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DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE: a aplicação do dolo eventual e da culpa consciente nas mortes em acidentes de trânsito causados por embriaguez


Autoria:

Jordan Emanuel Martins Rodrigues Dos Reis Resende


Advogado, Graduado em Direito pela Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce, Pós-graduado lato sensu em processo penal, pós-graduando em Direito Público.

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Resumo:

O presente trabalho monográfico busca analisar o conflito existente entre a aplicação do dolo eventual e da culpa consciente nos acidentes de trânsito causados pelo fator embriaguez no Brasil, visando a melhor e mais justa aplicação do direito.

Texto enviado ao JurisWay em 18/03/2014.



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SUMÁRIO

 

 

RESUMO..............................................................................................................

3

 

ABSTRACT..........................................................................................................

4

 

1 INTRODUÇÃO...................................................................................................

7

 

2 ELEMENTOS DO CRIME.................................................................................

09

 

3 DOLO E CULPA...............................................................................................

11

3.1 DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE................................................

14

 

 

4 OPINIÕES DOUTRINÁRIAS ACERCA DO DOLO EVENTUAL E DA CULPA CONSCIENTE NOS ACIDENTES DE TRÂNSITO.................................

 

 

19

 

5 JURISPRUDÊNCIA TEMÁTICA.......................................................................

 

26

 

6 POSSÍVEL SOLUÇÃO A FIM DE DIMINUIR AS DIVERGÊNCIAS.................

 

31

 

7 CONCLUSÃO....................................................................................................

32

 

8 REFERÊNCIAS...............................................................................................

 

34


 

1 INTRODUÇÃO

 

 

             Este trabalho contempla o tema dolo eventual e culpa consciente: a aplicação do dolo eventual e da culpa consciente nas mortes em acidentes de trânsito causados por embriaguez, de forma delimitada abordam-se os aspectos gerais e jurídicos que envolvem o assunto.

            A aplicação do dolo eventual e da culpa consciente nos acidentes de trânsito causado por embriaguez é, atualmente, questão polêmica, não pacificada pela doutrina e pelos tribunais, existindo diversas decisões que não deram fim a análise do problema.

            O art. 18 do Código Penal cuida da definição do dolo e da culpa, sendo que o de dolo eventual e culpa consciente estão previstos na doutrina, onde o dolo eventual consiste na situação em que o ilícito é previsto, porém o agente não se importa e continua com sua ação, assumindo o risco, já na culpa consciente o agente acredita ser capaz de evitar o dano, não assumindo tal risco.

            Nesse contexto, a questão problema que orienta a pesquisa é a seguinte: nas mortes em acidentes de trânsito causados por embriaguez deve ser aplicado o dolo eventual ou a culpa consciente?

            Dessa forma, o estudo trabalha com a hipótese onde a doutrina prevê a aplicação do dolo eventual e da culpa consciente, porém, sendo a linha tênue e cada caso de difícil diferenciação, se faz necessário uma análise aprofundada de cada caso, cada movimentação até a consumação do delito para que se chegue a uma conclusão.

            Sendo assim, o objetivo geral do trabalho é verificar qual a melhor aplicação em acidentes de trânsito causados por embriaguez com resultado morte: o dolo eventual ou a culpa consciente. Especificamente, pretende-se apresentar breve estudo dos institutos do dolo e da culpa, demonstrar dispositivos legais e doutrinas que se aplicam ao tema e apresentar decisões e opiniões de pessoas renomadas sobre o tema.

            A importância do tema se justifica por ser assunto atual, de constante divergência e discussões em tribunais e meios de comunicação, não havendo ainda decisão judicial esclarecedora e definitiva sobre o caso.

            Como procedimento metodológico, utilizou-se a pesquisa bibliográfica com a finalidade de proporcionar melhores e mais informações sobre o tema.

            O texto está dividido em cinco partes, além desta introdução. O capítulo dois descreve brevemente os elementos do crime. O capítulo três traz sucinta descrição a respeito do dolo e da culpa, analisando ainda os institutos do dolo eventual e da culpa consciente. O quarto expõe opiniões doutrinárias acerca do dolo eventual e da culpa consciente nos acidentes de trânsito causados por embriaguez. O quinto traz decisões judiciais onde se aplicaram o dolo eventual e a culpa consciente em acidentes de trânsito causados por embriaguez. Finalmente, as conclusões serão feitas no capítulo seis.


  

2 ELEMENTOS DO CRIME

 

 

            Conforme podemos apurar, o crime pode ser classificado de diversas formas, sendo em sentido material, formal ou analítico. Ainda se sabe que o conceito de crime é algo artificial, independente de fatores naturais, nos dizeres de Nucci (2007).

            O crime, do ponto de vista material, de acordo com Nucci (2007, p. 159), “é a concepção da sociedade sobre o que pode e deve ser proibido, mediante aplicação da sanção penal. É, pois, a conduta que ofende um bem juridicamente tutelado, merecedora da pena”.

            Conforme bem observa Nucci (2007) o conceito material de crime é prévio ao código penal e dá ao legislador um critério político-criminal sobre o que deve ser punido ou não.

            Outro conceito de crime a ser exposto é o formal, que é praticamente o resultado do conceito material de crime.

            Nucci (2007, p. 160) afirma o seguinte sobre tal classificação:

 

 

é a concepção do direito acerca do delito, constituindo a conduta proibida por lei, sob ameaça de aplicação de pena, numa visão legislativa do fenômeno. Cuida-se, na realidade, de fruto do conceito material, devidamente formalizado.

