroatividade das nulidades nas relações de cunho laboral envolvendo o jogo do bicho, buscando assim, a prevalência de uma prestação jurisdicional compatível com um ideal de justiça melhor apurado.

Diante das questões até aqui analisadas, mostra-se imprescindível, um estudo dos princípios de âmbito trabalhista que se relacionam de alguma forma com as referidas tratativas, buscando, sobretudo, uma melhor adequação da aplicação supletiva do Direito Comum na esfera jus laboral como assim prevê a CLT.

 

 

3.4 OS PRINCÍPIOS TRABALHISTAS APLICÁVEIS

 

 

Como já mencionado anteriormente, a CLT prevê expressamente em seu art. 8°, a necessidade de adequação da aplicação normativa dos regramentos de âmbito comum, com os imperativos principiológicos trabalhistas.

Em face dessa determinação, mostra-se de extrema relevância, para fundamentar a possibilidade de reconhecimento de direitos trabalhistas em favor dos apontadores do jogo do bicho, uma análise específica destes princípios que se encontram passiveis de conceder substrato argumentativo a tal entendimento.

Assim sendo, passar-se-á à breve verificação e conceituação geral destas fontes do Direito do Trabalho, visando demonstrar a vinculação destes com o objetivo do presente estudo.

 

 

 

3.4.1 Princípio da Proteção ao Trabalhador

 

 

O Princípio da Proteção ao Trabalhador constitui uma previsão protecionista genérica dentro do Direito do Trabalho. Este princípio basilar da esfera jurídica laborativa tem por finalidade equilibrar a relação de desigualdade que permeia naturalmente tais contratos.

Por força da eminente relação de poder existente entre empregador e empregado, o ultimo figurando como hipossuficiente em tais relações, mostra-se a necessidade intervencionista do Estado visando coibir eventuais abusos. Neste sentido, tem-se:

 

O princípio da proteção ao trabalhador está caracterizado pela intensa intervenção estatal brasileira nas relações entre empregado e empregador, o que limita, em muito, a autonomia da vontade das partes. Desta forma, o Estado legisla e impõe regras mínimas que devem ser observadas pelos agentes sociais. Estas formarão a estrutura basilar de todo contrato de emprego. (CASSAR, 2009, p. 142)

 

Trazendo a incidência do referido princípio para o âmbito da realidade envolvendo o bicheiro e seus apontadores, mostra-se evidente o total descaso do Estado para com a inequívoca prestação de força trabalho ali desempenhada.

Já não bastasse o descaso regulador desta atividade teoricamente reputada como ilícito, agrava-se ainda mais a situação, ao passo que,  permitindo sua existência pacífica, o Estado ao final penalize tão somente aquele que figura como hipossuficiente.

Neste sentido, os provimentos jurisdicionais que negam o vínculo de emprego ao apontador do jogo do bicho terminam por relativizar a aplicação principiológica específica trabalhista, para preconizar a literalidade cega de uma norma jurídica arcaica, assim sendo, totalmente desconexa da realidade social vigente.

 

 

3.4.2 Princípio da Norma mais Favorável

 

 

O princípio da norma mais favorável é decorrente direto do princípio da proteção ao trabalhador.

A aplicação do presente princípio se coaduna com a questão interpretativa das normas jurídicas conflitantes.

Assim como na previsão principiológica que lhe precede, o presente princípio destina-se a amenizar os desequilíbrios inerentes às relações de emprego. Neste sentido, preconiza que quando para um mesmo fato houver a incidência de mais de uma norma jurídica, deve o aplicador do Direito priorizar a norma mais benéfica ao hipossuficiente. Desta forma vislumbra-se:

 

Quando existirem duas normas conflitantes que se apliquem ao mesmo trabalhador, mas que disciplinem a matéria de forma diversa ou, ainda, que contenham partes benéficas e partes menos favoráveis que a outra norma em comparação, deve-se respeitar a que for mais favorável ao empregado. (CASSAR, 2009, p. 150)

 

 

Assim sendo, fazendo uma extensão interpretativa do presente princípio com vistas à sua aplicação no âmbito da relação laborativa envolvendo o jogo do bicho, tem-se a aplicação do regramento específico disposto na CLT (art. 3° em conjunto com o Parágrafo Único do art. 8°), em contraposição à aplicação do disposto no CC (art. 104 e 166, II do CC).

Seguindo o que preconiza o princípio da norma mais favorável, faz-se necessária a aplicação do disposto nos artigos da CLT mencionados no parágrafo precedente, priorizando assim, o reconhecimento do vínculo trabalhista em detrimento da negativa de vínculo com base no disposto no CC, que, se aplicado, beneficiaria tão somente o empregador (bicheiro).

 

 

3.4.3 Princípio do In Dubio Pro Operario

 

 

Também decorrente direto do princípio da proteção ao trabalhador, o princípio do in dubio pro operario trata da possibilidade de múltipla interpretação decorrente de uma mesma norma.

Quando for possível conceder mais de uma interpretação a um dado regramento para fins de sua aplicação, o referido princípio preconiza que o intérprete se oriente por aquela que mais beneficie o hipossuficiente. Assim verifica-se:

 

Este princípio, corolário do princípio da proteção ao trabalhador, recomenda que o intérprete deve optar, quando estiver diante de uma norma que comporte mais de uma interpretação razoável e distinta, por aquela que seja mais favorável ao trabalhador, já que este é a parte fraca da relação. (CASSAR, 2009, p. 152)

 

 

Nesta linha, mostra-se evidente que, no que compete à relação bicheiro/apontador, assumindo um referencial interpretativo teleológico (interpretação segundo a finalidade da norma), o reconhecimento de direitos trabalhistas dos apontadores tem muito mais afinidade com o ideal de repressão à atividade em questão, do que ocorre com o beneficiamento do bicheiro, isso por força do enriquecimento ilícito gerado.

Assim sendo, além de melhor reprimir o ilícito em questão, reconhecer o vínculo trabalhista do apontador, implica reconhecer a inequívoca prestação de força trabalho desempenhada, bem como, se coaduna com uma interpretação normativa voltada prioritariamente em benefício do pólo menos favorecido.

 

 

3.4.4 Princípio da Primazia da Realidade

 

 

Ainda por força da inerente relação de desigualdade que permeia as tratativas de âmbito trabalhista, o Direito do Trabalho preconiza a ocorrência fática das relações em detrimento da forma escrita.

Dado a esta característica principiológica peculiar, o Direito do Trabalho toma para si a possibilidade de refutar qualquer meio de prova documental, ainda que devidamente assinada pelo obreiro, mas que não tenha relação com a verdade prática existente. Neste prisma defende a doutrina:

 

O princípio da primazia da realidade destina-se a proteger o trabalhador, já que seu empregador poderia, com relativa facilidade, obrigá-lo a assinar documentos contrários aos fatos e aos seus interesses. Ante o estado de sujeição permanente que o empregado se encontra durante o contrato de trabalho, algumas vezes submete-se às ordens do empregador, mesmo que contra sua vontade. (CASSAR, 2009, p. 156)

 

Ante o exposto, evidencia-se a necessidade de se analisar a relação bicheiro/apontador à luz da realidade dos fatos. Tal posicionamento implica a verificação caso a caso destas demandas propostas visando assim, analisar a presença dos elementos configuradores da relação de emprego e a efetiva prestação de força trabalho.

No que compete à ilegalidade do objeto, o presente estudo defende a relativização do referido ilícito, sobretudo, com base no que se refere à incidência dos costumes como fonte de Direito, bem como, no que compete a peculiaridade inerente à Contravenção Penal e demais argumentos levantados ao longo de toda a presente Monografia.

 

 

3.4.5 Princípio da Boa-fé.

 

 

O princípio da boa-fé não se trata de uma orientação específica da esfera trabalhista, em verdade, compete a todo o Direito. O presente princípio determina, em regra, que os indivíduos assumam um dado padrão médio de conduta. Assim tem-se:

 

O princípio da boa fé pressupõe que todos devem comportar-se de acordo com um padrão ético, moral, de confiança e lealdade que se espera de um homem comum. Como conseqüência disso, as partes contratantes devem se comportar de forma adequada, mesmo que isto não esteja previsto expressamente na lei ou no contrato. É uma espécie do gênero “norma de conduta”, pois determina como as partes devem agir. (CASSAR, 2009, p. 189)

 

Em face desta determinação principiológica, deve-se verificar, à luz das peculiaridades que permeiam a relação bicheiro/apontador, a aberração da alegação trazida em juízo pelo explorador da atividade, tomando como elemento de defesa a sua própria torpeza. Mais grave ainda, mostra-se a posição do Estado em aceitar total dissociação à boa fé como mecanismo único e capaz de determinar a negativa de vínculo.

Ainda que tais relações ocorram fincadas em um objeto ilícito, há de se verificar a necessidade prática de desconsideração de tal ilegalidade, seja para melhor combatê-lo, seja para prover um ideal de justiça efetiva.

Neste sentido, não se pode desconsiderar o flagrante aproveitamento de uma mão de obra barata e susceptível à aceitação integrativa por força de uma necessidade natural de subsistência. É evidente a má fé do bicheiro, onde, diante de uma realidade de carência de emprego regular, aproveita-se para seduzir uma mão de obra necessitada. Daí denota-se a gravidade da postura do Estado diante de tais relações, que inerte a tal realidade, aparece tão somente para legitimar a relação discrepante de poder nelas existente.

 

 

3.4.6 Princípio da Irretroatividade das Nulidades

 

 

A aplicação do princípio da irretroatividade das nulidades, como anteriormente mencionado, determina em linhas gerais, a geração de efeitos jurídicos de contratos reputados nulos, até que ocorra a decretação judicial da referida nulidade.

A possibilidade de aplicação do princípio da irretroatividade das nulidades nas relações de trabalho envolvendo o jogo do bicho decorre de uma interpretação extensiva dos casos em que tal medida já se encontra pacificamente assentada na doutrina e jurisprudência trabalhistas.

A aplicação do referido princípio pode ser verificada facilmente nos casos de celebração de um contrato de trabalho por parte de um indivíduo menor de quatorze anos de idade. Estas tratativas constituem uma inobservância de um dos requisitos de validade do contrato de trabalho, ao passo que são celebrados por agente incapaz.

A CLT veda expressamente em seu art. 403, o exercício de trabalho por indivíduos com idade inferior a quatorze anos, determinando sua incapacidade absoluta para firmar contrato de trabalho sob qualquer espécie.

Ocorre que, se ainda assim, uma pessoa com idade inferior a quatorze anos, exercer atividade laboral nos moldes de uma relação de emprego, este contrato de trabalho será decretado nulo, mas os seus efeitos serão preservados até a data da decretação desta referida nulidade.

Este entendimento próprio da competência trabalhista decorre de toda a peculiaridade que permeia estas relações. Nota-se que a adoção desta medida protetiva, em nenhum momento filia-se a uma eventual possibilidade de legalização do trabalho por menores de quatorze anos de idade.

Em verdade, esta concepção parte de uma interpretação teleológica da norma que proíbe o exercício de trabalho por menor de quatorze anos de idade. A finalidade da norma é proteger estes indivíduos, desta forma, não faria sentido, adotar um mecanismo de proteção que tome por meio, a restrição de direitos dos mesmos.

A adoção da irretroatividade das nulidades nestes casos termina por conceder ainda mais eficácia à norma proibitiva em questão. A aplicação deste princípio inibe com maior eficácia a perpetuação desta espécie de trabalho, ao passo que evita o enriquecimento ilícito daquele que explorou tal mão de obra, diferente do que ocorreria se decretada apenas a nulidade, o que beneficiaria tão somente o empregador por sua própria torpeza.

Sob a égide do Direito Civil, quando da decretação de nulidade do negócio jurídico, mostra-se plenamente possível retroceder à situação, sobretudo patrimonial, dos agentes ao momento que precedia a celebração do contrato. No que se refere ao contrato de trabalho, a realidade fática dos efeitos da nulidade é totalmente distinta. Neste sentido, entende a doutrina que:

 

"[...]no Direito do Trabalho, as nulidades que existem quer por incapacidade do agente, quer por outras circunstâncias que poderiam, se aplicados os mesmos conceitos do direito comum trazer a ineficácia do vínculo, só produzem efeitos a partir da sua declaração, respeitando-se inteiramente os atos já praticados e respectivos direitos. Se a lei proíbe que o menor de 14 anos seja empregado, nem por isso ele deixará de ter os direitos trabalhistas se ingressar com ação em juízo, uma vez que a incapacidade para ser parte do contrato de trabalho não terá o efeito de acarretar-lhe prejuízos. Todos os direitos previstos em lei estarão ressalvados, como os salários, 13º salário, etc." (NASCIMENTO, 1999, p. 377. apud. FREITAS 2003, p. 01).

 

Parte da doutrina, ao defender a impossibilidade de reconhecimento da existência de direitos trabalhistas decorrente de contratos afetados por nulidade fundada na ilicitude do objeto, o faz alegando o caráter absoluto desta referida nulidade.

Desta contraposição de entendimentos, mostra-se relevante frisar que o Direito do Trabalho não pode revestir-se de características exatas, prevendo fórmulas prefixadas para dirimir conflitos que, por sua própria natureza, são eminentemente mutáveis. Esta aplicação objetiva da norma se mostra ainda mais inconcebível quando tratar-se de regramento de aplicação subsidiária.

No âmbito trabalhista não há o que se falar em caráter absoluto da nulidade, esta é uma concepção inerente ao direito comum e que da análise dos princípios norteadores do Direito do Trabalho, demonstra sua incompatibilidade para efeito de aplicação neste campo específico.

Não se pode conceber que o Judiciário trabalhista se furte a analisar o caso concreto observando suas peculiaridades e realidade social, para priorizar aplicações objetivas da norma, embora seja esta a postura hoje majoritária para tratar da relação existente entre bicheiro e apontador do jogo do bicho.

O fator determinante para possibilitar a geração de efeitos jurídicos de contratos de trabalho maculados por qualquer espécie de nulidade, deve ser sempre a análise do caso concreto. Deve ser aplicado ordinariamente o regramento jurídico trabalhista próprio, com a possibilidade de aplicação subsidiária do Direito Comum, quando for o caso, apenas naquilo que não venha a se opor às determinações principiológicas trabalhistas. Somando-se a estes fatores, deve-se analisar as conseqüências da referida nulidade em face do interesse público.

