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Falsas Memórias no Processo Penal: A prova testemunhal e o perigo da inserção de um elemento não verdadeiro no campo probatório


Autoria:

Andréa Soares Lobato De Azevedo


Pós-graduanda em Direito de Família - Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro UNIRIO (2021) - Centro de Ciências Políticas e Jurídicas CCJP e Graduada em Serviço Social- UNISUAM (2013) /Área Ciências Sociais Aplicadas/ Políticas Públicas. Contato e-mail: andrealobatojustica@gmail.com

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Resumo:

O presente trabalho tem como objetivo apresentar o fenômeno das falsas memórias quanto elemento que pode influenciar no campo probatório e distorcer o campo processual penal por meio do acolhimento da prova testemunhal.

Texto enviado ao JurisWay em 29/09/2021.

Última edição/atualização em 27/06/2022.



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Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para obtenção do título de Bacharel em Direito da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

 

 

Orientadora: Prof.ª Dra. Elizabeth da Cunha Süssekind

 

 


RESUMO

 

O presente trabalho tem como objetivo apresentar o fenômeno das falsas memórias quanto elemento que pode influenciar no campo probatório e distorcer o campo processual por meio do acolhimento de provas, sendo esta, principalmente testemunhal, demonstrando sua fragilidade, que em determinados casos, é o único meio de prova, podendo contaminar informações e prejudicar o seu grau de confiabilidade. Estuda brevemente princípios no campo do Processo Penal, provas, seus aspectos e características à fase testemunhal e o reconhecimento de pessoas. A partir da produção da prova testemunhal, busca debater os fatores que influenciam no Processo Penal. No campo interdisciplinar, foram analisadas a formação da memória enquanto meio cognitivo para obtenção de respostas no funcionamento da mente humana, sendo o instrumento de captação de respostas para a criação das falsas memórias e os fatores para composição deste fenômeno, bem como medidas para tentar minimizar as falhas no momento do acolhimento da prova de reconhecimento. Por fim, foram analisados dois casos concretos, que foram utilizados para exemplificar a ocorrência de falsas memórias. O primeiro foi o caso da “Escola Base de São Paulo” de 1994 e o segundo, foi um caso recente, no qual se obteve o julgamento revertido por conta da reanálise do caso e da sentença, mediante revisão denominada “exoneração” pelo The Innocencce Project Brasil, que é uma Organização Internacional com representatividade no país, para fins da reversão dos casos de condenação de pessoas inocentes.

Palavras-chave: Processo Penal. Prova Testemunhal. Falsas Memórias. The Innocencce Project.


ABSTRACT

 

The present paper aims to bring up the phenomenon of false memories as an element that can influence as an evidential basis, and to distort the procedural law for the admission of evidence, which is mainly testimonial, demonstrating the fragility in this type of evidence that, in certain cases, is the only means of obtaining evidence, and that can contaminate information and harm the degree of reliability and therefore it is briefly addressed three principles of the Criminal Procedural Law, such as evidence, its aspects and characteristics of testimonial evidence and the recognition of people. In the interdisciplinary field, it is analyzed construction of memory as a mode of cognition to obtain answers for the functioning of the human mind, being the instrument for obtaining responses for the creation of false memories and the factors for the composition of this phenomenon, as well as measures to try to minimize failures at the time of admission of evidence. Finally, it is analyzed two concrete cases, presented to exemplify the occurrence of false memories. The first was the case of the “Escola Base de São Paulo” in 1994 and the second was a recent case, which obtained the modification of the judgment by the reanalysis of a sentence, through a revision called “exoneration” by The Innocence Project Brasil, an international organization with representativeness in Brazil, for the purpose of reversal of cases of conviction of innocent people.

Keywords: Criminal Procedural Law. Testimonial Evidence. False Memories. TheInnocence Project.

 

1.         INTRODUÇÃO

           

O presente trabalho tem como objetivo trazer uma reflexão e ampliar o debate sobre as denominadas falsas memórias no processo penal. Fenômeno que ocorre a partir da mente humana e que pode colocar em risco a integridade de uma pessoa inocente em caso de crime, mediante o seu reconhecimento por uma testemunha, o que neste caso, poderá causar dano irreparável a sua vida, inclusive, ocasionando sua condenação.

Desse modo, almejamos atrair a atenção dos profissionais operadores do Direito, principalmente no ramo do direito processual penal, quanto à confiabilidade da prova testemunhal para o reconhecimento de pessoas, destacando a influência das falsas memórias na busca pela reconstrução do fato criminoso, no qual a testemunha passa por um processo de recordações de fatos ocorridos anteriormente.

Neste ínterim, é visto que, a partir de um reconhecimento testemunhal, baseado na palavra da vítima ou de terceiros, buscam-se subsídios para elencar os agentes do ato delituoso, e essa obtenção, através da análise dos especialistas em ciências criminais, necessita maior atenção, no intuito de melhorar a utilização de técnicas para dar mais qualidade à prova testemunhal.

O objetivo é discutir até que ponto a fragilidade no reconhecimento de pessoas, através das falsas memórias, pode contaminar procedimentos na colheita de provas, como previsto no art. 226 do Código de Processo Penal. Mais em específico no convencimento do magistrado, principalmente pelo fato da prova testemunhal no reconhecimento de pessoas, ser um processo que depende da memória e, que pode estar sujeito a falhas, inclusive podendo estar apto à contaminação interna e externa.

Inicialmente, destacamos três princípios constitucionais, presentes no processo penal, que nos remete à importância do arcabouço doutrinário no tema em debate, sob o viés do devido processo legal, para subsidiar a garantia dos direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito.

Na sequência, o estudo aponta provas, o meio de prova testemunhal, e fatores que possam influenciar no campo probatório. A partir da teoria geral das provas, analisa a prova e os critérios de sua valoração ao livre convencimento motivado do magistrado, principalmente pelo peso que tem a palavra da testemunha no campo processual.

 Neste seguimento, abordaremos a formação da memória e suas dimensões, com destaque à relevância em identificar e compreender o fenômeno de falsas memórias, passando por sua influência na construção no meio de prova através do reconhecimento de pessoas. Ademais, será enfatizada a problemática da criação desse fenômeno no processo penal, assim como, a busca pela redução de danos.

Por fim, chamamos à atenção para a relevância do The Innocence Project, iniciativa de uma instituição não governamental que atua em busca da reversão de casos que levaram à condenação de pessoas que devem ser inocentadas. Assim como, apresentaremos breves relatos de casos equivocados, que foram influenciados e construídos pelo reconhecimento de testemunhos a supostos autores de crimes que não cometeram, buscando demonstrar efetivamente os danos causados as partes envolvidas no processo penal. Alertando para a necessidade do registro desses casos para contribuir para melhoria do sistema judiciário, pois no país não há dados estatísticos oficiais sobre erros judiciais.

A metodologia utilizada será a consulta a fontes bibliográficas, por meio de livros, teses de doutorado, artigos, jurisprudência e, coleta de dados estatísticos; ou seja, estudo de doutrinadores no contexto das falsas memórias no Processo Penal, em destaque para a prova testemunhal.

 

2.          PRINCÍPIOS PROCESSUAIS PENAIS

A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988 é, sem dúvida, um marco do Estado Democrático de Direito. Assim, os princípios constitucionais servem como mecanismos de proteção à dignidade humana, chamando atenção para o quesito culpa, conforme expressa o art. 5º da CRFB/88: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (BRASIL, 1988). Sabemos que o processo penal deve estar pautado constitucionalmente, para garantir aos réus o devido processo legal, e não arbitrariedades eventualmente praticadas pelo Estado Juiz.

É visto que há discussões acerca da aplicabilidade e benefícios de determinados princípios, que podem ser notadas tanto na jurisprudência quanto na doutrina. Nesse contexto, como bem ressalta Aury Lopes Júnior (2016, p. 32), o processo não pode ser visto como um instrumento punitivo, senão que desempenha um papel de limitador do poder e garantidor do indivíduo a ele submetido. Assim, denomina que, o respeito às garantias fundamentais não se confunde com impunidade.

Logo, com previsibilidade na Carta Magna e no Código de Processo Penal, as aplicações dos princípios processuais penais exigem do operador do direito um conhecimento peculiar, e visão ampla, para alcançar efetividade ao cumprimento de um processo justo.  

O art. 5º, inciso. LIV assegura que o indivíduo somente será privado de sua liberdade e de seus bens de acordo com um processo previsto em lei (BRASIL, 1988). Nesse sentido, podemos aludir que o devido processo legal é um princípio garantidor às fases processuais para todos os indivíduos, respeitando os mesmos preceitos constitucionais, corroborando aos tratados internacionais de suma relevância. Como a Convenção Americana dos Direito Humanos – CADH, que resultou na Declaração Universal dos Direito Humanos de 1948, e o Pacto de São José da Costa Rica de 22 de novembro de 1969, trazendo uma carga de direitos e garantias individuais aos cidadãos, ratificados e incorporados ao ordenamento pátrio em 1992.

O Estado possui a pretensão punitiva de conduta tipificada como infração penal praticada por um sujeito. Sendo assim, quando uma pessoa pratica um ato denominado crime, temos nesse campo conflituoso o direito de punir do Estado em contraponto ao direito à liberdade do acusado.

            Nesta linha de esclarecimento, a própria Constituição nos traz a previsibilidade e a segurança jurídica em questões ligadas aos atos praticados pelo Poder Público, como abordaremos ao longo das exposições, no que condizem as restrições quanto a liberdade dos indivíduos, que não poderão ser atingidas diante um fator surpresa.

                      Desse modo, toda ordem do Estado deverá estar pautada nos valores constitucionais, no que tange a alegações de fato e de direito, garantindo ao indivíduo a oportunidade de se defender, expor o contraditório das alegações, manifestar-se através de argumentos e provas.

            Portanto, não é cabível neste campo acusatório o elemento surpresa nas restrições à liberdade de uma pessoa, que deverá ser informada previamente de todo o processo em que está envolvida e, que possa comprometer sua liberdade e a sua defesa, como conjugam os incisos XXXIX[1] e XL[2] do art. 5º da CRFB/88.

            Desta forma, conclui-se que, para a garantia de um devido processo legal justo, dentre os diversos princípios ou garantias constitucionais existentes, estes são verdadeiros limitadores ao poder punitivo estatal. Por conseguinte, as garantias processuais constitucionais são escudos protetores contra possíveis abusos. Em razão disso, constituímos a necessidade de breve análise daqueles considerados pela doutrina, a base fundamental do processo penal democrático-acusatório.

            Destacamos o Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa, o Princípio da Presunção de Inocência e o Princípio do Devido Processo Legal, que estão inseridos na sistemática constitucional, dentre outros não menos importantes que permeiam o processo penal, concretizando as garantias processuais do acusado.

 

            2.1.      Princípio do contraditório e da ampla defesa

            Os Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa estão presentes no art. 5º, inciso LV da Constituição Federal, vejamos: “Art. 5º, inciso LV- aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (BRASIL, 1988).

É sabido que o poder punitivo do Estado está nas mãos do juiz, não podendo este formular sua decisão sem estar fundamentado mediante provas e argumentos, subsidiados por elementos que tenham sido objeto de contraditório.

O Código de Processo Penal, em seu artigo 261 assegura o contraditório em sua acepção material, com a necessidade de um defensor que exerça defesa fundamentada, assim como dispõe o inciso V, do art. 497 que, ao Juiz Presidente do Tribunal do Júri, tem o dever de atribuir novo defensor, caso considere o acusado “indefeso” (BRASIL, 1941). Aqui, chamamos atenção na distinção no âmbito do processo civil, não cabendo ao indivíduo apenas a informação em formalidade de pretensão de direito privado, estamos nos referindo ao cerceamento do direito à liberdade; e no campo do processo penal, há obrigatoriedade de oferecer reação à pretensão acusatória.

É essencial ao processo, que as partes tenham condições de demonstrar contrariedade às afirmações e as provas oferecidas. Segundo os ensinamentos de Joaquim Canuto Mendes de Almeida (1973, p. 82):o contraditório é, em resumo, ciência bilateral dos atos e termos processuais e possibilidade de contrariá-los”. 

O contraditório está atrelado a contradizer as acusações produzidas. Ou seja, os interessados, “as partes”, são chamados a participar nos atos do procedimento.

Sobre o exposto, cabe ressaltar o entendimento do Professor Aury Lopes Júnior:

A essência do processo está na paridade da participação dos interessados, reforçando o papel das partes e do contraditório. Os atos do procedimento miram o provimento final, e estão inter-relacionados, de modo que a validade do subsequente depende da validade do antecedente, e da validade de todos eles, depende a sentença. (LOPES JR, 2016, p. 36)

            Em suma, temos o contraditório como a atuação das partes à produção de provas, sendo esta a oportunidade de manifestar-se previamente, no intuito da participação igualitária e ampla na produção desses elementos probatórios. Podemos citar como exemplos, a oitiva das testemunhas, acareações, reconhecimento de pessoas, a prova testemunhal - sendo este o meio de prova nosso ponto de questionamento - entre outras provas. Ressalte, inclusive que, posteriormente, contradizê-las gera a oportunidade de manifestação tanto do autor quanto do réu, haja vista que, o princípio do contraditório, propicia a outra parte a ser ouvida, é o audiatur et altera pars. Assim, estando também presente a imparcialidade do magistrado em ouvir as duas versões do caso apresentado, antes de proferir a sentença.

            Noutro giro, tem-se o princípio da ampla defesa que está atrelado aos meios produzidos no decorrer do processo.  É o direito que o acusado possui de defender-se, podendo se utilizar dos meios processuais possíveis para que possa atravessar o rito processual de maneira justa, podendo se valer de utilizar provas lícitas, assim como o direito de não se autoincriminar.

            O Estado tem o dever de garantir ao acusado o seu direito de defesa técnica, e de se fazer representar por um profissional habilitado para tal, ou seja, um advogado ou defensor público, com a finalidade de assegurar um equilíbrio aos atores envolvidos no processo penal.

            Sabemos que o princípio do contraditório e da ampla defesa, já se encontravam presentes de forma implícita no ordenamento jurídico brasileiro sob a égide de Constituições anteriores a Carta Magna de 1988. Porém, com o advento de um pensamento reflexivo em prol de respaldar os direitos fundamentais a partir da Constituição Cidadã, foi positivado na qualidade de direito de primeira geração, de proteção à liberdade em observância do equilíbrio entre ius puniendi e os direitos do acusado no Estado Democrático de Direito.

            A defesa subdivide-se em defesa técnica e autodefesa. A defesa técnica é conduzida por profissional competente, bacharel em direito, habilitado e inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, com conhecimento técnico-jurídico, em cumprimento ao direito de defesa em consonância ao art. 261 do Código de Processo Penal em que pese que, “nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor” (BRASIL, 2003)[3].  

       Entretanto, a autodefesa é promovida pelo próprio acusado, em audiência, com possibilidade de manifestação em sua própria defesa no convencimento do magistrado. Logo, prevalece o direito de ficar em silêncio, princípio do nemo tenetur se detegere, assim como o direito de estar presente, se posicionando sobre a materialidade das provas produzidas, em uma tríplice relação entre provas, defensor e juiz. Destaque que, “é assegurado à prestação de assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”, conforme dispõe o inciso, LXXIV do artigo 5º da CRFB/88.

Outro ponto relevante é o Enunciado Sumular nº 523 do Superior Tribunal Federal que se posiciona quanto à deficiência da defesa técnica, que poderá ocasionar a nulidade processual. O STF concluiu que, “a falta da defesa constitui nulidade absoluta”, caso comprovado prejuízo ao réu. Assim como está instituído no Enunciado Sumular de nº 708: “É nulo o julgamento da apelação se, após a manifestação nos autos da renúncia do único defensor, o réu não foi previamente intimado para constituir outro”.

Neste campo de conhecimento, ao longo dos séculos, visualizamos que o sistema processual passa por características e mudanças. Factualmente, é de conhecimento que predominou um período de sistema inquisitorial no Brasil, onde não havia a imparcialidade do julgador, pois ele atuava também como acusador. Nesse cenário, a prova tinha um “peso”, conhecida como um sistema de prova tarifada, definida na lei. Ou seja, “não há uma estrutura dialética e tampouco contraditória”, afirma o jurista Aury Lopes Júnior (2016, p. 36). Outro ponto desse período inquisitorial, é que a confissão era meio de prova contundente, sendo o réu estigmatizado como próprio objeto de investigação, a confissão era prova absoluta.

Na atualidade, tem-se o sistema processual penal acusatório, ainda que a maioria dos doutrinadores possam defender que ele é o chamado sistema misto, por conta da fase pré-processual, “o inquérito” inquisitório, e a fase processual acusatória.

Essa definição é criticada por Aury Lopes Júnior (2016, p. 43)[4], que entende ser necessário compreender o “sistema acusatório no século XXI, como uma estrutura dialética que realmente crie condições de possibilidade para termos um juiz imparcial”. E apesar de diversos doutrinadores entenderem que o sistema acusatório é misto, por sinalizar uma carga de sistema inquisitório, o autor não concorda plenamente com essa visão.

Ora, afirmar que o “sistema é misto” é absolutamente insuficiente, é reducionismo ilusório, até porque não existem mais sistemas puros (são tipos históricos), todos são mistos. A questão é a partir do reconhecimento de que não existem mais sistemas puros, identificar o princípio informador de cada sistema, para então classificá-lo como inquisitório ou acusatório, pois essa classificação feita a partir do seu núcleo é de extrema relevância. (LOPES JR, 2020, p.54) 

            Por fim, cumpre ressaltar que não foram analisados profundamente os sistemas processuais penais neste capítulo, no entanto, se faz necessário essa breve explanação para alcançar o objetivo do presente trabalho.

 

            2.2.      Princípio da presunção de inocência

Historicamente, surgindo em meio aos questionamentos filosóficos advindos do Iluminismo, pela primeira vez se faz referência ao princípio da presunção de inocência, após um período conturbado de coerção do estado aos indivíduos.