 

 

            Consoante Nucci (2007), o que é ocorre é que sendo necessária a criminalização de uma conduta, a sociedade leva sua demanda ao Legislativo, que, aprovando a Lei, materializa o tipo penal.

            Vale ressaltar, como bem observado por Nucci (2007), que ao acontecer tal formalização, está se respeitando o princípio da legalidade.

            Por fim, passa-se à exposição do conceito analítico de crime, este que gera divergência quanto à sua forma, mas que possui uma corrente majoritária que é adotada por doutrinadores como Rogério Greco, Guilherme de Souza Nucci, Salgado Martins, entre outros.

            Para Nucci (2007, p. 160) o conceito analítico:

 

 

é a concepção da ciência do direito, que não difere, na essência, do conceito formal. Na realidade, é o conceito formal fragmentado em elementos que propiciam o melhor entendimento da sua abrangência.

 

 

            O crime, segundo Nucci (2007, p. 160):

 

 

trata-se de uma conduta típica, antijurídica e culpável, vale dizer, uma ação ou omissão ajustada a um modelo legal de conduta proibida (tipicidade), contrária ao direito (antijuridicidade) e sujeita a um juízo de reprovação social incidente sobre o fato e seu autor, desde que existam imputabilidade, consciência potencial de ilicitude e exigibilidade e possibilidade de agir conforme o direito.

 

            

3 DOLO E CULPA

 

 

            Conforme a previsão do código penal brasileiro em seu art. 18, incisos I e II, o crime doloso é aquele onde há a vontade do agente a partir do momento em que quis ou assumiu o risco de produzir o resultado, já o delito culposo, aparecerá nos casos de negligência, imprudência ou imperícia.

            O dolo e a culpa são elementos subjetivos do crime, inseridos pela doutrina majoritária no item culpabilidade. Culpabilidade, que, conforme ensina Nucci (2007, p. 281):

 

 

Trata-se de um juízo de reprovação social, incidente sobre o fato e seu autor, devendo o agente ser imputável, atuar com consciência potencial de ilicitude, bem como ter a possibilidade e a exigibilidade de atuar de outro modo, seguindo as regras impostas pelo direito.

           

 

            Logo, essencial para existência do crime são o dolo ou a culpa, tendo em vista comporem um dos elementos do conceito de crime, que, de acordo com as lições de Nucci (2007, p. 161) é um fato típico, antijurídico e culpável.

            O dolo pode simplesmente ser classificado como a vontade de o individuo agir em desconformidade com a Lei, praticando um fato típico e antijurídico.

            De acordo com Nucci (2007, p. 220), o dolo direto:

 

 

É a vontade dirigida especificamente à produção do resultado típico, abrangendo os meios utilizados para tanto. Exemplo: o agente quer subtrair bens da vítima, valendo-se de grave ameaça. Dirigindo-se ao ofendido, aponta-lhe um revólver, anuncia o assalto e carrega consigo os bens encontrados em seu poder. A vontade se encaixa com perfeição ao resultado. É também denominado dolo de primeiro grau.

 

 

            O doutrinador ainda trás o conceito do chamado de dolo direto de segundo grau, que o define como “a intenção do agente, voltada a determinado resultado, efetivamente desejado, embora, na utilização dos meios para alcança-lo, termine por incluir efeitos colaterais, praticamente certos.” (NUCCI, 2007, p. 221):

            Vale citar o exemplo dado por Nucci (2007, p. 221) quanto ao dolo direto de segundo grau:

 

 

O exemplo é do matador que, pretendendo atingir determinada pessoa, situada em lugar público, planta um bomba, que, ao detonar, certamente matará outras pessoas ao redor. Ainda que não quisesse atingir essas outras vítimas, tem por certo o resultado caso a bomba estoure como planejado.

 

 

            Ainda sobre o dolo direto de segundo grau, Nucci (2007, p. 221) afirma que aquele se diferencia do dolo eventual, porque neste caso o agente não persegue o resultado típico atingido e a sua vontade, portanto, está configurada mais debilmente.

Zaffaroni e Pierangeli (1997, p. 480) trazem o seguinte comentário acerca do dolo:

 

 

[...] o dolo é o querer do resultado típico, a vontade realizadora do objetivo. O nosso código fala em dolo no seguinte sentido: “quando o agente quis o resultado” (art. 18, I) Assim sendo, para que um sujeito possa querer algo como, por exemplo, o “querer pintar a igreja da Antuérpia” que havia na conduta de Van Gogh ao pintá-la, ele necessariamente deve também conhecer algo. [...] O conhecimento que este “querer” pressupõe é o dos elementos do tipo objetivo no caso concreto: o dolo de homicídio (art. 121) é o querer matar um homem.

 

 

            Se o dolo baseia-se na vontade do sujeito, por outro lado, a culpa abrange três elementos: a negligência, a imprudência e a imperícia.

            A conduta culposa é definida por Nucci (2007, p. 225) como o comportamento voluntário desatencioso, voltado a um determinado objetivo, lícito ou ilícito, embora produza resultado ilícito, não desejado, mas previsível, que podia ter sido evitado.

            Podemos notar ainda na doutrina de Nucci (2007, p. 225) que o dolo é a regra; a culpa, exceção.

            Podemos traçar como elementos da culpa a concentração na análise da conduta voluntária do agente e a ausência do dever de cuidado objetivo, onde, segundo Nucci (2007, p. 225):

 

 

o mais importante na culpa é a análise do comportamento e não do resultado e que o agente deixou de seguir as regras básicas e gerais de atenção e cautela, exigíveis de todos que vivem em sociedade.

