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Aborto versus liberdades civis na Carta de Direitos da Constituição dos Estados Unidos da América e na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988


Autoria:

Marcos Roque


Advogado pós-graduado em direito civil e processo civil com atuação efetiva no direito do consumidor, sucessões, família, propriedade, usucapião, posse, contratos, violência doméstica (à vítima). Jornalista (MTE 0023.717RJ), tendo sido editor de inúmeras obras jurídicas por conceituadas e reconhecidas editoras no Rio de Janeiro, em São Paulo e Brasília. Legal counseling in English / Consejos legales en español. Consultivo e contencioso. [21] 99949 1789 / roquemarcos@uol.com.br Rio de Janeiro e Cabo Frio/RJ - Caxias do Sul/RS - Juiz de Fora/MG

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Resumo:

Aborto pelos vieses constitucionais norte-americano e brasileiro. Direito à vida desde a concepção nos termos do Código Civil. O assunto pode se transformar num pesadelo pelas vias tributárias? Eis alguns dos tópicos abordados no presente ensaio.

Texto enviado ao JurisWay em 06/10/2023.

Última edição/atualização em 10/10/2023.



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1 Introdução

Desde a primeira Emenda à Constituição norte-americana – em 1791, com a instituição da Carta de Direitos – as liberdades civis têm figurado como protagonistas principais de toda uma sociedade, que a todo o momento busca direitos fundamentais que se traduzem, num viés simplista da palavra, como a busca e a personificação da dignidade da pessoa humana.

Constituição dos Estados Unidos da América do Norte, aprovada em 17 de setembro de 1787 e ratificada pelos 13 estados americanos [1] em 21 de junho de 1788 no estado da Pensilvânia, se configura como a segunda mais antiga [2] e mais curta do mundo em vigor. Possui sete artigos e 27 emendas, tendo a divisão de poderes tripartida de forma destacada em Poder Executivo, em que figuram o presidente da República (eleito por período de quatro anos) e o vice-presidente, o que forma uma república federativa presidencialista; Poder Legislativo, com congresso bicameral, tendo a Câmara dos Representantes com delegados de cada estado e Senado Federal; e o Poder Judiciário, que é composto pela Suprema Corte (com nove juízes indicados pelo presidente da República) e pelos demais tribunais federais.

O conceito de federalismo é definido nos artigos IV, V e VI, os quais descrevem os direitos e as responsabilidades dos governos dos estados com relação ao governo federal.

Sem intentar esgotamento do assunto, este artigo foca especificamente na Carta de Direitos da Constituição dos Estados Unidos, objetivamente em questões que ocupam por demais não apenas o Poder Judiciário norte-americano, mas também o Judiciário brasileiro. Tratam-se do aborto e da manipulação embrionária humana, assuntos de constante evidência nos noticiários nacionais e internacionais que afligem não somente grande parcela da população norte-americana, mas também a sociedade brasileira.

Uma abordagem debruçada sobre a Carta de Direitos da Constituição da América do Norte significa adentrar a algumas emendas de garantias e direitos humanos, entre as quais se destacam: Emenda I (que trata da liberdade de expressão), Emenda II (da segurança e do direito de uso de arma de fogo pelo povo), Emenda IV (do direito contra buscas e apreensões arbitrárias e contra provas ilícitas); Emenda V (dos princípios da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal e do direito ao silêncio), Emenda IX (dos direitos e garantias constitucionais); Emenda X (do poder do povo), Emenda XIII (da proibição ao trabalho análogo à escravidão); e Emenda XIV (do direito à privacidade e à cidadania).

Este artigo pretende costurar entendimento sobre o direito ao aborto sob a óptica constitucional norte-americana e, comparativamente, sob os ditames da Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988.

Cumpre esclarecer, por oportuno, que nenhuma das constituições (americana e brasileira) menciona o aborto propriamente nas suas redações. Esclarece-se ainda que o Brasil já ostentou seis constituições anteriores a de 1988 [3] e nenhuma delas, assim como a atual, cita a interrupção de gravidez em seus textos legais.

2 Aborto e precedentes no sistema de Common Law

No direito norte-americano, o sistema de Common Law faz com que os juízes da Suprema Corte julguem toda a sorte de complexas demandas jurídicas por meio de precedentes, os quais formam o princípio da coisa julgada e fazem com que suas decisões se vinculem a todos os tribunais inferiores a casos futuros similares.