Após a análise das peculiaridades que envolvem o contrato de trabalho, das quais se destinou especificamente o tópico 3.3 do presente estudo, tratando da presença destes elementos caracterizadores como sustentáculo argumentativo para que doutrinadores fundamentem suas teses na defesa da possibilidade de geração de efeitos jurídicos decorrentes de contratos reconhecidamente nulos, neste sentido tem-se que:

 

Por ser de trato sucessivo, a nulidade somente se faz sentir no contrato de trabalho ex nunc, como acontece com a simples resolução, do momento do seu pronunciamento para o futuro, sendo válidos os atos praticados no passado. Quer baseado no enriquecimento ilícito, com empobrecimento alheio, quer baseado na existência da relação de trabalho independente do contrato, o fato é que os efeitos da nulidade não são ex tunc, desde o início do contrato. Falha aqui o cânone usual quod nullum effectum producit, porque é todo impossível fazer as prestações e as contraprestações voltarem ao statu quo ante da sua execução. (MORAES FILHO, 2000, p 320 e 321)

 

Ainda nessa linha, em relação à questão da peculiaridade da prestação devida pelo empregado no âmbito do contrato de trabalho entende-se que:

 

O princípio segundo o qual, o que é nulo nenhum efeito produz não pode ser aplicado ao contrato de trabalho. É impossível aceitá-lo, em face da natureza da prestação devida pelo empregado. Consistindo em força-trabalho, que implica em dispêndio de energia física e intelectual, é, por isso mesmo, insuscetível de restituição. (GOMES e GOTTSCHALK, 2001, p. 114).

 

Se nos contratos firmados no âmbito de outros ramos do Direito, a exemplo das relações de consumo, já se faz necessário a existência de certas diretrizes jurisdicionais que visem o equilíbrio das referidas tratativas, na esfera trabalhista esta proteção há de se fazer ainda mais presente.

Mostra-se necessário observar que os contratos de trabalho têm por objetivo a prestação de uma atividade laboral que por sua vez, demanda uma contraprestação entendida à luz de um caráter alimentar daquele que a recebe. Esta característica da contraprestação pretendida pelo empregado, é apenas um dos elementos que demandam a proteção constitucional ao trabalho.

Outro exemplo de aplicação do princípio da irretroatividade no âmbito trabalhista, é o que ocorre com a contratação de servidor público sem que este tenha sido submetido e aprovado em concurso. Ocorrido tal fato, decreta-se a nulidade do contrato por inobservância de um dos requisitos de validade do negócio jurídico.

Conforme demonstrado nos casos de celebração por agente incapaz, utiliza-se aqui a mesma interpretação protetiva do empregado, visando assim, garantir a vigência dos efeitos deste contrato até a data da determinação judicial de nulidade. Neste mesmo sentido aponta a doutrina, assim sendo verifica-se:

 

Se o ato administrativo era inválido, isto significa que a Administração, ao praticá-lo, feriu a ordem jurídica. Assim, ao invalidar o ato, estará, "ipso facto", proclamando que foi autora de uma violação da ordem jurídica. Seria iníquo que o agente violador do Direito, confessando-se tal, se livrasse de quaisquer ônus que decorressem de ato e lançasse sobre as costas alheias todas as conseqüências patrimoniais gravosas que daí decorreriam, locupletando-se, ainda à custa de quem, não tendo concorrido para o vício, haja procedido de boa fé (MELO, 1993, p. 239).

 

Após a análise destes exemplos de aplicação do princípio da irretroatividade das nulidades no âmbito do Direito do Trabalho, mostra-se necessário transportar os referidos argumentos utilizados, para a realidade do tema aqui proposto. Este estudo comparativo tem como objetivo a busca por um substrato argumentativo plausível na defesa do reconhecimento de direitos trabalhistas em favor dos apontadores do jogo do bicho.

Toda esta concepção protetiva do trabalho desempenhado, pode ser estendida à relação entre bicheiro e seus apontadores. No que compete a ausência de objeto lícito no âmbito destas relações, há de se verificar do mesmo modo, as peculiaridades que caracterizam o referido ilícito.

Assim como se defende a aplicação subsidiária do art. 104 do C.C. nos contratos de trabalho, obrigando, fundar-se em um objeto lícito, deve-se verificar do mesmo modo, a aplicação supletiva do art. 182 do mesmo corolário normativo, para fundamentar a aplicação da irretroatividade das nulidades. Esta concepção firma-se em grande parte por força da irrestituibilidade da força de trabalho.

Outro aspecto relevante para a relativização da ilicitude do objeto para reconhecimento da existência de direitos trabalhistas em favor dos apontadores do jogo do bicho, além das que já foram abordadas, repousa na questão da característica própria da ilegalidade do objeto, fato este, defendido no presente estudo desde o princípio.

A ilicitude do objeto na relação entre bicheiro e seus apontadores consiste na configuração de uma contravenção penal. Esta definição do jogo do bicho como contravenção penal, demanda do Estado, um tratamento distinto do concedido pelo mesmo às práticas criminosas.

Em função disto, o tópico a seguir tratará especificamente da diferenciação destes dois institutos, crime e contravenção penal, como fundamentação argumentativa para possibilitar o reconhecimento de direitos trabalhistas em favor do apontador do jogo do bicho.

 

 

3.5 CRIME X CONTRAVENÇÃO PENAL

 

 

Coube ao Decreto lei n° 3.688 de 03 de outubro de 1941, denominado de lei de contravenções penais, elencar as atividades pelas quais o Estado resolveu caracterizar como contravenção penal. Encontra-se no capítulo VII da referida lei, intitulado Das Contravenções Relativas à Polícia de Costumes, a previsão proibitiva do jogo do bicho no Brasil, o que o faz, mais precisamente, em seu Artigo 58.

Nota-se que o regramento da lei de contravenções penais é datado do ano de 1941. Esta normatização precede, e muito, à própria Constituição Federal de 1988, mostrando-se ainda mais longínqua, se comparada à realidade social hoje vigente.

O fundamento legal para a caracterização do jogo do bicho como uma contravenção penal, mostra-se extremamente frágil e vago, onde o legislador na edição da referida norma proibitiva, tratou de tal atividade como uma afronta aos bons costumes.

O jogo do bicho, como já demonstrado no primeiro tópico deste capítulo, encontra-se largamente praticado na sociedade como um todo. Em verdade, esta atividade trata-se de uma cultura popular centenária carente de regulação efetiva pelo Estado, fatos estes, que contribuíram para o enraizamento social da referida prática.

 

Trata-se do mais conhecido jogo realizado dentro do país, tendo sido criado no Rio de Janeiro, no ano de 1888 “grifo nosso”, pelo Barão de Drumond, tendo afirmado Bento de Faria que esse é uma triste criação nacional, tendo se propalado por todo o país no decorrer dos anos, chegando nos tempos atuais a ser o mais procurado jogo de azar, sendo aquele que se faz em qualquer lugar, pelos inúmeros “pontos de apostas” que existem em qualquer cidade.(PARIZATTO, 1995, p. 219)

 

 

Observa-se que o mesmo capítulo que integra o jogo do bicho no rol das contravenções penais, logo em seguida prevê a vadiagem também como contravenção. Tal exemplificação é necessária para demonstrar a realidade do pensamento da época, bem como, para demonstrar o quão transitório se mostra o conceito do que venha a ser bons costumes frente ao decurso temporal e à evolução das relações sociais.

Hoje a doutrina e a jurisprudência majoritárias entendem não ter sido, a tipificação da conduta de vadiagem como contravenção penal, recepcionada pela Constituição Federal de 1988.

Desta forma, o que antes afrontava os bons costumes, hoje não mais o faz, isso se deu por força de uma adequação do Ordenamento Jurídico à realidade sócio-econômica do país, bem como, da adoção de princípios como o da liberdade e dignidade da pessoa humana, entre outros, norteando a concepção de Estado Democrático de Direito firmada com a CF/88.

Outro aspecto peculiar que envolve o jogo do bicho é vislumbrado quando da análise de atividades exercidas pelo Estado, tais como, loterias esportivas, mega sena e ouros sorteios, comparados à referida contravenção.

A diferenciação entre estas atividades estatais citadas e a contravenção em questão, repousa tão somente, na presença ou ausência de seu exercício por parte do Estado. Certo é, que o objeto presente nessas atividades legais, assim como no jogo do bicho, funda-se puramente no fator sorte como meio de se obter êxito.

Assim sendo, o Estado coloca-se na posição de explorador exclusivo de atividades, que ele mesmo, determina como de cunho amoral e ofensivas aos bons costumes. A exploração pelo Estado de uma atividade intimamente similar ao jogo do bicho contribui substancialmente para a sensação social de permissividade da referida prática contraventora.

É diante desta similitude existente entre o jogo do bicho e demais jogos de azar praticados pelo Estado, que repousam os fundamentos substanciais para uma possível legalização desta contravenção no país. Neste sentido, aponta a doutrina:

 

Não há em tal jogo, ao contrário do que ocorre na Loteria Esportiva, Sena, Loto, Raspadinha entre outros, participação do Estado, ficando o jogo do bicho sob a direção de banqueiros particulares que o realizam sem a contribuição de qualquer imposto aos cofres públicos. A regularização e oficialização do jogo do bicho traria benefícios ao próprio Estado, que arrecadaria impostos sobre o mesmo, podendo utilizar tais recursos em diversas ações sociais, além de regularizar também a situação de trabalho de inúmeras pessoas que praticam tal atividade em todos os cantos do país.(PARIZATTO, 1995, p. 219 e 220)

 

Após esta análise introdutória dos aspectos legais que caracterizam o jogo do bicho, passar-se-á então, à verificação das relações internas concernentes ao bicheiro e seus apontadores, como forma de se chegar ao reconhecimento de vínculo trabalhista entre esses indivíduos.

Por força da previsão do art. 58 da lei 3.688/41, não há o que se discutir sobre a ilegalidade do objeto dos referidos contratos de trabalho existente entre o bicheiro e o apontador do jogo do bicho. Este fato determina sem qualquer questionamento, a decretação judicial de nulidade deste contrato. É a partir desta decretação, que reside a contraposição de entendimentos acerca dos efeitos desta nulidade.

Quando da aplicação subsidiária do disposto no Art. 104 do C.C. para fins de decretação da nulidade do contrato de trabalho, deve-se verificar de mesmo modo, a previsão do art. 182 também do C.C..

Quando da aplicação supletiva destes dois artigos do Código Civil em âmbito trabalhista, verifica-se a necessidade da manutenção dos efeitos do contrato até a decretação judicial de nulidade do mesmo.

A adoção deste entendimento filia-se ao caráter peculiar das relações de trabalho, de impossibilidade de retrocesso à situação que antecede sua celebração, somada ao conflito sócio-normativo do jogo do bicho, caracterizado como uma contravenção penal.

Muitos dos que rechaçam o reconhecimento de direitos trabalhistas dos apontadores do jogo do bicho, o fazem comparando a relação laborativa em questão, como semelhante ao que ocorre no âmbito da estratificação funcional concernente ao tráfico de drogas. Esta comparação, demasiadamente forçosa, geralmente se perfaz sob o argumento de que reconhecer tais direito abriria precedentes para discutir sua ampliação frente às demais ilegalidades.

Aqueles que filiam-se a esta concepção, entendem basicamente, que o fato de reconhecer direitos trabalhistas dos apontadores do jogo do bicho teria o condão de criar um precedente para o reconhecimento de direitos de mesma ordem em benefício do “avião” ou “fogueteiro” do tráfico de drogas em face do “dono da boca de fumo”.

Entender como plausível tal comparação, implica na total desconsideração da distinção existente entre as espécies de bens jurídicos protegidos pelo Estado no âmbito do crime e da contravenção penal.

Uma relação onde, embora se encontrem presentes todos os elementos caracterizadores do contrato de trabalho (já anteriormente analisados em tópico precedente), mas, se firmada no contexto da realização de uma atividade criminosa, tal qual ocorre no âmbito do tráfico de drogas, o objeto da referida relação afasta por completo a possibilidade de geração de efeitos jurídicos do contrato.

Esta inviabilidade de geração de efeitos jurídicos se perfaz em função da espécie e grau de dano causado à coletividade por força do objeto da referida relação. Não é razoável, no caso de prática criminosa, reconhecer a existência de qualquer direito proveniente desta atividade.

Como já mencionado no tópico precedente, um dos elementos que devem ser verificados para fins de geração de efeitos de contratos de trabalho reputados nulos, além da análise do caso concreto, é a questão concernente aos reflexos que decorrem deste contrato. Deve sempre ser respeitado o interesse público, bem como, a finalidade da norma jurídica proibitiva, que no caso da contravenção em análise, é coibir o jogo do bicho no território nacional.

A relativização da ilicitude do objeto no caso do jogo do bicho não se atém, tão somente, à questão pura e simples da desconsideração do ilícito frente à presença dos demais requisitos configuradores da relação de emprego.

Esta relativização se deve ao agrupamento de uma serie de fatores, além dos concernentes ao Direito do trabalho. Estes elementos se perfazem pela contradição sócio-normativa do jogo do bicho (carência de regulação efetiva que gera uma sensação social de permissividade). Fundamenta-se ainda, na espécie de bem jurídico tutelado pelo Estado no âmbito das contravenções penais (bens jurídicos de menor relevância social). Somando-se a estes, deve-se atentar que o fato do reconhecimento de tais direitos, termina por conceder um grau de maior efetividade prática ao desestímulo da referida atividade (observância da finalidade normativa).

Quando se transferem todos estes fatores para a análise da questão no âmbito exemplificativo do tráfico de drogas, a possibilidade de reconhecimento de direitos trabalhistas no contexto de tais relações mostra-se flagrantemente inviável.

Além da questão da nulidade face o objeto ilícito, propriamente dita, o tráfico de drogas constitui crime e desta forma, afronta bem jurídico de relevante interesse público.

Ainda nesta linha, não há o que se falar em contradição existente entre a norma jurídica e a realidade social vigente. O tráfico de entorpecentes, diferente do jogo do bicho, é verdadeiramente combatido pelos órgãos públicos competentes, ainda que possua suas deficiências, ainda assim, mostra-se flagrantemente distinto do que ocorre com a ausência reguladora do jogo do bicho.

Esta comparação serve, oportunamente, para desconstituir qualquer espécie de similitude entre o jogo do bicho e a atividade criminosa do tráfico de drogas, demonstrando assim, o abismo fático-jurídico que separa os efeitos concernentes à prática destes dois tipos de ilegalidades.

Sem a pretensão de enveredar pelos fundamentos que talvez demonstrem a necessidade de uma adequação de tratamento jurídico da atividade do jogo do bicho. Como já foi dito introdutoriamente, deve-se ponderar os fundamentos motivadores que levam aos diferentes entendimentos acerca da possibilidade ou não de reconhecimento de direitos trabalhistas pelos apontadores do jogo do bicho.