 

 

            A culpa, conforme definição legal abrange a negligência, a imprudência e a imperícia. A negligência, popularmente falando, trata-se do desprezo a um cuidado que deveria ser tomado, sendo um exemplo sólido o não uso do EPI pelo socorrista ao prestar atendimento.

A imprudência pode ser classificada como a falta de atenção. Nela, o agente executa um ato sem dar-lhe a devida atenção.

 A imperícia trata-se da não habilitação profissional de alguém para exercer algo. Um indivíduo que provoca um acidente de carro sem possuir habilitação estará enquadrado na imperícia em se tratando de delito culposo, caso seja este habilitado, poderá tratar-se de negligência ou imprudência em se tratando de delito culposo.

 

 

3.1 DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE

 

 

A aplicação do dolo eventual ou da culpa consciente em acidentes de transito que tenham resultado morte devido à embriaguez do condutor ainda é tema controverso entre tribunais, doutrinadores e demais operadores do direito. Há argumentos sólidos sobre a aplicação do dolo eventual e também sobre a possibilidade de aplicação da culpa consciente nesses casos. A questão, de extrema importância, por sinal, tem gerado decisões em diferentes sentidos no país, como por exemplo, a desconsideração do dolo pelo STF e a aplicação do dolo eventual no TJAC. Contudo, o Plenário da Suprema Corte do país ainda não se manifestou.

Conforme ensina Nucci (2007, p. 229):

 

 

Trata-se de distinção teoricamente plausível, embora, na prática, seja muito complexa e difícil. Em ambas as situações o agente tem a previsão do resultado que sua conduta pode causar, embora na culpa consciente não o admita como possível, e no dolo eventual, admita a possibilidade de se concretizar, sendo-lhe indiferente.

           

 

O Código Penal Brasileiro prevê em seu artigo 18, I e II que será o crime: “doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo; culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligencia ou imperícia.” (BRASIL, 2011, p. 549).

Trata-se de definição simples e pacífica na Lei e na doutrina, porém, como observa Nucci (2007), os casos concretos tornam-se complexos e asanálises e decisões, por mais que possuam uma base sólida de argumentos não põe fim à discussão.

O Código de Trânsito Brasileiro dispõe em seu art. 302 sobre o homicídio culposo na direção de veículo automotor:

 

 

Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:

Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Parágrafo único. No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de um terço à metade, se o agente:

I - não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação;

II - praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada;

III - deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente;

IV - no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros. (BRASIL. 2013, p. 1)

 

 

Nota-se que o Código de Trânsito aplica uma pena branda para o homicídio considerado culposo, transferindo o doloso para os termos do código penal segundo art. 291, ainda do CTB.

Nesse contexto, percebe-se que a tipificação no Código de trânsito brasileiro quanto aos crimes em espécie foi falha e não assusta, digamos assim, as pessoas que, após “apreciarem” de maneira abusiva do álcool tomam a condução de veículo automotor.

O promotor de justiça Hélio Pedro Soares, da comarca de Teófilo Otoni, em artigo publicado no jornal AMMP Notícias, escreveu o seguinte:

 

 

O artigo 302 do CTB trata do homicídio praticado na direção de veículo automotor, estipulando pena de detenção de 2 a 4 anos. Isso em termos práticos é o mesmo que dizer: atropelar e matar alguém, ainda que em situação previsível, dá quase nada. (SOARES, 2012, p. 15)

 

 

E ainda continua, no sentido aqui exposto:

 

 

Considerando a morosidade da nossa (in)justiça, à luz do patamar mínimo e máximo da pena cominada, a prescrição alcançará a pretensão punitiva estatal, ou talvez a pretensão executória. Caso o processo termine de forma célere, a condenação resultará, na prática, em quase impunidade. (SOARES, 2012, p. 15)

 

 

Logo nota-se que o modo como foi primeiramente tipificado tal tipo de delito traz a tona muitas vezes a impunidade de quem ceifa uma vida por pura irresponsabilidade, mesmo sabendo que tal fato poderia vir a acontecer.

Normalmente uma pessoa condenada pela figura do art. 157 do Código Penal Brasileiro, o chamado roubo, paga a pena da mesma forma que a pessoa que estando embriagada ao volante gera um acidente que acaba por tirar a vida de uma ou mais pessoas.

Vejamos o que dizem Zaffaroni e Pierangeli (1997, p. 498) sobre o dolo eventual:

 

 

O dolo eventual, conceituado em termos correntes, é a conduta daquele que diz a si mesmo “que aguente”, “que se incomode”, “se acontecer, azar”, “não me importo”. Observe-se que aqui não há uma aceitação do resultado como tal, e sim sua aceitação como possibilidade, como probabilidade.

 

 

Ainda, sobre o dolo eventual, Greco (2009, p. 192) diz:

 

 

Fala-se em dolo eventual quando o agente, embora não querendo diretamente praticar a infração penal, não se abstém de agir e, com isso, assume o risco de produzir o resultado que por ele já havia sido previsto e aceito.

 

 

Analisando tal conceito nota-se que pode ser aplicado o dolo eventual perfeitamente ao caso de motorista que desrespeita Lei federal ao dirigir embriagado e acaba por matar alguém. Contudo, a culpa consciente também se enquadra, sendo que nela, o agente também está ciente de que pode acontecer o resultado típico, porém, se importa em evita-lo, acredita ser capaz de driblá-lo.

A culpa consciente é, na visão de Zaffaroni e Pierangeli (1997, p. 498) “aquela em que o sujeito ativo representou para si a possibilidade da produção do resultado, embora a tenha rejeitado, na crença que, chegado o momento, poderá evita-lo ou simplesmente ele não ocorrerá.”.