Importante destacar que nos Estados Unidos da América, embora a Constituição de 1787 estabeleça todas as regras ao país, cada estado da federação possui lei própria, o que proporciona determinadas divergências, principalmente a questões que digam respeito a direitos fundamentais da pessoa humana. Quando há violação a esses direitos, em vista de conflito de normas, a Suprema Corte é provocada a atuar na busca pela melhor decisão do caso concreto, sempre com base em fundamentos constitucionais.

E sobre o sistema de precedentes (Common Law), de acordo com Peter J. Messitte, juiz federal de primeira instância na Corte do Distrito de Maryland: [4]

Nos Estados Unidos, nós somos da opinião que esta doutrina tem as seguintes características e vantagens:
a) A aplicação da mesma regra em casos análogos e subseqüentes resulta em igualdade no tratamento de todos os que buscam justiça;
b) Saber que o caso subseqüente será decidido de maneira consistente a um caso anterior contribui para a antecipação e visualização prévia de resultado e resolve muito do possível futuro litígio;
c) O uso do critério estabelecido para a solução dos casos economiza tempo e energia;
d) A aderência às decisões anteriores demonstra um respeito bastante apropriado à sabedoria e experiência dos advogados e juízes os quais vieram primeiro.

E assim, a Suprema Corte norte-americana vem julgando e decidindo desde a ratificação de sua Constituição, em 1788, todas as demandas de repercussão geral e relevância social, entre as quais os emblemáticos e controversos casos em que o pano de fundo é o direito ao aborto. Adiante quatro relevantes casos –Roe v. Wade (1973), Doe v. Bolton (1973), Planned Parenthood of Southeastern Pennsylvania v. Casey (1992) e Gonzales v. Carhart (2007) – sobre o assunto transformados em precedentes.

2.1 Roe v. Wade (1973) [5]

Nesse polêmico e pioneiro caso decidido em 22 de janeiro de 1973 pela Suprema Corte dos Estados Unidos, uma mulher residente do Texas resolveu interromper a gravidez por meio do aborto.

Contudo, a lei do Texas proibia a prática do aborto, exceto para salvar a vida da gestante. A questão formulada à sustentação recursal da Suprema Corte se estabeleceu na seguinte pergunta: “A Constituição abrange o direito de a mulher interromper sua gravidez por aborto?” [6] A decisão de 7 votos a 2, favorável a Jane Roe (nome fictício), coube aos juízes Warren Burger, William Douglas, William Brennan, Potter Stewart, Thurgood Marshall, Harry Blackmun e Lewis Powell. Os juízes Byron White e William Rehnquist foram votos vencidos na decisão que entendeu que o aborto se enquadra no direito à privacidade protegido pela Emenda XIV. A decisão deu à mulher total autonomia sobre a gravidez durante o primeiro trimestre e definiu diferentes níveis de interesse do Estado para o segundo e terceiro trimestres. Com esse resultado inédito, as leis de todos os estados, incluído o Texas, foram afetadas pelo precedente do Tribunal, o que se tornou um marco na história sobre a legalização do aborto e ganhou ampla simpatia e adesão por parte, principalmente, de grupos feministas e até femistas. [7]

2.2 Doe v. Bolton (1973) [8]

Também decidido em janeiro de 1973, o caso Doe v. Bolton proporcionou intensa discussão jurídica no estado da Geórgia, que cumpria uma lei, na qual o aborto somente poderia ser realizado em caso de gravidez de risco que envolvesse a saúde e/ou a vida da gestante, a casos de feto com anencefalia, ou de gravidez fruto de estupro. A lei estadual também exigia que a gestante apresentasse comprovante de residência no estado da Geórgia e também que o aborto fosse praticado em hospital credenciado, depois de aprovação de dois médicos pertencentes a tal unidade hospitalar.

Doe (nome fictício da protagonista deste caso), com oito semanas de gravidez, requereu ao Poder Judiciário o direito de abortar, porém, seu pedido foi negado. Inconformada, Doe interpôs recurso questionando a constitucionalidade da lei do estado da Geórgia.

Na Suprema Corte, os juízes entenderam que o direito ao aborto não era absoluto, como já havia sido decidido no caso Roe v. Wade, mas a exigência de requerimento de aval de dois médicos se configurava inconstitucional por expressa violação da Emenda XIV. Entendeu ainda a Corte que a interrupção da gravidez no primeiro trimestre de gestação deveria ser aceita sem nenhum entrave.

