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Resumo:
Este trabalho dispõe acerca da Justiça do Trabalho e as implicações da Emenda Constitucional nº 45/04 ao seu poder normativo.
Texto enviado ao JurisWay em 30/05/2018.
Última edição/atualização em 03/06/2018.
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O PODER NORMATIVO ATRIBUÍDO À JUSTIÇA DO TRABALHO E OS REFLEXOS APÓS A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45 / 04
Resumo
Este trabalho dispõe acerca da Justiça do Trabalho que, através do poder normativo, possui competência para dirimir os conflitos coletivos de trabalho, cabendo aos sindicatos a defesa dos interesses individuais e coletivos da categoria, inclusive em questões judiciais, conforme art. 8º, inciso III, da CF. No entanto, por se tratar de atividade jurisdicional, a solução dos conflitos coletivos de trabalho, através do julgamento do processo de dissídio coletivo, deve ser demandada com base na exigência do comum acordo entre as partes em conflito para a instauração do referido dissídio, fato que decorre da alteração resultante da Emenda Constitucional nº45/04. Certo é que, tais mudanças foram objeto de diferentes discussões levantadas por doutrinadores acerca da incidência dessas alterações no dissídio coletivo, por colidir com o direito fundamental à tutela jurisdicional, consagrado no art. 5º, XXXV, da CF.
Palavras-chave: Justiça do trabalho. Poder normativo. Dissídio coletivo.
ABSTRACT
This work boasts about the labor courts which, through the normative power, has competence to resolve Collective Labor Conflicts, fitting to unions Defense Interests individuals and groups of the category, including legal issues, the art 8, III, of CF. However, because it is jurisdictional activity, the solution of the Collective Labor Conflicts, through the judgment of the collective bargaining process, must base sor sued with the requirement to common according between as contradictory in conflict for an introduction of the aforementioned bargaining agreement, That fact results from the change arising out of the constitutional amendment number 45 / 04. So, such different object changes were discussions in raised scholars incidence of about these changes not collective bargaining agreement by clash with fundamental right to judicial protection enshrined in art. 5, XXXV, of CF.
Keywords: Labor court. Normative power. Collective bargaining agreement.
O objetivo deste documento é esclarecer acerca do poder normativo atribuído à Justiça do Trabalho desde sua previsão na legislação, precedentes, até os impactos do mesmo ao direito coletivo de trabalho.
As funções estatais, segundo Montesquieu, foram separadas por atribuições para cada um dos três poderes do Estado: Legislativo, Executivo e Judiciário, aos quais foram atribuídas funções típicas e outras excepcionalmente executadas.
Dentre as funções típicas delegadas ao Judiciário está o poder de atuar no caso concreto para ditar a regra do caso concreto, adequando a lei abstrata para a solução das lides que lhe são apresentadas. E, visando o efetivo funcionamento do poder em face das demandas sociais, a Constituição destinou as seguintes funções atípicas ao Judiciário: organizar–se administrativamente ao conceder férias, licenças e estruturar seu quadro funcional; legislar através de seus regimentos internos (art. 96, I, a da CRFB) e legislar através do poder normativo atribuído à Justiça do Trabalho.
O poder normativo da Justiça do Trabalho sempre esteve presente em nosso sistema jurídico, desde o surgimento da própria Justiça do Trabalho, sendo conferido de forma expressa desde a Constituição Federal de 1946, e mantido com o advento da Constituição de 1988.
A Emenda Constitucional nº 45, de 2004, alterou a redação do art. 114, § 2º, da CF, atinente ao processo de dissídio coletivo de natureza econômica. Em sua nova redação, passou a exigir o comum acordo das partes para o ajuizamento do dissídio coletivo. A referida exigência, obviamente, provocou inúmeras discussões acerca da sua natureza jurídica, da sua constitucionalidade.
Neste sentido, buscaremos por meio do presente analisar os reflexos no direito coletivo após essa emenda. Desse modo, é importante recapitularmos noções gerais acerca dos dissídios coletivos e a origem do poder normativo.