Desta forma, mostra-se de uma relevância impar, a diferenciação entre crime e contravenção como forma de justificar a possibilidade de aplicação da irretroatividade das nulidades em face das referidas demandas trabalhistas envolvendo o bicheiro e seus apontadores. Assim sendo, necessário se faz a elucidação desta problemática partindo-se do entendimento doutrinário onde tem-se que:

 

A contra-ordenação ou contravenção surgiu em muitos países, à conta da utilidade de separar do domínio do direito penal clássico, certas situações não dotadas de gravidades específicas. Situações de relevo jurídico penal que exigiam apenas uma prevenção muito genérica, sem o rigor desprendido aos delitos que sempre tinham como bem jurídico as antigas regulamentações que reuniam os delitos de ordem com os verdadeiros crimes.

 

[...]

 

Certo é que há, entretanto, violações que põem em perigo os fins que o Estado persegue apenas indiretamente, por reflexo, mas não podem ser colocadas a salvo de uma resposta deste Estado. Impõe-se que nesses casos lance mão o Estado de medida que apenas exprimam uma censura de natureza social, e se traduzam num mal com sentido de advertência, despido de toda mácula ético-jurídica. Aí se insere a contra-ordenação ou contravenção. (DEODATO, 2003, p. 30 e 35).

 

Diante do exposto acima, quando da diferenciação entre crime e contravenção e respectivas divergências incidentais sobre a proteção do bem jurídico pretendida pelo Estado. Trazendo para o âmbito da possibilidade de aplicação do princípio da irretroatividade das nulidades nos contratos de trabalho envolvendo o jogo do bicho. É de fácil constatação que a censura de natureza social de que trata o referido doutrinador, encontra muito mais efetividade no que concerne ao desestímulo do jogo do bicho, se aplicada primordialmente contra o bicheiro.

Neste aspecto, “a nulidade seria espécie de penalidade imposta a atos defeituosos”, (GONÇALVES 2000, p. 75), desta forma, à luz de uma interpretação conforme a construção doutrinária até então defendida no presente Capítulo, deveria o Estado manter os efeitos do contrato até a decretação judicial da nulidade do mesmo. A adoção desta postura estaria, como já anteriormente conclamado, por reprimir a atividade para ambas as partes.

A aplicação da irretroatividade das nulidades, decreta o término do vínculo para o “empregado” (apontador do jogo do bicho), retirando-o da atividade contraventora, bem como, manteria os efeitos do contrato até então, como forma de evitar o enriquecimento ilícito por parte do “empregador” (bicheiro).

Ao tratar bicheiro e apontador sob este novo prisma interpretativo, em caso de novas investidas do explorador da atividade na prática da referida contravenção, já se encontrará ciente de que não será beneficiado pela sua própria torpeza, equiparando-se para fins trabalhistas a um empregador regular. Tal entendimento evita que lance mão, o Estado, de medidas reguladoras que se voltam tão somente contra a parte hiposuficiente.

Certo é, que o Estado carece atualmente de um aparato regulador e desestimulador da atividade do jogo do bicho, mecanismos estes necessários, enquanto a referida atividade figurar como um ilícito à luz do Ordenamento Jurídico pátrio.

O reconhecimento de direitos trabalhista do apontador do jogo do bicho, como já mencionado, não implica em legalização da atividade, mas demonstra-se em verdade, como um mecanismo mais eficiente no desestímulo da referida prática.

Ao evitar o enriquecimento ilícito do bicheiro por força do reconhecimento de tais direitos em favor do apontador, o Estado reforça a postura de desaprovação da atividade. Conjuntamente, o Estado passaria a reconhecer a existência de uma exploração demasiada desta mão de obra, a qual foi instituída em grande parte, por sua inércia reguladora e de inobservância de seus deveres sociais previstos.

Em função de todos os aspectos demonstrados nestes dois primeiros capítulos, mostra-se relevante, uma análise jurisprudencial do tema proposto. Esta análise, a qual se destinará o capítulo subseqüente, tem como objetivo primordial, demonstrar a aplicação dos entendimentos doutrinários até então abordados, em face das demandas reais propostas perante a Justiça do Trabalho.

 

 

4 UM ESTUDO JURISPRUDENCIAL DO TEMA

 

 

No âmbito dos entendimentos jurisprudenciais acerca da possibilidade ou não de aplicação do princípio da irretroatividade das nulidades nos contratos de trabalho envolvendo o jogo do bicho, existem interpretações diversas acerca do tema.

À título de verificação, mostra-se necessária uma análise comparativa de algumas jurisprudências favoráveis e outras diametralmente opostas em relação a tal possibilidade de aplicação principiológica. Fazendo-se necessária ainda, a demonstração do posicionamento do TST em face do objeto das referidas demandas.

O capítulo em questão tem por objetivo principal confrontar os fundamentos utilizados por ambas as correntes para julgarem de diferentes formas, buscando ao fim, demonstrar o que se vislumbra como uma aplicação mais justa e eficaz das normas trabalhistas nos casos submetidos à temática em análise.

 

 

4.1 O POSICIONAMENTO ATUAL DO TST ACERCA DA MATÉRIA

 

 

Não há como realizar um estudo jurisprudencial acerca de qualquer tema sem que para isso se demonstre o respectivo posicionamento adotado pelas cortes superiores. Em relação ao tema em específico aqui abordado, não poderia ser diferente.

A organização da máquina judiciária em instâncias tem por objetivo possibilitar a revisão das decisões proferidas, materializada pela garantia principiológica da recorribilidade das decisões (princípio do duplo grau de jurisdição). Essa possibilidade de revisão decisional tem por objetivo final alcançar um maior grau de uniformização dos provimentos jurisdicionais do Estado, bem como, em regra, possibilitar a apreciação da matéria por órgãos colegiados, teoricamente de maior capacidade técnica.

Em virtude do desenvolvimento e aprimoramento das relações sociais como um todo, especialmente nas relações concernentes ao campo laboral, fez-se mister, com a grande demanda submetida à análise jurisdicional do Estado neste ramo específico, a adoção de medidas que simplificassem e reduzisse a demanda, bem como, acelerassem as resoluções das lides trabalhistas sobretudo nestas instâncias superiores

Com este fim, o TST faz uso de mecanismos tais como as Orientações Jurisprudenciais e Súmulas como forma de se atingir a pacificação de entendimentos acerca de dadas matérias. Neste sentido, com relação aos referidos institutos tem-se que:

 

As orientações jurisprudenciais oriundas da SDC (Seção de Dissídios Coletivos) e SDI- I e II (Seção de Dissídios Individuais) do TST cristalizam a tendência da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho ora em matérias coletivas ora em matérias decididas em dissídios individuais, mas que ainda não tiveram a autoridade exigida para se transformarem em súmulas.

 

[...]

 

As súmulas refletem o posicionamento majoritário de determinado Tribunal. Elas servem de orientação para toda comunidade jurídica para tentar harmonizar julgamentos futuros sobre a questão sumulada. (CASSAR, 2009, p. 59 e 60).

 

No que concerne aos contratos de trabalho envolvendo o jogo do bicho, o posicionamento atual do TST resta configurado na OJ n° 199 onde preconiza que são nulos os contratos de trabalho envolvendo o jogo do bicho por força da ilicitude do objeto com observância do disposto nos artigos 104 e 166 do Código Civil.

Embora o objetivo da OJ, em suma, seja a tentativa de pacificação social acerca de certa matéria, cumpre-se mencionar que o referido posicionamento não possui o caráter de ser absoluto e perpétuo. Se a própria definição normativa do que venha a ser lícito ou ilícito possui transitoriedade com o decurso do tempo, a exemplo do que se demonstrou no tópico 3.5 (no que se referiu especificamente a evolução interpretativa concedido à conduta de vadiagem), vislumbra-se, então, muito mais precária a cristalização jurisprudencial no âmbito das OJs.

Esta comparação, demonstrada no parágrafo precedente serve para demonstrar que a simples edição de uma OJ pelo TST não deve soar como um óbice à propositura de demandas contrárias ao entendimento cristalizado, ao passo que estas não obrigam as instancias inferiores a julgarem conforme o entendimento nelas firmado.

É a demonstração da inconformidade social e doutrinária que torna possível o amadurecimento da questão e a modificação de entendimento. Os únicos reflexos que devem decorrer da edição de uma OJ pelo TST são aqueles que atendem à sua finalidade legal, entre estes, o que determina o trancamento do Recurso de Revista contra decisão que julga conforme OJ firmada. Neste sentido manifesta-se a doutrina:

 

As súmulas, emanadas de outros órgãos e aquelas expedidas pelos tribunais trabalhistas, precedentes e orientações se caracterizam em um eficaz instrumento de trabalho para o juiz agilizar a prestação jurisdicional e desafogar o judiciário, especialmente o TST, pois ensejam o trancamento do recurso de revista [...] Esta é uma das semelhanças entre elas. Todas causam o mesmo efeito: trancam o recurso de revista (CASSAR, 2009, p.61).

 

Assim sendo, a OJ n° 199 configura a cristalização do direcionamento majoritário atual do TST no tocante às relações laborativas envolvendo o jogo do bicho, mas entendimento este que ainda não foi sumulado pelo referido tribunal.

Embora seja um mecanismo eficaz para os propósitos a que se destina, a edição de OJ, não necessariamente, significa um ganho para a esfera jurisdicional trabalhista no que compete ao seu papel protetivo. Como adiante será demonstrado, no âmbito das análises jurisprudenciais conflitantes, há de se tecer críticas pertinentes ao uso indiscriminado da edição de OJs, sobretudo por força das conseqüências processuais deste instituto.

Neste sentido, passa-se agora à análise jurisprudencial do tema, pela qual se poderá verificar a relevância e atualidade das ponderações envolvidas, demonstrando assim, em âmbito prático a inquietação doutrinária até aqui demonstrada.

 

 

4.2 JULGADOS CONTRÁRIOS AO VÍNCULO EMPREGATÍCIO

 

 

A seguir constam-se elencadas algumas jurisprudências contrárias à possibilidade de reconhecimento de direitos trabalhistas em favor dos apontadores do jogo do bicho. Da citação destas jurisprudências, segue-se uma análise contextualizada das discussões concernentes ao tema, verificando os fundamentos utilizados para julgamento segundo a ótica explicitada.

Após a contextualização do referido tópico, segue-se então com a análise ao qual o mesmo se destina:

 

EMENTA: RELAÇÃO DE EMPREGO. JOGO DO BICHO – No entendimento da d. maioria desta Turma, se a relação jurídica estabelecida entre a trabalhadora e o reclamado estava calcada no desenvolvimento de atividade tipificada como contravenção penal, não há como conferir efeitos jurídicos a essa relação, nesta Justiça Especializada, com o reconhecimento do vínculo de emprego, pela ausência de pressuposto de validade intrínseco ao negócio jurídico, qual seja, a
licitude do objeto (inciso II do art. 104 do Código Civil). Nesse sentido, a OJ 199 da SDI do TST, que estabelece: “jogo do bicho. Contrato de trabalho. Nulidade. Objeto ilícito. Arts. 82 e 145 do Código Civil." (Processo : 00095-2009-145-03-00-0 RO, TRT da 3° Região, 6° Turma, Relator : Des. Jorge Berg de Mendonça, 05/10/2009)[1]

 

Desprende-se da análise da fundamentação do julgado acima transcrito, uma aplicação positivista ideológica da norma jurídica, desconsiderando por completo a realidade fática de tais tratativas.

O provimento jurisdicional em análise nega efeito prático ao princípio da primazia da realidade no caso em questão, tomando por norte a interpretação positivista ideológica da norma proibitiva do jogo do bicho, ainda que vislumbrando o flagrante benefício auferido pelo Acionado decorrente de sua própria torpeza.

Não pode o Direito, a despeito de evitar a chancela de uma atividade ilegal, conformar-se com a criação de outra ilegalidade decorrente do próprio exercício jurisdicional do Estado. O enriquecimento ilícito criado por força desta decisão possui caráter mais grave do que a própria prática da contravenção penal, ao passo que se origina daquele que, em verdade, deveria, por sua própria função, coibir a incidência de tal fato.

Deve-se notar que esta decisão, diferentemente do que prega, termina sim chancelando a atividade ilegal, mas o faz em favor apenas do Acionado. Se optasse pela aplicação do princípio da irretroatividade das nulidades no caso em questão, estaria concedendo um caráter muito mais condizente com o ideal de inibição da referida prática contraventora.

A aplicação do referido princípio manteria a nulidade do contrato, mas aplicaria o rigor da norma, não apenas contra o pólo mais fragilizado da relação, mas sim em desfavor, sobretudo, daquele que em verdade tem o controle da continuidade da atividade ilegal.

É o bicheiro que ao abster-se de continuar na persecução do ato infrator, automaticamente determina o cerceamento da prática contraventora. Em verdade, o referido provimento, mais contribui do que evita, em termos práticos, para a perpetuação desta atividade.

Ainda seguindo nesta linha jurisprudencial contrária à possibilidade da aplicação de tal princípio nas relações laborais inerentes ao jogo do bicho, tem-se:

 

EMENTA: JOGO DO BICHO. RELAÇÃO DE EMPREGO. A tolerância e aceitação do jogo do bicho, pela sociedade, e a omissão das autoridades responsáveis na sua repressão, não fazem com que o ilícito, na prática, se torne lícito, para autorizar a legalidade e validade do vínculo e reconhecimento, como de emprego, da relação mantida entre o cambista e o dono da banca, visto que o objeto não atende às exigências dos artigos 104 e 166 do CC em vigor. (Processo 00518-2007-007-05-00-5 RO, ac. nº 007456/2008, Relator Desembargador ROBERTO PESSOA, 4ª. TURMA, DJ 17/04/2008)[2]

 

Vale salientar diante dos julgados acima transcritos, que a motivação para a não aplicação do princípio da irretroatividade das nulidades nos casos em questão tem sempre como ponto em comum a questão pura e simples da ilegalidade do objeto dos referidos contratos.

Os julgados nesta linha primam pela aplicação objetiva da norma positivada, sem que se tenha um apego à análise dos fatos que permeiam as referidas relações.

Sob a ótica de uma análise interdisciplinar dos fundamentos que motivam tais julgados, mostra-se relevante frisar a incidência de certas contradições. Um exemplo da contradição que se pode verificar está na desconsideração da ilicitude do objeto para fins de arrecadação pelo Estado na esfera tributária. Os proveitos oriundos desta relação decretada nula em juízo são levados em consideração, por exemplo, no que concerne à declaração de Imposto de Renda.

Visando melhor demonstrar a contradição acima apontada, sob o prisma dos requisitos para aplicação da norma tributária, tem-se que o fato gerador para incidência do tributo acima descrito, constitui tão somente a obtenção pura e simples de renda pelo sujeito passivo. Para este fim não importa se a origem da referida renda decorre de alguma ilicitude.