No transcorrer da história, com o ciclo da Revolução Francesa, podemos dizer que este princípio aparece positivado no art. 9º[5] da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 26 de agosto de 1789, um dos documentos mais importantes à época, decretando que todos os seres humanos eram iguais perante a lei.

Assim como, se faz presente mais tarde, na IX Conferência Internacional Americana em Bogotá, no art. 26[6] da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, de 22 de maio de 1948, e no art. 11[7] da Declaração Universal dos Direitos Humanos, fruto da Assembleia das Nações Unidas de 10 de dezembro de 1948.

Por sua vez, fazendo jus ao art. 8º item 2, sobre as garantias judiciais elencadas no Pacto de São José da Costa Rica, de 22 de novembro de 1969, que foi ratificado pelo Brasil em 1992, trazendo o princípio da presunção de inocência, prevendo em sua redação que, “toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente provada a sua culpa, toda pessoa tem direito, em plena igualdade e às garantias mínimas”.[8]

            Na legislação pátria, o princípio da presunção de inocência está consagrado no art. 5º, inciso LVII da CRFB/88, considerado um princípio fundante do processo penal, onde se lê que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.

            Considera Cristina Di Gesu (2019, p. 63) que a redação do dispositivo supracitado teve inspiração na Constituição da República Italiana de 27 de dezembro de 1947[9]. E foi mais abrangente em observância quanto à presunção de inocência, não somente no âmbito da fase processual, mas também da fase investigativa.

            Conceitua Luigi Ferrajoli (1997, p. 549) que: “A presunção de inocência pode ser conceituada como uma opção garantista a favor a tutela da imunidade dos inocentes, inclusive ao preço da impunidade de algum culpado, traduzindo-se em um princípio fundamental de civilidade.”.  

            Para Cristina Di Gesu, o princípio da presunção de inocência pode ser analisado processualmente sob dois ângulos:

Processualmente falando, o princípio da presunção de inocência possui um dúplice significado, tendo implicações diretas no âmbito da prisão e da prova. Em síntese, no que concerne à prisão, determina ser a utilização de medidas restritivas da liberdade pessoal reservada aos casos excepcionais, pois a liberdade é a regra, e a prisão, é a exceção. Quanto à matéria probatória, a presunção de inocência é tida como regra processual, no sentido de o acusado não ser obrigado a fornecer prova de sua inocência, pois esta é presumida e, em caso de dúvida, impera a absolvição. (DI GESU, 2019, p. 64).

             Desse modo, consideramos que esse princípio caminhou de forma gradual, de um sistema processual penal inquisitório, para o sistema acusatório. Logo, passando à garantia de tutela a um tratamento mais digno ao acusado.

O princípio da presunção de inocência apresenta “o norte” da carga da prova. Contudo, é preciso, ainda, que o réu possa contraditar a prova produzida pela acusação, produzir, se quiser provas, a fim de minimizar os riscos de uma sentença desfavorável, exercendo amplamente sua defesa. (DI GESU, 2019, p. 67).        

É visto que o ônus de provar a autoria do delito e sua materialidade é do titular da ação, e caso as provas não sejam contundentes, sólidas, ou suficientes para embasar a autoria delitiva, e sendo o magistrado o destinatário final dessas provas, deverá o órgão julgador absolver o acusado sob o amparo do princípio do in dúbio pro reo.

Por fim, na probabilidade de condenar uma pessoa inocente, presente a dúvida quanto à prática de um crime, na ausência de elementos fáticos consistentes para sustentar a acusação, não deverá ser viável a condenação.

 

            2.3.     Princípio do devido processo legal

Desse princípio surgiram as duas ramificações citadas anteriormente. Prescreve o art. 5º inciso LIV da CRFB/88 que, “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, desse modo, objetiva a proteção de vários direitos fundamentais do ser humano buscando uma decisão justa na efetivação do processo.

O devido processo legal nos remete ao cumprimento dos procedimentos, ao término do processo em prazos razoáveis, em decisão fundamentada com recursos legais dentro de segurança jurídica, não podendo dessa forma, ser negado acesso à defesa ao indivíduo que provar insuficiência de recursos.

Nesse contexto, chamamos atenção à relevância de outros princípios do processo penal, sendo estes: o da igualdade processual; do juiz natural; do duplo grau de jurisdição; da vedação da prova ilícita e o da publicidade, colocando um limitador ao poder punitivo do Estado em respeito às garantias da ordem processual e ordem material.  Nesse sentido, preservando ao réu, o direito de um processo nas formas previstas em lei.

            Recordamos que o referido princípio está consagrado no art. 8º[10] da Declaração Universal dos Direito Humanos e no art. 8º[11] das garantias judiciais do Pacto de São José da Costa Rica. Assim, esse princípio se faz presente na possibilidade do efetivo acesso à justiça por ambas às partes, assegurando condições razoáveis e justas no decorrer do processo.

 

3.          CONSIDERAÇÕES SOBRE A PROVA NO PROCESSO PENAL

3.1        Das provas

            Quando percorremos o campo do estudo jurídico, surgem muitos questionamentos, pelo fato dele possuir um leque de conceitos e posições doutrinárias que nos traz parâmetros norteadores no caminhar de nossa formação acadêmica.

            No decorrer da pesquisa, buscamos respostas, através de trabalhos de diversos autores, entendimentos jurisprudências, normas e princípios que regem nosso ordenamento jurídico. Surgiram questionamentos, tais com: qual objetivo da prova no processo penal? O objetivo da prova é formar a convicção do juiz sobre os elementos comprobatórios para a decisão no caso concreto? 

            Muito além disso, para julgar, o juiz precisa conhecer os fatos sobre os quais versa a ação, em busca de uma decisão justa.

            De acordo com fontes doutrinárias, meios de prova são aqueles que direta e indiretamente, por meio da verificação, se faz conhecer da veracidade dos fatos, ou coisas que as partes alegam, e a partir desses fatos, geram a convicção do magistrado para julgar. É o meio pelo qual o juiz chega à conclusão da ocorrência ou inocorrência dos fatos juridicamente relevantes para o julgamento do processo (BADARÓ, 2015, p. 377). Desse modo, finalmente, “baterá o martelo” em prol de decisão condenatória ou absolutória.

            No entanto, pontua Gustavo Badaró (2015, p. 385-382) que, a “verdade e certeza, são conceitos relativos”. Destaca-se que a busca da certeza é primordial para alcançar uma decisão justa.  Alerta que “a palavra prova é polissêmica e seu estudo transcende ao Direito, envolvendo a Epistemologia, a Semiótica, a Psicologia e outras ciências afins”. Desse modo, chamando atenção à distinção entre fonte, meio e elemento de prova, assim como o resultado probatório.

             Aduz Guilherme de Souza Nucci:

O Magistrado pode formar a sua convicção (certeza de que a verdade se encontra em determinados fatos) livremente, ponderando as provas que bem entender atribuindo-lhes o valor subjetivamente merecido [...] e estruturando seu raciocínio do modo que achar conveniente. A livre apreciação da prova não significa a formação de uma livre convicção. A análise e a ponderação do conjunto probatório são desprendidas de freios e limite subjetivamente impostos, mas a convicção do julgador deve basear-se nas provas coletadas. Em suma, liberdade possui o juiz para examinar e atribuir valores às provas, mas está atrelado a elas no tocante à construção do seu convencimento em relação ao deslinde da causa. E, justamente por isso, espera-se do magistrado a indispensável fundamentação de sua decisão, expondo as razões pelas quais chegou ao veredicto absolutório ou condenatório, em regra. (NUCCI, 2015, p. 19)

            O Código de Processo Penal, em seu art. 155[12], expressa que o juiz formará a sua convicção a partir da produção de provas em contraditório judicial, não podendo fundamentar a sua decisão tão somente através de elementos colhidos durante o inquérito.

            Sendo assim, o juiz analisará as provas produzidas baseadas nas alegações entre as partes, ou seja, o réu e acusação, e assim, formará sua convicção para a decisão.

            Nesse contexto, destaca-se a questão do livre convencimento motivado, também conhecido como sistema de persuasão racional adotado pelo ordenamento brasileiro, sob o ponto de vista da crítica hermenêutica jurídica na concepção do jurista Lenio Streck, in verbis:

Quando alguém diz que o julgador possui livre convencimento, esta a se referir que é a sua consciência-de-si-do-pensamento-pensante que deverá determinar o resultado da apreciação da prova. Só essa constatação já é significativa o bastante para se demonstrar que, se uma consciência pode formar convicção sobre aquilo que foi trazido ao processo, não há aqui democracia. E não há, igualmente, aquilo que define a magistratura, que é a efetiva imparcialidade. Pelo contrário, há uma assunção voluntária que acaba por transferir ao juiz a condição de legibus solutus para aquele caso concreto que por ele deve ser julgado. (STECK, 2017).

            A crítica parte do entendimento quanto à leitura interpretativa e aplicabilidade do dispositivo no sistema de valoração de provas. Assevera que, já se deparou com leitura de decisões com embasamento pelo “livre convencimento motivado”, ao qual denomina alibis teóricos para ideologização da aplicação do Direito. Sustenta que, não caberia a vontade dos magistrados de forma individual, ideológica ou subjetiva para julgar, num regime democrático (STRECK, 2017).

            No entanto, encontram-se no ordenamento jurídico brasileiro outras interpretações sobre o tema, no sentido de que a produção por meio da investigação não forma elemento de prova, pois não foi submetida ao contraditório, e sim, é uma fase em que se buscam indícios para a propositura de uma ação penal.

             Nesse sentido, é o entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:

EMENTA: Procedimento Investigatório de Magistrados. Suposta pratica dos ilícitos do artigo 168, §3º e artigo 177, da Lei nº 116101/2005; e artigos 355 e 358, do Código Penal. Investigações partiram de informações do Corregedor-Geral de Justiça em procedimento administrativo sobre irregularidades verificadas em fiscalização nos Juízos das varas empresariais do Estado. Procedimentos administrativos instaurados contra as Magistradas arquivados por decisão do Corregedor-Geral da Justiça. Após analisar as informações, resultado das diligências realizadas, o Ministério Público não verificou elementos de prova mínimos da prática de ilícitos pelas Magistradas e requereu o arquivamento do feito, por ausência de justa causa para persecução criminal. O Ministério Público, a quem cabe promover a ação penal, nos termos do artigo 129, I, da Constituição Federal não verifica indícios mínimos de pratica de crime a justificar a deflagração da ação penal, não existe razão para persistir com o procedimento investigatório. O arquivamento se impõe por força do artigo 163, do RITJ c/c artigo 28, do Código de Processo Penal. Procedimento investigatório arquivado, nos termos requeridos pela Procuradoria-Geral de Justiça. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (Secretaria Do Tribunal Pleno e Órgão Especial). Procedimento Investigatório do MP Processo nº 0077158-68.2019.8.19.0000 – Rio de Janeiro. Relatora: Katya Maria de Paula Menezes Monnerat. JusBrasil, 12 de novembro de 2020, grifo nosso).  

            Di Gesu (2019, p. 70) aduz que, atos produzidos durante a fase pré-processual, sendo esta “inquisitória”, não estariam providos das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

            Destaca-se o posicionamento de Aury Lopes (2020, p. 556-557), de que o processo penal é um instrumento de reconstrução de fatos do passado. Nesse entendimento, na ocorrência de um crime, a prova será o meio para reconstruí-lo.

            Na mesma linha de raciocínio, Lopes (2020, p. 557) aponta um paradoxo entre o ocorrido no passado em contraponto a essa prova no presente “no ato do julgamento” no momento judicial, é o que denomina story of the case. É a recognição do juiz com o fato histórico, para a inserção do processo penal na complexidade do ritual judiciário para a sua convicção. Nesta perspectiva, é o juiz julgando no presente, um crime ocorrido no passado, com provas colhidas no passado em contraponto com a situação presente, “o julgamento”, com efeito futuro, ou seja, a sentença (LOPES JR, 2020).


            3.1.1 Quanto à classificação das provas

            As provas podem ser classificadas quanto ao objeto, ao sujeito ou à forma. No que tange ao objeto, se tem a prova direta ou indireta. Sendo a primeira, quando se referir ao próprio fato probando, ou seja, aquilo que se pretende provar, não havendo necessidade de qualquer processo lógico de construção. Já na indireta, a prova não se dirige ao próprio fato probando, mas pelo raciocínio que se desenvolve em uma construção lógica através da qual, se chega ao fato ou à circunstância que se quer provar.

            No entendimento de Franco Cordero (2000, p. 3 apud LOPES JR, 2010, p. 557), todas as provas são indiretas, consistindo em signos de supostos fatos. Em entendimento diverso, ter-se-ia como exceção, fazer uma alusão, “possíveis delitos cometidos em sala de audiência”, nessa configuração, aí sim, o juiz estaria à frente da obtenção de uma prova direta.

            No que se refere a classificação quanto ao sujeito, esta pode ser pessoal,  quando a prova se dá a partir de depoimentos, da “afirmativa consciente” de uma pessoa destinada a mostrar a veracidade dos fatos afirmados.[13] Ou a prova pode ser real, isto é, aquelas provas que provém dos vestígios deixados na cena do crime, como por exemplo: o lugar do crime, um cadáver, a arma do crime, ou seja, são provas consistentes.

            Haja vista que, não há um rol taxativo de meios de provas, por via de regra só será admissível à utilização dos meios lícitos para sua obtenção, sendo vedada a utilização das provas denominadas como ilícitas em defesa dos direitos fundamentais.[14]    

            E quando essas provas ilícitas ingressarem no processo? Nessa perspectiva, não podem ser consideradas válidas, seus efeitos não poderão servir como elemento probatório. Além do mais, na ocorrência da identificação dessa ilicitude, consequentemente, como está previsto no art. 157 do CPP,[15] haverá a sua retirada física, ou seja, o desentranhamento dos autos do processo.

            Com relação à ilicitude das provas quanto a sua valoração e inadmissibilidade em determinados processos, objeto de discussão nas cortes recursais, destaca-se o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal Federal, sobre a ilicitude das provas em dois casos distintos no processo penal:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. QUADRILHA, CORRUPÇÃO PASSIVA, VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL, FALSIDADE IDEOLÓGICA E LAVAGEM DE DINHEIRO. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS AUTORIZADAS POR DECISÃO JUDICIAL. ALEGAÇÃO DE “QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA”. PERDA OU SUBTRAÇÃO DE PARTE DAS GRAVAÇÕES. CONSTRAGIMENTO ILEGAL RECONHECIDO NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE NA DETERMINAÇÃO DE REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA. 1. As provas ilícitas, bem como todas aquelas delas derivadas, são constitucionalmente inadmissíveis, mesmo quando reconduzidas aos autos de forma indireta, devendo, pois, serem desentranhadas do processo, não tendo, porém, o condão de anulá-lo, permanecendo válidas as demais provas lícitas e autônomas delas não decorrentes, ou ainda, que também decorreram de outras fontes, além da própria prova ilícita; garantindo-se, pois, a licitude da prova derivada da ilícita, quando, conforme salientado pelo Ministro EROS GRAU, “arrimada em elementos probatórios coligidos antes de sua juntada aos autos”. 2. Assentou o Superior Tribunal de Justiça que, em matéria de provas ilícitas, o art. 157, § 1º, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei n. 11.690/2008, excepciona a adoção da teoria dos frutos da árvore envenenada na hipótese em que os demais elementos probatórios não estiverem vinculados àquele cuja ilicitude foi reconhecida. 3. Não há, portanto, nenhuma ilegalidade na remessa dos autos ao Juízo processante de primeira instância, a quem ordinariamente compete o primeiro exame dos elementos de prova pertinentes à causa, para o fim de selecionar e expurgar as provas contaminadas, mantendo hígida a porção lícita, delas independente. Em outras palavras, não cabe a esta CORTE, nesta via estreita, se antecipar e proferir qualquer decisão acerca da legalidade de provas que nem mesmo foram analisadas pelo Juízo competente. 4. Agravo Regimental a que se nega provimento. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. (Primeira Turma). Agravo Regimental em Habeas Corpus nº 156.157/PR - Distrito Federal. Relator: Ministro Alexandre de Moraes. Pesquisa de Jurisprudência, Acórdãos, 18 de fevereiro de 2019, grifo nosso).

 

PROCESSO PENAL E PROCESSUAL PENAL. 2. Busca e apreensão em local distinto do definido no mandado judicial. 3. Autorização de meio de investigação em endereços de pessoa jurídica, mas o ato foi realizado na casa de pessoas físicas não elencadas no rol. 4. Ilegalidade que impõe o reconhecimento da ilicitude da prova. 5. Ordem concedida para declarar a ilicitude dos elementos probatórios obtidos na busca e apreensão realizada no domicílio das pessoas físicas e suas derivadas, nos termos do acórdão. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. (Segunda Turma). Habeas Corpus nº 163.461/PR - Distrito Federal. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Pesquisa de Jurisprudência, Acórdãos, 03 de agosto de 2020, grifo nosso).

 

            Em observação ao primeiro julgado, anteriormente citado, a respeito da interceptação telefônica, dispõe a Lei de nº 9.296/96 que será permitida mediante autorização judicial de ofício, a requerimento do Ministério Público ou da autoridade policial, nos moldes estabelecidos em lei.

            Vale evidenciar que provas ilícitas não podem ser confundidas com provas ilegais e ilegítimas. Por fim, como já exposto, provas possibilitam a busca pela veracidade dos fatos, podendo ser classificadas em prova testemunhal, documental e material.

Destaca-se que a prova testemunhal, possui uma singularidade, pela conexão entre o fato ocorrido e o sujeito, por estar atrelada ao depoimento da testemunha ou da vítima.

 

3.2.      Prova testemunhal e a influência no processo penal

            A prova testemunhal é aquela obtida a partir dos depoimentos prestados por uma pessoa chamada a depor, ou seja, uma testemunha. Já a prova documental é obtida por meio de documentos produzidos e juntados nos autos do processo por uma produção escrita ou até mesmo gravada. E por fim, temos a prova material, obtida por meio de materialidade consistente, física, químico ou biológico, como por exemplo, o exame de corpo de delito.