A origem do poder normativo é facilmente confundida com as origens históricas do dissídio coletivo. O dissídio coletivo, como um autêntico instrumento de heterocomposição dos dissídios coletivos, caracteriza a intervenção do Estado-Juiz nos conflitos coletivos, tudo em nome da manutenção da paz social.
É fato que, na cultura brasileira, a opção pela solução judicial dos conflitos é predominante. No campo trabalhista, a situação tem-se caracterizado não muito diferente. Atualmente, a solução judicial dos conflitos trabalhistas ainda é marcante em toda nossa herança cultural que não abria tanto espaço à solução extrajudicial dos litígios coletivos.
Com efeito, foi por meio do surgimento da ação de dissídio coletivo, que resulta em uma sentença normativa, que nasceu um novo direito processual, diverso dos princípios tradicionais do processo comum, o processual do trabalho. Nesse sentido, Melo conceitua o dissídio coletivo afirmando que “é o processo através do qual se discutem interesses abstratos e gerais, de pessoas indeterminadas (categoria profissional e econômica), com fim de se criar ou modificar condições gerais de trabalho”.
Logo, com base no conceito exposto, observa-se que no dissídio coletivo se postula interesses abstratos e gerais de uma determinada categoria visando à criação de novas regras e condições de trabalho para serem aplicadas a pessoas indeterminadas que pertençam a categoria envolvida no conflito, diferente dos dissídios individuais, nos quais, por meio deste instrumento, se postulam interesses concretos e individualizados com previsão no ordenamento jurídico objetivado a aplicação a um grupo de pessoas determinadas.
Desse modo, depreende-se que a ação de dissídio coletivo foi criada para tutelar interesses coletivos de uma categoria econômica ou profissional. O que insta destacar que esta ação coletiva está delimitada aos interesses comuns de uma coletividade de pessoas que possuem um vínculo jurídico que as congregam, uma vez que a sentença normativa proferida possui eficácia erga omnes haja vista a indeterminação dos sujeitos que devem ser atingidos pela referida sentença.
A primeira Carta Política que autorizou e delegou à Justiça do Trabalho competência legislativa para solução dos conflitos coletivos do trabalho foi a de 1946, em seu art. 123, § 2º, cuja redação se manteve nas Constituições posteriores de 1967 – art. 123, § 2º e Emenda de 1969 – art. 142. Assim constando no primeiro texto constitucional: “A lei especificará os casos em que as decisões, nos dissídios coletivos, poderão estabelecer normas e condições de trabalho”.
Todavia, antes da matéria ser elevada ao nível constitucional, alguns decretos já mencionavam a competência da Justiça do Trabalho (então de âmbito administrativo) em solucionar conflitos coletivos com base na equidade. O que pode ser explicado por decorrência das facetas políticas da época, onde ressaltava-se a ideia do corporativismo, que tem como fundamento a colaboração e não a luta de classes para o desenvolvimento do Estado.
Então, revela-se que o Brasil se inspirou, neste sentido, na Carta Del Lavoro (italiana-1927), e na Lei italiana 563/26, art. 13, que autorizava à magistratura do trabalho italiana, com base na equidade, fixar novas condições de trabalho para a solução dos conflitos coletivos de interesse das categorias econômicas e profissionais, razão levantada por parte da doutrina que alega a origem fascista do poder normativo.
Em face disto, a Constituição de 1937, art. 139, determinou que:
Para dirimir conflitos oriundos das relações entre empregadores e empregados, regulados na legislação social, é instituída a Justiça do Trabalho, que será regulada em lei e à qual não se aplicam as disposições desta Constituição relativas à competência e às prerrogativas da Justiça comum.
No que tange à legislação específica, a CLT apenas regulamentou o procedimento dos dissídios coletivos (art. 868 da CLT: “...que tenha por motivo novas condições de trabalho...”) e limitou seu poder no art. 766 da CLT.