Assim sendo, a mesma irregularidade (objeto ilícito) apontada pelo Estado para fundamentar as decisões contrárias ao reconhecimento de direitos trabalhistas dos apontadores do jogo do bicho, é totalmente desconsiderada quando este mesmo apontador declara o seu imposto de renda.

O imposto de renda incide inclusive sobre os ganhos decorrentes desta mesma relação contratual tida como nula, ou seja, quando fala-se em arrecadação aos cofres públicos a irregularidade é sobrepujada sob a máxima principiológica tributária de que o tributo não tem cheiro.

Desta forma, “para a incidência do tributo não é relevante a regularidade jurídica dos atos, ou a licitude de seu objeto, ou dos seus efeitos” (AMARO, 2009, p. 275). Esta interpretação mostra-se integralmente diversa da que é dada quando da postulação em Juízo para reconhecimento de direitos trabalhistas sob a égide da mesma irregularidade.

Tal comparação interdisciplinar se mostra necessária ao passo que o Direito constitui uma Ciência unitária, subdividida em ramos específicos apenas para fins instrumentais. A referida comparação tem como objetivo verificar a diferenciação de tratamento concedida aos efeitos da atividade laboral do apontador do jogo do bicho em face do Estado.

Demonstra-se, desta forma, a necessidade de adequação prática destes provimentos jurisdicionais aqui analisados. Esta necessidade de atualização do entendimento vai além da busca pela regulação efetiva do jogo do bicho, mas também, deve-se à necessidade de harmonização da própria Ciência jurídica, refutando assim as contradições interpretativas incidentes sob uma mesma conduta.

Por fim, tem-se a seguir a citação da ementa de uma decisão do TST demonstrando assim o atual entendimento do referido tribunal no que compete à matéria em análise, demonstrando em termos práticos o que já foi explicitado no tópico 4.1 do presente estudo.

 

JOGO DO BICHO CONTRATO DE TRABALHO OBJETO ILÍCITO NULIDADE. Deve ser mantida a Orientação Jurisprudencial nº 199 da SDI-1 desta Corte, que não reconhece nenhum direito ao trabalhador que presta serviços ao bicheiro ou Dono da Banca do jogo do bicho. Trata-se, pois, de típica e inconfundível contravenção penal, prevista no art. 58 do Decreto-Lei nº 6.259, de 10/2/1944. A CLT, em seu art. 3º, ao conceituar o empregado, e, no art. 2º, o empregador, não deixa a mínima dúvida de que o trabalho a ser prestado somente pode ser o considerado lícito pelo ordenamento jurídico do País, o que resulta, necessariamente, que o empregador deve também exercer uma atividade legal. É inaceitável a confusão entre trabalho ilícito e trabalho proibido e seus efeitos. “grifo nosso” Trabalho proibido é trabalho lícito, mas que o legislador impõe, por motivo especial ou relevante, restrições à sua execução. O critério de idade, por exemplo “grifo nosso”, leva à proibição do trabalho em condições perigosas ao menor de idade. O trabalho, nesse caso, não é prestado a um empregador que exerce atividade delituosa, mas, ao contrário, tipicamente legal, daí gerar todos os direitos ao menor. Em contrapartida, deve ser punido o empregador que afrontou norma legal de proteção àquele que ainda não adquiriu o necessário desenvolvimento que o torne apto a enfrentar, no desempenho de suas atividades, condições agressivas à sua integridade físico-psíquica. Outro exemplo é o do servidor público contratado para exercer o emprego sem a observância de sua prévia aprovação em concurso público (art. 37, II, da Constituição Federal). Nessa circunstância, o trabalho é, igualmente, lícito, mas o descumprimento da exigência constitucional resulta em nulidade parcial da contratação, gerando ao prestador os serviços apenas as parcelas previstas na Súmula nº 363 do TST “grifo nosso”. O trabalho ilícito, ao contrário, não pode, nem deve, gerar nenhum benefício, seja trabalhista, seja de qualquer outra natureza, competindo ao Ministério Público formular denúncia contra o trabalhador e o bicheiro ou Dono da Banca do jogo do bicho e todas as demais pessoas envolvidas no ilícito penal. Não cabe, pois, ao Estado, reconhecer como legalmente válida uma relação de trabalho dessa natureza, tipicamente delituosa, que afronta o ordenamento jurídico do País. O argumento de que o jogo do bicho está arraigado em nossa sociedade e que representa uma prática inofensiva, data venia, só pode ser fruto da ingenuidade. A despeito de certa tolerância pelas autoridades, que têm o dever de combater esse tipo de infração penal, aliado ao argumento de que os prestadores desse serviço são, em regra, pessoas carentes, e, ainda, que se trata de infração de menor gravidade, que, por isso mesmo, o trabalho constituiria uma fonte de ganho indispensável à subsistência daqueles envolvidos nessa atividade, é equivocada. O jogo do bicho tem um potencial de destruição de valores sociais, morais, éticos, espirituais, etc... “grifo nosso”, que se reflete em toda a sociedade, como tem noticiado a mídia do País, ao revelar uma variedade de ilícitos penais que se fazem presentes em seu submundo. Orientação Jurisprudencial nº 199 da SDI-1 deste Corte mantida. (PROCESSO: E-RR-621.145/2000.8, RELATOR: Exma. Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DJ - 29/06/2007).[3]

 

Da análise da jurisprudência acima descrita nada há de diferente das demais até então citadas e analisadas no presente tópico. O entendimento nela traduzido se coaduna com a visão das anteriores, aplicando-se a este julgado as idênticas considerações já feitas anteriormente.

Sua relevância para efeito de destaque no presente tópico em verdade se dá por força de ter sido proferida pela mais alta corte de âmbito trabalhista do país, bem como, em função de sua atualidade, trazendo como fundamento primordial para justificar a reforma da decisão proferida em instância inferior, o fato da mera inobservância do disposto na OJ n° 199.

O risco que reside deste tipo de fundamentação objetiva, traduz-se pela possibilidade da utilização abusiva das Orientações Jurisprudenciais. Em termos práticos já se pode observar alguns desvirtuamentos de finalidade na expedição de outras OJs.

O que inicialmente surgiu como uma alternativa para se garantir uma resposta jurisdicional mais eficiente, passou a representar tão somente uma forma de se enxugar a demanda existente, fato este que se distancia do objetivo primordial pretendido com a expedição de OJs como meio de pacificação social. Neste sentido aponta a doutrina:

 

Tem havido abuso deste direito, pois algumas orientações jurisprudenciais têm sido expedidas a partir de uma única decisão, como é o caso das antigas OJs 182 e 194 da SDI-I do TST (hoje, convertidas nas súmulas 85 e 387 do TST) ou de duas decisões como é o caso da OJ n° 188 da SDI-I do TST. (CASSAR, 2009, p.61).

 

Como destacado na última jurisprudência citada, desprende-se como fundamento para o entendimento mais atual do TST (contrário a existência de direitos trabalhistas em favor do apontador do jogo do bicho), a concepção de que o referido ilícito tem um potencial de destruição de valores sociais, morais, éticos, espirituais.

Assim sendo, tal entendimento mostra-se calcado em conceitos extremamente vagos. De que vale a análise dos valores sociais, morais e éticos se concebida dissociada da evolução histórica das relações humanas?

Como já mencionado no capítulo anterior, os valores sociais morais e éticos vigentes à época da criação da Lei de Contravenções Penais mostram-se demasiadamente defasados para aplicação nos dias de hoje.

Esta concepção universalista de interpretação das normas jurídicas, ou seja, entendendo a existência de conceitos aplicáveis a qualquer tempo e lugar, bem como, para todos independente de suas peculiaridades individuais, servem tão somente para tornar cada vez mais árduo o trabalho de atualização normativa. Como reflexo direto dos provimentos nesta linha, tem-se o distanciamento do Direito em relação à realidade social e um número cada vez maior de normas sem aplicabilidade prática.

O presente estudo defende o reconhecimento de direitos trabalhistas em favor do apontador do jogo do bicho, direcionando-se assim, para um horizonte interpretativo que visa, prioritariamente, o entendimento conforme os preceitos constitucionais de dignidade da pessoa humana e valor social do trabalho, desprestigiando veementemente a interpretação normativa com base em parâmetros exclusivamente infraconstitucionais.

Após fazer a análise das jurisprudências trazidas no presente tópico, vislumbraram-se os diferentes argumentos utilizados para julgarem no sentido em que apontam. Feito isto, faz-se primordial a análise a partir de então, de jurisprudências que têm por provimento final uma linha totalmente contrária da concernente às jurisprudências até aqui verificadas, visando assim demonstrar a inquietação que ainda permeia tais relações.

O estudo comparativo dos fundamentos e elementos finalísticos das diferentes jurisprudências existentes tem por objetivo demonstrar a linha interpretativa que melhor faz frente ao ilícito envolvido, bem como, melhor prove a pacificação social a que se destina o exercício jurisdicional do Estado.

 

 

4.3 JULGADOS FAVORÁVEIS AO VÍNCULO EMPREGATÍCIO

 

 

Em sentido diametralmente oposto às jurisprudências citadas no tópico anterior, fincando-se agora em uma postura ideal de regulação efetiva do jogo do bicho, aplicando à norma trabalhista uma interpretação constitucionalizada que deve nortear todos os ramos do Direito, orientando-se, sobretudo, no fato da prestação laboral, como impossível de retrocesso ao estado anterior à sua prática para fins de devolução ao seu prestador, salvo se realizada por meio de pagamento de quantia equivalente, tem-se a título de exemplificação, os entendimentos jurisprudenciais infra-citados, favoráveis a aplicação da irretroatividade das nulidades nos contratos realidade envolvendo o jogo do bicho.


EMENTA: RELAÇÃO DE EMPREGO. ATIVIDADE ILÍCITA. Hipótese em que a  ilicitude do objeto impede o reconhecimento da validade do contrato de trabalho havido entre as partes, nos moldes do art. 2º e 3º da CLT. No entanto, embora nula, a relação gerou efeitos, os quais não podem ser  ignorados, face a proteção do trabalho e da vedação do enriquecimento sem causa. Apelo parcialmente provido. (Processo: RO - 01374-2007-003-04-00-4TRT da 4° Região, 6° Turma – Relator: Des(a). Rosane Serafini Casa Nova – 08/07/2009).[4]

 

 

Da análise da jurisprudência anteriormente citada, destaca-se a aplicação normativa vislumbrando o combate ao enriquecimento sem causa, a impossibilidade de restabelecimento do estado anterior à celebração do contrato, bem como, visa o desestimulo da atividade por meio do não beneficiamento do bicheiro por força de sua própria torpeza alegada em juízo.

Observa-se que a adoção do referido posicionamento não implica na legalização da atividade, em verdade reconhece-se a ilicitude do objeto, onde por força desta, determina a decretação de nulidade do contrato realidade em questão, primando-se pela aplicação da teoria das nulidades específica da esfera jurisdicional trabalhista (na qual a regra é a irretroatividade).

A adoção desta postura determina, como já anteriormente demonstrado, mais precisamente quando se tratou da teoria das nulidades no tópico 2.1 do presente estudo, a necessidade de adoção de um viés diverso da teoria das nulidades inerente ao Direito Civil.

No Direito do Trabalho, por força das peculiaridades já demonstradas ao longo desta Monografia, se faz necessário a adoção como regra, da aplicação da irretroatividade das nulidades.

Neste sentido, a prestação jurisdicional acima citada reconhece a distinção do bem jurídico tutelado pelo estado no âmbito das contravenções penais. Desta forma concede um entendimento diverso do viés interpretativo que deve subsistir aos ilícitos tipificados como crime, isso se dá em função do elevado grau de ofensividade à coletividade que compete à atividade criminosa.

Seguindo nesta mesma linha, destaca-se o posicionamento jurisprudencial adiante elencado:

 

 

JOGO DO BICHO. RECONHECIMENTO DE RELAÇÃO DE TRABALHO, COM  CONDENAÇÃO DAS PARCELAS SOB A MODALIDADE DE INDENIZAÇÃO.   A ampla aceitação desta modalidade de jogo de prognósticos e a inércia das chamadas “autoridades competentes”, na sociedade brasileira, sugerem certa institucionalização desta atividade, sendo que sob a ótica do direito do trabalho, não há como não se reconhecer a produção de efeitos jurídicos indenizatórios da relação base, em face da peculiaridade ínsita ao direito laboral, de não se poder restituir ao status quo ante a força trabalho despendido pelo obreiro e em razão da respectiva apropriação econômica pelo empreendedor das vantagens daí advindas.  Recurso ordinário provido parcialmente. (Processo: RO - 00776-2007-037-05-00-3 – TRT da 5° Região, 5° Turma – Relator: Des. Esequias de Oliveira – 11/03/2008).[5]

 

Nota-se da análise da ementa acima citada, que, mesmo após a expedição da OJ n° 199 pelo TST, ainda assim, subsistem inteiramente controvertidos os entendimentos jurisprudenciais acerca do tema em questão.

No caso específico da ementa acima citada, verifica-se como fundamento primordial para julgar da presente maneira, a questão do reconhecimento da realidade de permissividade cotidiana para com a prática do jogo do bicho, remetendo-se o leitor para as ponderações realizadas no tópico 3.1 desta Monografia.

A realização do estudo jurisprudencial comparativo de que tratou o presente capítulo, analisando primeiramente a posição majoritária do TST, consolidada na OJ n° 199, passando pela análise dos argumentos contrários e favoráveis à aplicação principiológica da irretroatividade das nulidades, visou demonstrar, em linhas gerais, a inquietação doutrinária de que trataram os capítulos predecessores, à luz de algumas demandas reais formuladas e apreciadas pelo Judiciário trabalhista.

Diante de todas as ponderações até aqui formuladas, sempre convergindo para a demonstração da possibilidade de aplicação do princípio da irretroatividade das nulidades nos contratos de trabalho envolvendo o jogo do bicho, passa-se então, para a verificação das conclusões alcançadas com a presente Monografia.

  

5 CONCLUSÃO

 

 

Diante das análises feitas ao longo do presente estudo, mostra-se possível vislumbrar, frente o caminho argumentativo trilhado, elementos que permitem as seguintes conclusões:

À luz da relação existente entre o bicheiro e seus apontadores, tendo sido esse o objeto de análise do presente estudo, a aplicação do princípio da irretroatividade das nulidades mostrou-se, inequivocamente, como uma forma possível de ser aplicada para viabilizar o reconhecimento de direitos trabalhistas daqueles que prestam sua força laboral em favor da atividade do jogo do bicho.