           Pode-se constatar que a prova testemunhal é o meio probatório mais utilizado na formação do convencimento do julgador no âmbito do processo penal, principalmente em crimes contra a dignidade sexual.

        Contudo, é um tipo de prova que depende da memória do indivíduo sobre fatos ocorridos e identificar envolvidos em um crime. Nesse aspecto, muito se discute sobre a prova testemunhal se tornar um meio probatório vulnerável, justamente por estar em exposição a fatores de contaminação externos. Esse é o ponto do desafio do presente estudo, alertar para a tal influência, que pode ocasionar na formação de falsas memórias.

Reforça-se que a prova, no processo penal, é base para o convencimento do juiz, e por isso, há necessidade de aproximação dos fatos relatados, da forma mais próxima possível da realidade. Sabemos que cabe ao magistrado a análise dessas provas e a distinção do seu grau de relevância para o caso concreto.

            Nesse sentido, é por meio dessas provas, que se formará a decisão, ou seja, se o fato determinado de forma precisa será definido como crime a ser imputado ao réu.  Sendo assim, provada a acusação de maneira incontestada, levará à condenação, acarretando a aplicabilidade da pena.

            Preleciona Cristina Di Gesu (2019, p. 49), ao tratar sobre a prova no processo penal, que é através dela que se procura reconstruir a pequena história do delito. E que eles são, geralmente, praticados na clandestinidade, que a investigação acerca do acontecimento será feita a partir daquilo que restou, do que não foi ocultado, mascarado pelo suspeito, ou seja, de provas indiretas.

            A busca pelas provas nos remete ao restabelecimento dos fatos e a reconstrução fidedigna da forma como ocorreram. Entretanto, a instrução processual busca, através de depoimentos, vestígios e rastros deixados, elementos para se chegar à medida do possível, a comprovação de determinado acontecimento sobre a veracidade ou não da infração penal imputada ao sujeito ativo.

            Daí a sua importância, visto que a partir da correlação entre o fato gerado no momento de um crime e os sentidos gerados ao cérebro, traz uma carga (re)cognitiva na tentativa de preservar fatos para apontar o sujeito da ação criminosa. Por outro lado, torna-se um desafio à reconstrução com precisão da verdade no momento presente, levando em conta, a busca de elementos ocorridos em outro momento passado.

             Em outros termos, no processo penal, teremos a verdade processual pela produção das provas a partir da reconstrução desses fatos, de forma a comprovar a verdade.

           

3.2.1. Da produção da prova testemunhal

Como explicado no capítulo anterior, as provas têm o objetivo de reconstruir fatos investigados com o intuito de esclarecer, o mais fidedigno possível, como de fato ele ocorreu.

            Logo, a perspectiva é elucidar como a produção da prova testemunhal advém ao campo probatório com a carga de indicar possibilidade de acusar alguém de praticar ato delituoso.

            O Código de Processo Penal trata especificamente, em seu Capítulo VI, sobre as testemunhas no processo penal. E inicialmente, aponta de forma geral, no art. 202, que: “qualquer pessoa poderá ser testemunha” (BRASIL, 1941), trazendo a responsabilidade ao indivíduo que terá a função de buscar na memória os acontecimentos de determinado fato, para fomentar a recognição do julgador sobre o que pode ter ocorrido no momento do suposto ato delituoso.

            Dessa forma, pelo dispositivo legal, a princípio, qualquer pessoa poderá comparecer em juízo para testemunhar “oralmente”, apontar fatos relevantes com a finalidade de (re) construir a ocorrência do delito.

            Contudo, há exceções previstas no art. 206 do próprio CPP, de que nem todas as pessoas estão obrigadas a prestar esse compromisso nas condições estabelecidas no rol de regulação da legislação processual, para classificar seu testemunho como meio de prova, como por exemplo, questões de parentesco ou proximidade: “poderão recusar-se a depor o ascendente, ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, salvo quando não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de circunstâncias” (BRASIL, 1941).

            O próprio Código de Processo Penal inclusive, traz expressamente no artigo 207, os casos de pessoas que são proibidas de depor por questões de sigilo profissional, questões de crença religiosa ou outro impedimento, salvo quando desobrigadas pela parte interessada[16], como o advogado, que em cumprimento aos princípios que norteiam o sigilo profissional disposto no art. 26 do Código de Ética e Disciplina da OAB,[17] não poderá depor em processo em que obteve acesso a informações ou atuando no mesmo. Sobre outro enfoque, os magistrados não são impedidos de testemunhar, caso venham a presenciar um crime, sob a conduta da imparcialidade processual e jurisdicional.

            Nesse sentido, evoca-se o art. 203 do CPP,[18] em que a verdade deverá prevalecer, sob a condição contrária de responder por falso testemunho, o mesmo prevalecendo na tomada de depoimento em juízo, sob a prática de má conduta prevista no caput do art. 342 do Código Penal[19]. Considerando-se ato objetivo nos termos do art. 213,[20] de que também, não poderá trazer opiniões pessoais, juizo de valor para dentro do processo, se baseado em achismo produzido subjetivamente.

            Da mesma forma, corrobora os ensinamentos de Di Gesu (2019, p. 93), de que a testemunha é o principal meio de prova em duas questões: quanto à objetividade do depoimento e à forma com que é colhida no processo penal brasileiro. Esse depoimento deve ser verossímil, espontâneo cabendo a análise do juiz, assim como a consideração por outras provas apresentadas. Para tanto, haverá a coleta de depoimentos no intuito de esclarecer determinado fato.  

            No campo probatório salienta-se a alteração do art. 212 do CPP, pela Lei. 11.680/2008, que modificou a forma de inquirição de testemunhas no processo penal e, para tanto, ainda tão debatido pelos doutrinadores e operadores do direito quanto a sua adequação nos moldes constitucionais.

A discussão trazida pelos operadores do Direito é no sentido de uma aparente limitação para o magistrado, pois, anteriormente, primeiro as perguntas eram requeridas ao juiz para serem formuladas posteriormente às testemunhas.

            Todavia, com a mudança do dispositivo da lei infraconstitucional, o entendimento é de que, as partes, ou seja, a acusação e defesa assumem o papel em primeira ordem, para a inquirição direta às testemunhas, tendo assim, a presença do contraditório fomentando a prova.  E o magistrado, nessa formação, se manifestará sobre a complementação quanto aos pontos não esclarecidos na inquirição, conforme consta na redação atual do dispositivo legal.

            Entretanto, para Guilherme de Souza Nucci, a mudança da redação não alterou a inicial de inquirição, se manteve o básico de modo que:  

o juiz, como presidente da instrução e destinatário da prova continua a abrir o depoimento, formulando, como sempre fez, as suas perguntas às testemunhas de acusação, defesa ou juizo. Somente após esgotar o seu esclarecimento, passa a palavra às partes para que, diretamente reperguntem. (NUCCI, 2008, p. 474-475)

 

            Com efeito, recai nas cortes recursais o debate quanto à possibilidade ou não da nulidade absoluta sobre a nova sistemática do art. 212 do CPP, tendo prevalecido o entendimento na jurisprudência, de que a inversão desse procedimento gera nulidade relativa[21], passível de reconhecimento por prejuízo às partes, prevalecendo o que expressa o art. 563 em que, “nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para acusação ou para defesa”.

            Para Gustavo Badaró (2015, p. 470), está claro que não cabe ao juiz a inquirição inicial, concluindo que, “é inadmissível a praxe de muitos juízes que insistem em iniciar a inquirição das testemunhas, permitindo que, depois, mediante reperguntas, as partes complementem a inquirição. O procedimento probatório é exatamente o oposto”.

            Já na concepção de Aury Lopes Júnior (2020, p. 746), a importância da mudança da norma se faz presente quanto à adequação ao sistema acusatório democrático, retirando o papel de protagonista do magistrado da instrução, passando a figura do juiz ator representado no sistema inquisitorial, para figurar o juiz expectador, ficando a gestão da produção das provas às partes.

            Nessa linha de pensamento, o magistrado cumpre subsidiariamente o seu papel, dirimindo as dúvidas sobre os pontos relevantes, de forma complementar na condução da inquirição, o que não lhe retira o papel de autoridade. Contudo, o ilustre doutrinador critica tanto o STJ quanto ao STF pelos entendimentos das cortes em relação à interpretação do art. 212 do CPP, quanto à aplicabilidade da teoria das nulidades relativas, ocasionando comprometimento à sua eficácia.

            Corroborando a perspectiva de uma evolução quanto à estruturação do processo acusatório temos a Lei nº 13.964/2019 que faz alterações no Código de Processo Penal, mais especificamente o art. 3-A, em referência ao Juiz das Garantias, “O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação”. Ressalta-se que por ora, até a conclusão deste trabalho, o dispositivo se encontra suspenso por medida cautelar pelo STF[22].

             Observa-se que mesmo com um lapso temporal relevante desde da mudança da redação do dispositivo, essa discussão ainda permanece até os dias de hoje entre os doutrinadores e operadores do direito, o que traz a reflexão de que, ainda figura um patamar muito forte nas cortes brasileiras no tocante a posição de alguns magistrados quanto à resistência no cenário jurisdicional a uma reestruturação quanto a abdicar de resquícios de um sistema inquisitorial.

            Ainda sobre o termo testemunha, explica Gustavo Badaró que, não se deve confundir testemunhar com depor, vejamos:

Testemunhar é presenciar algo, isto é, ter contato com determinado fato. Depor é declarar perante o juiz o que foi presenciado, isto é, reproduzir o que os sentidos perceberam. A pessoa que presenciou um fato relevante para o processo é testemunha. Já o depoimento é o ato por meio do qual a testemunha narra em juizo os fatos que presenciou. (BADARÓ, 2015, p. 464) 

            Por fim, é essencial chamar a atenção de que a qualidade da prova pode estar comprometida por conta do lapso temporal, ou mesmo por fatores externos, principalmente entre a coleta dos depoimentos policiais e os testemunhos perante o juízo, o que influenciaria na produção dessa prova, contaminando o testemunho, em observância inclusive, ao reconhecimento de pessoas.

            Ademais, vale ressaltar o ponto de vista de estudiosos de outras áreas do saber, pois, consideram que o testemunho está vinculado ao fato de recordar algo que aconteceu. Sendo assim, depende da memorização do indivíduo, que deverá trazer à tona recordações para fomentar a construção com clareza de um momento passado sob forte tensão psicológica, ou melhor dizendo, relembrar acontecimentos que ocorreram durante um crime.

            Diante desse cenário, alertam para o surgimento do fenômeno da falsificação de memórias.

 

            3.2.2. Quanto a classificação das testemunhas

            Na doutrina encontramos vários tipos de classificação de testemunhas. Gustavo Badaró (2015, p. 465-466) classifica os tipos de testemunhas em: numerárias, extranumerárias e informantes. Além de ressaltar a diferença entre direta e indireta e próprias e impróprias.

            As numerárias são aquelas arroladas pelas partes e com o comprometimento em dizer a verdade em juízo, podendo responder por falso testemunho.[23] As extranumerárias estariam em acordo com o art. 209 do CPP, em que “o juiz quando julgar necessário poderá ouvir outras testemunhas além das indicadas pelas partes” (BRASIL, 1941) e as informantes, são tipos de testemunhas que não prestam compromisso em dizer a verdade, estando essas pessoas elencadas no rol dos artigos 206[24] e 208[25] do CPP, mediante circunstâncias específicas.

            A testemunha direta se caracteriza por ser aquela que presenciou o fato e a testemunha indireta obteve conhecimento dos fatos através de outras pessoas. As próprias depõem sobre o objeto do litígio, do thema bropandum. Já as testemunhas impróprias prestam depoimentos sobre atos do procedimento, como por exemplo, no caso de lavratura do auto de prisão em flagrante, em que o acusado se recuse assiná-lo ou não.[26]

            Segundo Aury (2020, p. 756), com relação à prova testemunhal, as testemunhas estão classificadas em cinco tipos: presencial, indireta, informantes, abonatórias e testemunhas referidas.

            A testemunha presencial é aquela que obteve contato direto com a ocorrência do fato delituoso. Já de modo diverso, a testemunha indireta obteve conhecimento dos fatos por intermédio de terceiros, não presenciou a ocorrência dos fatos, e sim, ouviu dizer algo sobre eles.[27] Quanto as informantes, ressalta que não se trata de testemunhas, pois “a rigor são meros informantes”, nessa perspectiva o depoimento do informante, deverá ser observado quanto à sua valoração com cautela caso a caso, pois não estão obrigadas a dizer a verdade, desse modo, não responderão por falso testemunho.

            Tem-se ainda as chamadas testemunhas abonatórias, que têm a função de declarar o seu conhecimento sobre a conduta social do acusado. Esse tipo de testemunha não presenciou a ocorrência dos fatos imputados ao réu, porém, podem trazer informações positivas para o convencimento do magistrado, prevalecendo as circunstâncias do que prevê o art. 59 do Código Penal[28].

            Por último, as classificadas como referidas, que são testemunhas mencionadas por outras testemunhas e não contam no número permitido em lei. Por outro lado, foram citadas como conhecedoras do ocorrido, cabendo ao magistrado achar conveniente solicitar sua convocação, conforme o que dispõe o §1º do art. 209 do CPP “se ao juiz parecer conveniente, serão ouvidas as pessoas a que as testemunhas se referirem” (BRASIL, 1941).

 

            3.2.3. Caracteres do testemunho

            A sistemática processual aponta três caracteres do testemunho, sendo regido por três princípios: a oralidade, a retrospectividade e a objetividade.

            Da oralidade podemos extrair que o depoimento deverá ser prestado verbalmente em forma de narrativa, diretamente ao juiz, com as partes e seus respectivos representantes, não sendo permitido fazê-lo por escrito, em conformidade com o art. 204 do CPP. A exceção fica por conta do previsto em lei, art. 192 do CPP, no caso de pessoa com deficiência auditiva ou da fala.

            Da mesma forma, nas hipóteses elencadas nos respectivos artigos 217, 221 e § 1º do art. 223 do CPP, quando se refere ao constrangimento da testemunha ou do ofendido, bem como a inquirição por videoconferência, e do procedimento através de intérprete, no caso de pessoa de língua estrangeira.

             Outro ponto específico é, na hipótese dos depoimentos do Presidente e Vice-Presidente da República, aos Presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal por optarem depor por escrito, sendo perguntas e respostas elaboradas de forma escrita, conforme preconiza o respectivo dispositivo.

            Destaque para a crítica ao §1º do art. 223 do CCP, na concepção de Aury Lopes Junior (2020, p. 758), pois no seu entendimento, ao permitir que essas pessoas deponham por escrito, de forma unilateral e fora do processo, há a violação da garantia da jurisdição e do contraditório, in casu o cenário jurisdicional fica prejudicado pela impossibilidade da participação das partes.

            Entretanto, quanto ao testemunho pela oralidade, é importante ressaltar que toda explanação feita pela testemunha deverá ficar documentada por escrito, o que foi dito pelas testemunhas arroladas pela acusação e defesa, assim como pelo imputado, de modo a registrar em primeira e segunda instâncias todo o procedimento.

            Na objetividade repousa a ideia de que a testemunha não pode trazer opiniões pessoais para o processo, não cabendo aferir juízo de valor e se ater aos fatos ocorridos mediante o que dispõe o art. 213 do CPP, em observação a excepcionalidade quando necessária à descrição do fato.

            Também é alvo de críticas por parte da doutrina, no que condiz a credibilidade dessa objetividade e imparcialidade exigidas da testemunha, ainda mais sob uma análise interdisciplinar, considerando a possibilidade de contaminação do testemunho.

            Quanto à objetividade do testemunho, Di Gesu aponta que:

A objetividade da testemunha, exigida pelas normas, parece ilusória aos que consideram a inferioridade neuropsíquica. Já o aparelho sensorial escolhe os possíveis estímulos, codificados segundo modelos relativos aos indivíduos, as impressões integram uma experiência perceptiva, cujos fantasmas variam no processo mnemônico, tanto mais se a lembrança não é espontânea, mas solicitada, como ocorre com as testemunhas. Por último, convertido em palavras o manipuladíssimo produto mental surge como enunciado factual ou de fato. Esse labirinto cognitivo, semântico, exposto a mil variações, induz a desconfiar das testemunhas. (DI GESU, 2019, p. 94).

 

            Quanto a retrospectividade, a testemunha por estar ligada a um fato pretérito, e exerce um papel retrospectivo ao resgatar da memória fatos ocorridos no passado, para trazer à recognição do juiz. No entanto, são suscetíveis de falhas, no qual podem contribuir para a formação de falsas memórias.

            Nesse sentido, adverte Lopes Júnior: “que, não existe função prospectiva legitima do testemunho, pois seu olhar só está autorizado quando voltado ao passado. Daí por que não cabe a testemunha um papel de vidente, nem exercícios de futurologia” (2020, p. 758).

 

            3.2.4. Considerações acerca do interrogatório

O interrogatório é ato judicial em que o juiz interroga o acusado, tem como uma das características principais ser ato personalíssimo seguindo os ditames do art. 185 ao art. 196 do CPP (BADARÓ, 2015, p. 443).

            Esse instituto sofreu mudanças ao longo do tempo. No passado era considerado apenas meio de prova, sendo o acusado objeto da prova, pela confissão.  Atualmente, no ordenamento jurídico com visão mais garantista, em que o acusado é sujeito de direito, é compreendido como meio de defesa, sendo o último ato da instrução por estar no momento estratégico no convencimento do magistrado.  Dessa forma, deixa de ser mero meio de prova, passando a ser considerado meio de defesa.

