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Resumo:
O presente trabalho visa analisar aspectos relevantes sobre o princípio da inalterabilidade da sentença, verificando-se a interpretação das disposições do Código de Processo Civil à luz dos posicionamentos doutrinários relativos do tema.
Texto enviado ao JurisWay em 16/10/2009.
Última edição/atualização em 11/11/2009.
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O princípio da inalterabilidade da sentença.
Art. 463. Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la:
I - para Ihe corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou Ihe retificar erros de cálculo;
II - por meio de embargos de declaração.
O princípio em comento é corporificado no art. 463 (supra transcrito), do Códex Processual Civil, estipulando as hipóteses em que poderá o Juiz alterar o conteúdo do provimento jurisdicional. Contudo, a matéria possui algumas nuances que merecem destaque, haja vista que o que se está permitindo é que o Juiz mesmo após a publicação da sentença, a altere, possibilidade que deve ser vista de forma cautelosa, uma vez que, caso a ratio do regramento processual seja subvertida, estaremos diante de um celeuma processual, fato que, certamente, não é o querido pelo Legislador.
Para tanto, analisemos o dispositivo legal em comento de forma fracionada, paraque a presente exposição permeie clareza e objetividade.
A expressão “Publicada” pode gerar confusão ao se atentar à publicação da sentença na imprensa oficial. Ocorre que a publicação a que se refere o artigo em comento, é o ato em que a sentença se torna pública, isto é, ganha existência jurídica1, sendo este ato de publicação anterior aquele, que se refere apenas, a publicação no sentido de veiculação do provimento jurisdicional na imprensa oficial, para fins de intimação (art. 236, caput c/c art. 242, caput) e contagem de prazo recursal.
Nesse sentido, a publicação de que trata referido artigo pode ocorrer nos seguintes momentos: tão logo quando proferida, em se tratando de pronunciamento judicial em audiência/sessão (oportunidade em que as partes, inclusive, já se dão por intimadas) ou; quando proferida em gabinete (nos casos de julgamento antecipado da lide ou na hipótese de sentença proferida em dez dias após a realização da audiência de instrução e julgamento) com a sua efetiva juntada aos autos, por ato do escrivão2.
Sob tal aspecto, portanto, passa a ser defeso ao juiz alterar a sentença, após a publicação de seu pronunciamento jurisdicional, o qual é anterior a intimação das partes pela “publicação” na imprensa oficial, haja vista que para ocorrer o segundo, deve obrigatoriamente, ocorrer o primeiro.
A segunda observação a ser delineada está relacionada a expressão “sentença”, presente ainda no caput do art. 463.
Tal expressão não deve ensejar a interpretação de que o princípio em análise não deva ser estendido ao âmbito dos Tribunais Estaduais e Tribunais Superiores3.
Há que se aceitar a hipótese de que o mesmo tipo de inexatidão material ou omissão, por exemplo, que pode ser evidenciada em uma sentença monocrática, também pode restar patente em um acórdão, da lavra de Desembargadores ou quiçá Ministros, tanto do Colendo Superior Tribunal de Justiça, como do Pretório Excelso, haja vista que prima a Legislação Adjetiva pela ordem processual e efetiva adequação entre o caso concreto e a prestação jurisdicional.
Cumpre ser observado, também, que qualquer tipo de sentença deve ser suscetível ao enquadramento da hipótese prevista no art. 463, ou seja, não importando se estamos falando de sentenças terminativas (art. 267) ou resolutórias de mérito (art. 269) e, tampouco, em que momento processual foi a mesma proferida, se após o decurso da fase instrutória, ou por ocasião de julgamento antecipado da lide, conclusão que será útil a posterior análise das demais hipóteses de alteração da sentença pelo mesmo Magistrado que a proferiu, após sua publicação.
Findas as considerações relacionadas ao caput do art. 463, passemos, pois, a análise dos seus incisos. O primeiro inciso versa sobre a correção, ainda que ex officio, de inexatidões materiais ou de erros de cálculo. Já o inciso segundo, sobre a alteração por intermédio dos embargos declaratórios.
Sobre o inciso primeiro, cabe especificar o que se enquadraria como inexatidões materiais e erros de cálculo. Nas palavras de Fredie Didier Jr., os erros materiais referem-se aos equívocos manifestos observados na forma de expressão do julgamento – jamais, no seu conteúdo4.
No mesmo sentido, Alexandre Freitas Câmara infere que considera-se erro material aquele equívoco contido na sentença e que é incapaz de alterar o seu teor5
Exemplificando: ocorre quando o Juiz qualifica a parte autora como parte ré, ou vice-versa e demais enganos de datilografia, contidos na sentença. Já no que tange ao erro de cálculo, para exemplificar a hipótese de alteração, pensemos em uma condenação em que se estabelece multa pecuniária em termos percentuais e, logo após, o Juiz para dar completa liquidez a sentença, transforma o valor percentual em valor real, mas deixa de agregar a esse último valor um zero, ou troca o número dois pelo número três.