Inicialmente, o presente estudo enveredou pela análise dos fundamentos contrários à possibilidade de reconhecimento de direitos trabalhistas em favor do apontador do jogo do bicho. Diante da referida análise, foi possível concluir que a totalidade dos fundamentos utilizados sempre gravitam em torno da ilicitude do objeto das referidas relações. No que compete a este entendimento, alega-se especificamente a afronta ao que determina o Código Civil ao tratar dos requisitos de validade dos negócios jurídicos.

Ao passar para a análise da viabilidade aplicativa do Princípio da Irretroatividade das Nulidades como forma de possibilitar o reconhecimento de direitos trabalhistas em favor do apontador do jogo do bicho, esta análise tomou por substrato argumentativo inicial, a questão da contradição sócio-normativa envolvendo a atividade do jogo do bicho. Neste sentido, constatou-se a existência teórica proibitiva que emana da lei de contravenções penais, em contraposição à realidade de total permissividade para com a referida prática no cotidiano social.

Com facilidade denota-se a necessidade de relativização do ilícito envolvido, fundando-se para tanto, na flagrante inobservância pelo Estado, dos seus deveres sociais constitucionalmente previstos, dentre eles, o que compete a adoção de medidas que visem possibilitar a oferta necessária de emprego regular. Em face da inobservância deste dever estatal, vislumbrou-se uma contribuição substancial para a manutenção destas relações laborais anômalas e desconectadas dos ditames legais.

Embora verdadeiramente careçam de objeto lícito, evidenciou-se em tais tratativas, a presença de todos os elementos caracterizadores de uma relação de emprego regular. Somando-se a este fato, mostrou-se inafastável o entendimento dos Costumes como fonte subsidiária do Direito do Trabalho. Assim sendo, o Direito não pode abster-se de considerar a realidade social a que se destina regular sob pena de inviabilizar a aplicação prática de seus regramentos.

Ainda no que compete à relativização do ilícito envolvido, em função da natureza peculiar dos contratos de trabalho (inerente relação de desigualdade entre as partes), verificou-se a necessidade precípua de uma aplicação prioritária dos regramentos próprios trabalhistas, cabendo assim a utilização meramente subsidiária do corolário normativo cível.

Entende-se que qualquer regramento diverso da CLT detém aplicação na esfera trabalhista, apenas naquilo que não ofenda as diretrizes principiológicas específicas de Direito do Trabalho. No caso específico do jogo do bicho, deve o aplicador do Direito conceder prioridade para o que orienta o Princípio da Proteção ao Trabalhador, considerando ainda, todos os seus desdobramentos principiológicos decorrentes.

Por fim, adotou-se por fundamento igualmente necessário, a questão da diferenciação de tratamento estatal que deve ser concedido às Contravenções Penais e práticas criminosas. Neste aspecto, demonstrou-se a inviabilidade comparativa das relações laborais envolvendo o jogo do bicho, frente às relações no âmbito de práticas criminosas, tendo sempre como elemento diferenciador, o grau de ofensividade à coletividade e a interpretação teleológica da norma proibitiva.

Seguida da fundamentação doutrinária que possibilitou o alcance das conclusões até aqui elencadas, a Monografia em questão utilizou-se do estudo comparativo jurisprudencial, no qual foi possível vislumbrar, em termos práticos, as contradições que permeiam o tema proposto. Demonstrou-se o entendimento majoritariamente contrário do TST ao reconhecimento de direitos trabalhistas em favor do apontador do jogo do bicho, verificando-se a consolidação de seu posicionamento no disposto na OJ n° 199.

Restou evidente que o verdadeiro objetivo prático da OJ mencionada se traduz tão somente, na tentativa de diminuição do número de demandas que se destinam à apreciação pelo TST, mantendo-se indiferente à flagrante necessidade de um maior amadurecimento de tais discussões. Na contramão do que determina esta consolidação de entendimento, ainda hoje a matéria envolvida mantém-se consideravelmente controvertida, demonstrando assim, a precipitação do TST em optar por sua edição.

Em face do estudo realizado, conclui-se que a adoção da irretroatividade das nulidades para fins de aplicação às relações analisadas, além de promover uma prestação jurisdicional mais justa por parte do Estado, mostrou-se ainda, eficaz para a adequação do aparato regulador estatal no que compete à repressão da atividade ilícita envolvida.

Ao optar pela aplicação da irretroatividade das nulidades, o aplicador do Direito promove a justiça por força do reconhecimento do efetivo labor prestado pelo apontador, que por sua natureza peculiar, demonstra-se insuscetível de restituição, cabendo portanto, a contraprestação devida pelo bicheiro. Ainda no que tange à aplicação justa da lei, a adoção do referido princípio, possibilita ao intérprete, o reconhecimento da inexistência reguladora do Estado como contributo inafastável para o surgimento e manutenção destas relações.

No que compete à adequação do aparato regulador estatal com vistas a coibir o ilícito em questão, restou evidenciado que a aplicação do entendimento defendido no presente estudo detém uma postura claramente mais eficiente pois, diferente da repressão prioritária contra o hipossuficiente, prima por coibir o enriquecimento ilícito do bicheiro.

A adoção desta postura interpretativa permite o reconhecimento do bicheiro como aquele que em verdade detém o controle da atividade ilegal, respeitando assim, a relação de dependência existente, bem como de causa e efeito para a perpetuação destas tratativas de cunho laboral envolvendo o explorador da atividade e seus apontadores.

De forma conclusiva, negar o vínculo trabalhista do apontador do jogo do bicho significa legitimar que o operador do Direito feche os olhos para a existência de fatores práticos inafastáveis, tais como: prestação inequívoca de força trabalho por parte do apontador; déficit na oferta de emprego regular; necessidade de obtenção de renda para subsistência; inexistência de regulação efetiva da atividade pelo poder público; menor grau de ofensividade à coletividade no âmbito das contravenções e por fim, a prática de atividades idênticas titularizadas pelo próprio Estado.

Ante tudo exposto, entende-se a função de apontador do jogo do bicho, em âmbito prático, como uma prestação laboral típica que, embora carente de um dos elementos que lhe conceda validade (objeto lícito), mas que, em virtude tanto da natureza negocial envolvida (prestação de força trabalho), bem como, por força das peculiaridades fáticas existentes no âmbito do referido ilícito, deve assim, gerar efeitos jurídicos até que se perfaça a decretação judicial de sua nulidade.

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

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FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1995

 

 

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MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. Melhoramentos, 1993;

 

 

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PESSOA, Valton. Manual de Processo do Trabalho. Salvador: Jus Podium, 2° Ed. 2008;

 

 

VELOSO, Alberto Júnior. Simulação – Aspectos Gerais e Diferenciados à Luz do Código Civil. Curitiba: Juruá, 2° Ed. 2009;

 

 

WOLKMER, Antônio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. 4.ed. São Paulo: RT, 2003.

 

 

 

 

 

 

ANEXO A

 

 

Processo : 00095-2009-145-03-00-0 RO

Data de Publicação : 05/10/2009

Órgão Julgador : Sexta Turma

Juiz Relator : Des. Jorge Berg de Mendonca

Juiz Revisor : Des. Emerson Jose Alves Lage

 

Recorrente: Rosângela Régia Ramos Ribeiro

Recorrido: Ademilson Alves Santos

REDATOR: DESEMBARGADOR EMERSON JOSÉ ALVES LAGE

 

EMENTA: RELAÇÃO DE EMPREGO. JOGO DO BICHO - No entendimento da d. maioria desta Turma, se a relação jurídica estabelecida entre a trabalhadora e o reclamado estava calcada no desenvolvimento de atividade tipificada como contravenção penal, não há como conferir efeitos jurídicos a essa relação, nesta Justiça Especializada, com o reconhecimento do vínculo de emprego, pela ausência de pressuposto de validade intrínseco ao negócio jurídico, qual seja, a licitude do objeto (inciso II do art. 104 do Código Civil). Nesse sentido, a OJ 199 da SDI do TST, que estabelece: "Jogo do bicho. Contrato de trabalho. Nulidade. Objeto ilícito. Arts. 82 e 145 do Código Civil."

 

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em destaque, decide-se:

 

RELATÓRIO

 

A MM. Juíza do Trabalho Rosa Dias Godrim, na titularidade da 3ª Vara do Trabalho de Montes Claros, por meio da r. sentença de fls. 47/50, julgou improcedentes os pedidos formulados na reclamação trabalhista ajuizada por ROSÂNGELA RÉGIA RAMOS RIBEIRO contra ADEMILSON ALVES SANTOS, que vieram calcados na declaração do vínculo empregatício, com o pagamento das parcelas decorrentes do contrato de trabalho.

Inconformada, recorre a reclamante, pelas razões expostas às fls. 52/54, que serão examinadas.

O réu, regularmente intimado para apresentar contrarrazões, quedou-se inerte, consoante certidões de fls. 54-v e 55.

 

Dispensado o parecer ministerial.

 

É o relatório.

 

VOTO

 

ADMISSIBILIDADE

 

Conhece-se do recurso ordinário da reclamante, não sujeito a preparo (dispositivo de f. 50), porque presentes todos os pressupostos para sua admissibilidade.

 

MÉRITO

 

RELAÇÃO DE EMPREGO - JOGO DO BICHO

 

Não se conforma a reclamante com a r. sentença que não reconheceu o vínculo de emprego com o reclamado, tendo-se fundado a MM. Juízo em que a ilicitude do objeto do contrato (jogo do bicho) obstava a pretensão deduzida. Insiste a autora no reconhecimento do liame empregatício que alega ter mantido com o réu, como cambista de jogo do bicho, sustentando que, a despeito da ilicitude dos negócios do recorrido, prestou-lhe serviços subordinados, razão pela qual deve ser reconhecido o vínculo de emprego e o direito às verbas dele decorrentes.

O voto condutor, da lavra do e. Desembargador Jorge Berg de Mendonça, dava provimento ao recurso da reclamante, reconhecendo o vínculo de emprego entre as partes e determinando o retorno dos autos ao MM. Juízo de origem para apreciação e julgamento das demais questões, segundo os seguintes fundamentos da lavra de Sua Exa., verbis:

"Antes de adentrar ao exame dessa questão propriamente dita, é necessário averiguar a distribuição do ônus da prova e verificar se há a presença dos elementos fático-jurídicos para o reconhecimento da relação de emprego.

A recorrente, na petição inicial, aduziu ter sido verbalmente contratada para trabalhar como cambista de jogo do bicho em 01/01/1993, tendo sido dispensada sem justa causa em 01/01/2009. Alegou que os serviços eram prestados em pontos de venda do reclamado, primeiramente na Praça de Esportes (centro de Montes Claros), posteriormente, no ponto da Rua Santa Efigênia e, por fim, no ponto instalado pelo reclamado em frente à sua casa (da autora). Sustentou que, além de ser responsável pela venda de apostas do jogo do bicho, a autora tinha como função anotar os resultados dos sorteios em um caderno, o qual ficava à disposição dos clientes para conferência de suas apostas. Disse que laborava de segunda-feira a sábado e era comissionista.

Em defesa (fls. 27/30), o reclamado negou a existência de qualquer tipo de prestação de serviços, tendo inclusive dito que exerce a profissão de moto-taxista e não é proprietário de banca de jogo de bicho. Afirmou que a reclamante age em flagrante má-fé.

Negada a ocorrência de qualquer prestação de serviços por parte da reclamante, é ônus desta a prova do fato constitutivo de seu direito, nos termos do artigo 818/CLT c/c artigo 333, I, do CPC.

A prova oral favorece a tese obreira.

A testemunha ouvida a rogo da autora, Sr. Alencar Nunes de Novais, declarou, à fl. 46, que: 'nunca trabalhou para o reclamado; o depoente é agente de combate a endemias, tendo trabalhado no Bairro Antônio Pimenta e atualmente no centro; a rua Pontaporã fica na divisa entre os bairros Sumaré e Antônio Pimenta; o depoente conhece o reclamado de vista, sendo que o via buscando dinheiro onde a reclamante trabalhava, ou seja, em uma banca de jogo do bicho, em frente à sua casa (da reclamante); que sempre via o reclamado por lá, quando o depoente estava trabalhando na rua, por volta das 13:30/14:30 horas; que algumas pessoas comentavam que o reclamado era o dono da banca, sendo que a própria reclamante também falava que ele era seu patrão; além disso, o via na banca; sabe que a reclamante mora na rua Pontaporã; que o depoente já viu o reclamado recebendo dinheiro das mãos da reclamante'.

A testemunha apresentada pelo réu, Sr. Milton Mendes Maia, afirmou, à fl. 46, não auxiliou no deslinde da controvérsia, já que afirmou 'que o depoente tem pouco conhecimento com o reclamado, tendo mais conhecimento com seu pai, (...); não sabe se o reclamado tem alguma relação com o jogo do bicho'.

Além da prova oral, a reclamante trouxe aos autos os documentos de fls. 11/15, relacionados ao jogo do bicho e que fazem referência à Organização Montes Claros.

Curioso notar que o documento de fl. 13 está assinado por 'Nego', com data de dez/07, e a certidão do Oficial de Justiça à fl. 33 demonstra que esse é o apelido do reclamado.

Ademais, vale ressaltar que restou incontroverso nos autos que o reclamado, juntamente com a reclamante, foi indiciado em virtude de acusação de envolvimento com o jogo do bicho. A esse respeito, vide a alegação da reclamante na impugnação à defesa, à fl. 36, §5º, bem como o depoimento pessoal do réu, à fl. 45.

Diante de todo o processado, entendo que a reclamante logrou demonstrar, quantum satis, - levando-se em consideração a natural dificuldade da prova da prática de exploração de atividade ilícita -, que, de fato, o réu explorava o jogo do bicho, valendo-se, para tanto, dos serviços da autora. E, para tal conclusão, devem ser destacadas as declarações da testemunha ouvida a rogo da reclamante, no sentido de que via o reclamado buscando dinheiro na banca da reclamante e dos comentários de que ele seria o dono da mesma.

Comprovada de forma suficiente a prestação de serviços pela reclamante, o réu não demonstrou que a relação de trabalho por ele mantida com a reclamante não se enquadrasse no disposto pelo artigo 3º da CLT, isto é, que não se fizeram presentes os elementos fático-jurídicos da relação de emprego, quais sejam, pessoa física que trabalha com pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação.

Registre-se, data venia do entendimento majoritário, que, mesmo tendo a autora admitido que figurava como cambista do jogo de bicho, esse fato, isoladamente, não é suficiente para declarar a inexistência de vínculo entre as partes, pois, no entendimento deste Relator, a ilicitude da atividade restringe-se ao empregador, não alcançando o empregado, mormente tendo em vista que se trata de contravenção penal que, na prática, é tolerada pelo Poder Público.