Portanto, essa é a linha que separa o dolo eventual da culpa consciente, conforme Zaffaroni e Pierangeli (1997) há o conhecimento do perigo na culpa consciente, diferente do dolo eventual, onde há a aceitação da consumação de tal possibilidade.

Decidir pela aplicação do dolo eventual ou da culpa consciente torna-se uma grande responsabilidade, e conforme Nucci (2007) deve-se analisar de forma sucinta o caso concreto, sem que o clamor público interfira em tal decisão, haja vista a imparcialidade do juízo.

Nesse sentido, Nucci (2007, p. 229) diz o seguinte:

 

 

Ressaltemos que essa diferença encontra-se muito mais na análise das circunstâncias do caso concreto, dando a impressão a quem aplica a lei penal de estar diante de uma ou de outra forma do elemento subjetivo do crime, do que na mente do agente.

 

 

E finaliza Nucci (2007, p. 229):

 

 

Essa é a realidade dos processos criminais que cuidam do tema, pois esperar que se consiga prova daquilo que ocorreu na cabeça do autor da infração pena (assumiu o risco ou esperava sinceramente que não acontecesse?), exatamente no momento em que esta se deu, é praticamente impossível.

 

 

Logo, verifica-se que para se decidir sobre o dolo eventual ou a culpa consciente nas mortes causadas em acidentes de trânsito devido à embriaguez do condutor, parafraseando Nucci (2007), deve se analisar de forma minuciosa o caso concreto, verificando cada ação do agente, cada passo até o momento da consumação do fato típico, sendo que, a aplicação precipitada de qualquer das duas teorias pode vir a causar, como a muito vem acontecendo, injustiça na decisão.

 

  

4 OPINIÕES DOUTRINÁRIAS ACERCA DO DOLO EVENTUAL E DA CULPA CONSCIENTE NOS ACIDENTES DE TRÂNSITO

 

 

            É de extrema importância a opinião de doutrinadores e suas aulas acerca do tema dolo eventual ou culpa consciente nos acidentes de trânsito causados por embriaguez.

            Damásio de Jesus, famoso advogado criminalista e presidente do complexo jurídico Damásio de Jesus tem sua opinião exposta de maneira firme e sucinta em artigo publicado na revista Consulex no ano de 2010.

            O notável professor inicia sua exposição de maneira a fazer uma análise geral sobre a legislação do trânsito brasileiro, vejamos:

 

 

O legislador, quando permite e disciplina a fabricação e a condução de veículos motorizados, tem conhecimento da possibilidade de ocorrência de eventos danosos. [...] Como determina o art. 1º, § 2º, do Código de Trânsito Brasileiro – CTB (Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997), “o trânsito, em condições seguras, é um direito de todos ...” É necessário, contudo, nos termos de seu art. 28, que o condutor dirija o veículo com vistas à segurança coletiva, de modo a resguardar o nível de proteção da vida e da incolumidade física dos usuários das vias públicas. (DAMÁSIO, 2010, p. 66)

 

 

            Logo de início, percebe-se que o professor busca nas raízes da legislação do trânsito seus princípios para poder buscar um raciocínio lógico acerca do tema, excluindo-se qualquer juízo de valor.

            Seguindo em frente, o doutrinador se diz “seguramente convencido de que determinados crimes de homicídio cometidos no trânsito [...] são dolosos e não culposos.” (DAMÁSIO, 2010, p. 66)

            Além de seu convencimento, traz ainda exemplos os quais considera serem dolosos:

 

 

Um motorista, ao retirar o veículo da garagem, de ré, não verifica a presença do próprio filho, de 2 anos de idade, brincando atrás do pesado caminhão, vindo a causar-lhe a morte.

Numa ladeira, um motorista se esquece de puxar o freio de estacionamento. O veículo se desloca e vem a matar um transeunte.

Um condutor, altas horas da madrugada, embriagado e dirigindo o veículo com excesso de velocidade (mais de 180 km/h), perde a direção e causa atropelamento e morte de pessoas.

Um automóvel (ou uma motocicleta), num “racha”, dirigido com excessiva velocidade, atropela um assistente, matando-o.

 

 

            Para complementar os exemplos, afirma o professor que “em tese, os dois primeiros casos configuram homicídios culposos (art. 302 do CTB).” (DAMÁSIO, 2010, p. 66) Já quanto aos dois últimos exemplos, acredita que se trata de homicídios dolosos.

            A justificativa para tal pensamento baseia-se na parte final do art. 18, I do código penal, que é para Damásio (2010, p. 66) aplicável aos delitos de homicídio no trânsito, pois age com dolo eventual o condutor que “assume o risco” de produzir a morte eventual da vítima.

            Tal opinião encaixa-se de forma adequada ao nosso objeto de pesquisa, pois a embriaguez ao volante é ilícita assim como um racha, e existe por parte do motorista a consciência de que poderá causar a morte ou ao menos lesões corporais a outrem.

            Para Damásio (2010, p. 66), sob a ótica da lei penal o motorista prevê o resultado como possível e aceita ou consente em sua ocorrência.

            Contudo, ainda explica o professor que não se trata de dolo direto e sim de dolo indireto:

 

 

Não basta, pois, a simples representação da morte, isto é, que o “acidente” e a morte integrem a mente do condutor como possíveis. Exige-se que sejam alcançados pela vontade. Mas não de maneira reflexiva, expressa, sacramentada, concreta, clara e atual, como acontece no dolo direto ou determinado (art. 18, I, primeira parte), no qual o agente quer o evento, e sim de maneira indireta, tolerando-o, anuindo à sua superveniência, desprezando-o, colocando-o em plano sem importância, consentindo com sua produção, sendo-lhe indiferente.