No que concerne a hipótese do inciso segundo do artigo 463, observa-se que os embargos de declaração são um recurso, dirigido ao próprio Juiz prolator da sentença (ou desembargador ou ministro prolator de acórdão), que tem por objetivo sanar obscuridade, contradição ou omissão evidenciada no teor do pronunciamento judicial, o que pode ocasionar a modificação do teor da decisão, no caso de provimento, inclusive com a integração de fatores até então alheios ao julgado, caso seja evidenciada a hipótese da omissão.
Vale destacar, ainda, que a correção por inexatidões materiais e por erro de cálculo, pode ser evidenciada até mesmo quando formada a coisa julgada material, ou seja, quando da sentença, não couber mais nenhum tipo de recurso, nem embargos declaratórios tampouco recurso de apelação.
Isso decorre da exegese da própria dicção legal do dispositivo processual sob estudo, na medida em que se estabeleceu no inciso primeiro, que a correção pode se dar de ofício, o que propicia a intervenção do Juiz para corrigir inexatidão material ou de erro de cálculo a qualquer momento processual, mediante provocação ou não.
De outra sorte, ainda sendo a sentença passível de ataque pela via recursal ordinária, é igualmente permitido que os Desembargadores mediante expressa provocação ou não, atuar para corrigir as inexatidões que porventura possam existir na sentença.
Ainda sobre o assunto, imperioso destacar que o rol do art. 463 não é taxativo, sendo que o próprio Código Processual vem dispor sobre a alteração de sentença mesmo após sua publicação em outras hipóteses, são elas: a prevista no art. 296, quando do indeferimento da petição inicial por qualquer dos motivos do art. 295, pode o Juiz se retratar em quarenta e oito horas, caso interposto o recurso de apelação; a prevista no art. 285-A parágrafo primeiro, no caso da matéria controvertida ser unicamente de direito e já houver sido julgada causa idêntica de forma improcedente, pode o Juiz retratar-se da sentença de improcedência, no caso de interposto o recurso de apelação e; na situação prevista no art. 1028, quando restar evidenciada erro de fato na descrição de bens da partilha, poderá o juiz de ofício ou a requerimento das partes, a qualquer tempo, corrigir as inexatidões materiais.
Por fim, é correto afirmar que, em contraposição ao que dizia o antigo texto6 do artigo sob comento, antes da reforma trazida pela Lei 11.232/2005, não é correta a assertiva de que a sentença encerra a atividade jurisdicional do julgador do feito.
Após a prolação de sentença, o juiz que a subscreveu continua tendo participação ativa no regular prosseguimento processual, pois de toda a sorte, é ele quem vai cuidar de dar efetividade ao pronunciamento por ele próprio exarado, aplicando multa pelo não cumprimento espontâneo da sentença (art. 475-J) assim como ordenando diligências na fase de execução, como a expedição de mandados e realização de leilões.
Mesmo antes da alteração empregada pela Lei 11.232/2005, esse entendimento já era compartilhado pela doutrina de Cassio Scarpinela, no Código de Processo Civil comentado e anotado, vejamos:
O art. 463 não pode ser entendido – mormente à luz do princípio do acesso à ordem jurídica justa (CF, art. 5º, XXXV), reflexo do modelo político do Estado brasileiro, e no atual estado da processualística atual -, como sinônimo de ‘desligamento’ do julgador do feito após o proferimento da sentença.7
CONCLUSÃO
Conclui-se dizendo que a ratio essendi da dicção legal, é a de estabelecer uma coesão dos atos processuais a serem corporificados após a prolação da sentença, bem como fixar de forma inequívoca os limites do julgamento e todos os fatores determinantes para o seu deslinde, fazendo com que o juiz possa reparar seus erros (materiais ou de cálculos), omissões, contradições e obscuridades incontinenti, isto é, independente de provocação pelas partes, tão logo perceba o próprio erro.
NOTAS
[1] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, vol. 01. 9ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, pág. 435.
[2] Idem.
[3] BUENO, Cassio Scarpinela. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, tomo 02. 2ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2009. pág. 368.
[4] DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, volume 02. Bahia: Jus Podium, 2007, pág. 303.
[5] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, vol. 01. 9ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, pág. 436
[6] Art. 463. Ao publicar a sentença de mérito, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional, só podendo alterá-lo: I – para lhe corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou lhe retificar erros de cálculo; II – por meio de embargos de declaração
[7] MARCATO, Antônio Carlos, Coord. Código de Processo Civil Comentado e Anotado. 2ª Edição. São Paulo: Atlas, 2005, pág. 1474.
BIBLIOGRAFIA
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, vol. 01. 9ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.
BUENO, Cassio Scarpinela. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, tomo 02. 2ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2009.
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, volume 02. Bahia: Jus Podium, 2007.
MARCATO, Antônio Carlos, Coord. Código de Processo Civil Comentado e Anotado. 2ª Edição. São Paulo: Atlas, 2005.
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