Em contrapartida, a Constituição de 1988 manteve o Poder Normativo da Justiça do Trabalho no art. 114, §2º, onde faz constar que:
Recusando- se qualquer das partes À negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção do trabalho.
Os Tribunais confirmaram a manutenção desse poder, mas o limitou às questões não julgadas inconstitucionais pelo STF – A súmula nº 190 do TST assim dispõe:
Súmula nº 190 do TST: Poder normativo do TST. Condições de trabalho. Inconstitucionalidade. Decisões contrárias ao STF. Ao julgar ou homologar ação coletiva ou acordo nela havido, o Tribunal Superior do Trabalho exerce o poder normativo constitucional, não criar ou homologar condições de trabalho que o Supremo Tribunal Federal julgue iterativamente inconstitucionais.
Posteriormente, com o RE 19.799911.9. PE, julgado em 24/09/1996, o STF reduziu a amplitude do poder normativo dos Tribunais do Trabalho ao decidir que a Justiça do Trabalho:
(...) pode criar obrigações para as partes envolvidas nos dissídios desde que atue no vazio deixado pelo legislador e não se sobreponha ou contrarie a legislação em vigor, sendo-lhe vedado estabelecer normas e condições vedadas pela Constituição ou dispor sobre matéria cuja disciplina seja reservada pela Constituição ao domínio da lei formal.
Portanto, com base no poder normativo, a Justiça do Trabalho pode completar ou suplementar o ordenamento legal, permitindo a adaptação de normas cogentes e peculiaridades regionais, empresariais ou profissionais, para adaptá–las a situações conjunturais, aos métodos de trabalho ou à implementação de nova tecnologia, possibilitando a intervenção estatal, com normas gerias abaixo das quais não se pode conceber a vida do trabalhador com dignidade.
Insta destacar, contudo, que o Brasil é um país desigualmente desenvolvido, onde prevalecem regiões subdesenvolvidas, nas quais ainda é possível encontrar exploração do menor e de trabalhadores em situações análogas a de escravos.
O poder normativo, até a EC nº 45/2004, era a forma que o Judiciário dispunha de fazer, através dos julgamentos por equidades feitos nos dissídios coletivos de natureza econômica, o preenchimento das lacunas normativas, pacificando o conflito coletivo. Perante a qual, a atividade do Judiciário deixava de ser apenas aplicar a lei ao caso concreto, mas propiciar à categoria novas condições de trabalho.
Com o advento da Emenda nº 45/2004 que alterou a redação do § 2º e acrescentou o § 3º ao art. 114 da CRFB, tal artigo passou a ter a seguinte redação:
§ 2º Recusando–se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado as mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.
§ 3º Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão ao interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo a Justiça do Trabalhado decidir o conflito.
Do exposto, é notório, em comparação ao texto anterior, que a frase “estabelecer normas e condições” foi retirada e demais expressões acrescentadas.
É perceptível que a intenção real do projeto que acabou sendo acolhido pela Emenda Constitucional nº 45/04 foi restringir o poder normativo às hipóteses sintetizadas no texto, diminuindo ou até mesmo extinguindo a intervenção estatal, dando margem para que os sujeitos, ativo e passivo, se entendam, visando fortalecer os mecanismos de autocomposição.
A alteração do Texto Constitucional acarretou inúmeras interpretações, muitas delas sustentando a extinção do poder normativo da Justiça do Trabalho. Grande parte dos defensores dessa tese busca razões históricas, políticas, econômicas e sociais para sustentar a extinção do poder normativo.
Fato é que o poder normativo persiste em no sistema jurídico brasileiro, inclusive após o advento da Emenda Constitucional nº 45, de 2004. Isso, porque continua disposto na CLT (arts. 856 e ss.), não tendo havido qualquer revogação ou derrogação desses dispositivos legais por normas posteriores, bem como porque foi mantido expressamente no já referido art. 114, § 2º, da Constituição Federal, continuando a ser tratado como uma competência constitucional atribuída à Justiça do Trabalho, como forma de solução dos conflitos entre trabalhadores e empregadores.