 

 

            Conforme já demonstrado anteriormente, para Zaffaroni e Pierangeli (1997, p. 498):

 

 

O dolo eventual, conceituado em termos correntes, é a conduta daquele que diz a si mesmo “que aguente”, “que se incomode”, “se acontecer, azar”, “não me importo”. Observe-se que aqui não há uma aceitação do resultado como tal, e sim sua aceitação como possibilidade, como probabilidade.

 

 

            Explica Damásio (2010, p. 66) que “o consentimento que o tipo requer não é o manifestado formalmente, o imaginado explicitamente, o “mediato”, “pensado cuidadosamente.”

            Continua explicando que “não se requer fórmula psíquica ostensiva, como se o condutor pensasse “consinto”, “conformo-me com a morte de qualquer terceiro.” (DAMÁSIO, 2010, p.66)

            Pode-se chegar a tal conclusão ao se observar as palavras de Damásio (2010) quando diz que nenhuma justiça seria capaz de condenar um motorista bêbado ou um apostador de rachas por dolo eventual se exigisse confissão cabal de que em seu interior, no pensamento, aquele consentiu com no “acidente” e morte de outrem.

            Finaliza o insigne professor o seu artigo com a seguinte passagem:

 

 

Infelizmente, porém, há milhares de homicidas dolosos no trânsito, os quais nada respeitam e nos matam como se fôssemos moscas. Conduzem de várias formas anormais, como se dissessem: “Eu sei que isso é perigoso; tomo conhecimento, todos os dias, de que um acidente é possível, mas dane-se o mundo, pois vale mais a adrenalina; aconteça o que acontecer, quero viver perigosamente”. Trata-se de uma aceitação tácita, suficiente para integrar o tipo e levar o réu ao tribunal do júri.

 

 

            Ao dizer que “trata-se de uma aceitação tácita”, o professor demonstra que os meios de comunicação, a velocidade da informação e os exemplos vistos diariamente nos telejornais e na internet são suficientes para criar um juízo de valor, que seria a consciência de que ao dirigir após fazer uso do álcool, o indivíduo nada mais do que consente com a possibilidade de causar um acidente.

            Outro fator que contribuiu para a caracterização de mortes causadas por embriaguez no trânsito como dolo eventual é o fato de que todos, sem exceções, sabem que dirigir embriagado é uma conduta ilícita, tendo sido implantada nos últimos tempos a Lei seca, que visa diminuir o número de mortes no trânsito por tal motivo.

            Segundo o Departamento de Polícia Rodoviária Federal (BRASIL, 2013, p.1):

 

Por ano, pelo menos 35 mil pessoas morrem em decorrência de acidentes. Só em rodovias federais, essa quantidade se aproxima a 7 mil. Numa lista de causas de desastres, a ingestão de álcool aparece entre os sete vilões das estradas. Não se pode negar que motoristas alcoolizados potencializam a gravidade dos acidentes.

 

 

E ainda traz a informação, não menos importante, de que:

 

 

 o álcool é um forte depressor do Sistema Nervoso Central. Por isso, quem bebe e pega o volante tem os reflexos prejudicados. Fica mais corajoso, mas reage de forma lenta e perde a noção de distância. Quando é vítima de desastre de trânsito, resiste menos tempo aos ferimentos, já que as hemorragias quase sempre são fatais. (BRASIL, 2013, p.1)

 

 

            Logo se percebe a quantidade de informações que é despejada na mídia todos os dias sobre a embriaguez ao volante e como ela pode ser danosa. Por isso, novamente ingressamos no campo dito anteriormente, o consentimento de quem pratica o fato, que não é necessariamente mediato ou pensado, mas sim, podemos dizer consentimento indireto devido às informações recebidas todos os dias, e, além disso, ser a conduta de dirigir alcoolizado ilícita.

            Quanto à culpa consciente, Zaffaroni e Pierangeli (1997, p. 517) dizem o seguinte:

 

 

Chama-se culpa com representação ou culpa consciente aquela em que o sujeito ativo representou para si a possibilidade da produção do resultado, embora a tenha rejeitado, na crença de que, chegado o momento, poderá evita-lo ou simplesmente ele não ocorrerá.

           

 

Aqui, conforme Zaffaroni e Pierangeli (1997, p. 517):

 

 

[...] há um conhecimento efetivo do perigo que correm os bens jurídicos, que não se deve confundir com a aceitação da possibilidade de produção do resultado, que é uma questão relacionada ao aspecto volitivo e não ao cognoscitivo, e que caracteriza o dolo eventual. Na culpa com representação, a única coisa que se conhece efetivamente é o perigo.

 

 

            Portanto, analisando o conceito de culpa consciente junto a um dos exemplos citados anteriormente, especificamente o do motorista que retira o caminhão da garagem sem verificar se há alguém atrás e acaba matando o próprio filho, vemos que há a noção do perigo, porém o indivíduo acredita que ele não irá se consumar.

            Diferente é o caso de motorista que faz uso do álcool e pega a estrada, aí, além de haver a noção do perigo, o indivíduo assume o risco de produzir o resultado, pois tem plena consciência de que o que faz é ilícito e pode causar um dano irreparável, qual seja a morte.

            Sobre o assunto, Nucci (2007, p. 222) nos mostra que:

 

 

tem sido posição adotada, atualmente, na jurisprudência pátria, considerar a atuação do agente em determinados delitos cometidos no trânsito não mais como culpa consciente, e sim como dolo eventual.