Importante ressaltar que o não reconhecimento de vínculo beneficiaria, exclusivamente, o 'bicheiro' - dono da banca, e prejudicaria não só o trabalhador, como também o Estado, já que ausentes recolhimentos previdenciários.

Assim, se o 'jogo do bicho' vem sendo tolerado há tanto tempo, sem atuação efetiva dos órgãos fiscalizatórios competentes, não há motivos para se manter o entendimento de inexistência do vínculo de emprego.

A propósito, citem-se os seguintes arestos:

 

'JOGO DO BICHO. VÍNCULO DE EMPREGO. MULTA DO ART. 22 DA LEI 8.036/90. INDENIZAÇÃO PELA DIFERENÇA DE IMPOSTO DE RENDA. LIBERAÇÃO DAS GUIAS DE SEGURO E ABONOS DO PIS. INDENIZAÇÃO MATERIAL E MORAL. 1. Diante da ampla aceitação da sociedade e deficiência de fiscalização pelo Poder Público, no que diz respeito ao 'jogo do bicho', a ilicitude dessa prática, não pode servir de escudo aos seus exploradores, de modo a isentá-los das dívidas trabalhistas com seus empregados. 2. (...)' (TRT - 5ª Região/BA - RO-00174-2008-421-05-00-4; acórdão nº 023886/2008; Relator Desembargador Jéferson Muricy, 5ª Turma, DJ: 24/09/08).

 

'JOGO DO BICHO - ATIVIDADE ILÍCITA - RELAÇÃO DE EMPREGO EXISTENTE - Embora o Poder Judiciário reconheça a ilicitude da atividade desenvolvida pelo empregador, não pode declarar ilícito o contrato de trabalho, tendo em vista a realidade social, bem como a tolerância do Poder Público, relativa a essa prática - ainda mais tendo em mira que a demandante é parte economicamente mais fraca e que, nos dias de hoje, existe uma enorme carência de oferta de emprego, que não permite a colocação no mercado de trabalho de todo o efetivo da mão-de-obra. Saliente-se, por fim, que o reconhecimento de atividade ilícita não pode eximir o contraventor de suas obrigações trabalhistas, sob pena de premiá-lo, duplamente'. (TRT - 3ª Região/MG - RO/10.347/98 - Publicação: 27/08/99 - 1ª Turma - Redator: Manuel Cândido Rodrigues).

 

Em face do exposto, reconheço o vínculo de emprego entre as partes e determino o retorno dos autos ao MM. Juízo de origem para apreciação e julgamento das demais questões de mérito, conforme se entender de direito.

Este Revisor, contudo, divergiu do r. entendimento do Relator, entendendo de confirmar a r. sentença recorrida, no que foi acompanhado pela d. maioria da Turma, prevalecendo os seguintes fundamentos de decidir:

Como se sabe, para a configuração da relação de emprego, faz-se necessária a presença concomitante dos elementos fático-jurídicos previstos nos artigos 2º e 3º da CLT, quais sejam, o trabalho prestado por pessoa física a um tomador, de forma não-eventual, mediante recebimento de salário e subordinação jurídica (clássica ou estrutural).

Entretanto, antecedendo à averiguação da presença desses elementos, matéria afeta ao mérito da demanda, incumbe ao Julgador analisar, preliminarmente, se a relação jurídica informada nos autos é legitimada pela ordem jurídica, o que demanda a verificação da presença de certos elementos intrínsecos e extrínsecos atinentes aos negócios jurídicos, entre os quais, como se sabe, se inclui o próprio contrato de trabalho.

Os elementos intrínsecos dizem respeito ao consentimento, a causa e a forma do contrato (plano da existência). Por sua vez, os elementos extrínsecos são aqueles que devem existir no momento em que se vai celebrar o contrato, sendo indispensáveis para que os negócios jurídicos produzam efeitos no mundo jurídico (plano da validade), sendo que, em conformidade com o art. 104 do Código Civil são eles: agente capaz (inciso I); objeto lícito, possível, determinado ou determinável (inciso II); forma prescrita ou não defesa em lei (inciso III).

No caso dos autos, verifica-se, pelo próprio teor da petição inicial, bem como da peça de defesa e também das razões recursais, que a atividade desempenhada pela autora em favor do réu estava diretamente ligada à venda de apostas no "Jogo do Bicho", que estão à margem da legalidade.

Aliás, chega-se ao absurdo de o próprio reclamado alegar, na contestação, como tese eventual de defesa, a nulidade da contratação em face da ilicitude do objeto.

Verificado, assim, que o objeto do contrato de trabalho constituía em atividade ilícita, essa ilicitude contamina o contrato na sua essência, tornando-o nulo de pleno direito, não podendo surtir efeitos no mundo jurídico, daí porque à trabalhadora não são garantidos os direitos decorrentes da relação empregatícia, ainda que constatada a presença dos supostos elementos fático-jurídicos configuradores do contrato de trabalho (efeitos ex tunc da nulidade declarada).

Frise-se, por oportuno, que a doutrina tem entendido que somente seria possível atenuar referida conseqüência na hipótese de não conhecer a trabalhadora o fim ilícito da atividade do tomador dos serviços ou de não se inserir seu labor no contexto nuclear de tais atividades. Nesse sentido, os ensinamentos de Mauricio Godinho Delgado em sua obra "Curso de Direito do Trabalho":

"A regra geral de negativa plena de efeitos jurídicos ao trabalho ilícito não esmorece a pesquisa em torno de algumas possibilidades concretas de atenuação do preceito geral enunciado. Duas alternativas destoantes da regra geral têm sido apontadas pela doutrina: a primeira, consistente na situação comprovada de desconhecimento pelo trabalhador do fim ilícito a que servia a prestação laboral perpetrada. A segunda alternativa consistiria na nítida dissociação entre o labor prestado e o núcleo da atividade ilícita. Para esta tese, se os serviços prestados não estiverem diretamente entrosados com o núcleo da atividade ilícita, não serão tidos como ilícitos, para fins justrabalhistas" (LTr, 5ª edição, p. 501/502).

Entretanto, como demonstrado, a situação que se delineia nesses autos não se amolda a essa hipótese excludente, sendo certo que a reclamante sempre soube da ilicitude do "negócio" do reclamado e, mesmo assim, despendeu sua força de trabalho para viabilizar a atividade ilícita por longos dezesseis anos.

 

Aplica-se à espécie a OJ 199 da SDI do TST, que assim estabelece:

 

"Jogo do bicho. Contrato de trabalho. Nulidade. Objeto ilícito. Arts. 82 e 145 do Código Civil".

 

Logo, inócuo se perquirir acerca da existência ou não dos elementos configuradores da relação de emprego, nos moldes previstos nos artigos 2º e 3º da CLT, razão pela qual a análise dos argumentos recursais nesse sentido fica prejudicada.

Pelos fundamentos expostos, a d. maioria da Turma negou provimento ao recurso da reclamante.

 

CONCLUSÃO

 

Conhece-se do recurso da reclamante e, no mérito, nega-se-lhe provimento, vencido o e. Desembargador Relator.

 

Fundamentos pelos quais,

ACORDAM os Desembargadores do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, pela sua 6ª Turma, preliminarmente, à unanimidade, conhecer do recurso da reclamante; no mérito, por maioria de votos, negar-lhe provimento, vencido o Exmo. Desembargador Relator. .

 

Belo Horizonte, 22 de setembro de 2009.

EMERSON JOSÉ ALVES LAGE

DESEMBARGADOR – RELATOR, EJAL/1

ANEXO B

 

 

ACÓRDÃO Nº 7456/08 4ª. TURMA 
RECURSO ORDINÁRIO Nº. 00518-2007-007-05-00-5-RO
RECORRENTE: Anderson Gabriel Dantas Amorim
RECORRIDO: Rubens Paiva Lube Me e Outros (2)
RELATOR: Desembargador ROBERTO PESSOA

 

JOGO DO BICHO. RELAÇÃO DE EMPREGO. A tolerância e aceitação do jogo do bicho, pela sociedade, e a omissão das autoridades responsáveis na sua repressão, não fazem com que o ilícito, na prática, se torne lícito, para autorizar a legalidade e validade do vínculo e reconhecimento, como de emprego, da relação mantida entre o cambista e o dono da banca, visto que o objeto não atende às exigências dos artigos 104 e 166 do CC em vigor.

ANDERSON GABRIEL DANTAS AMORIM, inconformado com a decisão de fls. 452/54, proferida pela 7ª. Vara do Trabalho de Salvador, julgando IMPROCEDENTE a reclamação proposta nos presentes autos em que figura como parte contrária a RUBENS PAIVA LUBE ME E OUTROS (2), ajuizou recurso ordinário consoante razões expendidas às fls. 56/61.Tempestivo o recurso sobredito, regular a representação processual (fl. 06), sendo desnecessário o preparo face ao deferimento do benefício da Justiça gratuita, através da decisão de fl. 62 dos autos.

Notificado o Recorrido, ofereceu contra-razões às fls. 65/72, suscitando preliminar de deserção, em face do não recolhimento das custas. Os autos não foram remetidos ao Ministério Público.
Visto do (a) Ex.
mo (a) Sr. (a) Desembargador (a) Revisor (a).

EIS O RELATÓRIO

 

VOTO

 

PRELIMINAR DE DESERÇÃO COM BASE NO INDEFERIMENTO DA JUSTIÇA GRATUITA Suscitada a prefacial supra pelo Recorrido, sob o argumento de que a decisão que indeferiu a pretensão de gratuidade deve ser mantida, porquanto o Reclamante não atestou ser pobre, com obediência das formalidades legais. Sem razão, contudo, o Recorrido, visto que o benefício, a despeito de haver sido indeferido pela decisão recorrida, foi revisto pela decisão de fls. 62, que assegurou ao Recorrente o referido privilégio, o que foi realizado dentro dos princípios norteadores do Processo do Trabalho, e em perfeita harmonia com o disposto no art. 790, § 3º, da CLT, posto que o mesmo pode ser concedido em qualquer instância ou grau de jurisdição.

REJEITO A PRELIMINAR.

 

RECURSO DO RECLAMANTE PRELIMINAR DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA
O pleito em epígrafe se encontra prejudicado, considerando que o Reclamante já teve deferido o requerimento, pela decisão de fl. 62, proferida pelo Juízo de primeira instância, não havendo qualquer prejuízo, no particular.

 

MÉRITO

O Recorrente se insurge contra a declaração da nulidade do contrato, requerendo a reforma da decisão para que seja julgada procedente a Reclamação, em todos os seus termos.
Trata-se de ação oposta pelo Reclamante, buscando o reconhecimento de relação de emprego em face de Rubens Paiva Lube ¿ ME e de Rubens Paiva Lube, sob o argumento de que: ¿¿ foi admitido aos serviços da reclamada para exercer a função de administrador da Loja de jogo de Aposta Lotérica em 10.12.1997, sendo que logo após o ano de 2001 passou a desempenhar a função de gerente da loja em apreço. Além de assumir a gerência da primeira reclamada passou a desempenhar a função de administração das máquinas de caça níqueis da Região da Linha Verde, Itapoá, Imbui, Stela Mares e São Cristóvão, ambas pertencentes ao segundo reclamado, e despedido sem justa causa no dia 15.07.2005¿.

Aduz mais que ¿O fato da nossa legislação considerar o jogo do bicho e casa níqueis como uma contravenção penal não deve ser considerado como impeditivo ao deferimento das reparações de natureza trabalhista do autor¿¿, postula, assim, a reforma da decisão para seja julgada procedente a Reclamação, com o deferimento das verbas pleiteadas.
Ora, é o próprio Reclamante quem, desde a inicial, reconhece a natureza e o caráter ilícito da prestação realizada junto ao seu pretenso empregador, tornando incontroverso o fato, não lhe cabendo sequer o benefício da dúvida.

Se assim ocorre, não há como se admitir licitude ou reconhecer quaisquer benefícios em derredor da relação de fato, inclusive, já apreciado em diversas oportunidades pelo e. TST, nos termos da OJ 199, da SDI 1, declarando a ilicitude da atividade vinculada ao jogo do bicho (OJ Nº. 199 JOGO DO BICHO. CONTRATO DE TRABALHO. NULIDADE. OBJETO ILÍCITO. ARTS. 82 E 145 DO CÓDIGO CIVIL. Inserida em 08.11.00), o que se constitui em empecilho ao reconhecimento da relação trabalhista obrigada pelo ordenamento jurídico e perseguido pelo Recorrente.

Atente-se que o contrato de trabalho, mesmo sem as exigências formais para sua realização e reconhecimento, estando enquadrado na categoria dos negócios jurídicos, para que possa vir a ser reconhecido deve observar as regras mínimas de validade previstas nos artigos 104 e 166 do Código Civil de 2002.

Em se tratando de objeto ilícito ou proibido, não resta salvação, porque se encontra repudiado pelo ordenamento jurídico, sendo imperativo a declaração da nulidade do contrato de trabalho quando desenvolvido em atividade ilícita, como neste caso, ligada ao chamado ¿ jogo  do bicho¿, em face da flagrante ilicitude do objeto, que emana do disposto na Lei de Contravenções Penais, notadamente do seu artigo 58.

Ressalte-se que não há controvérsia quanto à natureza da atividade, eis que foi declarada desde a inicial, pelo próprio Recorrente.

Diante de tais circunstâncias, nego provimento ao recurso.

Acordam os Desembargadores da 4ª. TURMA do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, por unanimidade, REJEITAR A PRELIMINAR DE DESERÇÃO SUSCITADA PELO DEMANDADO E, NO MÉRITO, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DO RECLAMANTE.

Salvador, 08 de abril de 2008.

ROBERTO PESSOA
Desembargador Relator

ANEXO C

 

 

Acórdãos Inteiro Teor

PROCESSO: E-RR NÚMERO: 621145 ANO: 2000
PUBLICAÇÃO: DJ - 29/06/2007
PROC. Nº TST-E-RR-621.145/2000.8
 
C: A C Ó R D Ã O
SBDI-1 MCP/fhm/va EMBARGOS VÍNCULO DE EMPREGO - JOGO DO BICHO EFEITOS CONFIRMAÇÃO PELO C. TRIBUNAL PLENO DA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 199 DA C. SBDI-1.
1. Versam os autos sobre a possibilidade de reconhecimento de eficácia jurídica à prestação de serviços relacionados ao jogo do bicho. O C. Tribunal Pleno, apreciando a matéria, confirmou a Orientação Jurisprudencial nº 199, que nega efeitos à referida prestação, em virtude da ilicitude do objeto.
2. Na espécie, o Eg. Tribunal Regional, embora tenha assumido que a prestação dos serviços relacionava-se a atividade ilícita do jogo do bicho, reconheceu o direito da Autora à percepção de certas verbas próprias do contrato de trabalho, em oposição ao entendimento prevalecente nesta Eg. Corte Superior.
 