                As primeiras declarações acerca do conhecimento da prática de um delito se dão através da fase preliminar, no momento em que o investigado é ouvido pela autoridade policial. Este é um procedimento de cunho administrativo, um ato procedimental, no qual irá se apurar os fatos da ocorrência de suposto crime, para que se instaure um inquérito policial, e mediante tais fatos, passa-se ao Ministério Público que poderá promover o arquivamento do feito, requerer novas diligências, ou decidir pelo oferecimento da denúncia[29].

            No mesmo sentido, os depoimentos das testemunhas têm o objetivo de trazer elementos de pontos relevantes para esclarecer tais fatos na investigação. Em suma, é a fase de reconstrução desses fatos[30].

            Dessa maneira, o imputado deve estar acompanhando por um advogado, tendo o direito de permanecer em silêncio, conforme preconiza o inciso LXIII do art. 5º da Constituição Federal em que pese que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado” (BRASIL, 1988), ou defensor público, podendo optar por falar somente em juízo. Um ponto importante a destacar é que, tanto na fase policial quanto em juízo, é essencial a presença de defensor constituído ou nomeado, como preconiza o art. 185 do CPP.

            Com efeito, chama atenção que nessa fase pode-se constatar a presença de falsas memórias, no que pese ao ofendido que sofreu a ofensa, seu depoimento deve ser avaliado em consonância com outros meios de provas (MENEZES, 2017). Mesmo que o depoimento não tenha uma valoração como os demais meios de provas, pode incorrer a probabilidade de assumir relevante destaque na persecução penal, como por exemplo, nos casos de crimes sexuais, em que geralmente estão na cena do crime, apenas o ofendido e o ofensor.

            Aury Lopes Júnior (2020, p. 726) alerta que, nos moldes da sistemática do Código de Processo Penal, a vítima não é considerada como testemunha, e para tanto, merece tratamento diferenciado, não tem compromisso de dizer a verdade e não pode ser responsabilizada pelo delito de falso testemunho. Entretanto, dependendo de sua conduta, pode ser responsabilizada por denunciação caluniosa.

            Nesse contexto, lembramos que o testemunho é retrospectivo, cabendo à testemunha tão somente narrar os fatos que estão gravados na memória, assim como o reconhecimento de uma pessoa. Exatamente neste ponto, pode existir o processo de falsificação da memória, o que não se confunde com falso testemunho ou mentira.

            Acerca do tema em questão, especialistas do campo da psicologia jurídica,[31]da psicologia do testemunho e operadores do Direito, se depararam com casos em que o fenômeno de falsas memórias influenciaram no apontamento de suposto culpado da prática do delito. Após levantamento de novos elementos e com a reavaliação desses casos, se constatou a inocência do acusado – situação que causa danos irreversíveis à vida do indivíduo.

            Noutro giro, o interrogatório é um instrumento que permite ao acusado ser ouvido e fornecer informações, a sua versão dos fatos, como preconiza o art. 187 do CPP em que, “o interrogatório será constituído de duas partes: sobre as pessoas do acusado e sobre os fatos” (BRASIL, 1941).

            Sendo assim, na primeira parte do interrogatório o magistrado fará perguntas no intuito de obter informações da vida social do acusado e de sua vida pregressa. Já na segunda fase, o acusado será questionado sobre os fatos imputados a ele, sobre o mérito da imputação e sobre as circunstâncias desses fatos.

            Ademais, no interrogatório judicial como ato obrigatório, o juiz estará em contato com o acusado, “porque propicia ao julgador o conhecimento da personalidade do acusado e lhe permite, também, ouvindo-o cientificar-se dos motivos e circunstâncias do crime, elementos valiosos para dosagem da pena” (TOURINHO FILHO, 2011, p. 301). Ou seja, conhecer os elementos e circunstâncias em que ocorreu a infração, assim como os motivos determinantes para tal.

            Conforme prescreve o art. 196 do CPP, o interrogatório não é ato preclusivo, pois, “a todo tempo o juiz poderá proceder a novo interrogatório de ofício ou a pedido fundamentado por qualquer uma das partes” (BRASIL, 1941).

            Da mesma forma, temos por excepcionalidade o interrogatório por videoconferência, aplicável nas hipóteses estabelecidas no § 2º do art. 185 CPP nas seguintes condições: estando

o réu preso; com autorização por via judicial; com prazo de 10 (dez) dias para intimação das partes e não viável quando o imputado estiver em liberdade.

            Em observação ao interrogatório por videoconferência, este é alvo de crítica por parte da doutrina, quanto à preservação das garantias constitucionais do acusado. Pois, de maneira geral, o réu não é conduzido à audiência pessoalmente, impedindo sua participação presencial no interrogatório, o que pode lhe causar prejuízo.

            O direito ao silêncio é garantia do acusado de não produzir provas contra si mesmo, “autodefesa negativa”, pois sabe-se que a inocência é presumida. Desse modo, o interrogatório deve ser praticado em consonância ao princípio do contraditório e da ampla defesa. Assim, o acusado poderá contradizer depoimentos, justificar seus atos e acusações, na possibilidade de sua defesa ou não.

            Em que pese o direito ao silêncio, existem procedimentos, em que a participação do suspeito ou do acusado, é primordial, como na reconstituição dos fatos e no reconhecimento.            Contudo, é importante destacar para os questionamentos suscitados com o destaque art. 260 do CPP[32], em que prevê a condução coercitiva quando o acusado não atender a intimação.

            Nesse sentido, tal divergência foi alvo de debate no STF, quanto suposta violação a garantia fundamental do princípio do nemo tenetur se detegere, gerando conflito entre garantia fundamental e a norma legal, em que culminou no julgamento das ADPFs de números 295 e 444[33], declarando a inconstitucionalidade da condução coercitiva para a realização do interrogatório nas condições previstas em lei.

            Muito já se discutiu quanto à natureza jurídica do interrogatório,[34] nas palavras de Aury Lopes Júnior (2020, p. 707), “de qualquer forma, é estéril aprofundar a discussão sobre a natureza jurídica do interrogatório”.

            Corroborando a esse pensamento aduz que:

[...] as alternativas “meio de prova” e “meio de defesa” não são excludentes, senão que coexistem de forma inevitável. Assim de um lado potencializamos o caráter de meio de defesa, não negamos que ele também acaba servindo como meio de prova, até porque ingressa na complexidade do conjunto de fatores psicológicos que norteiam o sentire judicial materializado na sentença (DUCLERC, 2006, p. 252 apud LOPES JR, 2020, p. 707).

 

            Nesse contexto, o Estado tem o dever de agir em conformidade com a lei, contudo, prevalecendo o direito de preservar a integridade do interrogando e as garantias constitucionais, sem prejuízo jurídico ao imputado.

 

4.         FALSAS MEMÓRIAS

4.1.      A memória

            Entender a mente humana é um desafio que ultrapassa gerações. A memória humana possui dimensões e pontos tão peculiares que vem sendo esmiuçada pela ciência no intuito de desvendar o seu funcionamento. E, graças ao avanço desses estudos no campo da psicologia, neurociência, filosofia, antropologia, criminologia entre outros saberes, muito se tem contribuído para a evolução quanto ao entendimento sobre o pensamento e o comportamento do ser humano, desde os primórdios estudos da psicanálise de Sigmund Freud.

No entanto, o presente trabalho não tem como foco analisar o mecanismo bioquímico da memória de forma ampla, nem tem como pretensão abordar exaustivamente um terreno complexo e tão específico. Porém, se faz necessário trazer a reflexão sobre a importância da memória ao debate proposto, tendo em vista a sua potencialidade presente no cérebro.

            Na perspectiva de Daniele Borges Bezerra:

[...] apesar da divisão epistemológica entre ciências humanas e ciências biológicas, que aparentemente determina um abismo com relação à interpretação do assunto memória, tal divisão não passa de uma dicotomia instrumental que por tendência, estrutura de modo cartesiano o conhecimento. Pois, não há nada mais conjuntivo que o ser humano, determinado biológica e socialmente, que em sua condição de consciência memorial determina a si mesmo. (BEZERRA, 2014, p. 2).

 

            Pode-se conceituar memória “como a faculdade de reter as ideias, as impressões e os conhecimentos adquiridos” (DI GESU, 2019, p. 105).

Por vezes, nos deparamos com o esquecimento, principalmente ao contarmos uma história que ocorreu no passado, por anos, meses ou até mesmo semanas. Falhas podem ocorrer, porque a memória é passível de desgastes com a passagem do tempo.

            Segundo Larissa Civarde Flech, o lapso temporal prejudica o testemunho, afetando a reprodução das lembranças, uma vez que:

Durante o lapso temporal existente entre a data de conhecimento do fato e do testemunho, a memória inevitavelmente, sofre desgastes, os quais, embora lentos e graduais, resultam em um desaparecimento parcial das recordações. Por isso, quanto mais fortes e claras as imagens fixadas na memória, mais estabilidade elas possuem e mais resistentes são a possíveis deformações. (FLECH, 2012, p. 42).

 

            No que concerne ao tema, para Ivan Izquierdo (2006, p. 9), a memória é “aquisição, formação, conservação e a evocação de informações”. A aquisição seria aprendizagem, ou seja, só é registrado aquilo que se aprende e evocação está ligada à lembrança, à recuperação do que ficou na memória.

            Como mencionado, a memória engloba aprendizagem, ou seja, “só se grava aquilo que foi apreendido”. Nesse universo, Cristina Di Gesu, nos traz a metáfora “A Alegoria da Caverna de Platão”:

A Alegoria da Caverna de Platão retrata bem a questão, na medida em que os prisioneiros da caverna viam tão somente as sombras (pois este era o registro existente na memória); contudo, não sabiam que as sombras eram sombras, o que demonstrava sua condição de ignorância, até mesmo porque não possuíam outro referencial, outro paradigma. Os prisioneiros pensavam saber tudo por não perceberem sua condição de totalidade fechada. As sombras de si mesmos, assim como o eco das vozes, constituíam a sua realidade. Eram aquilo que recordavam. Da mesma forma, no filme Quem somos nós? Os índios na época do descobrimento, não enxergavam as caravelas no oceano porque as desconheciam, isto é, não tinham imagem da embarcação armazenada na memória. Somente passaram a vê-las depois de aprenderem e compreenderam o que eram. (DI GESU, 2019, p. 106).

 

            Na mesma senda, Gustavo Noronha de Ávila (2013, p. 83), compreende que “a memória é a força centrípeta que congrega aprendizagem, entendimento e consciência”. De modo que a capacidade de armazenar da memória, está conectada aos neurônios e células nervosas do cérebro através de pontos denominados sinapses[35].

            Em termos comparativos se a memória poderia ser um tipo digital, analógica ou mista, Ivan Izquierdo, explica que:

O que sabemos de verdade é que os neurônios se comunicam entre si através de potenciais de ação. Esse é um fenômeno que podemos denominar de digital. Já as terminações sinápticas, liberam uma maior ou menor de neurotransmissores segundo a densidade temporal deste potencial de ação, e este é um fenômeno analógico. O efeito do neurotransmissor liberado sobre os receptores é um fenômeno analógico também, ou seja, se muitas moléculas de neurotransmissores são liberadas, ocupam muitos receptores, e têm efeito maior, se liberam um pouco menos, tem efeito um pouco menor [...]. (IZQUIERDO, 1997 ou 1998).

 

            Em contraponto, Antônio Damásio (2012, p. 105-106 apud LOPES JR; DI GESU, 2008, p. 108) entende que, “o cérebro não arquiva fotografias tipo Polaroid de pessoas, ou objetos, paisagens; não armazena como fitas magnéticas com música e fala; não armazena um filme de nossas vidas”. Ou seja, a memória não acumularia registros, não armazenaria continuamente como se em um super arquivo ao longo do tempo.

            A codificação processada utilizada pelos neurônios não produzem códigos idênticos à realidade da qual foram extraídas ou revertidas às informações. Para Damásio (2012), a memória não trará o evento original, mas uma reconstrução sendo uma representação aproximativa da realidade, não sua cópia.

            Consequentemente, a memória humana pode ser classificada quanto as suas funções, estrutura cerebral, desenvolvimento dinâmico em relação ao tempo de duração ou conteúdo entre outras classificações nessa imensa teia de interconexões.

             O presente trabalho apenas se debruçará, de forma sintética, apenas quanto à classificação em relevância à compreensão da falsificação da memória. Sendo este, o ponto de referência no presente estudo sobre o fenômeno de falsas memórias.

            Quanto aos tipos de memórias, temos a memória do trabalho, também denominada como memória funcional (IZQUIERDO, 2006, p. 19). Sua função é gerenciar a realidade, sendo responsável por manter as informações, e verificar quanto a sua utilidade ou prejudicialidade (DI GESU, 2019, p. 107).  É um tipo de memória imediata, não arquiva informações, apenas as mantém por um período suficiente para entender o momento de detectar se a informação é útil, pois, caso contrário, será excluída, não captada.   

            Observa-se, portanto, que quando a pessoa está em um momento de cansaço ou estresse, não consegue se concentrar e prestar atenção, absorver o que está diante de si, prejudicando a sua função cognitiva.

            A memória de trabalho não tem o objetivo de armazenar informações, é uma memória rápida, uma lembrança breve. Como exemplifica Ivan Izquierdo (1997 ou 1998), “é quando uma pessoa nos passa um número de telefone; no qual discamos e logo esquecemos”.

            Há dois grupos importantes na divisão da memória. Quanto ao seu conteúdo podem ser procedurais e declarativas. E quanto ao tempo podem ser de curta e longa duração (DI GESU, 2019, p. 107).

            A memória procedural advém de atos motores, ligada a procedimentos, ao aprendizado, a experiência e se divide em implícita quando se adquire automaticamente e explícita pela intervenção da consciência.  

            Já a memória declarativa, relevante para o tema do trabalho, subdivide-se em: episódicas, que é um tipo de memória bem específica do indivíduo, pois é a memória dos fatos e eventos, de pessoas, de tempo, lugar, conceitos e ideias, também chamadas de autobiográficas - nesse ponto, quando nos referimos ao termo concepção de memória, essa é a memória declarativa; e memórias semânticas, que são relacionadas aos conhecimentos gerais (DI GESU, 2019, p. 107).

            Pelo contexto, pode-se aludir de forma resumida, que memórias são moduladas pelas emoções e pelo estado de ânimo do indivíduo, ela é seletiva e mutável, evocadas por neurônios e células nervosas. Podem ser de curto ou longo prazo.

            A memória de curta duração, permanece pouco tempo ativa, retém pouca informação está vinculada ao raciocínio, à aprendizagem e a compreensão.

            O processo de fixação definitiva da memória é chamado de consolidação. Sendo que a memória de longa duração demora para se consolidar. Ocorre que, “a memória de curta duração dura o tempo necessário para que as memórias de longa duração se consolidem” (DI GESU, 2019, p. 108).

            Esse processo de consolidação requer tempo e está sujeito a fatores que podem contribuir para alteração dos fatos vivenciados pelo ser humano. Ainda que a memória seja composta de registros, informações e lembranças no processo de evocação há o esquecimento, pois o esquecimento é uma característica presente na memória composta por emoções.

             Entretanto, “cada vez que há uma circunstância que evoca algo emocional, que pode ser nossa própria vontade, evocamos detalhes emocionais” (IZQUIERDO, 1997 ou 1998), é visto que, com o tempo, vem o esquecimento dos detalhes de fatos passados.

            Com efeito, as emoções transformam-se em um turbilhão de sensações. Pois, “quando estamos alerta e com bom ânimo facilmente apreendemos ou evocamos algo; o mesmo não se pode dizer quando se estar estressado, cansado ou deprimido, pois nestes estados de ânimo é mais difícil a apreensão de qualquer coisa” (IZQUIERDO, 2006, p. 12).

             Com essa análise, se verifica que a memória é um mecanismo complexo em que a emoção faz parte de um processo cognitivo, podendo reagir a esses estímulos de formas distintas, em altos e baixos níveis de alerta.

            Descreve Di Gesu quanto à existência de um tipo de dualismo cartesiano entre memória e emoção:

Há uma estreita relação entre a memória e a emoção, na medida em que os maiores reguladores da aquisição, da formação e da evocação das memórias são justamente as emoções e os estados de ânimo, somados, é claro, aos níveis de consciência [...]. No momento de evocar, muitas vezes, é o coração quem pede ao cérebro que lembre, e, muitas vezes a lembrança acelera o coração. (DI GESU, 2019, p. 141-142). 

            Salienta-se que há uma ampla análise interdisciplinar no campo processual penal, tendo em vista que processos são julgados com base na prova testemunhal. Nesse sentido: 

[...] observa-se que a indissociabilidade entre razão e emoção, bem como que os estados de humor são importantes fatores à recuperação da memória e até mesmo prejudiciais a sua evocação. Tanto a vitima quanto a testemunha de um evento delituoso estão envolvidos em um ambiente carregado de sentimentalismo e subjetividade. O processo penal não pode, todavia, ignorar essa situação. Deve procurar mecanismos aptos e eficientes a trabalhar com ela. (DI GESU, 2019, p. 146). 

            A memória quanto processo mnemônico, envolve um complexo mecanismo de arquivo e recuperação de experiências, pode parecer fixa e inamovível. No entanto, é maleável, podendo ser criada, modificada e até mesmo perdida ao longo da vida (FLECH, 2012, p. 46).

            Contudo, esquecer faz parte do processo natural do cérebro, é saudável. Porém, a seleção que o cérebro faz para captar o que é relevante para guardar, pode sofrer influências pelo estado em que se encontra o indivíduo quanto ao nível de ansiedade, estresse, entre outros fatores.

            Assim, importa dizer que, a memória é um caldeirão que contém uma mistura de memórias que se entrelaçam entre o passado e o presente, e estão suscetíveis a sugestões externas.

            Sendo assim, “a evocação das diversas misturas de memórias, somada a extinção parcial da maioria delas, pode levar-nos à elaboração de memórias falsas” (IZQUIERDO, 2006, p. 31). Vale ressaltar, que a memória humana não é um computador, possui uma carga emocional.

