JurisWay - Sistema Educacional Online
 
É online e gratuito, não perca tempo!
 
Cursos
Certificados
Concursos
OAB
ENEM
Vídeos
Modelos
Perguntas
Eventos
Artigos
Fale Conosco
Mais...
 
Email
Senha
powered by
Google  
 

Aspectos introdutórios da Cláusula de Raio nos contratos de locação de shopping center analisada sob o prisma do Direito Empresarial


Autoria:

Rodrigo Ferreira Lins


Estagiário atuante em todos os segmentos do Direito Empresarial. Estudante de Direito da Faculdade Paraíso do Ceará.

envie um e-mail para este autor

Resumo:

O interesse em esmiuçar o tema se justifica tendo em vista a controvérsia existente no âmbito jurisprudencial e administrativo acerca da legalidade da chamada cláusula de raio, com enfoque na sua aplicabilidade nos contratos de locação de shopping.

Texto enviado ao JurisWay em 24/06/2017.

Última edição/atualização em 27/06/2017.



Indique este texto a seus amigos indique esta página a um amigo



Quer disponibilizar seu artigo no JurisWay?

A discussão da nossa pesquisa se instala em aspectos subjetivos da norma empresarial. Como seara jurídica, o Direito empresarial se firma com autonomia primando, principalmente, por consagrar a livre iniciativa e a livre concorrência. Estes, junto a outros princípios, protegem a ordem econômica, que em nossos tempos, funda-se principalmente na valorização do trabalho humano.

Pelo disposto no art. 170 da Carta Magna de 1988, o principal objetivo da economia é de assegurar a todos uma existência digna, sendo mister a promoção da Justiça Social. É por isso que, numa interpretação conforme a Constituição, temos uma livre inciativa com vistas primeiramente à dignidade humana; o que, por si, já torna um direito mitigado, face às amarras estatais. Por outro lado, se assim não fosse, o sistema se colocaria antagônico a construção social do Direito que tem vistas ao desenvolvimento humano, por meio da justiça social. Assim, a expressão de liberdade passa a ser uma construção a partir da evolução e adequação do Direito Empresarial.

Na mesma esteira, a antiga desenfreada livre concorrência dá espaço para uma concorrência regulamentada ou ainda, nas palavras de alguns, a justa concorrência. Ocorre que o Estado, ao passo que traz o liberalismo, aponta ramos regulamentadores, fazendo com que a liberdade de concorrência esteja embebida por um complexo de regulamentos. Estes regulamentos se concretizam por meio de instrumentos inibitórios como agências reguladoras ou órgãos afins, por exemplo. O antigo direito comercial, não só dá lugar a um novo direito, enquanto empresarial; mas, a partir da Constituição de 1988, passa a sofrer o chamado processo de constitucionalismo, o que garante um fortalecimento social dos institutos jurídicos empresariais.

A regulamentação se dá com maior expressividade através da Lei n.º 12.529/2011, que estrutura o chamado Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. Esse sistema é formado principalmente pelo CADE e pela Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, com vistas à prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica.

Em nossa pesquisa importará como se dá a manifestação da livre iniciativa e a livre concorrência nos contratos de locação em condomínios de shopping centers, no que toca a cláusula de raio. Haja vista – apesar de poderem compor a natureza de outros tipos de contrato, a maior incidência é de contratos de locação.

A questão em debate versa principalmente sobre a necessidade ou não de haverem essas cláusulas para os condomínios do tipo shopping centers. Ou melhor, versa sobre a possibilidade dessas cláusulas se constituírem de forma legítima nas condições apresentadas.

Pela literatura jurídica, shopping centers são centros comerciais planejados e dispostos num único espaço, sob o comando de uma única administração. A composição se dá por lojas que locam parte desse espaço para desenvolverem suas atividades.