Mais: os juízes consideraram inconstitucional a exigência de comprovação de residência no estado da Geórgia para a realização do aborto, o que violava o disposto na Emenda XIV e estabelecia distinções entre cidadãos residentes e não residentes. Por 7 votos a 2, a Suprema Corte declarou que a lei da Geórgia era inconstitucional e feria o direito fundamental da requerente.

2.3 Planned Parenthood of Southeastern Pennsylvania v. Casey (1992) [9]

Decidido em 29 de junho de 1992, este caso tem como litigantes a organização que cuida do Planejamento Familiar do Sudeste da Pensilvânia e o governador do mesmo estado, Robert P. Casey.

Trata-se de lei da Pensilvânia dotada de inúmeros requisitos para a realização do aborto. Entre esses requisitos, a necessidade de permissão e de espera de 24 horas para a realização do procedimento abortivo e o consentimento de um dos pais para a realização de aborto em gestante menor de idade. Além desses requisitos, a obrigação de a mulher casada notificar seu marido da intenção de praticar o aborto.

A Suprema Corte, em decisão apertada de 5 votos a 4, ratificou o precedente de Roe v. Wade (1973) e estabeleceu novo parâmetro sobre o assunto, proibindo a criação de entraves à gestante que intentasse realizar aborto.

Os cinco juízes entenderam que, no universo de requerimentos, a necessidade de notificação por escrito do marido para a realização do aborto se configurava totalmente inconstitucional e, assim julgaram parcialmente [10] procedente o caso, quebrando o parâmetro e a supremacia da lei do estado da Pensilvânia com relação ao caso concreto proposto.

2.4 Gonzales v. Carhart (2007) [11]

Neste caso emblemático e, de certa forma recente, os juízes da Suprema Corte norte-americana entenderam que a lei federal era constitucional e sua limitação a uma técnica cirúrgica “desumana” com indução à morte de fetos parcialmente nascidos não violava o direito ao aborto.

Inconformados com a lei federal, o médico Leroy Carhart e outros ajuizaram ação contra a interrupção de abortos em situações de nascimento parcial do feto. O caso chegou à Suprema Corte com o seguinte questionamento: “A Lei de Proibição do Aborto de Parto Parcial de 2003 viola texto constitucional sobre liberdade protegido pela Emenda V por não demonstrar uma exceção para abortos de nascimento parcial necessários à proteção da saúde da gestante?”

Em 18 de abril de 2007, por 5 votos a 4, os juízes John Roberts, Antonin Scalia, Anthony Kennedy, Clarence Thomas e Samuel Alito decidiram pela constitucionalidade da lei federal. Os votos vencidos ficaram a cargo dos juízes John Stevens, David Souter, Ruth Ginsburg e Stephen Breyer.

Como se percebe pela exposição dos quatro casos abordados supra, o Judiciário norte-americano, embora ainda demonstre certo conservadorismo, tem se mostrado bastante favorável a questões de descriminalização e direito ao aborto.

3 Aborto e Constituição do Brasil de 1988

No sistema de Civil Law, do qual o Brasil – que é uma república federativa presidencialista desde 15 de novembro de 1889 – bebe da fonte, o direito à vida encontra-se estampado no Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), Capítulo I (Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos) da Carta Constitucional de 1988, a qual assevera no artigo 5º, caput, que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...”. [12]

Entende-se, de pronto, que o constituinte não aceita distinção entre seres humanos, ou seja, todos são iguais perante a lei. E, no caso, não se pode negar, o feto é ser humano em estágio inicial de existência e, assim, além de sujeito de direitos, possui garantias fundamentais.

No sistema de Civil Law, as demandas jurídicas são tratadas comumente pela letra da lei positivada, embora o direito brasileiro demonstre grande interesse pelas jurisprudências e súmulas do Supremo Tribunal Federal que se aproximam, em grande medida, dos precedentes norte-americanos.

Assim como ocorre no seio da sociedade norte-americana e também no Poder Judiciário, o aborto, no Brasil, é tido como assunto extremamente polarizante e provoca nas instituições legais e na população enormes disputas e acirradas discussões entre simpatizantes e contrários ao direito à prática da interrupção da gravidez de forma voluntária.