            Dessa forma, é de primordial importância a palavra da testemunha no depoimento. Pois, uma interpretação equivocada pode ocasionar um erro no procedimento, assim como o seu papel diante do processo penal e da valoração da prova diante dos fatos narrados.

            Nessa perspectiva, “o direito, em especial o processo penal, não pode ignorar como a memória é vista pelos outros campos do saber, pois depende na grande maioria dos casos, das lembranças das testemunhas” (DI GESU, 2019, p. 122).

            Por outro lado, falar de memória também nos remete a outro plano, tendo em vista que na atualidade, surge uma nova roupagem para o tema memória - a memória digital - em que há o registro de momentos e acontecimento da vida por conta da tecnologia. É o registro da vida na era digital.          

            O estudo sobre memória digital não será ampliado nessas linhas. Porém, vale registrar que pesquisadores avançam no sentido de comprovar a influência da memória digital sobre a memória humana, seu impacto e interferência no desenvolvimento na memória de longo prazo, é o que foi relatado e entrevista pela neurocientista britânica Dra. Maria Wimber da Universidade de Birmingham no ano de 2015.

            Acerca das informações captadas pela memória e seus mecanismos sobre falsas memórias no âmbito processual, aduz Cristina Di Gesu que:

A neurologia, portanto destaca a possibilidade de modificação da memória no interregno entre aquisição e a consolidação, devido à influência de fatores internos e externos, o que nos leva a crer que no intervalo de tempo entre o acontecimento e o relato, seja ele extrajudicial ou judicial, pode também ocorrer alteração da lembrança da testemunha ou vitima. Isso vem a justificar o estudo das falsas memórias, bem como dos fatores de contaminação da prova. (DI GESU, 2019, p. 108).   

 

            Conforme exposto, o processo de formação e acesso da memória pode sofrer interferência de fatores internos e externos, assim o cérebro humano está sujeito a transformar informações, ideias de fato que nunca existiu, o que causa preocupação quanto à valoração da prova testemunhal.

             Quanto à memória, assevera ainda, Elizabeth Loftus:

Memória é um paradoxo. Memória é o centro de nossa identidade. Ela define quem somos e de onde viemos. Sem memória, a vida não teria o senso de continuidade que tem. A vida consistiria apenas de experiências momentâneas sem relação uma com as outras. Sem memória, não poderíamos lembrar o que queremos falar e nem teríamos este senso de continuidade para saber que somos nós. Ao mesmo tempo, como minhas pesquisas mostraram ao longo dos últimos 30 anos, a memória é totalmente maleável, seletiva e mutável. A sua natureza maleável não importa quando as mudanças são pequenas e insignificantes, como quando eu digo para um amigo que eu comi frango na noite passada, quando eu realmente comi carne vermelha. Às vezes estas mudanças são tão significantes que levam vidas a ruínas. (LOFTUS, 2015, p. 1).

           

            Observa-se que a memória dentre tantas habilidades do ser humano, está suscetível a erros e distorções, podendo comprometer a credibilidade do relato dos testemunhos e o reconhecimento de pessoas.

            Em síntese, se constata que o sistema mnemônico é passível de falhas, sendo suscetíveis a contribuir na formação de falsas memórias.

           

4.2.      Breve histórico sobre falsas memórias

            No final do século XIX, pela primeira vez aparece à denominação “falsas lembranças” a partir de um caso que despertou interesse de psiquiatras e psicólogos em Paris, mais precisamente em 1881, por Theodule Ribot[36].

            Entretanto, a partir do início do século XX, surgem experimentos por Alfred Binet na França em 1900 e Wilhelm Stern na Alemanha em 1910 com estudos direcionados a falsificação da lembrança em crianças com base na psicologia experimental.

            Nesse contexto, o britânico Frederic Bartlett psicólogo cognitivista, em 1932 na Inglaterra, fez a análise pela primeira vez do fenômeno em adultos a partir da teoria denominada “processo reconstrutivo”, que trabalha a compreensão da memória humana a partir de estudos da psicologia experimental com a utilização de métodos usados através de técnicas estatísticas para a compreensão do fenômeno.

            Bartlett demonstrou que a partir do processo reconstrutivo, a memória é influenciada por expectativas individuais e culturais. Tais perspectivas poderiam afetar as lembranças e a compreensão (NEUTFELD; STEIN, 2010, p. 24).

            Como expõe Di Gesu (2019, p. 128), “a ideia de processo reconstrutivo, se baseia em esquemas de conhecimento geral e prévio do participante [...] o que atualmente está superado, pois se trabalha com a memória a partir de uma representação aproximativa”.

            Ademais, tantos outros pesquisadores psicólogos e neurocientistas americanos e europeus contribuíram para a produção cientifica sobre o estudo da memória, no qual foi possível identificar o que hoje denominamos falsas memórias.

            Com relevância, é a partir dos anos 70 que a pesquisadora norte-americana Elizabeth Loftus,[37] uma das maiores especialistas sobre o estudo das falsas memórias, avança nas pesquisas considerando a “falsa informação”, no qual o sujeito acredita ter vivenciado certa situação como verdade, o que denominou de “procedimento de sugestão de falsa informação ou sugestão”.

            Sobre a técnica de Elizabeth Loftus, expõe Di Gesu:

[..] a nosso ver, o que fez dela uma das maiores autoridades sobre o assunto, foi justamente a introdução de uma nova técnica para o estudo das falsas memórias, consistente na sugestão da falsa informação, o que denominou de procedimento de sugestão de falsa informação ou sugestão, isto é, uma releitura do clássico paradigma da interferência, no qual “uma informação interfere ou atrapalha a codificação e posterior recuperação de outra”. Cuida-se da inserção de uma informação não verdadeira em meio a uma experiência realmente vivenciada ou não, produzindo o chamado efeito “falsa informação”, no qual o sujeito acredita verdadeiramente ter passado pela experiência falsa. A autora constatou e identificou a problemática como ela é entendida hoje. (DI GESU, 2019, p. 128).

 

            Elizabeth Loftus realizou centenas de experiências com mais de 20 mil pessoas e no decorrer dos experimentos constatou distorções da memória, concluindo que a desinformação pode modificar as lembranças. Foi observado que “a memória poderia ser distorcida quando uma informação semelhante à informação original era apresentada posteriormente” (NEUTFELD; STEIN, 2010, p. 25).

            Buscou demonstrar que é possível a indução de falsas informações sugestionadas por terceiros, resultando na criação de outro fato, “evento” que nunca ocorreu, chegando-se a conclusão de que, é possivel modificações de fatos vivenciados pelo ser humano.

            Essas informações não verdadeiras é o resultado do entendimento dessas lembranças que podem ser manipuladas a partir de informações errôneas distorcendo fatos ocorridos com o indivíduo.

            Salienta-se que essa probabilidade pode ocorrer no momento em que pessoas estão sujeitas a terem informações erradas misturando-se a lembranças em qualquer momento, em meio a uma conversa com outra pessoa ou em um processo interrogatório.

            Conforme apontado, “acreditando que os estudos realizados em laboratórios poderiam subestimar a sugestionabilidade das pessoas, Elizabeth Loftus passou a desenvolver seus experimentos na vida real, pois esta tende a ser mais emocionalmente apelativa do que suas próprias simulações” (DI GESU, 2019, p. 137). Atualmente, suas pesquisas concentram-se nas áreas Psicologia e Comportamento Social, Criminologia, Direito e Sociedade.

            No Brasil, o tema sobre Falsas Memórias vem sendo debatido no âmbito jurídico, principalmente na Região Sul do país, onde o estudo tem recebido atenção por parte da comunidade científica.

            A relevância ao tema se dá, mais precisamente, a partir da introdução de pesquisas elaboradas pela Dra. Lilian Milnitsky Stein[38] e seus colaboradores, tornando-se referência no assunto. Sobretudo, pelo debate direcionado acerca da memória e da formação de falsas memórias, no qual há mais de três décadas vem trabalhando com foco na questão da psicologia do testemunho. Em 2010 lançou o livro “Falsas Memórias Fundamentos Científicos e suas Aplicações Clínicas e Jurídicas”, um dos trabalhos nacionais mais importantes, com destaque pela abrangência de conteúdo, que além de abordar a construção da memória a partir de estudos significativos, avança na metodologia científica.

            Nessa seara, importante é o direcionamento dos estudos no que condiz aos reflexos das falsas memórias no campo probatório, do testemunho, no reconhecimento de pessoas. Enfim, da influência que pode acarretar esse fenômeno no ambiente judicial penal.

            Nessa dimensão, em 2015, foi desenvolvido pela Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça SAL-MJ, em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica aplicada – IPEA, um levantamento cientifico intitulado “Projeto Pensando o Direito” de nº 59, que se debruçou sobre o tema “Avanços Científicos em Psicologia do Testemunho Aplicados ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses,” visando produzir conteúdo a partir da coleta de dados, para subsidiar decisões direcionadas a fomentar políticas publicas.

            Desse modo, sob a coordenação da pesquisadora Dra. Lilian Milnitsky Stein com a contribuição do professor Gustavo Noronha de Ávila[39] e seus colaboradores, deu início a pesquisa com a formação do GT- grupo de trabalho - para produzir conteúdo relevante e gerar subsídios para obtenção de dados, sobre a atuação dos atores judiciais frente aos institutos do reconhecimento de pessoas, da coleta de testemunhos, inclusive na fase pré-processual para demonstrar a relevância dada à prova testemunhal.

            Nessa sistemática, a meta principal foi gerar o primeiro diagnóstico nacional sobre as práticas para coleta de reconhecimento forense. Ou seja, “trazer elementos concretos dessa avaliação para o arcabouço normativo no Brasil, a partir da experiência comparada” (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA; SECRETARIA DE ASSUNTOS LEGISLATIVOS; IPEA, 2015, p. 9)[40].

            Nesse contexto, a partir desses elementos concretos e pela afirmação das informações obtidas através da temática estabelecida foram coletados resultados sob a perspectiva desses atores jurídicos sendo estes: defensores, juízes, promotores de justiça, delegados, advogados e policiais (civis e militares), no intuito de contribuir a viabilizar políticas públicas e possível alteração legislativa.

            Destarte, que o estudo fez uma abordagem embasada em subsídios científicos que propiciaram coleta de dados relevantes da prática de distintos atores do contexto do Direito com base em três etapas no processo de criminalização, sendo estas: a fase pré-investigativa, a investigativa e processual visando avaliar a importância do impacto do testemunho, do reconhecimento e das formas de reconhecimento.

            Quanto aos participantes do projeto para coletas de dados, vejamos:

Estudo 1 – Pesquisa exploratória: Decidiu-se, em um primeiro momento, que a amostra seria constituída por 120 participantes adultos de ambos os sexos, na faixa etária entre 25 e 60 anos, dividida de forma proporcional em quatro grupos: defensores (públicos e privados, sendo 15 participantes de cada), juízes, policiais (militares e civis) e promotores de justiça, nas cinco regiões do país. Todavia, esta proposta inicial foi readequada, em função das dificuldades encontradas na coleta de dados.A amostra ficou constituída por 17 defensores públicos em Porto Alegre que concordaram voluntariamente em participar da pesquisa. Da mesma forma, dados com 35 participantes (incluindo 14 defensores, 20 delegados de polícia civil e um juiz) foram coletados em São Paulo. Perfazendo um de total de 52 sujeitos, sendo 26 defensores públicos (50%), 20 delegados (38,4%), 03 advogados privados (5,7%), 02 promotores (3,8%) e 01 juiz (1,9%). Mesmo considerando a heterogeneidade do conjunto de atores jurídicos, a analise de frequência das situações típicas vividas por eles, possibilita uma primeira aproximação com o campo, no sentido de auxiliar na clarificação da realidade das práticas quanto ao reconhecimento, como no que diz respeito à coleta de depoimentos nas fases de investigação policial e em juízo [...]

 

DISTRIBUIÇÃO DA AMOSTRA PROPOSTA: ATORES JURÍDICOS POR REGIÃO: Os participantes da pesquisa compreenderam quatro grupos de atores jurídicos: (1) magistrados; (2) policiais (civis e militares); (3) promotores; e (4) defensores (públicos e privados). No total foram realizadas 87 entrevistas, contemplando as cinco regiões geográficas brasileiras pesquisadas (Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste e Norte). Faixa etária de 25 a 60 anos. (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA; SECRETARIA DE ASSUNTOS LEGISLATIVOS; IPEA, 2015, p. 40).

 

            Pelo levantamento feito no âmbito nacional os resultados apontaram para 90,3% de relevância para o testemunho, classificando-o como de maior importância quanto ao valor no campo probatório, “os dados revelaram que a maioria absoluta dos participantes, dado a ausência/carência de provas técnicas, a prova testemunhal assume um protagonismo para o desfecho dos casos, tanto na fase investigativa, quanto na fase do processo” (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA; SECRETARIA DE ASSUNTOS LEGISLATIVOS; IPEA, 2015, p. 40) Em referência aos atores jurídicos entrevistados, juízes apontaram 94,4% sobre o impacto da prova testemunhal para as decisões judiciais, sendo fundamental para o desfecho dos casos

            No que condiz ao impacto do reconhecimento, foi apontado uma importância de 69,2%, porém, de acordo com os atores jurídicos entrevistados, não equivale à mesma proporção de importância da prova testemunhal devido ao lapso temporal entre o fato e o reconhecimento na fase judicial.

            Do total de juízes participantes da pesquisa, 42,8% “relatou colocar os reconhecimentos em dúvida, devido ao tempo transcorrido entre o inquérito e a fase processual, o qual pode gerar alterações físicas importantes, tais como mudanças no cabelo e no peso” (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA; SECRETARIA DE ASSUNTOS LEGISLATIVOS; IPEA, 2015, p. 65).

            Quanto às formas para o reconhecimento foram constatadas as seguintes composições a seguir: por vidro espelhado 27,61%; álbum 14,93%; anteparo com ofício 13,43%; apenas uma foto 11,19%; sala de audiência 7,46% entre outras modalidades.[41]

            Os pesquisadores pontuaram que “os dados se referem às praticas adotadas em capitais de cincos regiões do Brasil, ou seja, grandes cidades. Assim, a realidade dos municípios menores e do interior não foi abarcada” (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA; SECRETARIA DE ASSUNTOS LEGISLATIVOS; IPEA, 2015, p. 65).

            Desse modo, vem se construindo uma concepção da importância do diálogo interdisciplinar na esfera jurídica. Chama atenção o quão imprescindível é a memória sob diversos fatores, principalmente em que pese à obtenção de informação para elucidar o delito, “a ocorrência de um evento”, posto que adultos estão suscetíveis à formação das falsas memórias.

            Contudo, importante frisar que as crianças são mais vulneráveis à sugestionabilidade do que adultos pela expectativa de corresponder ao entrevistador forense, pois, “há uma fragilidade no campo cognitivo em favorecer a resposta pretendida no campo social em relação às pressões de quem as entrevistam” (DI GESU; LOPES JR, 2008, p. 99).

            Por outro lado, mais preocupante do que a coleta dessas informações em relação às crianças, é o fato que, se o entrevistador forense está previamente convicto acerca da ocorrência do delito, certamente vai dirigir todos os questionamentos de modo a confirmá-lo - “O chamado primado das hipóteses sobre os fatos, na célere expressão de Franco Cordero, em que primeiro se decide para depois se obterem as provas, a fim de justificar a decisão” (DI GESU; LOPES JR, 2008, p. 106).

Esse estudo vem contribuindo muito para o avanço do tema no meio jurídico, nos debates em seminários e congressos. Além da participação efetiva dos atores judiciais fomentando o debate jurídico doutrinário, na tentativa da construção de um olhar voltado em prol de um Estado Democrático de Direito.

            Sendo assim, pode-se afirmar que tais subsídios, a partir de dados científicos, servem para elucidar a importância da temática para aprimorar o sistema de justiça brasileira.

 

4.3.      Da formação das falsas memórias

            A partir dos estudos teóricos e científicos, se pode constatar que a memória capta informações e processa de forma dinâmica.

            Nesse sentido, a falsificação da memória é um fenômeno, que ocorre quando há distorção da memória quando se cria um evento que não aconteceu, “pelo fato de serem compostas no todo ou em parte por lembranças ou informações ou eventos que não ocorreram na realidade” (NEUTFELD; STEIN, 2010, p. 21), no qual pode ocasionar impacto no relato sobre a ocorrência de um evento criminoso, acabando por influenciar na reconstrução dos fatos.

            Ressalta-se que a memória fragmenta informações, e que a memória não consolidada, pode sofrer interferências nessas informações que serão posteriormente evocadas.

            Destarte que, “cada vez que recordamos, interpretamos, agregamos ou suprimimos dados. Daí por que, na recuperação da memória de um evento, distorções endógenas ou exógenas se produzirão” (FLECH, 2012, p. 63). Sendo que as falsas memórias se dividem em espontâneas ou autossugeridas.

            Falsa memória espontânea é quando a memória processa seu próprio funcionamento e sugeridas é aquela que sofre influência do ambiente externo, em que falsas informações são incorporadas pela memória original.

            Um exemplo de distorção endógena seria recordar de uma informação referente a um evento pertencente a outro – “lembrar que um amigo contou uma história quando, na verdade as informações são provenientes de um programa de televisão que você assistiu” (NEUTFELD; STEIN, 2010, p. 24). Exógena é proveniente da sugestionabilidade, “nas falsas memórias sugeridas, após presenciar um evento, transcorre-se um período de tempo no qual uma nova informação é apresentada como fazendo parte do evento original, quando na realidade não faz”[42] (NEUTFELD; STEIN, 2010, p. 25). Cuida-se analisar a presente indução por terceiros.

            Podemos citar três teorias que explicam o fenômeno das falsas memórias, quais sejam: Teoria do Paradigma Construtivista, Teoria do Monitoramento da Fonte e Teoria do Traço Difuso, sendo a última mais explicativa no tema da falsificação das lembranças.

            Para a Teoria do Paradigma Construtivista, a memória é vista com um sistema único, que é construído, a partir da interpretação de eventos que o individuo faz ao longo da vida, como numa interpretação única vivida.