Cabe ressaltar, por fim, que a alteração feita ao artigo 114 da CF sofreu forte influência da Recomendação nº 90, cuja recomendação é no sentido de que o governo brasileiro modifique sua legislação interna, com o objetivo de que os conflitos coletivos de interesses só sejam submetidos às autoridades judiciais se as partes, de comum acordo, aceitarem a submissão da lide ao Judiciário, mesmo assim, apenas nos casos de serviços essenciais.
Tal Recomendação, emitida pelo Conselho de Administração da OIT, é oriunda de uma denúncia feita pela Central única dos Trabalhadores. Nessa denúncia consta que o Brasil, através do Judiciário, violou o princípio da negociação coletiva, consagrado na Convenção nº 98 da OIT.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente buscou traçar as fronteiras do poder normativo atribuído à Justiça do Trabalho enquanto função atípica prevista na Constituição Federal, seus limites, aplicação e impactos no direito coletivo de trabalho. Para isso, utilizou–se texto de constituições anteriores, além de julgados, jurisprudências e resoluções acerca do assunto. Podendo ser observado, em sede de resultados, a limitação à busca por dissídios coletivos, e a prevalência à autocomposição, importante para o direito coletivo do trabalho.
Ainda, com arrimo nesse entendimento, o dissídio coletivo surge como uma espécie de ação coletiva atribuindo aos sindicatos o dever de defender interesses cujos titulares materiais não são indivíduos determinados, mas categoria econômicas ou profissionais, que objetivam a criação de normas, pelo Tribunal do Trabalho, que incidirão sobre essas categorias na busca de solucionar os conflitos trabalhistas existentes.
Desta forma, ao falar-se em pretensão resistida de interesses coletivos cuja solução não foi concretizada pela negociação coletiva entre as partes, ou pela mediação, ainda restará a busca pela heterocomposição dos conflitos realizada pelo Judiciário, sendo este provocado por meio do dissídio coletivo. Assim, o instituto do Poder Normativo.
A finalidade da alteração resultante da Emenda Constitucional em epígrafe, sem dúvidas, foi a de desafogar o Judiciário com a redução dos dissídios coletivos ajuizados; estimular a composição extrajudicial e acabar com o poder atípico atribuído ao Judiciário Trabalhista de 1932. Ocorre que, com isso, surgem discussões acerca da abusividade e inconstitucionalidade da exigência do comum acordo para instauração do processo de dissídio coletivo, tendo em vista a natureza jurisdicional dessa atividade, por assim colidir frontalmente com o direito fundamental à tutela jurisdicional, prevista no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal. Tema que pode ser abordado em trabalhos posteriores.
Dessa forma, este trabalho contribui para o conhecimento acerca do tema que é de suma importância, não somente para profissionais da área do Direito, como para os próprios trabalhadores e empregadores, componentes e interessados no direito coletivo trabalhista.
Referências
BRASIL. Constituição Federal (1988)- Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2004, p. 78. Art. 114 § 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultada aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho.
______. Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Disponível em:
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. R.E nº 19.799911-9, Rel. Ministro Octavio Gallotti. Divulgado no DJU em 7.11.1997. Disponível em < www.stf.gov.br> Acesso em: 21 jun. 2016.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as Metamorfoses e a Centralidade no Mundo do Trabalho. 16. ed. São Paulo: Editora Cortez, 2015.
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Impetus, 2007.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 37. ed. São Paulo: Malheiros, 2014.
BEZERRA LEITE, Carlos Henrique. Curso de Direito Processual doTrabalho. 6ª edição. Editora LTDA. 2008.
HORN, Carlos Henrique. 2006. Negociações coletivas e o Poder Normativo da Justiça do Trabalho. DADOS, v. 49, n.2.
FERRAZ, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. São Paulo: Atlas, 2001
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 12ª Ed. São Paulo: LTr, 2013.
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