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Resumo:
Resumo: Este ensaio aborda a condição ilegal e desarrazoada da autoridade policial como testemunha no processo penal, notadamente no exercício de suas funções.
Texto enviado ao JurisWay em 02/07/2015.
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Delegado de polícia que preside inquérito policial não é testemunha
Resumo: Este ensaio aborda a condição ilegal e desarrazoada da autoridade policial como testemunha no processo penal, notadamente no exercício de suas funções. Visa analisar a desnecessidade do Delegado de Polícia, que preside Inquérito Policial, ser arrolado como testemunha, sobretudo, acerca de fatos criminosos que foram objetos da investigação por ele presidido.
Palavras-Chave: Delegado de Polícia, presidente de Inquérito Policial, testemunha, desnecessidade.
É comum o Delegado de Polícia ser intimado a comparecer no Poder Judiciário, durante instruções criminais, para servir de testemunha em fatos apurados em Inquérito Policial, sob sua presidência.
A meu sentir, trata-se de ato ilegal e oneroso, inútil e desnecessário, sobre o qual, a ciência jurídica deveria se mobilizar para fomentar discussões em torno do assunto.
Inicialmente, é importante frisar que o Código de Processo Penal, em seu artigo 202 e SS trata-se da prova testemunhal, como meio de prova, segundo a qual, toda pessoa poderá ser testemunha, evidentemente, não excluindo ninguém desse dever inelutável.
Testemunhas, ensina com extrema autoridade o Professor Francisco da Costa Tourinho Filho, em sua Obra Manual de Processo Penal, 5ª Edição, Editora Saraiva:
“são terceiras pessoas que comparecem perante a Autoridade para externar-lhes suas percepções sensoriais extraprocessuais: o que viu, o que ouviu… Para o Professor Júlio Fabbrini Mirabete, Processo Penal, 18ª edição, Editora Atlas, pág. 292, testemunha “é pessoa que, perante o juiz, declara o que sabe acerca dos fatos sobre os quais se litiga no processo penal”.
O Professor Mittermaier define a testemunha como sendo “o indivíduo chamado a depor segundo sua experiência pessoal, sobre a existência e a natureza de um fato”.
Para Malatesta, o fundamento da prova testemunhal reside “na presunção de que os homens percebam e narrem a verdade, presunção fundada, por sua vez, na experiência geral da humanidade, a qual mostra como na realidade, e no maior número de casos, o homem é verídico”.
O Livro dos Números 35, 30, assim define:
“Todo homem que matar outro será morto, ouvidas as testemunhas; mas uma só testemunha não bastará para condenar um homem à morte” .
O Juiz, tendo em vista o sistema adotado de apreciação de provas do livre convencimento, pode valorá-lo livremente à luz das demais provas produzidas.
No antigo sistema da certeza legal ou da prova legal prevalecia o brocardo testis unus, testis nullus (voix dun, voix de nul, para os franceses), onde uma só testemunha não validade como prova.
Hodiernamente, se admite até uma condenação com base em um único testemunho, desde que coerente com os demais meios probatórios colacionados aos autos. Por outro lado, muitas vezes vários testemunhos não são suficientes para uma sentença condenatória.
Portanto, o que importa não é o número de testemunhas, mas a credibilidade do respectivo depoimento e o critério com que o julgador o aferirá.
Alguns doutrinadores costumam classificar a testemunha dentro da sistemática processual, em referida, judicial, própria, imprópria ou instrumental, direta e indireta, e informante, podendo prestar ou não o compromisso de dizer a verdade, dependendo da situação de cada pessoa.
Assim, a título exemplificativo, um Delegado de Polícia, de férias, ou de folga, ou por qualquer outra razão, fora de suas funções, presencia um fato em tese criminoso. Tudo bem.
A Polícia é acionada, e o delegado de Polícia é arrolado como testemunha, porque viu, ouviu, ou de qualquer modo tomou conhecimento do injusto penal.
Perfeitamente cabível a hipótese da condição de testemunha. Isto pode acontecer com qualquer pessoa, inclusive juízes, promotores, advogados e outras autoridades.
O que diferencia aqui, é tão somente como ocorre a intimação, ou diretamente, ou com apresentação de depoimento escrito ou ainda com agendamento de dia e horário para a tomada do depoimento, tudo conforme moldura processual.