            Nesta perspectiva, a memória seria um processo de construção, ou seja, “cada nova informação é compreendida e reescrita com base em experiências prévias” (DI GESU, 2019, p. 138).

            Logo, falsas memórias advêm da interpretação de informações, onde se reconstrói a lembrança com base em experiências prévias. O que pode ocasionar, falhas na captação dessa informação pelo cérebro.

            Quanto a Teoria do Monitoramento da Fonte, se caracteriza quando:

As falhas da lembrança decorrem de um julgamento equivocado da fonte da informação lembrada. Também refere que tanto a memória para as informações originais quanto para as advindas dos processos de integração da memória poderiam manter-se intactas e separadas e ser igualmente recuperadas (DI GESU, 2019, p. 138).

 

            Para essa teoria, as falsas memórias ocorrem a partir de “atribuições errôneas da fonte da informação lembrada por erro de julgamento, ou seja, atribuímos pensamentos, imagens e sentimentos advindos de uma fonte equivocadamente a outra” (DI GESU, 2019, p. 138) e “quando há falhas no monitoramento da fonte de nossas memórias” (NEUTFELD; STEIN, 2010, p. 30).

            Por sua vez, para a Teoria do Traço Difuso (TTD), o sistema da memória não é único. Há dois sistemas independentes, compreendendo a memória como um sistema de traços variados como “base de raciocínio intuitivo, o NÃO delimitado especificamente e o NÃO lógico, [...] as pessoas preferem simplificação de trabalhar com o que é essencial da experiência, o significado por traz do fato, em vez de ter de processar informações específicas detalhadas” (DI GESU, 2019, p. 139).

            A TTD é composta de memória de essência e memória literal, sendo armazenadas separadamente - “As literais capturam os detalhes específicos e superficiais e as de essência registram a compreensão do significado da experiência, que pode variar em nível de generalidade” (NEUTFELD; STEIN, 2010, p. 32-33).

            Sobre a distinção dos sistemas da Teoria do Traço Difuso, explica Cristina Di Gesu que:

A memória de essência, isto é, aquela entendida como o registro da compreensão do significado da experiência (ex. bebeu um refrigerante) e a memória literal, a qual armazena os detalhes específicos e superficiais sobre determinado evento (ex. bebeu um guaraná), sendo as primeiras mais estáveis ao longo do tempo. (DI GESU, 2019, p. 134-135).

            Logo, podem sofrer influências externas ou internas comprometendo de forma negativa a coleta da prova testemunhal e o reconhecimento de pessoas. Pois, os fatos vão se perdendo no lapso temporal, assim, podem surgir equívocos.

            É visto que, a demora na coleta de dados referente ao dia da ocorrência de determinado crime, pode ficar prejudicada, comprometendo o depoimento da testemunha, de forma a não lhe garantir nítida reconstrução dos fatos naquele tempo passado.

            Nesse contexto, é o que traz os questionamentos, alertando para um olhar quanto aos testemunhos de crimes, infrações, ou depoimento das vitimas, em relatar fidedignamente os fatos vividos.

            Nas palavras de Di Gesu:

falsas memórias não giram apenas em torno de um processo inconsciente ou involuntário de “inflamação da imaginação” sobre um determinado evento. Há tanto a possibilidade de as pessoas expostas à desinformação alterarem a memória de maneira previsível ou espetacular, de forma dirigida, quanto espontaneamente, ou seja, sem que haja sugestinabilidade externa. (DI GESU, 2019, p. 128).

 

            Destarte, falsas memórias não se confundem com mentiras, como explica Neutfeld e Stein:

Cabe ressaltar que as FM não são mentiras ou fantasias das pessoas, elas são semelhantes, às MV (memórias verdadeiras), tanto no que tange a sua base cognitiva tanto neurofisiológica. No entanto, diferenciam- se das verdadeiras, pelo fato de as FM serem composta no todo ou em parte por lembranças de informações de eventos que não ocorreram na realidade. As FM são frutos do funcionamento normal, não patológico de nossa memória. (NEUTFELD; STEIN, 2010, p. 22).

            Por toda trajetória de pesquisas e estudos sobre falsas memórias, discute-se sobre os limites entre o falso e verdadeiro gerado pela memória, sendo ela espontânea ou sugerida.          Como explica Neutfeld e Stein (2010, p. 37): “Apesar da nossa memória ser passível de ser distorcida, há uma gama de lembranças que retratam fatos realmente ocorridos. Porém, nem tudo que lembramos ocorreu necessariamente da forma como lembramos e é possível sim, apresentar erro de memória”.

            Sendo assim, é fundamental que os atores judiciais se permitam à aproximação ao debate, tendo como pontos possíveis falhas ao reconhecimento de pessoa como culpada considerando a possibilidade da contaminação do testemunho por falsas memórias.

 

4.4.    Do reconhecimento de pessoas e os fatores que influenciam no fenômeno das falsas memórias

            O ato de reconhecimento de pessoas é o meio de prova mais utilizada tanto na fase pré-processual ou processual, e está previsto do art. 226 ao art. 228 no Código de Processo Penal[43]. Desse modo, é a partir do reconhecimento que a vitima ou testemunha vai buscar nas lembranças a recordação de fatos ligados à determinada pessoa.

            E quase que pela totalidade, ao ser reconhecido por suposto autor de um delito seja pela vítima ou testemunha, no procedimento inicial da investigação, por vezes, torna o individuo réu por força da importância que se dá esse procedimento.

            O reconhecimento é importante. Porém, devemos atentar a maneira de como ele se dá. É sabido que a partir do momento em que uma pessoa descreve outra pessoa, mediante suas características e ao reconhecê-la visualmente para acusá-la, pode haver uma linha de falsificação da informação.  Esse procedimento de reconhecer também possui críticas no que diz respeito a casos de reconhecimento fotográfico, pois pode apresentar falhas.

Se sabe que o juiz é o destinatário da prova e para ele é feita a reconstrução do fato mediante provas apresentadas. Assim, provar significa induzi-lo ao convencimento de que o fato histórico ocorreu de um determinado modo, com aproveitamento de chances, liberação de cargas ou assunção de risco de uma sentença desfavorável (DI GESU, 2019, p. 51).

            O reconhecimento de pessoas pode ter a credibilidade contestada por conta da existência de falsas memórias, não se tratando de mera suposição. Como visto anteriormente, falhas podem ocorrer ocasionando um reconhecimento errôneo, assim, inocentes podem sofrer consequências danosas.

            Portanto, reconhecer requer fundamento com indícios relevantes, pois a prova torna-se importantíssima no campo jurídico, é através das provas que o juiz tomará sua decisão para condenar ou absolver o réu.

            Também é a partir dela, que o próprio Ministério Público pedirá ou não a condenação do denunciado, e com relevância, é através das provas que o defensor desse réu buscará sua absolvição.

            Para analisar os procedimentos adotados na obtenção de testemunhos, seria viável a utilização de maneira ampla ao conhecimento no campo científico, o auxílio através da psicologia do testemunho.

            Dessa forma, poderia se alcançar valor considerável ao reconhecimento pessoal, assim como dar maior dimensão técnica na coleta de depoimentos com a utilização de pessoas especializadas e qualificadas à obtenção desses testemunhos.

            Sendo assim, no decorrer da coleta da prova testemunhal e do reconhecimento, poderão surgir implicações que captadas de forma equivocada, ocasionarão influência no julgamento do caso apresentado, de forma irreversível.

            Dessa maneira, pode resultar na condenação de alguém de forma injusta, o que nos remete imprescindivelmente a necessidade de um profissional preparado tecnicamente em conjunto ao procedimento de investigação preliminar.

            É sabido que a palavra da vitima é um desafio no enfrentamento pelo judiciário principalmente nos casos de crimes sexuais, tendo em vista que seu relato contém uma carga emocional contaminada pela própria ocorrência do delito, visto que, a testemunha está inserida nesse contexto, o que já se torna traumático.

            Em consonância ao fenômeno das falsas memórias, como já demonstrado, configura-se prejudicial pelo decurso do tempo, pois se perde detalhes em determinados aspectos, ocasionando uma influência negativa direta na memória.

             Assim, os fatos, os acontecimentos e imagens, vão se perdendo no decorrer do lapso temporal, causando interferência no testemunho. Assim, não menos danosa, é a demora na coleta da prova, prejudicando a reconstituição do ocorrido no dia do suposto crime.

            Nas questões de reconhecimento de pessoas, também se destaca a questão da propagação dos casos de crimes abordados pela mídia. Por muitas vezes, programas de televisão exibem supostos autores de crimes e a partir do senso comum, causam interferência nos testemunhos.

            Por muitas vezes, a maneira sensacionalista como se divulga a informação, pode formar juizo de valor e até mesmo levar a condenação popular de um indivíduo, como já ocorreram em casos passados divulgados.

            Outro ponto crítico é o julgamento virtual que vem se disseminando na internet, em que se reconhece, julga e condena uma pessoa como culpada, sem mesmo ela ter passado pelo crivo do devido processo legal. É o julgamento popular.

            Para Gustavo Noronha de Ávila (2013, p. 67), as reiteradas violações ao princípio da presunção de inocência acabam por criar contornos preocupantes, especialmente quando o depoente do inquérito policial se torna testemunha no processo. E tal exposição “imprime a memória, a marca com o senso comum de conteúdo punitivista” (ÁVILA, 2013, p. 67).

            Na esfera judicial, a base de relevância da prova testemunhal é muito forte, lembrando que se baseia na memória de pessoas, no qual mais uma vez, se reforça a relevância do tema na hora da identificação, do reconhecimento dos suspeitos e na reconstrução dos fatos ocorridos. Ademais, alertando quanto ao déficit que possa surgir na produção da prova cientifica.

            Concluindo a reflexão, aduz Ávila (2013, p. 67) que: “em meio a esse processo, policiais e magistrados, de vigilantes, se convertem em vigiados por grupos voluntários dispostos a assinalar cada um de seus movimentos, a interpretar cada um de seus gestos, a publicar cada uma de suas palavras”. Vale dizer, que todo cuidado seria pouco em não se tornar a mídia um tribunal penal popular, no qual estaria presente uma contribuição a um tipo de contaminação externa.

           

            4.4.1 Da entrevista cognitiva e redução de danos

            A Entrevista Cognitiva é uma técnica que potencializa a quantidade e qualidade das informações captadas durante depoimentos, busca amenizar falhas dos entrevistadores forenses, em prol da redução de danos por certos equívocos da prática forense.

            Nesse aspecto, determinadas técnicas contribuem para identificar em que momento poderá haver uma “brecha” à formação de falsas memórias ou risco de contaminação da resposta por induzimento da pergunta (DI GESU, 2019, p. 199).

            Desse modo, diante da complexidade e da importância da prova testemunhal, dez falhas dos entrevistadores foram identificadas pelos especialistas pelo qual devemos levar em consideração, quais sejam: não explicar o propósito da entrevista; não explicar as regras básicas da sistemática da entrevista; não estabelecer rapport (tipo de confiança entre o entrevistador e entrevistado); não solicitar o relato livre; basear-se em perguntas fechadas e não perguntas abertas; fazer perguntas sugestivas/confirmatórias; não acompanhar o que a testemunha disse; não permitir pausas; interromper a testemunha, quando ela está falando e não fazer o fechamento da entrevista (FEIX; PERGER, 2010, p. 211).

            O rapport possui objetivos para conduzir a realização da entrevista cognitiva, em que “o entrevistador deve desenvolver uma atmosfera psicológica favorável para que a testemunha consiga relatar minuciosamente o evento vivido” (FEIX; PERGER, 2010, p. 211). As quatro etapas na concepção de Leandro Feix e Giovanni K. Perger são:

 

I. Construção do Rapport: Personalizar a entrevista, construir um ambiente acolhedor, discutir assuntos neutros, explicar os objetivos da entrevista e transferir o controle para o entrevistado;

II. Recriação do contexto original: Restabelecer mentalmente, situação ou crime ocorreu,  recriar o contexto ambiental, perceptual e afetivo;

III.  Narrativa Livre: Obter o relato livre da testemunha, sem interrupções;

IV Questionamento: Realizar o questionamento compatível com o nível de compreensão da testemunha, priorizar o uso de perguntas abertas, obter     esclarecimentos e detalhamento do relato e possibilitar múltiplas recuperações;

V. Fechamento: Realizar o fechamento da entrevista, fornecer o resumo das informações obtidas, discutir tópicos neutros e estender a vida útil da entrevista. (FEIX; PERGER, 2010, p. 211).

 

            Sobre os fundamentos e objetivos específicos da técnica para uma abordagem organizada da entrevista cognitiva, expõe os autores que:

As duas primeiras etapas da EC (construção e recriação do texto original) referem-se ao estabelecimento de uma condição favorável para que o entrevistado possa acessar as informações registradas na memória. Na terceira etapa o entrevistado relata, livremente, a situação testemunhada. A fase seguinte envolve o uso de técnica de questionamento, baseado somente nas informações trazidas no relato livre do entrevistado, visando à obtenção de maiores detalhes e esclarecimentos. A última etapa diz respeito ao fechamento da entrevista, em que o entrevistador fornece uma síntese dos dados obtidos nas etapas anteriores com o objetivo de conferir com o entrevistado a precisão dos mesmos. O detalhamento de cada etapa da EC é descrito nas próximas subseções.(FEIX; PERGER, 2010, p. 212).

            O desafio está justamente na qualidade da prova, para Cristina Di Gesu:

O intuito da investigação e análise acerca da possibilidade de constatação de falsas memórias nos depoimentos de vitimas e de testemunhas é justamente evitar que pessoas sejam investigadas, presas, acusadas e condenadas com base em uma prova frágil, tal como é a prova testemunhal, a qual muitas vezes, se vale de uma memória distorcida, dissociada da realidade do fato delituoso. (DI GESU, 2019, p. 209).

            Na mesma linha de pensamento, corroboram Leandro F. Feix e Giovani K Perger:

O papel do entrevistador investigativo, o profissional que irá obter o relato da testemunha, é crucial, pois ele precisará engajá-la no processo em busca de informações precisas contidas na memória. [...]

Existem evidências mostrando que a postura do entrevistador, bem como suas crenças e hipóteses a respeito do evento investigado. (FEIX; PERGER, 2010, p. 209).

Vale ressaltar, “com a técnica há a probabilidade de reduzir a sugestionabilidade por parte do entrevistador, uma vez que estão preparados para desenvolver com maior contribuição ao processo penal. O propósito é evitar perguntas tendenciosas que possa direcionar ao erro” (FEIX; PERGER, 2010, p. 203)[44].

Para melhor qualidade na obtenção da prova testemunhal, Di Gesu (2019, p. 2010) indica medidas de redução de danos para melhorar a qualidade e reforçar o campo probatório.          A primeira medida seria através da colheita da prova em um prazo razoável objetivando um depoimento visando preservar a memória dos entrevistados, sem influências externas da mídia ou de terceiros, pois o lapso temporal prejudica a preservação do testemunho.

A segunda medida é evitar perguntas sugeridas, através da adoção de técnicas de interrogatório e a entrevista cognitiva para obtenção mais qualificada não restringir a obtenção de informações do testemunho, pois como mencionado, existem falhas apontadas pelos autores, e há necessidade de precisão das informações colhidas.

Ademais, propõe a gravação das entrevistas, acompanhada por profissionais como assistentes sociais e psicólogos, para evidenciar melhor qualidade do procedimento executado por parte do entrevistado, permitindo ao juiz acesso a um completo registro eletrônico para certificar-se quanto a possíveis contaminações ou não (DI GESU, 2019, p. 210).

Importa salientar que pesquisadores buscam novos caminhos, desenvolvendo novas técnicas para minimizar efeitos danosos, buscando qualificar a oitiva de testemunhas, visando a aplicação de técnicas com embasamento cientifico para um resultado eficaz.

 

5.         THE INNOCENCE PROJECT

            O The Innocence Project é uma organização sem fins lucrativos, criada em 1992, pelos advogados Barry Scheck[45] e Peter Neufeld[46], com sede localizada na cidade de Nova Iorque nos Estados Unidos da América - EUA, voltada para ajudar pessoas que foram indevidamente condenadas.

            A importância do trabalho surge especificamente pelo fato de reverter casos em que a pessoa já foi condenada, visando provar sua inocência. Trata-se, portanto, de uma situação muito peculiar e árdua, pois são vidas jogadas em uma situação muito delicada, além de que, há de se levar em consideração leis de países que aderem a pena de morte ao seu ordenamento jurídico, como é no caso dos EUA.

            Contudo, de acordo com dados divulgados pelo site do projeto, já foram revertidos mais de 350 casos de pessoas que estavam no cárcere, inclusive condenados ao corredor da morte. Há uma estimativa de quase 5% da população carcerária dos Estados Unidos foi condenada injustamente.

            É visto que, cada caso possui uma peculiaridade, pessoas que passaram anos presas e, após anos convivendo com o pesadelo de carregar essa culpa injusta, puderam sentir a leveza da absolvição pela oportunidade de provar sua inocência.

            Registros divulgados pelo The Innocence Project nos trazem diferentes histórias de pessoas que passaram momentos difíceis, anos presas por crime que não cometeram.

            Dentre as causas identificadas que levam a essas condenações equivocadas estão: falhas na coleta de provas, testemunhos falsos, falhas nos depoimentos e também foram apontados erros dos atores do judiciário.

            Imagine passar quase vinte anos na prisão? Pois um dos primeiros casos de exoneração (reversão) por Barry Scheck, nos Estados Unidos, foi à condenação injusta, de um homem, que após ter passado dezessete anos na prisão pela acusação de estupro, finalmente teve sua inocência comprovada.

            A reversão da culpa foi possível ao se desvendar através de novas provas e exame de DNA/ADN, identificar um tipo de manipulação sorológica denominada “má conduta forense” que ocasionou o erro. Contudo, após comprovar o ocorrido, e conseguir novas evidências, provou sua inocência e, conseguiu responsabilizar a cidade de Houston na esfera civil, por essa condenação injusta.         