            Ainda, diante dos aspectos sociais de tais condutas, Nucci (2007, p. 222) afirma que:

 

 

As inúmeras campanhas realizadas, demonstrando o perigo da direção perigosa e manifestamente ousada, são suficientes para esclarecer os motivos da vedação legal de certas condutas, tais como o racha, a direção em alta velocidade, sob embriaguez, entre outras.

 

 

            Acerca desse aspecto de informação e campanhas sobre a ilicitude de conduzir veículo sob embriaguez, novamente podemos citar a Lei seca, que vem punindo rigorosamente aqueles que são pegos ao volante sob a influência do álcool.

            O código de trânsito brasileiro sofreu certas modificações, e hoje, trata do caso da seguinte maneira:

 

 

Art. 165.  Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: 

Infração - gravíssima;      

Penalidade - multa (dez vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses

Medida administrativa - recolhimento do documento de habilitação e retenção do veículo, observado o disposto no § 4o do art. 270 da Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997 - do Código de Trânsito Brasileiro. (BRASIL. 2013, p.1)

 

 

            A partir daí nota-se o rigor com que está sendo tratado o caso da embriaguez ao volante, sendo que a multa pode chegar a um valor consideravelmente alto, R$ 1.915,40, sendo que a reincidência faz o valor subir para R$ 3.830,80.

            Portanto, somando-se os entendimentos dos doutrinadores supracitados, percebe-se que no caso da embriaguez ao volante a aplicação do dolo eventual não só é aceitável, como possui sólidas bases para sua aplicação, tendo em vista toda a informação que é despejada pela mídia diariamente acerca da ilicitude de tal conduta e seus perigos, o que afasta a alegação de que o risco não foi assumido.

 

  

5 JURISPRUDÊNCIA TEMÁTICA

 

 

            Importante se faz a demonstração das divergências encontradas nos tribunais de nosso país quando se trata de decisões acerca do dolo eventual e da culpa consciente, seja nos casos de embriaguez ao volante ou não.

            A priori vale a citação de decisão proferida no estado do Acre em 16 de maio de 2012, a qual não desclassificou o crime de homicídio causado por embriaguez ao volante, mantendo-o na pauta de julgamentos do tribunal do júri e considerando-o delito doloso. Vejamos a ementa:

 

 

PROCESSO PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE CRIMINAL. HOMICÍDIO. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. REQUISITOS DA DENÚNCIA PREENCHIDOS. TRIBUNAL DO JÚRI. IN DUBIO PRO SOCIETATE. DOLO EVENTUAL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. EXAME DE ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. INADMISSIBILIDADE. 1. Denúncia que descreve o fato e o classifica juridicamente como homicídio doloso, na modalidade dolo eventual, considerando que se cuida de acidente de trânsito, em tese, ocasionado pela conjugação da embriaguez, excesso de velocidade, manobras perigosas e ilegais, desatenção na condução do veículo e permissão para a vítima ficar em pé sobre o banco com parte do corpo para fora do teto solar do automóvel. 2. Inadmissível ao magistrado, no ato do recebimento da denúncia, quando faz apenas juízo de admissibilidade da acusação, conferir definição jurídica aos fatos narrados na peça político-acusatória. Poderá fazê-lo adequadamente no momento da prolação da pronúncia, se a instrução assim o indicar. (Precedentes do STF e STJ). 3. No caso, a fixação da competência da Vara do Tribunal do Júri é razoável diante das provas amealhadas na fase inquisitorial que corroboram, em tese, os indícios de autoria e de materialidade, assim como a ocorrência do dolo eventual, considerando que o acidente de trânsito, com resultado morte, ocorreu, em tese, devido a conjugação das circunstâncias descritas na denúncia. 4. Aplicação imediata deste acórdão, ressalvada a publicação do acórdão e a fluência do prazo para oposição de eventuais embargos de declaração (precedentes do STF). 5. Recurso desprovido. (BRASIL, 2013, p. 1).

 

 

            Na esteira dos julgamentos em nosso país, podemos encontrar diversas decisões nesse sentido, e também em sentidos opostos, como por exemplo, a do decisão proferida perante recurso em sentido estrito número70053102414 no estado do Rio Grande do Sul, a qual segue a ementa:

 

 

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DOLO EVENTUAL AFASTADO. DESCLASSIFICAÇÃO. Ausência de indícios suficientes do dolo eventual, incidente quando o agente aceita o resultado morte. Prova há de haver, neste sentido, a qual não se presume. No caso concreto, o recorrente adentrou na via que havia recentemente sido alterada para de uma única direção, atropelando duas pessoas que se encontravam na pista de rolamento. Dolo eventual afastado. O fato de estar embriagado e dirigir fora da mão de direção correta não induz presunção de dolo. Desclassificação para a modalidade culposa. RECURSO PROVIDO. (Recurso em Sentido Estrito Nº 70053102414, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nereu José Giacomolli, Julgado em 04/07/2013) (BRASIL, 2013, p. 1).

 

 

            Em se tratando de opiniões favoráveis à aplicação da culpa consciente, há voto do Ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux, proferida em 2011, preenchida por argumentos de grande valia para o tema, vejamos:

 

 

PENAL. HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI. PRONÚNCIA POR HOMICÍDIO QUALIFICADO A TÍTULO DE DOLO EVENTUAL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. EMBRIAGUEZ ALCOÓLICA. ACTIO LIBERA IN CAUSA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ELEMENTO VOLITIVO. REVALORAÇÃO DOS FATOS QUE NÃO SE CONFUNDE COM REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. ORDEM CONCEDIDA.