Embargos conhecidos e providos.
 
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos em Recurso de Revista nº TST-E-RR-621.145/2000.8, em que é Embargante ORGANIZAÇÃO PARATODOS (MARCELO ANDRADE) e Embargada MARIA DE FÁTIMA NASCIMENTO. A C. 4ª Turma desta Corte, pelo acórdão de fls. 116/119, deu parcial provimento ao Recurso de Revista da Reclamada no tema vínculo de emprego jogo do bicho, para excluir da condenação a indenização de antigüidade, multa de 40% (quarenta por cento) do FGTS e a dobra de férias. Manteve, assim, as demais verbas objeto da condenação imposta pelo Eg. Tribunal Regional: 13os salários do período; férias simples relativas ao ano de 94/95, acrescidas de 1/3; aviso prévio; reconhecimento do FGTS; multa do artigo 477, § 6º, da CLT.
A Reclamada interpõe Embargos à SBDI-1 (fls. 121/126). Sustenta que, sendo nulo o contrato de trabalho, não se pode dotar-lhe de eficácia. Indica ofensa ao artigo 182 do Código Civil e divergência jurisprudencial.
Sem impugnação (certidão de fls.128); sem remessa dos autos ao D. Ministério Público do Trabalho, nos termos do artigo 82 do Regimento Interno do TST.
Iniciado o julgamento dos Embargos, foi suspensa a proclamação do resultado, a fim de que a matéria fosse submetida ao C. Tribunal Pleno, uma vez que a maioria dos Ministros votava de forma contrária aos precedentes da Subseção I. Foi igualmente suspensa a apreciação da proposta do Exmo. Min. Milton de Moura França no sentido de que fosse oficiado o Ministério Público Estadual com o envio de cópias de peças extraídas dos presentes autos (certidão de fls. 132).
Examinado o tema pelo C. Tribunal Pleno (fls. 138/149), retornaram os autos a esta C. SBDI-1.
É o relatório.
 
V O T O
 
PRELIMINAR DETERMINAÇÃO EX OFFICIO DE EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO AO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL
Preliminarmente, determino, como proposto pelo Exmo. Min. Milton de Moura França, a expedição de ofício com cópia dos presentes autos ao d. Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, para que tome as providências que entender cabíveis.
 
REQUISITOS EXTRÍNSECOS DE ADMISSIBILIDADE
Tempestivo o Recurso e subscrito por profissional habilitado, passo ao exame.
 
I  VÍNCULO DE EMPREGO  EFEITOS  JOGO DO BICHO
 
a) Conhecimento
 
A C. 4ª Turma desta Corte, pelo acórdão de fls. 116/119, deu parcial provimento ao Recurso de Revista da Reclamada no tema vínculo de emprego jogo do bicho, para excluir da condenação a indenização de antigüidade, a multa de 40% (quarenta por cento) do FGTS e a dobra de férias, nestes termos:
A controvérsia acerca do reconhecimento de vínculo de emprego, envolvendo a atividade do jogo do bicho, resta pacificada nesta Corte Superior, nos termos da Orientação Jurisprudencial nº 199/SBDI-1, verbis:
JOGO DO BICHO. CONTRATO DE TRABALHO. NULIDADE. OBJETO ILÍCITO. Arts. 82 e 145 do Código Civil .
No tocante à ilicitude e à nulidade da relação do emprego, há convergência da jurisprudência iterativa citada com a decisão recorrida.
Subsiste, entretanto, a questão relativa aos efeitos da nulidade do contrato laboral. Destaco, de imediato, entendimento de que, na órbita das relações privadas, aplica-se, sem restrições, o princípio consagrado no art. 182 do Novo Código Civil. Impossível a restituição da mão-de-obra, a indenização equivalente deve ter a natureza do ato anulado e, via de conseqüência, quantificada nos limites dos direitos advindos do estado da parte na duração do trabalho.
Devidas, assim, as verbas previstas no ordenamento jurídico laboral, a título indenizatório, porquanto a garantia maior deve resguardar os direitos fundamentais consagrados na Carta Constitucional art. 1º, III e IV, - dignidade da pessoa humana e valores sociais do trabalho.
Entretanto para evitar a inocuidade da decretação da nulidade contratual, dou provimento parcial ao recurso, para excluir da condenação a indenização de antigüidade, a multa de 40% do FGTS e a dobra de férias (fls. 118/119).
Foram mantidas, assim, as demais verbas objeto da condenação imposta pelo Eg. Tribunal Regional: 13os salários do período; férias simples relativas ao ano de 94/95, acrescidas de 1/3; aviso prévio; reconhecimento do FGTS; multa do artigo 477, § 6º, da CLT.
A Reclamada interpõe Embargos à SBDI-1 (fls. 121/126). Sustenta que, sendo nulo o contrato de trabalho, não se pode dotar-lhe de eficácia. Indica ofensa ao artigo 182 do Código Civil e divergência jurisprudencial.
O aresto transcrito às fls. 124 autoriza o conhecimento dos Embargos, ao afirmar que a ilicitude do objeto enseja a nulidade absoluta do contrato.
Conheço por divergência jurisprudencial.
 
b) Mérito
Versam os presentes autos sobre a possibilidade de reconhecimento de eficácia jurídica à relação de prestação de serviços no âmbito das atividades relacionadas ao jogo do bicho.
Como relatado, iniciado o julgamento dos Embargos, foi suspensa a proclamação do resultado, a fim de que a matéria fosse submetida ao C. Tribunal Pleno, uma vez que a maioria dos Ministros votava de forma contrária aos precedentes da Subseção I (certidão de fls. 132).
Examinado o tema pelo C. Tribunal Pleno (fls. 138/149), foi confirmada a jurisprudência consignada na Orientação Jurisprudencial nº 199 da C. SBDI-1. Confira-se a ementa do referido julgado:
 
JOGO DO BICHO CONTRATO DE TRABALHO  OBJETO ILÍCITO  NULIDADE.
Deve ser mantida a Orientação Jurisprudencial nº 199 da SDI-1 desta Corte, que não reconhece nenhum direito ao trabalhador que presta serviços ao bicheiro ou Dono da Banca do Jogo do Bicho. Trata-se, pois, de típica e inconfundível contravenção penal, prevista no art. 58 do Decreto-Lei nº 6.259, de 10/2/1944. A CLT, em seu art. 3º, ao conceituar o empregado, e, no art. 2º, o empregador, não deixa a mínima dúvida de que o trabalho a ser prestado somente pode ser o considerado lícito pelo ordenamento jurídico do País, o que resulta, necessariamente, que o empregador deve também exercer uma atividade legal. É inaceitável a confusão entre trabalho ilícito e trabalho proibido e seus efeitos.
 
Trabalho proibido é trabalho lícito, mas que o legislador impõe, por motivo especial ou relevante, restrições à sua execução. O critério de idade, por exemplo, leva à proibição do trabalho em condições perigosas ao menor de idade. O trabalho, nesse caso, não é prestado a um empregador que exerce atividade delituosa, mas, ao contrário, tipicamente legal, daí gerar todos os direitos ao menor. Em contrapartida, deve ser punido o empregador que afrontou norma legal de proteção àquele que ainda não adquiriu o necessário desenvolvimento que o torne apto a enfrentar, no desempenho de suas atividades, condições agressivas à sua integridade físico-psíquica. Outro exemplo é o do servidor público contratado para exercer o emprego sem a observância de sua prévia aprovação em concurso público (art. 37, II, da Constituição Federal). Nessa circunstância, o trabalho é, igualmente, lícito, mas o descumprimento da exigência constitucional resulta em nulidade parcial da contratação, gerando ao prestador os serviços apenas as parcelas previstas na Súmula nº 363 do TST. O trabalho ilícito, ao contrário, não pode, nem deve, gerar nenhum benefício, seja trabalhista, seja de qualquer outra natureza, competindo ao Ministério Público formular denúncia contra o trabalhador e o bicheiro ou Dono da Banca do Jogo do Bicho e todas as demais pessoas envolvidas no ilícito penal. Não cabe, pois, ao Estado, reconhecer como legalmente válida uma relação de trabalho dessa natureza, tipicamente delituosa, que afronta o ordenamento jurídico do País. O argumento de que o Jogo do Bicho está arraigado em nossa sociedade e que representa uma prática inofensiva, data venia, só pode ser fruto da ingenuidade. A despeito de certa tolerância pelas autoridades, que têm o dever de combater esse tipo de infração penal, aliado ao argumento de que os prestadores desse serviço são, em regra, pessoas carentes, e, ainda, que se trata de infração de menor gravidade, que, por isso mesmo, o trabalho constituiria uma fonte de ganho indispensável à subsistência daqueles envolvidos nessa atividade, é equivocada. O jogo do bicho tem um potencial de destruição de valores sociais, morais, éticos, espirituais, etc..., que se reflete em toda a sociedade, como tem noticiado a mídia do País, ao revelar uma variedade de ilícitos penais que se fazem presentes em seu submundo.
Orientação Jurisprudencial nº 199 da SDI-1 deste Corte mantida (fls. 138/139).Como se vê, prevaleceu, no âmbito deste Eg. Tribunal Superior, o entendimento de que a prestação de serviços relacionada ao jogo do bicho, dada a ilicitude da atividade, não surte efeitos trabalhistas. É o que se lê da Orientação Jurisprudencial nº 199 da C. SBDi-1:
JOGO DO BICHO. CONTRATO DE TRABALHO. NULIDADE. OBJETO ILÍCITO. ARTS. 82 E 145 DO CÓDIGO CIVIL Confira-se, nesse sentido, os seguintes julgados, precedentes da Orientação:
 
RELAÇÃO EMPREGATÍCIA - JOGO DO BICHO. Quem presta serviços em "Banca de Jogo de Bicho" exerce atividade ilícita, definida por lei como contravenção penal. Assim sendo, inexiste o contrato de trabalho em epígrafe, eis que ilícito o objeto e ilícitas as atividades do tomador e da prestadora dos serviços. Tal contratação resulta na inexistência de relação de emprego, bem como na inconsistência de qualquer pedido de natureza trabalhista. Ora, é inaceitável que o Judiciário Trabalhista avalise a prática contratual ora em tela, que se encontra em total desarmonia com os princípios legais que regem os contratos. Recurso provido. (TST-E-RR-258.644/1996, SBDI-1, Rel. Min. José Luiz Vasconcello, DJ 17/12/1999)
 
JOGO DO BICHO - CONTRATO DE TRABALHO - CONFIGURAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE. Inviável o reconhecimento do vínculo empregatício entre as partes, quando a relação de trabalho tiver por objetivo o denominado jogo do bicho, atividade ilícita, enquadrada como contravenção penal e que nulifica o contrato de trabalho, por força dos artigos 82 e 145 do Código Civil, subsidiariamente aplicáveis ao Direito do Trabalho. Realmente, trata-se de atividade legalmente proibida no território nacional e, por isso mesmo, revela-se inaceitável que o Judiciário Trabalhista, em total desarmonia com o que prescreve o art. 82 do Código Civil, possa proclamar que entre o dono da banca, o popular bicheiro e seu arrecadador de apostas exista típico contrato de trabalho ao amparo da CLT e legislação complementar. Sabido que o contrato de trabalho é bilateral, e que o empregador deve ser a empresa, individual ou coletiva, que explora atividade econômica, que só pode ser lícita, não se admite que na ponta da relação jurídica possa existir prestador de serviços, legalmente amparado pela lei, quando seu beneficiário é um contraventor. Embargos não providos. (TST-E-RR-280.729/1996, SBDI-1, Rel. Min. Milton de Moura França, DJ 14/5/1999)
 
Não se cogita de qualquer eficácia jurídico-trabalhista em relação à prestação de serviços relacionada à atividade do jogo do bicho.
Pelo exposto, dou provimento aos Embargos para, declarando a nulidade da prestação de serviço da Reclamante, julgar improcedente a Reclamação Trabalhista.
ISTO POSTO,
ACORDAM os Ministros da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer dos Embargos por divergência jurisprudencial e, no mérito, dar-lhes provimento para, declarando a nulidade do contrato de prestação de serviços, julgar improcedente a Reclamação Trabalhista. Custas pela Autora, no importe de R$ 132,88 (cento e trinta e dois reais e oitenta e oito centavos).
 
Brasília, 27 de março de 2007.
MARIA CRISTINA IRIGOYEN PEDUZZI
Ministra-Relatora, NIA: 4221475

 

 

 

ANEXO D

 

 

Acórdão do processo 01374-2007-003-04-00-4 (RO)
Redator:  ROSANE SERAFINI CASA NOVA 

Participam:  BEATRIZ RENCK, EMÍLIO PAPALÉO ZIN

Data:  08/07/2009   Origem:  3ª Vara do Trabalho de Porto Alegre

 

EMENTA: RELAÇÃO DE EMPREGO. ATIVIDADE ILÍCITA. Hipótese em que a  ilicitude do objeto impede o reconhecimento da validade do contrato de trabalho havido entre as partes, nos moldes do art. 2º e 3º da CLT. No entanto, embora nula, a relação gerou efeitos, os quais não podem ser  ignorados, face a proteção do trabalho e da vedação do enriquecimento sem causa. Apelo parcialmente provido.  

VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz da Vara do Trabalho de Porto Alegre, sendo recorrente ALESSANDRO MENIEL BAIMA e recorridos JOCKEY CLUB ELDORADO, MARCO AURÉLIO GUIMARÃES E VALDO MARQUES DA SILVA

Da sentença da lavra da Exma. Juíza Rosemarie Teixeira Siegmann, que extinguiu o processo sem julgamento do mérito, o autor interpõe recurso buscando a sua reforma quanto ao vínculo de emprego.

As reclamadas não apresentam contra-razões.

É o relatório. 

 

ISTO POSTO:

 

RELAÇÃO DE EMPREGO. ATIVIDADE ILÍCITA.

Discute-se a existência de relação de  emprego entre o reclamante e a primeira reclamada - Jockey Club de Eldorado, a qual foi afastada pelo juízo de primeiro grau, em razão da ilicitude da atividade,  sendo extinto o processo sem julgamento do mérito.

Inicialmente cumpre referir, que, diante da confissão ficta da parte reclamada (fl. 77), não elidida  pelas demais provas carreadas aos autos, presumem-se verdadeiros os fatos alegados na petição inicial a respeito da prestação de trabalho. 