O então presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, eleito pelo voto popular para o mandato de 2019-2022, sempre teve como uma de suas bases de governo a não descriminalização do aborto, o que voltou recentemente ao foco, inclusive com o voto favorável da ministra Rosa Weber, então presidente do Supremo Tribunal Federal - STF, aposentada em 30.09.2023, a qual votou pela descriminalização da interrupção voluntária da gravidez nas primeiras doze semanas de gestação. Diante do inconformismo de maioria do Congresso Nacional e de parte da sociedade civil, o caso foi suspenso sem data de retorno pelo presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso.

3.1 Prescrições legais infraconstitucionais

Além da clara menção constitucional à igualdade entre todos os seres humanos, o Código Civil brasileiro, no Capítulo I (Da Personalidade e da Capacidade), no seu artigo 2.º assevera claramente que “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. [13]

Não há o que se contestar, pois a letra da lei é clara e irrefutável quando afirma que os direitos do nascituro são resguardados desde a concepção.

Afora os direitos garantidos à pessoa humana consubstanciados na Constituição de 1988, no Código Civil e no Código de Processo Civil de 2015, no artigo 650, o sistema jurídico brasileiro conta com dispositivos do Código Penal, o qual criminaliza a prática do aborto e descriminaliza algumas outras formas. De acordo com o Código Penal, na Parte Especial, Título I (Dos Crimes Contra a Pessoa), Capítulo I (Dos Crimes Contra a Vida):

Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento

Art. 124. Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: [14]
Pena - detenção, de um a três anos.

Aborto provocado por terceiro

Art. 125. Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de três a dez anos.
Art. 126. Provocar aborto com o consentimento da gestante: [15]
Pena - reclusão, de um a quatro anos.
Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.

Forma qualificada

Art. 127. As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.
Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico[16]
Aborto necessário
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Como visto, o aborto é permitido no Brasil apenas em três casos. São tipos conhecidos como aborto legal:

  1. gravidez de risco à vida da gestante; [17]
  2. gravidez resultante de violência sexual (aborto sentimental); [18] e
  3. anencefalia fetal. [19]

3.1.1 Em caso de risco à vida da gestante

Não há idade gestacional máxima para a realização desse tipo de aborto, porém, quanto mais cedo ele for realizado, menores são os riscos para a mulher, que deve apresentar laudo com a opinião de dois médicos, incluindo o especialista na doença que a põe em risco.

O laudo deve conter descrição detalhada do quadro clínico, bem como o impacto na saúde da mulher gestante, baseando a recomendação de aborto em evidências científicas.

Nesse tipo de aborto, a mulher deve receber acolhimento humanizado com equipe multidisciplinar e, posteriormente, ser encaminhada a atendimento médico.

3.1.2 Em caso de violência sexual

Essa hipótese de aborto legal ocorre quando a gravidez resulta de estupro ou de outra forma de violência sexual e é permitida até a 20ª semana de gestação, e pode ser estendida até 22 semanas, desde que o feto tenha menos de 500 gramas.

3.1.3 Em caso de anencefalia fetal

A interrupção da gestação em caso de anencefalia ocorre quando há malformação no feto incompatível com a vida extrauterina. Essa modalidade legal de aborto é proveniente do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF nº 54 do STF, de 12 de abril de 2012.

4 Manipulação embrionária humana

A alteração do genoma humano e a bioética são estudos e assuntos pouco explorados na sua efetiva essência e divulgados com certa timidez, haja vista a enorme aversão por grande parte da população humana.

A manipulação embrionária humana é vista, por muitas comunidades, incluindo a própria Igreja, como algo grotesco, imoral e ilegal. Parte da comunidade científica, no entanto, entende que a manipulação genética humana pode significar enorme avanço, por exemplo, à cura de doenças hoje incuráveis, o que poderá proporcionar fetos saudáveis e, consequentemente, seres humanos adultos aptos e perfeitos.