1. A Classificação do delito como doloso, implicando pena sobremodo onerosa e influindo na liberdade de ir e vir, mercê de alterar o procedimento da persecução penal em lesão à cláusula do due process of law, é reformável pela via do habeas corpus.

2. O homicídio na forma culposa na direção automotor (art. 302, caput, do CTB) prevalece se a capitulação atribuída ao fato como homicídio doloso decorre de mera presunção ante a embriaguez alcoólica eventual.

3. A embriaguez alcoólica que conduz à responsabilização a título doloso é apenas a preordenada, comprovando-se que o agente se embebedou para praticar o ilícito ou assumir o risco de produzi-lo.

4. In casu, do exame da descrição dos fatos empregada nas razões de decidir da sentença e do acórdão do TJ/SP, não restou demonstrado que o paciente tenha ingerido bebidas alcóolicas no afã de produzir o resultado morte.

5. A doutrina clássica revela a virtude da sua justeza ao asseverar que "O anteprojeto Hungria e os modelos em que se inspirava resolviam muito melhor o assunto. O art. 31 e §§1º e 2º estabeleciam: 'A embriaguez pelo álcool ou substância de efeitos análogos, ainda quando completa, não exclui a responsabilidade, salvo quando fortuita ou involuntária. §1º. Se a embriaguez foi intencionalmente procurada para a prática do crime, o agente é punível a título de dolo. §2º. Se, embora não preordenada, a embriaguez é voluntária e completa e o agente previu e podia prever que, em tal estado, poderia vir a cometer crime, a pena é aplicável a título de culpa, se a este título é punível o fato" (Guilherme Souza Nucci, Código Penal Comentado, 5. ed. rev. atual. e ampl. - São Paulo: RT, 2005, p. 243).

6. A revaloração jurídica dos fatos postos nas instâncias inferiores não se confunde com o revolvimento do conjunto fático-probatório. Precedentes: HC 96.820/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 28/6/2011; RE 99.590, rel. Min. Alfredo Buzaid, DJ de 6/4/1984; RE 122.011, rel. Min. Moreira Alves, DJ 17/8/1990.

7. A Lei nº 11.275/06 não se aplica ao caso em exame, porquanto não se revela lex mitior, mas, ao revés, previu causa de aumento de pena para o crime sub judice  e em tese praticado, configurado como homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB).

8. Concessão da ordem para desclassificar a conduta imputada ao paciente para homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB), determinando a remessa dos autos à Vara Criminal da Comarca de Guariba/SP. (STF. HC 107.801/SP. Rel. Min. Luiz Fux. DJ. 06.09.2011). (BRASIL, 2013 p. 1).

 

 

            Convém ainda a exposição de acórdãos tendentes à aplicação do dolo eventual em casos abrangidos pela embriaguez do motorista.

            A seguir, trata-se de Habeas Corpus denegado no Estado de Minas Gerais onde o agente fora mantido em prisão preventiva por tentativa de homicídio e omissão de socorro ao dirigir embriagado.

 

“HABEAS CORPUS” - HOMICÍDIO TENTADO - OMISSÃO DE SOCORRO - CONDUZIR VEÍCULO AUTOMOTOR SOB INFLUÊNCIA DE ÁLCOOL - CONDUTAS TIPIFICADAS NOS ART. 121 C/C ART. 14, II DO CÓDIGO PENAL E ARTIGO 306 C/C ARTIGO 304 AMBOS DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO - PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA - TESES DEFENSIVAS: REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA POR AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 312 DO CPP - CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS - PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA - TESES DEFENSIVAS NÃO PODEM SER ACOLHIDAS. NÃO HÁ QUE SE FALAR EM CONSTRANGIMENTO ILEGAL - FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA, ART. 312, CPP, QUANTO A NECESSIDADE DA PRISÃO DO PACIENTE - ORDEM DENEGADA. 1. A garantia da ordem pública exprime necessidade de se manter a ordem na sociedade que é abalada pela prática do delito, inserido no rol de hediondos. 2. A prisão preventiva é admissível, também, pela aplicação do art. 313, I, do CPP, pois o crime em tela é doloso e punido com pena privativa de liberdade máxima superior a 04 (quatro) anos e, além disto, consoante explanado acima, se encontram presentes os pressupostos do art. 312, do mesmo Diploma Legal. 3. Na hipótese dos autos, verifica-se pelo APFD, fls. 77, que após o acidente o autor se evadiu do local não prestando socorro a vítima sendo posteriormente localizado e abordado pela polícia militar, quando informou que ingeriu 6 latas de cerveja demonstrando fortes sintomas de embriaguez, além disso o autor transitava com duas filhas menores de idade sem cadeira de proteção e em desacordo com a legislação vigente, assim, a manutenção da segregação cautelar do paciente se faz necessária para garantir a ordem pública. (TJ. HC 1.0000.13.036746-9/000/MG. Rel. Des. Walter Luiz. DJ. 16.07.2013). (BRASIL, 2013 p. 1).