Conforme a ABRASCE,

 

(...) considera shopping center os empreendimentos com Área Bruta Locável (ABL), normalmente, superior a 5 mil m², formados por diversas unidades comerciais, com administração única e centralizada, que pratica aluguel fixo e percentual. Na maioria das vezes, dispõe de lojas âncoras e vagas de estacionamento compatível com a legislação da região onde está instalado (ABRASCE, 2016, p.1).

 

No mais, existe uma natureza jurídica mais aguçada, que trata com maior propriedade da subjetividade do empresarial. Nas palavras de Fábio Ulhoa Coelho (1992),

 

de fato, o empreendimento denominado shopping center é mais complexo. Além da construção de prédio, propriamente dita, o empresário deve organizar os gêneros de atividade econômica que nele se instalarão. A ideia básica do negócio é por à disposição dos consumidores, em um local único, de cômodo acesso e seguro, a mais variada sorte de produtos e serviços. Assim, as locações devem ser planejadas, atendendo às múltiplas necessidades do consumidor (COELHO, 1992, p.336).

 

Por assim dizer, os shoppings centers possuem características diferenciadas para público diferenciado. Apesar desse caráter diferenciado, é inegável que os shoppings centers façam parte (e até caracterizem) da vida urbana das cidades.

De certo, quanto ao contrato realizado entre os lojistas e o shopping center, não encontramos na doutrina uma tipicidade ou atipicidade propriamente dita. Entretanto, conforme mencionado e de acordo com a legislação vigente, o contrato entre se assemelha com o de locação e é regulamentado pela Lei n.º 8.245/91 – Lei de Inquilinato[1].

Nas condições do inquilinato de shoppings centers, acabou-se por criar certas manobras que acabam por restringir algumas ações do empresário. A saber, tem-se a subordinação do locatário às normas gerais dos shoppings, como por exemplo, a obrigação de manter a loja aberta em determinados horários, ou submeter o projeto arquitetônico à administração. Além disso, autoriza expressamente a fiscalização (inclusive da contabilidade); participar de campanhas promovidas pela administração, tudo em vista de manter a unanimidade característica desse tipo de estabelecimento. Diante desse cenário, surge a consequente cláusula de raio que, junto às demais apresentadas, acaba por limitar a liberdade do empresário inclusive fora dos muros do estabelecimento.

Num contexto histórico empresarial, conforme Pedro Paulo Salles Cristofaro (2003),

 

a origem dessas cláusulas precede à existência da indústria dos shoppings centers. As primeiras cláusula de raio surgiram nos Estados Unidos na época da depressão econômica dos anos 30 do século passado, quando proprietários de imóveis passaram a admitir o pagamento de alugueis calculados com base na receita bruta dos locatários, seja como forma de atrair lojas de departamento para áreas menos valorizadas das cidades, seja como meio de reduzir as despesas fixas do comerciante em dificuldades. A fixação de um aluguel variável, limitado a um determinado percentual da receita do locatário, seria uma forma de reduzir os riscos do locatário, facilitando-lhe a celebração do contrato de locação (CRISTOFARO, 2003, p.73).

 

E é nesse sentido, o autor alude que

 

as cláusulas de raio forma incluídas em tais contrato de locação como um mecanismo de defesa dos proprietários, para proteger a integridade do aluguel percentual contra a possibilidade de desvio de faturamento pelo locatário para outro estabelecimento similar. Em contrapartida ao risco assumido pelo locador, ao vincular sua própria remuneração ao faturamento percebido pelo locatário, o locatário se obrigaria a concentrar seus maiores esforços no sucesso do estabelecimento locado (CRISTORAFO, 2003, p. 73).

 

Esse é um dos sentidos que a doutrina compreende as cláusulas de raio, como sendo uma munição em defesa ao locador. Assim, inseriu-se na cultura contratual também dos shoppings centers, a inclusão de uma cláusula de raio, onde geralmente impõe-se ao locatário a impossibilidade de estabelecer empreendimento similar ao desenvolvido nas dependências do shopping centers, com certo raio de distância. Na grande maioria, convenciona-se a dois quilômetros; podendo aumentar conforme a facilidade de mobilidade.