Por outro lado, dos termos da inicial e dos documentos juntados aos autos, inclusive, do depoimento do próprio reclamante no processo nº 01366-2007-003-04-00-8 ROPS (fls. 72/73), constata-se que as atividades exercidas pelo reclamante estavam vinculadas à exploração de jogos ilegais (bingo e eletrônicos), à favor da primeira reclamada. Note-se que no mencionado processo o reclamante esclarece “...que trabalhou na primeira reclamada, estabelecida na Rua Leonardo Truda, durante aproximadamente seis meses; que deixou de trabalhar para a primeira reclamada em 01/10/2007, quando houve o fechamento do estabelecimento pela Justiça; que a reclamante foi trabalhar  na primeira reclamada junto com o  depoente; que  no local do estabelecimento da primeira reclamada havia jogo eletrônico, tipo bingo, com sorteio de números; que a reclamante trabalhava como 'cartoneira', distribuindo os cartões do jogo de bingo; que Marco Aurélio Assmus era um dos proprietários do bingo; que o depoente trabalhava das 9h40min às 17h30min, assim como a reclamante; que a reclamante usufruía de intervalo intra-jornada com duração de cerca de 20min;  que a reclamante trabalhava de segunda a sábado; que o depoente e a reclamante trabalhavam em um bingo do segundo reclamado em período anterior ao descrito na inicial; que o bingo do segundo reclamado funcionava no estabelecimento do  primeiro reclamado; que então houve o fechamento do bingo do segundo reclamado; que o terceiro reclamado fez uma reunião com as pessoas que trabalhavam para o segundo reclamado dizendo que a partir dali ele assumiria os encargos trabalhistas; que então o bingo reabriu como Jockey Club; que  anteriormente funcionava no local da primeira reclamada mas com outro nome; que no período do segundo reclamado o estabelecimento era denominado Paineira Diversões Eletrônicas; que o depoente trabalhava como gerente; que  no estabelecimento da primeira reclamada tanto havia apostas de corridas de cavalo acompanhadas 'on line' , como também apostas  em números constantes de cavalos em jogos e não em reais corridas; que a reclamante distribuía cartela de números aos clientes que iam sendo preenchidas de acordo com os números que passavam na tela com os cavalos do jogo; que a reclamante  lidava com numerário, em espécie;...”. (grifo nosso).

A exploração e funcionamento dos bingos foi autorizada pela Lei nº 8.672/93 (Lei Zico), e teve por objetivo angariar recursos para o fomento do desporto. Em 1998 a Lei nº 9.615 (Lei Pelé), revoga a Lei nº 8.672/93 e autoriza as máquinas de jogos eletrônicos (bingos e similares). Posteriormente, os dispositivos que tratavam da matéria, arts. 50 a 81, foram revogados pela Lei nº 9.981/2000. Desse modo, tem-se que a permissividade para exploração de bingos por meio de máquinas eletrônicas, persistiu por dois anos na legislação brasileira. Depois da edição da Lei nº 9.981/2000, a exploração ou realização de jogo do bingo e eletrônicos, voltou a ser considerada contravenção penal a teor do art. 50, do Decreto-Lei nº 3.688/41, porquanto representam mecanismos de jogos de azar.

A atividade exercida pelo autor de “supervisor de arrecadação”, no período compreendido entre 24.08.2006 a 01.10.2007, portanto, é ilícita, impedindo, por essa razão, o reconhecimento da validade do contrato de trabalho, segundo disposição do art. 145 do Código Civil.

No entanto, embora nula a contratação, gerou efeitos, não podendo o trabalhador, parte frágil da relação, resultar desamparado, sob pena de violação do princípio basilar do Direito do Trabalho consagrador do repúdio ao enriquecimento indevido.

É oportuno referir, quanto aos efeitos, que a doutrina faz distinção entre atividades proibidas e ilícitas. O contrato, no primeiro caso, embora nulo, geraria os efeitos corriqueiros de qualquer contrato de trabalho. Já no segundo, em razão da ilicitude do objeto, o contrato não produziria conseqüências.  Ocorre que, não reconhecer direitos ao trabalhador, como se o contrato de trabalho fosse válido, neste caso a exploração de jogos de azar, além de acarretar um enriquecimento do dono do estabelecimento, fomentaria ainda mais  essa forma de delinqüência, já que o “empregador”,  estaria livre para contratar empregado, seguro que essa contratação não poderia lhe acarretar qualquer ônus, além do pagamento de comissões. Ademais, seria beneficiar o delinqüente em detrimento do empregador comum, obrigado a observar a legislação trabalhista à risca.

Nesse sentido, de que, embora ilícito o objeto, deve ser reconhecido os efeitos da relação existente, como se fosse válido o contrato, cita-se ementa do acórdão proferido pela 1ª Turma deste Tribunal, no Proc. nº 96.030995-5 RO, da lavra da Juíza Carmen Camino  com o seguinte teor: “Relação de emprego. Jogo do Bicho. Ainda que formalmente ilícita a atividade dos trabalhadores, circunstância que  invalida o contato, emerge a relação de trabalho em contexto social onde consagrada a prática dos jogos de azar, explorados a todo e qualquer título, por entidades filantrópicas, clubes esportivos, redes nacionais de televisão e pelo próprio Estado, com destaque especial para as conhecidas “raspadinhas”, muitas delas de duvidosa legalidade. Ausência de reprobabilidade social e notória tolerância do estado. Recurso Provido para reconhecer a existência da relação de trabalho com os traços típicos da relação de emprego. Retorno dos autos à junta de origem para Julgamento dos itens articulados do pedido que nela têm seu fundamento”.

Desta forma, deve ser dado provimento parcial ao recurso, para, reconhecendo a existência de contrato de trabalho havido entre as partes, que, embora nulo, gera seus efeitos.

Assim,  e considerando que a sentença de primeiro grau,  ante o julgamento de extinção do processo sem julgamento do mérito,  não apreciou os pedidos deduzidos na petição inicial do presente feito, determina-se, desde logo, o retorno dos autos ao Juízo de origem, para que os examine.

Apelo parcialmente provido.

Ante o exposto,

ACORDAM os Magistrados integrantes da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por unanimidade de votos, dar provimento ao recurso interposto pelo reclamante para, reconhecendo a existência de vínculo de emprego que, embora nulo, gera seus efeitos, determinar o retorno dos autos ao juízo de origem, para exame das pretensões deduzidas na petição inicial.

Intimem-se.

Porto Alegre, 8 de julho de 2009 (quarta-feira).

ROSANE SERAFINI CASA NOVA

DESEMBARGADORA RELETORA

 

  

  

 

ANEXO E

 

 

ACÓRDÃO Nº 4.973/08

5ª. TURMA

RECURSO ORDINÁRIO Nº 00776-2007-037-05-00-3-RO

RECORRENTE: Josilene Souza Santos

RECORRIDO: Rubens Paiva Lube - ME (Lube Loteria) e Outros (2)

RELATOR(A): Desembargador(a) ESEQUIAS DE OLIVEIRA

 

JOGO DO BICHO. RECONHECIMENTO DE RELAÇÃO DE TRABALHO, COM  CONDENAÇÃO DAS PARCELAS SOB A MODALIDADE DE INDENIZAÇÃO.   A ampla aceitação desta modalidade de jogo de prognósticos e a inércia das chamadas “autoridades competentes”, na sociedade brasileira, sugerem certa institucionalização desta atividade, sendo que sob a ótica do direito do trabalho, não há como não se reconhecer a produção de efeitos jurídicos indenizatórios da relação base, em face da peculiaridade ínsita ao direito laboral, de não se poder restituir ao status quo ante a força trabalho despendido pelo obreiro e em razão da respectiva apropriação econômica pelo empreendedor das vantagens daí advindas.  Recurso ordinário provido parcialmente.

JOSILENE SOUZA SANTOS, nos autos da reclamação trabalhista em que contende com RUBENS PAIVA LUBE – ME (LUBE LOTERIA) E ALEXANDRE AREIAS LUBE, interpõe RECURSO ORDINÁRIO , nos termos da promoção de fls. 60/65. O recurso versa sobre o seguinte: relação de emprego. Regularmente notificados, os recorridos ofereceram suas contra-razões às fls. 69/74. Teve vista o Exmo. Sr. Desembargador Revisor. É o relatório.

 

VOTO

Insurge-se a recorrente contra a decisão de primeiro grau que, acolhendo a tese da nulidade do contrato entabulado entre as partes pela ilicitude do objeto, declarou improcedentes todos os pleitos formulados pela reclamante na peça incoativa.

E razão entendo lhe assistir.

Pois bem. Consoante se extrai dos autos, a atividade da empresa reclamada afigura-se ilícita, de vez que explora o cognominado “jogo do bicho”, atividade esta que se encontra enquadrada no nosso ordenamento jurídico como contravenção penal, o que, a princípio acarretaria a nulidade absoluta do contrato de trabalho, por força do que dispõem os artigos 82 e 145 do Código Civil, aplicados de forma subsidiária ao Direito do Trabalho.

Ocorre que a ampla aceitação desta modalidade de jogo de prognósticos e a inércia das chamadas “autoridades competentes” sugerem certa institucionalização desta atividade na ordem sócio-jurídica brasileira, sendo que sob a ótica do Direito do Trabalho, não há como não tipificar a atividade do proprietário do estabelecimento sob o ponto de vista do art. 2o do Diploma Consolidado e o prestador de serviços como enquadrado na moldura típica insculpida no art. 3o do mesmo Diploma Legal, ou seja, o primeiro como empregador e o segundo como empregado.

Ressalte-se, por relevante, que não se pode olvidar que o contrato de trabalho é um contrato realidade, e que sabidamente, a atividade do jogo do bicho envolve toda uma estrutura empresarial, em que o empreendedor aufere lucros e desenvolve uma atividade econômica, tendo no outro pólo da relação, o trabalhador que põe à disposição do primeiro o seu labor.

Observe-se que as normas legais invocadas que remetem à ilegalidade o objeto do contrato de atividade de que cuida o presente processo são oriundos do Álbum Civil Pátrio. Portanto, constituem-se em normas exógenas ao Direito do Trabalho. Por outro lado, as autoridades do poder público às quais competem coibir a atividade ilícita, não têm cuidado de  garantir a sua eficácia, trazendo dificuldade e até mesmo perplexidade ao magistrado trabalhista, a quem incumbe  decidir sobre a relação de labor, sem perder de vista a ilicitude da atividade desenvolvida pela banca de jogo; mas,  ao mesmo tempo, constrangendo-se a mitigar a aplicação pura e simples dessa  norma sancionadora, tendo em vista os princípios que norteiam esse ramo do direito, de natureza protetiva e que visa tutelar a energia oriunda da força trabalho, único meio de que dispõe o trabalhador para prover a sua subsistência e de sua família e, ainda,  corresponde a uma energia que, uma vez despendida, não  existe forma de fazê-la retornar à situação anterior.

A ilicitude do contrato, em razão da ilicitude do objeto, não pode conduzir a extremos incompatíveis com a realidade social, devendo-se salientar que a imoralidade motivadora da nulidade contratual deve constituir-se de fato que implique em franca reprovação social de todos os seguimentos da sociedade. Vale dizer, se a própria sociedade tolera a prática do jogo do bicho e até mesmo pratica amplamente a referida contravenção penal, não pode o empregado da banca se transformar em bode expiatório deste processo social, com a simples declaração de nulidade da relação de emprego por esta Especializada, sem a contraprestação da força trabalho despendida pelo reclamante, sendo absolutamente certo e sabido, por outro lado, que essa atividade é apropriada economicamente pelo dono da banca.

Consigne-se que o Processo é este método Público para conhecimento e fixação da verdade. Mas sua finalidade não se esgota nesse ponto. Antes busca fazer justiça no caso concreto, o que vale dizer, conferir a cada parte o que é seu, nem mais nem menos. Daí é que, mesmo sem ignorar a norma legal que estabelece a nulidade do objeto do contrato de trabalho de que cuida este processo, força é admitir que o mesmo gera efeitos indenizatórios, à vista da peculiaridade da relação em apreço, considerando também e sobretudo a apropriação econômica pelos empreendedores-recorridos da energia produtiva despendida pelo trabalhador-recorrente.

Por outro lado, deve ser ressaltado, por oportuno, a superveniência das normas constantes da Emenda Constitucional n. 45 que trouxeram, em seu bojo, a ampliação da órbita de competência desta Especializada para alcançar todas as relações de trabalho.

Frise-se, por relevante, que a ordem jurídica ventila, de há muito, essa possibilidade de mesmo reconhecendo a nulidade da relação jurídica base, reconhecer-lhe conseqüências, sendo que o exemplo mais recente a ser citado é o do Enunciado n. 363 do C. TST que versa a respeito de servidor público contratado sem a realização de prévio concurso público.

Destarte, e à vista de todos os elementos supramencionados, não há como não se reconhecer a produção de efeitos jurídicos indenizatórios da relação descrita na peça vestibular. Em face disso, tenho por certo que a condenação infligida à demandada deve se limitar tão-somente à indenização relativa ao valor correspondente ao FGTS de toda a relação travada entre as partes e os valores correspondentes aos salários pleiteados na letra “i” da vestibular.

DOU PROVIMENTO PARCIAL ao recurso para reconhecer a existência de efeitos da relação jurídica trabalhista entabulada entre as partes litigantes, deferindo-se à demandante a indenização relativa aos valores correspondentes ao FGTS de toda a relação laboral e os valores correspondentes aos salários pleiteados na letra “i” da peça intróita, tudo nos termos da fundamentação constante deste voto.

 

ACORDAM OS DESEMBARGADORES DA 5ª. TURMA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 5ª REGIÃO, À UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO PARA RECONHECER A EXISTÊNCIA DE EFEITOS DA RELAÇÃO JURÍDICA TRABALHISTA ENTABULADA ENTRE AS PARTES LITIGANTES, DEFERINDO-SE À DEMANDANTE A INDENIZAÇÃO RELATIVA AOS VALORES CORRESPONDENTES AO FGTS DE TODA A RELAÇÃO LABORAL E OS VALORES CORRESPONDENTES AOS SALÁRIOS PLEITEADOS NA LETRA "I" DA PEÇA INTRÓITA.

Salvador, 11 de março de 2008.

ESEQUIAS DE OLIVEIRA

Desembargador Relator.

 



[1] Inteiro teor da decisão disponibilizado no anexo A

[2] Inteiro teor da decisão disponibilizado no anexo B

[3] Inteiro teor da decisão disponibilizado no anexo C

[4] Inteiro teor da decisão disponibilizado no Anexo D

[5] Inteiro teor da decisão disponibilizado no anexo E. 

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