De acordo com a médica Regina Ribeiro Parizi Carvalho, presidente da Sociedade Brasileira de Bioética - SBB no biênio 2015-2017:

[...] de acordo com a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), assinada no ano 1990, todas as pesquisas na área devem levar em conta suas implicações éticas e sociais.
A SBB é uma organização plural e multidisciplinar e, dentro desta pluralidade, nossa posição é que a ciência deve avançar, mas sempre com prudência, para que os procedimentos científicos realmente resultem em benefícios para a Humanidade e evitem malefícios.
Entendemos a ansiedade dos cientistas e da sociedade para que as pesquisas avancem, mas os experimentos com o genoma humano devem ser feitos com cautela. A ciência deve ser feita com consciência. Ao manipularmos o DNA humano, ninguém sabe ao certo o que pode acontecer. Podemos corrigir um problema e criar vários outros, além de abrir caminho para ideias perigosas de filosofias como a eugenia e criação de “super-raças”. Por isso, os processos científicos do genoma humano devem ser feitos com segurança, transparência e controle da sociedade, e os cientistas devem sempre se fazer a pergunta: “Isso é necessário?” [20]

Também de forma prudente sobre o assunto, Volnei Garrafa, conceituado professor e coordenador do Programa de Pós-graduação em Bioética da Universidade de Brasília - UnB e também integrante do Comitê Internacional de Bioética da Unesco, ressalta que:

A ética, assim como a ciência, é glacial. Ou seja, diante de um determinado fato, o indivíduo não pode ser 40%, 60% ou 80% ético. No caso de pesquisas científicas relacionadas aos limites biotecnocientíficos, sabe-se há algumas décadas que nem tudo que pode ser feito deve ser feito, especialmente por razões de biossegurança identificadas com a própria genômica das gerações que estão por vir. Não se trata de precaução exagerada, mas de responsabilidade ética com relação a procedimentos cujos resultados não são absolutamente seguros e que possam vir a colocar em xeque a vida futura da espécie no planeta. [21]

Portanto, como visto, a questão que envolve a manipulação embrionária humana ainda se configura em tema bastante complexo e com muitas contradições, até mesmo entre os próprios estudiosos do assunto, seja do Brasil, seja da comunidade científica nos Estados Unidos da América.

5 Principais argumentos contra e a favor da descriminalização do aborto, tanto no Brasil quanto nos EUA

5.1 Argumentos contrários

  • Hoje em dia só engravida quem é mesmo irresponsável. Promovendo o Planejamento Familiar não é preciso despenalizar o aborto.
  • Fazer um aborto é um atentado contra a vida humana.
  • O aborto legal vai congestionar os serviços de saúde.
  • A despenalização do aborto vai provocar o aumento do número de abortos.
  • O aborto é um pecado. É mau e imoral. [22]

5.2 Argumentos favoráveis

  • A mulher tem o direito de tomar decisões num assunto que diz respeito à sua vida como o é da maternidade.
  • O aborto clandestino é um problema de saúde pública e sua legalização diminui o número de mortes das mulheres.
  • Nenhum sistema de saúde entrou em colapso depois da despenalização do aborto.
  • Proibir não elimina o recurso ao aborto. Quando as mulheres sentem que ele é necessário, elas fazem-no, mesmo que não seja em segurança.
  • Um aborto malfeito pode ter consequências graves para a saúde da mulher. [23]

6 Considerações finais

Longe de ser questão pacífica, o aborto continua causando sérios atritos e acirradas discussões entre grupos contrários e favoráveis à sua descriminalização. Enquanto existir essa celeuma, o Estado não pode se furtar à realidade dos fatos quanto à busca por soluções de liberdades civis e direitos fundamentais, as quais possam proporcionar bem-estar e dignidade à pessoa humana.

Nos EUA, os precedentes da Suprema Corte têm equilibrado questões que, aparentemente, se mostram de impossível solução, tal o grau de complexidade relacionado ao aborto, em contraposição aos ditames das emendas à Constituição norte-americana.

No Brasil, tanto a Constituição de 1988 quanto as leis infraconstitucionais se mostram rígidas e firmes no propósito de controlar essa questão, embora grupos adeptos do direito ao aborto lutem incansavelmente em prol da descriminalização. Não se pode negar que, além dos fundamentos legais e morais existentes sobre o aborto e sua descriminalização, há outro ponto pouco abordado, que é a questão econômica.

Refletindo-se por um viés tributário, poderia a descriminalização do aborto causar impacto estratosférico aos contribuintes com o possível aumento de práticas abortivas sendo tratadas pelo Sistema Único de Saúde - SUS brasileiro? Eis mais uma reflexão para o debate, pois tem-se que a legalização do aborto possa transformar a prática em novo modelo contraceptivo, o que poderia causar congestionamento às unidades hospitalares e consequente inchaço de tributos cobrados do contribuinte.