 

 

            Por fim, cabe a exposição de “Habeas Corpus” denegado pelo Superior Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

 

 

"HABEAS CORPUS". CRIME DE TRÂNSITO. LESÃO CORPORAL CULPOSA. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. PEDIDO DE TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. IMPOSSIBILIDADE. DENÚNCIA OFERECIDA. PRESENÇA DAS CONDIÇÕES DE PROCEDIBILIDADE DA AÇÃO PENAL. DESNECESSIDADE DE REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA. PROSSEGUIMENTO DO FEITO. ORDEM DENEGADA. 1. Em que pese já ter sido oferecida denúncia em desfavor do paciente/impetrante, o que, em tese, tornaria prejudicada a análise da impetração, tenho que, ante as particularidades do caso, faz-se necessário proceder ao exame acerca da possibilidade de se trancar a ação penal, frente aos argumentos expostos na presente ação constitucional. 2. Para se trancar a ação penal por meio da via de "Habeas Corpus", deve ser comprovado o constrangimento ilegal, devendo a causa de pedir ser alusiva à falta de justa causa, à atipicidade da conduta e à nulidade da peça acusatória. 3. Embora o crime descrito no art. 303, "caput", do CTB seja processado, em regra, mediante ação penal pública condicionada à representação da vítima, quando cometido sob a influência de álcool processa-se medida ação penal pública incondicionada. Inteligência do art. 291, §1º, I do CTB. 4. Tendo o agente supostamente praticado o delito sob a influência de álcool, não há que se falar em ausência de condições de procedibilidade da ação penal por ausência de representação da vítima. 5. Denegar a ordem. (TJ. HC 1.0000.13.038572-7/000/MG. Rel. Des. Marcílio Eustáquio Santos. DJ. 18.07.2013). (BRASIL, 2013 p. 1).

 

   

6 POSSÍVEL SOLUÇÃO A FIM DE DIMINUIR AS DIVERGÊNCIAS

 

 

            Como observado através da pesquisa realizada, não é pacífico o entendimento acerca do crime de homicídio causado no trânsito em virtude de embriaguez na condução de veículo automotor.

            Após as devidas pesquisas e ponderações, podemos chegar a uma firme conclusão de que nos casos onde a embriaguez é comprovada e há a tipificação do homicídio, não devem permanecer omissos nossos legisladores.

            A solução é prática: a criação de um parágrafo específico sobre o caso em tela dentro do art. 121 do Código Penal, que cuida do delito de homicídio, tipificado como “matar alguém.”

            Isto porque a pena prevista no Código de Trânsito Brasileiro é ínfima tendo em vista a gravidade da conduta.

             Logo, uma vez detectada a presença do dolo eventual, o novo dispositivo legal cuidaria de aplicar uma pena maior que a prevista no Código de Trânsito Brasileiro para o delito e menor que um homicídio qualificado, haja vista não ser dotado de hediondez o homicídio no trânsito se causado por embriaguez quando caracterizado um “acidente”.

            Dessa forma, a nova disposição legal deveria ser redigida de uma forma próxima ao seguinte: “Causar a morte de outrem tendo assumido o risco de tomar a direção de veículo automotor sob o estado da embriaguez. Pena: reclusão de 4 a 8 anos.”


 

 

 

 

9 CONCLUSÃO

 

 

            A reponsabilidade dos condutores de veículos no trânsito é situação que gera inquietação em grande parte da sociedade.

            Como demonstrado, o assunto examinado no presente trabalho monográfico é complexo, exigindo uma maior reflexão por parte do governo e da sociedade quanto à aplicação da pena nos casos concretos.

É quase unanimidade entre a população que não se deve manter impune o motorista que embriagado assume a direção de eu veículo sabendo que está gerando grande risco à vida de terceiros.

O impacto de uma morte no trânsito causada por motorista bêbado quase sempre gera grande discussão e revolta em parte da população, que busca a condenação do réu na maior pena possível.

Mas, como dito antes, há de se analisar cada caso concreto para se ter certeza de qual instituto deve ser aplicado, o dolo eventual ou a culpa consciente.

Deve-se frisar que a legislação brasileira nesse sentido é frouxa e não cuida bem do tema, deixando a tipificação dos delitos de trânsito fora do Código Penal e com penas muito brandas.

            A sociedade certamente não só gostaria de ver, como também ficaria mais tranquila ao saber que a legislação trata do homicídio no trânsito por dolo eventual como um delito grave e de forte repercussão na sociedade.

            Cuidar desse delito de forma específica seria um grande passo para melhorar o senso de justiça na sociedade brasileira, e consequentemente evoluir a educação no trânsito, pois, muitas vezes, as pessoas só assumem tais riscos porque imaginam que não haverá uma punição grave.

            Atualmente, mesmo sendo de extrema necessidade essa mudança na legislação, não parece que exista algum tipo de movimento nesse sentido, o que mantém a preocupação inicial, restando aos tribunais decidirem pela aplicação do dolo eventual ou da culpa consciente nos acidentes de trânsito causados por embriaguez.


 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

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FAVERO, Daniel. Após 3 anos, lei seca não reduz o nº de mortes no trânsito. ABRASEL: associação brasileira de bares e restaurantes. Disponível em: < http://www.abrasel.com.br/index.php/noticias/563-20062011-apos-3-anos-lei-seca-nao-reduz-o-no-de-mortes-no-transito.html>. Acesso em 29 de agosto de 2012.

 

 

GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 11 ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2009.

 

 

JESUS, Damásio de. HOMICÍDIO DOLOSO NO TRÂNSTIO. Revista Jurídica Consulex, Brasília DF, Ano XIV, 15 de abril de 2010, nº 318.

 

 

MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Habeas Corpus. Homicídio tentado. HC no 1.0000.13.036746-9/000 da 1ª Câmara Criminal, Relator Des. Walter Luiz. Minas Gerais, 2013. Disponível em: <http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaNumeroCNJEspelhoAcordao.do;jsessionid=8BD10C6BE123E72DC2A57D07AC7271D9.juri_node1?numeroRegistro=1&totalLinhas=1&linhasPorPagina=10&numeroUnico=1.0000.13.036746-9%2F000&pesquisaNumeroCNJ=Pesquisar> Acesso em 10 de agosto de 2013.

 

 

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NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral e parte especial. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

 

 

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