Na presidência do Inquérito Policial, o Delegado de Polícia, cumpre, essencialmente, o seu mister com fincas no artigo 6º e SS do Código de Processo Penal, dirigindo-se ao local do crime, providenciando para que não alterem o estado e conservação das coisas, apreendendo objetos que tiverem relação com o fato, ouvindo o ofendido, interrogando o indiciado, procedendo a reconhecimento e acareações, ordenando a identificação datiloscópica na forma da legislação pertinente, sobretudo a Lei nº 12.037/2009, pugnando pelas prisões cautelares, interceptação telefônica, quebra de sigilo bancário, representação de medidas cautelares de sequestro e outras correlatas.
Portando, na sua tarefa investigatória, o delegado de polícia não é testemunha, e tudo que ele sabe é retratado num relatório minucioso, circunstanciado, elaborado na forma do artigo 10, § 1º, do CPP, respondendo sempre o seguinte questionário: o que, quando, onde, quem, nada mais que isso.
Agora imaginamos um Juiz de Direito que ao analisar todo conjunto probatório, resolve absolver o réu das acusações, com fulcro no artigo 386, inciso V, do CPP, por não existir prova do réu ter concorrido para a infração penal, com nova redação determinada pela Lei nº 11.690/2008.
Inconformado com a decisão do Juiz “a quo”, o Ministério Púbico recorre, mas a defesa para sustentar a tese absolutória, entende por bem arrolar o Juiz, que prolatou a sentença absolutória, como testemunha. Seria cabível tal posição?
Evidentemente, que neste caso, o Juiz prolator da sentença, muito embora tivesse tomando conhecimento de todos os fatos, não poderá servir de testemunha.
Mas agora o Juiz condena, a defesa decorre, pode o Ministério Público arrolar o Juiz como testemunha como forma de manter a decisão?
Outro fato que citamos é o caso de um promotor de justiça, que ao analisar um procedimento investigatório, entende não haver a presença dos requisitos para a denúncia, e requer o arquivamento do Inquérito Policial ou de quaisquer peças de informações, o juiz no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará a remessa dos autos ao procurador-geral, conforme artigo 28 do Código de Processo Penal.
Desta forma, se um outro promotor designado oferecer a denúncia e instaurar o processo, certamente o promotor de justiça que decidiu pelo arquivamento, originariamente, não poderá ser arrolado como testemunha.
Assim é o caso do Delegado. Tudo que ele sabe, tudo aquilo que ele tomou conhecimento deverá ser retratado no relatório final, fazendo um juízo utilitário como ator de carreira jurídica, relevante e essencial, conforme Lei nº 12.830/2013, acerca do que ficou provado nos autos, indiciando ou não o investigado.
Art. 2o As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.
§ 1o Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.
§ 2o Durante a investigação criminal, cabe ao delegado de polícia a requisição de perícia, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos.
§ 3o (VETADO).
§ 4o O inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei em curso somente poderá ser avocado ou redistribuído por superior hierárquico, mediante despacho fundamentado, por motivo de interesse público ou nas hipóteses de inobservância dos procedimentos previstos em regulamento da corporação que prejudique a eficácia da investigação.
§ 5o A remoção do delegado de polícia dar-se-á somente por ato fundamentado.
§ 6o O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias
Essa é a função do Delegado de Polícia, que não pode ser considerado testemunha quando preside um Inquérito Policial.
Pensar diferente é atropelar a inteligência jurídica.
A antiga Súmula 23, publicada em 07, 11 e 12/03 de 1997, segundo a qual “é válido o depoimento prestado por autoridade policial no âmbito do Processo Penal, se coerente e não infirmado por outros elementos de prova…”, não mais subsiste, mesmo porque Delegado de Polícia é ator principal do enredo investigatório, cuja função primordial, é condensar as provas num caderno investigatório, chamado Inquérito Policial.
Arrolar Delegado de Polícia, como testemunha de fatos criminosos apurados durante sob sua presidência em sede de Inquérito Policial é medida descabida, ilegal e extremamente onerosa para a sociedade.
A autoridade policial ao atender uma intimação, deixa momentaneamente as suas reais atividades profissionais e passa a ser ouvido no curso da instrução criminal sem a mínima necessidade prática, já que sua exposição fática e jurídica presente no Relatório final diz tudo aquilo ele verdadeiramente sabe.
Por fim, é correto afirmar que os atores do processo penal, como juízes de direito, promotores de justiça e delegados de polícia, somente em circunstâncias especiais, poderão servir de testemunhas em casos que agiram estritamente em razão de suas funções públicas.
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