Não se nega, contudo, que o equilíbrio às liberdades civis e o respeito aos direitos fundamentais de primeira, segunda, terceira e quarta dimensões sejam as melhores escolhas para as soluções de quaisquer conflitos com interesse na dignidade da pessoa humana.

Os Estados Unidos da América, por meio da Suprema Corte, têm atuado com afinco e seriedade na busca da melhor solução a casos envolvendo gestante e feto. O Brasil, com suas leis, jurisprudências e súmulas também tem envidado todos os esforços nesse sentido.

Que os dispositivos constitucionais, as boas decisões, o bom senso, o respeito aos direitos humanos (e aqui também se incluem os direitos do feto) e a razoabilidade prevaleçam e sejam capazes de conduzir os tribunais, tanto dos EUA quanto do Brasil, aos melhores desfechos.

7 Referências 

Eletrônicas

BOL LISTAS. 15 fatos curiosos sobre a Constituição dos Estados Unidos da América. Disponível em:  Acesso em: 7 out. 2023.

COSTA, Raphael Mendonça. Tipos de aborto legal (Types of Legal Abortion). Revista Eletrônica da Faculdade de Direito de Franca, v. 12, n. 1, jul. 2017, p. 243-263. Disponível em: < https://www.revista.direitofranca.br/index.php/refdf/article/download/332/pdf_1>. Acesso em: 9 nov. 2018.

ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA DO NORTE. Constituição dos Estados Unidos. Disponível em: <https://www.senate.gov/civics/constitution_item/constitution.htm>. Acesso em: 9 nov. 2018.

FRIEDE, Reis. Reflexões sobre o Aborto: por uma hermenêutica conciliatória e humanística. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2021.

G1. Supremo decide por 8 a 2 que aborto de feto sem cérebro não é crime. SANTOS, Débora. Publicado em 12.04.2012. Disponível em: . Acesso em: 07 out. 2023.

GLOBO, O. Manipulação genética de embriões humanos gera debate ético. BAIMA, César. Publicado em: 24 abr. 2015. Disponível em: . Acesso em: 7 out. 2023.

JUSTIA US SUPREME COURT. Doe v. Bolton, 410 U.S. 179 (1973). Disponível em: <https://supreme.justia.com/cases/federal/us/410/179/#tab-opinion-1950138>. Acesso em: 9 nov. 2018.

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MESSITTE, Peter J. A teoria dos precedentes no direito norte-americano. Publicado em Rev. TST, Brasília, v. 67, n. 84, out./dez. 2001, p. 92-97. Palestra proferida no 8.º Ciclo Internacional de Conferências, promovido pela AMATRA XXIII, Cuiabá (MT), de 14 a 18 de agosto de 2001. Disponível em: <https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/51679/008_messitte.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 7 out. 2023.

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__________. Roe v. Wade. Disponível em: <https://www.oyez.org/cases/1971/70-18>. Acesso em: 9 nov. 2018.

PORTAL BRASIL. San Marino. Disponível em: <http://www.portalbrasil.net/europa_sanmarino.htm>. Acesso em: 8 nov. 2018.

TODA MATÉRIA. As treze colônias e a formação dos Estados Unidos. Disponível em: <https://www.todamateria.com.br/as-treze-colonias-e-a-formacao-dos-estados-unidos/>. Acesso em: 8 nov. 2018.

WIKIPÉDIA. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 54, de 12 de abril de 2012. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/ADPF_54>. Acesso em: 9 nov. 2018.

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Jurisprudenciais

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__________. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.º 54, de 12 de abril de 2012. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/adpf54.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2018.

Legislativas

BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988.

__________. Decreto-lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal).

__________. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).

__________. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (CPC 2015).


[1] Os 13 estados/colônias são Carolina do Norte, Carolina do Sul, Connecticut, Delaware, Geórgia, Massachussetts, Maryland, New Hampshire, Nova York, New Jersey, Pensilvânia, Virgínia e, por último, Rhoad Island. Cf. Toda Matéria. As treze colônias e a formação dos Estados Unidos. Disponível em: <https://www.todamateria.com.br/as-treze-coloniasea-formacao-dos-estados-unidos/>. Acesso em: 8 nov. 2018.