            Esse caminho levou ao início para reconhecimento do The Innocence Project na Escola de Direito Benjamin N. Cardozo na cidade de Nova Iorque.

            A Organização não Governamental possui uma estrutura com mais de sessenta e nove filiais por vários países e no território Norte Americano conta com cinquenta e seis filiais.[47]

            Nos Estados Unidos o projeto é de suma importância, a contar do trabalho de revisar casos com a probabilidade de reversão. Pessoas que passaram anos na cadeia por terem sido reconhecidas por testemunhas e acusadas pela prática de crimes, conseguiram provar que não cometeram o crime pelo qual foram acusadas e reconhecidas como culpadas.

 

            5.1.      The Innocence Project Brasil

            No Brasil, com representatividade desde 2016, sob a direção de um trio de advogados criminalistas, a Dra. Dora Marzo de Albuquerque Cavalcanti Cordani, Dra. Flávia Rahal Bresser Pereira e o Dr. Rafael Tucherman, é a primeira organização brasileira voltada ao enfrentamento das questões de condenações de pessoas inocentes no país.

            The Innocence Project Brasil ou também como ficou conhecido “Projeto Inocência”, está localizado na Cidade de São Paulo, possui cerca de quinze associados e, sua estrutura administrativa conta com direção, conselho consultivo, conselho fiscal, coordenação, consultores, apoiadores e parcerias com escritórios de advocacia, entre outros parceiros. Sendo assim, o seu propósito é, “buscar reverter condenações de inocentes pela justiça brasileira, propondo soluções para prevenir suas ocorrências”.[48]         

            Dois casos concretos de reversão de pena foram analisados no presente trabalho. O primeiro é caso da Escola Base de São Paulo. O segundo, foi um caso recente, no qual se obteve o julgamento revertido por conta da reanálise do caso e da sentença, mediante revisão denominada “exoneração” pelo The Innocencce Project Brasil Buscou-se analisar sobre a influência das falsas memórias e do reconhecimento de pessoas, sob a valoração da prova testemunhal.

            Os casos apresentados, buscam fazer também reflexão como são danosas as consequências para a vida dessas pessoas pela ação punitiva do Estado, pagando por um crime que não cometeram. Em dados publicados em 2019 sobre a ONG, consta que 40% de presos brasileiros estão em condições de presumidamente inocentes, dos casos recebidos pelo Innocence Project Brasil, 1.500 são passíveis de revisão, até 2019 foram revistos no Brasil 3 casos de condenados que conseguiram a reversão, considerados inocentes e consequentemente foram libertados (FIGUEIREDO, 2019). Por outro lado, cabe ressaltar sobre as consequências irreversíveis sofridas também nas relações sociais dessas pessoas com a ação punitiva da sociedade.

            A inserção de falsas memórias no processo penal advém no momento em que pessoas envolvidas em determinado caso, são chamadas a depor, e tanto na fase investigativa quanto na processual estão expostas a contaminação. Sabe-se que essa fragilidade pode ocorrer a partir dos depoimentos, mediante a reconstrução do fato delituoso, já que a lembrança do fato ocorrido está ligada a palavra da vítima e da testemunha.

 

5.2.      Caso 1 – Caso histórico da Escola Base de São Paulo.

            Apesar de ser um caso amplamente debatido tanto na mídia, como no meio acadêmico, o caso da Escola Base de São Paulo, é um caso em que falsas memórias influenciaram para a indução de pessoas. Logo, remete ao sentido da injustiça cometida por uma sucessão de acontecimentos equivocados, a partir da formação de falsas verdades que construíram em pouco tempo, em um processo popular condenatório precoce aos envolvidos.

            O caso ocorreu em 1994, a partir da acusação por parte de duas mães de alunos aos donos da Escola Infantil Base, sendo esses, acusados de abusar sexualmente de seus filhos.

            Os fatos foram lançados a partir de uma conversa, onde uma das mães que estava com seu filho no quarto, e de repente, ele senta em sua barriga e começa a se movimentar dizendo “o homem faz assim com a mulher”. A mãe fica surpresa com a situação, - “De acordo com o relato da mãe, o filho nunca havia presenciado um ato sexual” (DI GESU, 2019, p. 2016) – ela então questiona a criança que se expressa dando a entender algo em referência a um videocassete. A mulher indaga o pai da criança, que negou ter assistido filme de conotação sexual com seu filho.    

            Contudo, pelas suposições imediatas, a mãe resolveu procurar a justiça. Embora ninguém estivesse presente momento que mãe inquiriu seu filho, “ela saiu de lá, afirmando ter seu filho visto uma fita pornográfica na casa de Rodrigo, um coleguinha da Escola Base, em um lugar com portão verde, jardim na lateral, muitos quartos, cama redonda e aparelhos de televisão no alto, tal como em um motel” (RIBEIRO, 2003, p. 20 apud DI GESU, 2019, p. 217). Afirmou ainda que o filho foi “levado a essa casa em uma perua Kombi, dirigida por Shimada – o Ayres marido da proprietária da escola” (RIBEIRO, 2003, p. 20 apud DI GESU, 2019, p. 217), e assim completou com outros fatos supostamente ocorridos. 

            Dessa forma, a partir da suposta acusação, a imprensa divulgou a versão inicial fortalecida por um laudo apresentado pelo delegado da época, e a notícia se propagou a nível nacional.

             Sendo assim, a partir de um boletim de ocorrência registrado em 27 de março de 1994, por duas mães de alunos, os donos do estabelecimento passaram ao julgamento da opinião pública, pela divulgação massiva do caso pela imprensa e a sustentação da prática do crime pelo delegado que investigava o caso à época, que acabou por culminar em uma condenação popular, antes mesmo de se julgar o caso pelas vias legais através de provas contundentes. 

            Em menos de três meses houve a abertura e arquivamento do inquérito, não houve um rito processual necessário. Porém, os prejuízos para os acusados foram enormes.

            A notícia crime constava que as crianças eram conduzidas até o apartamento dos acusados para assistir filmes pornográficos, presenciar atos libidinosos, inclusive eram fotografadas no momento dos atos. Desse modo, mediante tais acusações iniciou-se a investigação.

            Lúcia Eiko Tanoue e Cléa Parente de Carvalho (mãe de dois alunos faixa etária de 4 anos de idade); os proprietários da escola Icushiro Shimada (Ayres), Maria Aparecida Shimada (Cida); a professora Paula Milhim Alvarenga e Maurício Monteiro Alvarenga seu esposo e motorista da Kombi que levava as crianças para a escola e  mais um casal Saulo e Mara, pais de aluno da escola eram as partes envolvidas no caso da Escola Infantil Base (DI GESU, 2019, p. 214).

            Quanto à investigação, Cristina Di Gesu fez um cronograma pertinente para o entendimento da ocorrência dos fatos:

26 de março de 1994, sábado: Lúcia conversa com seu filho Fábio e surge a história do suposto abuso.

27 de março, domingo: Lúcia procura Cléa, mãe de Cibele, Registram a ocorrência na 6ª Delegacia de Polícia.

28 de março, segunda-feira: inicia-se a apuração do caso. A polícia faz buscas na casa de Saulo e Mara e na Escola Base ‘nada foi encontrado”. O Diário popular tomou conhecimento da história, entretanto, decidiu não publicar. Inconformadas, as mães chamaram a Rede Globo.

29 de março, terça-feira: os seis acusados vão à Delegacia depor, mas não ouvidos. Sobreveio telex do IML, confirmando o abuso. A primeira reportagem é levada ao ar pelo Jornal Nacional.

30 de março, quarta-feira: um coquetel molotov é lançado na escola durante a madrugada. Os jornais impressos anunciaram a noticia do abuso, mas não a do coquetel. Devido ao tratamento hostil dos populares, os acusados resolveram se esconder. Nesta ocasião, surgiram acusações do casal Isber e de Sheila Abraão.

31 de março, quinta-feira: pais levantam suspeita sobre uso de drogas.

1º de abril, sexta-feira Santa: mães suscitam a hipótese de contaminação pelo vírus da AIDS E CPI pede a quebra de sigilo bancário dos seis suspeitos. Escola Infantil Base é depredada durante a madrugada.

2 de abril, sábado: casa de Maurício e Paula sofre represálias e a polícia, embora conhecendo os autores, não toma nenhuma atitude.

3 de abril, domingo de Páscoa: os acusados concedem entrevista aos repórteres Florestan Fernandes Jr., Chico Verani e Regina Terraz, matéria que foi ao ar no mesmo dia.

5 de abril terça-feira: o Delgado Edélcio Lemos reúne-se com advogados para exigir a apresentação dos suspeitos. O juiz Galvão Bruno determina a prisão dos investigados. Apenas Saulo e Mara foram presos. A cópia do laudo do IML chega às mãos da imprensa.

6 de abril, quarta-feira: imprensa critica a postura do Delegado Edélio Lemos.

8 de abril, sexta-feira: o juiz Galvão Bruno determina a soltura de Saulo e Mara. O Delegado Edélcio Lemos é afastado do caso, sendo substituído pelos Delgados Gérson de Carvalho e Jorge Carrasco.

11 de abril, segunda-feira: o americano Richard Pedicini tem sua casa invadida pela polícia e ele é preso.

12 de abril, terça-feira: crianças fora a te a casa do americano, para reconhecimento.

13 de abril, quarta-feira: jornais noticiam ter a casa do norte-americano sido reconhecida. Entretanto, a informação é desmentida pelo Delegado Carvalho, o qual desfez a ligação entre um caso e outro.

14 de abril, quinta-feira: jornais voltam atrás sobre o reconhecimento.

20 de abril, quarta-feira: Pedicini foi solto, após nove dias de prisão.

22 de junho, quarta-feira: após a investigação, o Delegado Gérson de Carvalho sustentou não haver indícios contra os seis acusados.

13 de julho, quarta-feira: o juiz Galvão Bruno, arquivou o inquérito contra os seis suspeitos.

7 de abril de 1995, sexta-feira: foi determinado o arquivamento das investigações contra Richard Pedicini. (DI GESU, 2019, p. 215-216).

            A imprensa pressionava com perguntas e a cada momento uma nova acusação surgia sem comprovação, uma mãe de um outro aluno, insinuou homossexualismo infantil na escola, ao conceder uma entrevista para um jornal local. Após a publicação da denúncia, houve a negativa da mãe.

 [...] levou o filho a um pediatra e a um psicólogo. Nada foi constatado. A mãe ao ser chamada na delegacia para depor, referiu não ter nenhuma reclamação contra o estabelecimento, bem como seu filho não havia alterado o comportamento. Perguntada acerca da entrevista publicada nos jornais, respondeu “que se viu assediada por muitos repórteres, não se lembrando do que tinha dito” (DI GESU, 2019, p. 221).

            Mediante tantos acontecimentos escabrosos, após a prisão de Saulo e Mara, seus advogados tiveram acesso ao laudo do IML que constava como inconclusivo, pois a mãe de um dos meninos, admitiu que ele sofria de constipação intestinal umas das probabilidades apontadas pelo laudo. “O fato é que a genitora do menor não somente induziu o filho, mas outras mães de alunos e a própria imprensa a acreditar em um abuso sexual que nunca existiu, gerando uma falsa memória” (DI GESU, 2019, p. 218).

            Nesse sentido, aduz Cristina:

O caso Escola Base de São Paulo, a nosso ver, foi um dos mais paradigmáticos sobre os excessos praticados conjuntamente pela imprensa e pela policia, de modo a influenciar e induzir milhares de pessoas sobre um escândalo sexual que nunca existiu. Trata-se, sob nossa ótica, de um dos maiores exemplos, no Brasil, sobre o fenômeno das falsas memórias, devido a sua dimensão. É importante recorrer a um acontecimento extremamente patológico, no qual, embora não tenha havido processo, mas tão somente uma investigação (arquivada em menos de três meses) gerou um imenso prejuízo para os imputados, decorrente da falsificação da lembrança das crianças-vítimas. (DI GESU, 2019, p. 216).

        

            No caso apresentado, não havia materialidade, provas contundentes, não houve apreensão, enfim, nada foi encontrado que pudesse comprovar tais acusações. Em meio à trágica situação, os donos da escola sofreram danos materiais, físicos e psicológicos, por injustiça, numa inquisição popular desastrosa.

 

            5.3.      Caso 2 - O primeiro caso de reversão pelo The Innocence Project Brasil.

            O caso de Atercino Ferreira de Lima Filho, de 51 anos, é o primeiro caso de erro do judiciário revertido pelo Innocence Project Brasil[49]. O caso em tela ocorreu em 2004, o vendedor foi condenado a vinte e sete anos de prisão pela acusação de ter abusado sexualmente de seus dois filhos na infância, o levando a passar quinze anos tentando provar sua inocência. Entretanto, após anos, os filhos relataram que foram induzidos a mentir por conta de agressões sofridas por parte de sua mãe[50].

            A dinâmica do caso, tem início em 2002, a partir da separação de Atercino e sua esposa, onde os filhos, o menino, então com 8 anos e a menina com 6 anos passam a residir somente com a mãe.

            A denúncia por parte do Ministério Público, surge em 2004 em referência à prática dos atos ilícitos terem sido supostamente cometidos quando o acusado ainda era casado, configurando o suposto abuso praticado.

            Em 2012 com o andamento do processo, seu filho na tentativa de esclarecer tais fatos, registra em cartório uma declaração afirmando a inocência do pai, explica que passou por um processo de indução, mesmo assim, o processo continuou em andamento chegando em 2014 ao Supremo Tribunal Federal. Nesse ponto, por entendimento da Ministra Rosa Weber, não era possível a reexaminação de provas, uma vez que, não é atribuição da instância superior.

            No ano de 2015 a filha do acusado, também declara a inocência do pai em registro oficial. Porém, mesmo mediante tais declarações, em abril de 2017 o caso transita em julgado com a condenação do réu que é preso.

            Nos relatos do caso em observação, cabe destacar que os filhos à época da condenação do réu, estavam residindo com o pai.  É visto que, perpetuou uma árdua batalha até chegar a real situação do caso.

            Desse modo, foram muitos os entraves existentes para tentar reverter um caso tão complexo, por constar a força da prova testemunhal, sob a criação de uma construção de fatos induzidos. Os filhos por sua condição de submissão em confronto aos maus tratos por parte da mãe acabaram criando falsas informações.

             Cabe chamar atenção aos casos de alienação parental em que se faz presente a indução dos filhos nos casos de separação, ocasionando a formação de falsas memórias, pois as crianças se tornam muito mais vulneráveis na hora da oitiva. Por isso, é extremamente necessário o acompanhamento por profissionais técnicos e equipe capacitada, possibilitando assim, a redução de danos.

            Finalmente, em 2018 com o apoio do Innocence Project Brasil, que ajuizou o pedido de revisão criminal no Tribunal de Justiça de São Paulo, possibilitou a produção de novas provas, e o réu foi absolvido por unanimidade com fulcro no art. 621, III[51] e no art. 626[52], ambos do Código de Processo Penal.

            Nesta celeuma, vislumbra-se histórias de pessoas reais, que se tornam personagens de uma tragédia. Ademais, não se torna um caso singular, pois existem outros casos nas prisões brasileiras, que necessitam ser revistos, para que se concretize a noção de justiça propriamente dita. O intuito desse trabalho também é chamar atenção a inúmeros casos que necessitam ser revistos.

            Vale ressaltar, que a partir do trabalho do Innocence Project Brasil, é possível obter a revisão processual criminal e o condenado pode ter seu caso revisto. Para tal, o mesmo deverá seguir critérios estabelecidos pela ONG, que possam configurar a probabilidade de comprovar a sua inocência.

            O Innocence Project Brasil está à frente de outros casos de condenações que estão sendo analisados na justiça. A iniciativa do Projeto conquistou o Prêmio Innovare de 2019 na categoria advocacia.

            Estudiosos sobre o tema, apontam que no Brasil, não há uma pesquisa com levantamento de dados sobre supostos erros do judiciário, o que demonstra a necessidade de reflexão sobre uma nova proposta para o assunto.

         

6.      CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na perspectiva de superar as dificuldades em solucionar conflitos entre o direito punitivo do Estado e o direito à liberdade de um acusado, deve-se estabelecer garantias ao réu, na concepção da aplicabilidade do devido processo legal, em uma estrutura dialética. Assim, foi apresentado o presente trabalho visionando um processo penal engendrado aos princípios constitucionais.

A prova testemunhal recebe a importância de carregar as recordações daquela pessoa que é chamada a depor. No entanto, pode-se perceber o quão ela está suscetível a falhas, sendo este o principal meio de prova que busca reconstruir de forma aproximada, os fatos ocorridos no passado para o presente, e sua contaminação pode ocasionar o surgimento de falsas memórias, comprometendo o processo judicial.

Nesse contexto, atores do cenário jurídico vêm construindo, mesmo que ainda de forma tímida, um processo reflexivo em busca de aprimorar o campo jurisdicional. Observou-se nos estudos a partir da psicologia cognitiva e do testemunho que a falibilidade da memória pode ocasionar a contaminação dos depoimentos.

Embora não seja tarefa fácil, o intuito é tentar diminuir supostas arbitrariedades que possam surgir nas práticas de ações e tomada de decisões pelo judiciário.

  Se buscou trazer conflitos da problemática das falsas memórias, para que sirva de reflexão, alertando aos profissionais que atuam tanto na área do Direito, como em outras áreas do conhecimento, que a indução e a sugestionabilidade, pode causar danos. E que o processo penal como o caminho a ser percorrido nas ações criminais, pode sofrer influências.

Por todo o exposto, é imprescindível o entendimento do que são as falsas memórias, para buscar a redução dos riscos e evitar a condenação de uma pessoa inocente.

Enfim, refletir é preciso. “Você se lembra do rosto de quem entrou no elevador com você ontem”? “E da pessoa que se sentou ao seu lado no ônibus na quarta-feira da semana passada”? Tem certeza?[53] Essa é a reflexão lançada em 2020, em busca de amenizar os danos da condenação injusta.

 

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[1] Art. 5º, inciso XXXIX da CRFB/88, “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (BRASIL, 1988).

[2] Art. 5º, inciso XL da CRFB/88, “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu” (BRASIL, 1988).

[3]“Art. 261 CPP. Parágrafo único. A defesa técnica, quando realizada por defensor público ou dativo, será sempre exercida através de manifestação fundamentada. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 1.12.2003).” (BRASIL, 1941).

[4] “[...] dizer que um sistema é “misto”, é não dizer quase nada sobre ele, pois misto, todos são. O ponto crucial é verificar o núcleo, o princípio fundante, e aqui está o problema. Outros preferem afirmar que processo penal brasileiro é “acusatório formal”, incorrendo no mesmo erro dos defensores do sistema misto.” (LOPES JR, 2016, p.43).

[5] O art. 9º - “Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo; todo o rigor desnecessário a guardar da sua pessoa, deverá ser severamente reprimido pela lei.” (ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE FRANCESA, 1789).

[6] “Art. 26 - Parte-se do princípio que todo acusado é inocente, até que se prove sua culpabilidade. Toda pessoa acusada de um delito tem direito de ser ouvida em uma forma imparcial e pública, de ser julgada por tribunais já estabelecidos de acordo com as leis preexistentes, e de que se lhe não inflijam penas cruéis, infamantes ou inusitadas.” (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1948).

[7]Art. 11

1. Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Também não será imposta pena mais forte de que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948).

[8]  Sobre as garantias do art. 8º, 2. Vejamos: a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por tradutor ou intérprete, se não compreender ou não falar o idioma do juízo ou tribunal; b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada; c) concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa; d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido pó um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor; e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio, ou nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei; f) direito da defesa inquirir as testemunhas presentes no tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos; g) direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem declarar-se culpada; e h) direito de recorrer da sentença para o juiz ou tribunal superior.

[9] A Constituição italiana de 1948 previa que, “o imputado não é considerado culpado até a condenação definitiva”.

[10]  “Art. 8º - Todas as pessoas têm direito a um recurso efetivo dado pelos tribunais competentes contra os atos que violem os seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei.” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948).

[11] “Art. 8º, 1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.” (Pacto de San José de Costa Rica, 1969).

[12]Art. 155.  O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil.  (Redação dada pela Lei nº. 11.690 de 2008)” (BRASIL, 1941)

[13] Segundo Badaró (2015, p.396) “[...] os fatos impertinentes, irrelevantes e notórios não são objetos de prova. Entretanto, mesmo os fatos incontroversos vêm a ser objeto de prova (por exemplo, não é porque o réu confessou que ele deve ser condenado). “

[14] Art. 5º, LVI da Constituição – “São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos” (BRASIL, 1988).

[15] “Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. §1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. §2º Considera-se fonte independente aquele que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. §3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente. §4º (VETADO). §5º O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão”. (BRASIL, 1941).

[16] Nessa senda, aduz Lopes Jr. (2020, p.751), “Por se tratar de um direito disponível, excepciona o artigo, permitindo que deponham [...] uma vez desobrigadas [...] são obrigadas a depor como qualquer testemunha. Essa autorização para depor deve ser expressa, exceto quando o profissional é arrolado como testemunha do próprio interessado, situação em que a autorização é tácita (decorrendo do próprio fato de ter sido arrolada como testemunha)”.

[17] "Art. 26. Código de Ética e Disciplina da OAB. O advogado deve guardar sigilo, mesmo em depoimento judicial, sobre o que saiba em razão de seu ofício, cabendo-lhe recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem   seja   ou   tenha   sido   advogado, mesmo que autorizado ou solicitado pelo constituinte.”. Disponível em: . Acesso em 10 de nov. 2020.

[18]Art. 203.  A testemunha fará, sob palavra de honra, a promessa de dizer a verdade do que souber e Ihe for perguntado, devendo declarar seu nome, sua idade, seu estado e sua residência, sua profissão, lugar onde exerce sua atividade, se é parente, e em que grau, de alguma das partes, ou quais suas relações com qualquer delas, e relatar o que souber, explicando sempre as razões de sua ciência ou as circunstâncias pelas quais possa avaliar-se de sua credibilidade.” (BRASIL, 1941)

[19] “Art. 342 do CP. Fazer afirmação falsa, ou negar, ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral. (redação dada pela Lei nº 10.268, de 28.08.2001).”  (BRASIL, 1941)

[20] “Art. 213. O juiz não permitirá que a testemunha manifeste suas apreciações pessoais, salvo quando inseparáveis da narrativa do fato.” (BRASIL, 1941)

[21] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. (Primeira Turma). Habeas Corpus nº 175.048/SP - Distrito Federal. Relator: Ministro Marco Aurélio. Pesquisa de Jurisprudência, Acórdãos, 18 de agosto de 2020, grifo nosso. Disponível em: . Acesso em: 12 dez. 2020.

[22] “Liminar na Medida Cautelar ADI’ns nº 6.298, 6.299. 6.300 e 6.305, concedida pelo Min. Luiz Fux, no dia 21/01/2020.

[...] mesmo com o artigo suspenso a Constituição desenha claramente, desde 1988, a estrutura acusatória, que precisa ser respeitada. Com isso, pensamos que o art.212 do CPP precisa ser ressuscitado e torcemos para que o STJ e STF respondam a necessária mudança cultural, para dar-lhe o merecido respeito e eficácia”. (LOPES JR, 2020, 748)

[23] “Art. 203 CPP - A testemunha fará, sob palavra de honra, a promessa de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado, devendo declarar se nome, sua idade, seu estado e sua residência, sua profissão, lugar onde exerce sua atividade, se é parente, e em grau, de alguma das partes, ou quais suas relações com qualquer delas, e relatar o que souber, explicando sempre as razões de sua ciência ou as circunstâncias pelas quais possa avaliar-se de sua credibilidade.” (BRASIL, 1941).

[24] “Art. 206 CPP - A testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor. Poderão, entretanto, recusar-se a fazê-lo o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, salvo quando não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias.” (BRASIL, 1941).

[25] “Art. 208 CPP- Não se deferirá o compromisso a que alude o art. 203 aos doentes e deficientes mentais e aos menores de 14(quatorze) anos, nem às pessoas a que se refere o art. 206.” (BRASIL, 1941).

[26]  “Art. 304 CPP- Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia do termo e recibo de entrega do preso. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita, colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade, afinal, o auto. (Redação dada pela Lei nº 11.113, de 2005). § 3o Quando o acusado se recusar a assinar, não souber ou não puder fazê-lo, o auto de prisão em flagrante será assinado por duas testemunhas, que tenham ouvido sua leitura na presença deste.  (Redação dada pela Lei nº 11.113, de 2005).” (BRASIL, 1941).

[27] Para Aury, esse tipo de testemunho estando a critério do juiz decidir quem será ouvida como testemunha, se constitui um erro, pois, se deve fortalecer o depoimento da testemunha presencial, o que poderia evitar a sua contaminação, já que esse tipo de testemunha não estava na hora da ocorrência dos fatos (LOPES JR, 2020, p. 756).

[28]Art. 59 CP - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).” (BRASIL, 1941).

[29]“Art. 16 CPP- O Ministério Público não poderá requerer a devolução do inquérito à autoridade policial, senão para novas diligências, imprescindíveis ao oferecimento da denúncia.

[...]

Art. 26 CPP- O prazo para o oferecimento da denúncia, estando o réu preso, será de 5 dias, contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito policial, e de 15 dias, se o réu estiver solto ou afiançado. No último caso, se houver devolução do inquérito à autoridade policial (art.16), contar-se-á o prazo da data em que o órgão do Ministério Público receber novamente os autos.”  (BRASIL, 1941)

[30] Nas palavras de Lopes Jr., (2020, p.707): “Quando entrar em vigor o art. 3º C, § 3º, suspenso por liminar no STF, que determina a exclusão (ou não inclusão) do processo das peças do inquérito policial (exceto as ressalvas legais, e entre elas não está o interrogatório policial), esse interrogatório não deverá integrar os autos que serão enviados ao juiz de instrução e julgamento”.

[31] Segundo Benigno Núñez Novo (2018): “A Psicologia Jurídica emergiu da Psicologia do Testemunho cuja prática, em âmbito internacional, ajudou a consolidar a Psicologia enquanto ciência, dada a necessidade de sua contribuição na comprovação da fidedignidade de testemunhos, principalmente, com o surgimento e aplicação dos testes psicológicos, em meados do século XX, assim como o desenvolvimento de estudos sobre os funcionamentos dos interrogatórios, dos delitos, dos falsos testemunhos e falsas memórias etc., colaborando para a criação dos primeiros laboratórios de psicologia.”

[32] “Art. 260 CPP. Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença”. (BRASIL, 1941).

[33]BRASIL, Supremo Tribunal Federal.  Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 395 e 444, [...] 10. Arguição julgada procedente, para declarar a incompatibilidade com a Constituição Federal da condução coercitiva de investigados ou de réus para interrogatório, tendo em vista que o imputado não é legalmente obrigado a participar do ato, e pronunciar a não recepção da expressão “para o interrogatório”, constante do art. 260 do CPP. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Tribunal Pleno. Brasília, 14 de junho de 2018. Disponível em: . Acesso em: 01 fev. 2021.

[34] Segundo Badaró (2015, p.442) “[...] três posições sobre a natureza do interrogatório: (1) é meio de prova, porque o CPP o coloca entre os meios de prova; (2) é um meio de defesa, mais especificamente de autodefesas, diante ao direito de silêncio do acusado; (3) tem natureza mista, sendo tanto um meio de defesa quanto um meio de prova [...].”

[35] Sinapse é uma região do cérebro de proximidade entre um neurônio e outra célula por onde é transmitido o impulso nervoso, “um neurônio faz sinapses com diversos outros neurônios”.

[36]“O caso de Louis, de 34 anos chamou atenção dos cientistas, por relatar recordações de fatos nunca vivenciados por ele” (NEUTFELD; STEIN, 2010, p. 23).

[37]A pesquisadora Elizabeth Loftus, é psicóloga cognitiva americana, desenvolveu vários estudos, especializados da mente humana, pioneira na contemporaneidade no estudo sobre as falsas memórias. No contexto histórico de sua trajetória científica, a própria pesquisadora em entrevista à revista Psychology Today (Neimark, 1996), declarou que foi vitima da falsificação da lembrança, por indução de um tio, ao contar sobre o acidente ocorrido com sua mãe, (um caso de afogamento na piscina de sua casa) – O caso foi esclarecido devido a elucidação da verdade ser revelada.: Vejamos, “uma jovem americana perde sua mãe afogada na piscina de casa aos 14 anos. Passados 30 anos, um tio comenta em uma reunião de família que a jovem foi a primeira a encontrar a mãe boiando na piscina. A partir desse momento ela passa a lembrar vividamente a impactante cena que teria presenciado. Alguns dias depois, ela recebe um telefonema do irmão, desculpando-se pelo tio, informando que ele havia se confundido e que na realidade quem encontrou a mãe na piscina fora a tia. A jovem em questão é hoje uma renomada pesquisadora na área de falsas memórias (FM) chamada Elizabeth Loftus” (DI GESU, 2019, p. 21).

[38] Phd em psicologia com doutorado em Cognitive Psychology pela University of Arizona, EUA e pós-doutorado Universidad de Barcelona, Espanha na área das falsas memórias e com atuação pioneira no país em psicologia do testemunho. Professora do programa de pós-graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, possui 30 anos na trajetória acadêmica e de pesquisa como titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, pesquisadora CNPQ nível 1-B. Nas duas ultimas décadas tem se dedicado a formação e capacitação de profissionais do Direito e da força policial, em nível nacional e internacional, aplicando métodos científicos a entrevistas com testemunhas/vitimas e suspeitos. Integra o Comitê Diretivo Internacional de Especialistas, está desenvolvendo um protocolo universal de como conduzir entrevistas investigativas, a ser apresentado à Assembleia da Organização das Nações Unidas em 2021. Também integra o Grupo de Assessoramento Técnico da CTI – Convention Against Torture Inniciative, organização ligada à ONU.

[39] Doutor em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS.

[40] Segundo o Secretário para Assuntos Legislativo do Ministério da Justiça gestão 2015, do MJ- SAMPAIO, Gabriel de Carvalho “A cada lançamento de novas pesquisas, a SAL renova sua aposta no sucesso do projeto que foi lançado em 2007 [...], estimulando a academia a produzir e conhecer mais sobre temas de interesse da Administração Pública e abrindo espaço para a participação social no processo de discussão e aprimoramento das políticas  publicas [...]. Ademais, a divulgação das pesquisas, por meio da Série Pensando o Direito, permite a promoção de debates com o campo acadêmico e com a sociedade em geral, demonstrando compromisso com a transparência e a disseminação das informações produzidas” (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA; SECRETARIA DE ASSUNTOS LEGISLATIVOS; IPEA, 2015, p.9).

[41] “A composição do reconhecimento refere-se aos procedimentos utilizados nas etapas pré-investigativa, investigativa e processual em delegacias e fóruns para apresentação e reconhecimento de suspeitos. Os resultados apontam para uma heterogeneidade muito grande em relação aos procedimentos realizados para o reconhecimento de suspeitos” (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA; SECRETARIA DE ASSUNTOS LEGISLATIVOS; IPEA, 2015, p. 65).

[42] Segundo Neutfeld e Stein (2010, p. 25): “uma situação que ilustra bem o efeito da sugestão de falsa informação ocorreu com uma amiga quando ela ainda estava na faculdade. Certa noite chegando de uma festa, essa amiga esbarrou em um vaso de bronze que ficava em cima de uma mesinha no hall do apartamento, desta forma arranhando a parede. Alguns dias depois, sua mãe lhe perguntou se foi ela a responsável pelo arranhão a parede. Ela negou, dizendo que a mãe estava equivocada e que foi a própria mãe a responsável pelo arranhão, quando na semana anterior, deixou ali as compras do supermercado, antes de irem à missa, para qual já estavam atrasadas. A mãe reluta em acreditar, mas lembra-se de que realmente um dia saíram apressadas para a missa e que quando voltaram lembrou que algumas compras realmente estavam no chão, supondo então que tivessem caído e arranhado a parede. Semanas depois, a mãe recebe uma prima para um chá e fala de sua tristeza em ter arranhado a parede do apartamento recentemente reformado. Nesse caso, a filha sugeriu deliberadamente a sua mãe uma falsa informação que era condizente com outras lembranças que a mãe mantinha em sua memória, tornando a falsa informação plausível. Desta forma, a falsa informação foi incorporada à memória da mãe que passou a lembrar ter arranhado a parede do apartamento”.

[43] “Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoas, proceder-se-á pela seguinte forma: I- a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever apessoa que deva ser reconhecida; II- a pessoa, cujo reconhecimento se pretende, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la; III- se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela; IV- do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e pó duas testemunhas presenciais; parágrafo único. O disposto nº III deste artigo não terá aplicação na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento.

Art. 227 CPP. No reconhecimento de objeto, proceder-se-á com as cautelas estabelecidas no artigo anterior, no que for aplicável.

Art. 228 CPP. Se várias forem as pessoas chamadas a efetuar o reconhecimento de pessoa ou de objeto, cada uma fará a prova em separado, evitando-se qualquer comunicação entre elas.” (BRASIL, 1941).

[44] Vale destacar que segundo os autores, casos com crianças vítimas de abusos sexuais determinadas técnicas podem contribuir para aumentar a resistência da criança em falar o que aconteceu. O que seria imprescindível um local adequado para uma fase preparatória, um ambiente adequado para falar, e principalmente a falta de treinamento prejudica o relato da qualidade testemunha e pode lhe causar constrangimento.

[45] Barry Charles Scheck, é advogado e professor do curso de direito na Escola Benjamin N. Cardozo na cidade de Nova Iorque, formado em economia pela Universidade de Yale e formado em direito pela Faculdade de Direito de Boalt Hall – Universidade da Califórnia  em Berkeley, JD,  sócio do escritório de advocacia de direitos civis Neufeld Scheck & Brustin- NSBC em Nova Iorque e Co-fundador do The Innocence Project. Disponível em: <https://www.nsbcivilrights.com/our-people/barry-scheck/>.  Acesso em: 28. jul. 2020.

[46] Peter J. Neufeld, é advogado e sócio do escritório de advocacia de direitos civis – NSBC em Nova Iorque e Co-Fundador do The Innocence Project, formado pela Faculdade de Direito de Nova York, JD e pela Universidade de Wisconsin – Madison, BA-EUA. Disponível em: . Acesso em: 28. jul. 2020.

[47] THE INNOCENCE PROJECT. About. Disponível em: . Acesso em: 05 out. 2019.

[48] THE INNOCENCE PROJECT BRASIL. Pagina Inicial. Disponível em: . Acesso em: 09 de out. 2019.

[49] THE INNOCENCE PROJECT BRASIL. Casos. Disponível em: . Acesso em: 08 out. 2019.

[50] LEPRI, Janaina. Justiça de SP manda soltar homem que foi condenado injustamente por abusar sexualmente dos filhos. Portal G1. 2018. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/justica-de-sp-manda-soltar-homem-que-foi-condenado-injustamente-por-abusar-sexualmente-dos-filhos.ghtml>. Acesso em: 09 mar. 2020.

[51] “Art. 621 CPP - A revisão dos processos findos será admitida- III – quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição da pena.” (BRASIL, 1941).

[52] “Art. 626 CPP - Julgando procedente a revisão, o tribunal poderá alterar a classificação da infração, absolver o réu, modificar a pena ou anular o processo.” (BRASIL, 1941).

[53] Campanha para chamar atenção para condenações injustas designada em 02 de outubro como o “Dia da Condenação Injusta”. (Veiculação The Innocence Projet Brasil pelas redes sociais em 2020).

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