[2] A primeira constituição, embora não escrita, é a de San Marino, região do sul da Europa, datada de 1600. Cf. Portal Brasil. San Marino. Disponível em: <http://www.portalbrasil.net/europa_sanmarino.htm>. Acesso em: 8 nov. 2018.

[3] Constituições de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946 e 1967. Cf. Mundo Vestibular. Constituições brasileiras de 1824 a 1988. Disponível em: <https://www.mundovestibular.com.br/blog/constituicoes-brasileiras-de-1824-a-1988>. Acesso em: 7 out. 2023.

[4] MESSITTE, Peter J. A teoria dos precedentes no direito norte-americano. Publicado em Rev. TST, Brasília, v. 67, n. 84, out./dez. 2001, p. 92-97. Palestra proferida no 8.º Ciclo Internacional de Conferências, promovido pela Amatra XXIII, Cuiabá (MT), de 14 a 18 de agosto de 2001. Disponível em: <https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/51679/008_messitte.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 7 out. 2023.

[5] Justia US Supreme Court. Roe v. Wade410 U.S. 113 (1973). Disponível em: <https://supreme.justia.com/cases/federal/us/410/113/#tab-opinion-1950137>. Acesso em: 9 nov. 2018.

[6] Oyez. Roe v. Wade. Disponível em: <https://www.oyez.org/cases/1971/70-18>. Acesso em: 9 nov. 2018.

[7] “Feminismo” se configura em movimento político pela busca da conquista por igualdade de direitos entre homens e mulheres. Por outro lado, “femismo” seria o sinônimo de “machismo”, uma forma pejorativa de superioridade da mulher sobre o homem.

[8] Justia US Supreme Court. Doe v. Bolton, 410 U.S. 179 (1973). Disponível em: <https://supreme.justia.com/cases/federal/us/410/179/#tab-opinion-1950138>. Acesso em: 9 nov. 2018.

[9] Justia US Supreme Court. Planned Parenthood of Southeastern Pa. v. Casey, 505 U.S. 833 (1992). Disponível em: <https://supreme.justia.com/cases/federal/us/505/833/#tab-opinion-1959105>. Acesso em: 10 nov. 2018.

[10] O julgamento foi parcialmente procedente, tendo em vista que a Corte entendeu que alguns requisitos da lei estadual não se revestiam de inconstitucionalidade, a exemplo da obrigação de consentimento de um dos pais para a realização de aborto em gestante menor de idade.

[11] Oyez. Gonzales v. Carhart. Disponível em: <https://www.oyez.org/cases/2006/05-380>. Acesso em: 10 nov. 2018.

[12] Grifou-se.

[13] Idem.

[14] O STF, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF nº 54, de 12.4.2012, decidiu, por maioria de votos (8 a 2), julgar procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez do feto anencéfalo é conduta tipificada no artigo 124 do Código Penal. No seu voto, o Min. Rel. Marco Aurélio Mello diz: “Aborto é crime contra a vida. Tutela-se a vida em potencial. No caso do anencéfalo, não existe vida possível. O feto anencéfalo é biologicamente vivo, por ser formado por células vivas, e juridicamente morto, não gozando de proteção estatal”. G1. Supremo decide por 8 a 2 que aborto de feto sem cérebro não é crime. Publicado em 12.04.2012. Disponível em: <https://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/04/supremo-decide-por-8-2-que-aborto-de-feto-sem-cerebro-nao-e-crime.html>. Acesso em: 07 out. 2023.

[15] Cf. ADPF nº 54.

[16] Vide ADPF nº 54. Grifou-se.

[17] Código Penal - Art. 128I.

[18] Código Penal - Art. 128II.

[19] Por força da ADPF nº 54, de 2012.

[20] O Globo – Sociedade. Manipulação genética de embriões humanos gera debate ético. BAIMA, César. Publicado em: 24 abr. 2015. Disponível em: ttps://oglobo.globo.com/saude/ciencia/manipulacao-genetica-de-embrioes-humanos-gera-debate-etico-15960869>. Acesso em: 7 out. 2023.

[21] Ibid.

[22] FRIEDE, Reis. Reflexões sobre o Aborto: por uma hermenêutica conciliatória e humanística. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2021, p. 144.

[23] Ibid.

  • Marcos Roque é advogado, com especialização em Direito Civil e Processo Civil. Jornalista, tendo sido editor de consagradas editoras no Rio de Janeiro.
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