Acontece que originalmente a cláusula de raio tinha a preocupação de preservar a integridade do aluguel percentual. Ao ser utilizado pelo empreendimento de shoppings centers, essa intenção continua totalmente preservada? A estrutura e o sistema de um empreendimento, como os shoppings centers, apesar da administração centralizada, pode impossibilitar a atuação e a independência dos seus locatários? Qual liame distingue o abuso ou a legitimidade da implementação de uma cláusula de raio para manter a unicidade do empreendimento e corroborar a interdependências daqueles empreendedores?

O liame dessa questão desagua também, até de maneira profunda, na já mencionada Lei n.º 12.529/2011. Nos pormenores do art. 36, encontramos que se reportam como infração de ordem econômica atos que possam limitar, falsear ou quaisquer outras formas que limitem a livre concorrência ou a livre inciativa (n.I). Da mesma forma, se constitui infração, dominar o mercado relevante quanto a bens e serviços (n.II) e ainda exercer de forma abusiva posição dominante (n.IV). A discussão torna mais profunda quando no n. II, da alínea d, do mesmo dispositivo, constitui-se como infração a limitação ou impedimento ao acesso de novas empresas ao mercado e ainda, na sequência, n. IV, criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços.

A inquietude que motiva nossa pesquisa se traduz na compreensão da legalidade dessa cláusula. Isso porque, em algum momento, o seu uso possa ser compreendido como uma afronta à Constituição Federal nos ditames dos princípios da livre iniciativa e livre concorrência; a partir da consunção à norma federal regulamentadora, sobremaneira nos incisos acima destacados.

Permeando a doutrina empresarial vamos encontrar posicionamentos diferenciados para essa questão. Da mesma forma, no bojo da norma administrativa – sobretudo do CADE e suas decisões, e também no âmbito jurisprudência; vislumbra-se pouco equilíbrio quanto a essa questão.

Uma interessante colocação é a do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que na oportunidade do Recurso Especial n.º 768.118-SC, em 2008, se posicionou no sentido mais condizente à Constituição, reverberando no caso concreto a constitucionalização do Direito Civil Empresarial. O caso se deu a respeito da exclusividade de serviços médicos e afastamento das cláusulas de exclusividade.

Na linha em questão, o relator, Ministro Luiz Fux, acena para a composição desses tipos de cláusulas que atentam para a livre concorrência e iniciativa, a defesa do consumidor, a liberdade de contratação e associação, bem como os fundamentos do Estado Democrático de Direito. Esse destaque que a Constituição dá ao direito privado, insurge na verdade uma via oblíqua que insere o direito privado em conformidade com o interesse público. É a questão da mitigação da relação contratual que se regia apenas pela vontade das partes, desde que estas fossem capazes e tivessem objeto lícito. Sem fazermos analogia ao caso em si, temos que a amplitude das nossas lentes jurídicas não se restringe ao direito privado, mas, sobremaneira, alcança o direito público; e nesse contexto, também insere as cláusulas de raio.

O que tínhamos na insurgência do liberalismo era a forte ascensão individualista. Trazer a interpretação conforme a Constituição, nas tenazes do exemplo do relato acima citado é contrapor a uma cultura tradicional. André Soares Hentz (2007) comenta que

 

A concepção tradicional de contrato, baseada na autonomia da vontade, na obrigatoriedade e na relatividade de seus efeitos refletia a realidade sócio-econômica do liberalismo. Procurava-se garantir a igualdade entre as partes contratantes para que elas pudessem estabelecer livremente as cláusulas do pacto, cabendo ao Estado tão-somente a função de estabelecer as regras da liberdade privada, sem que houvesse qualquer interferência nas contratações. (HENTZ, 2007, p.57).

 

A interferência Estatal que se dá nesse diapasão surge na intenção de defender o próprio sistema empresarial. É pela regulamentação, que se dá a parcela de interferência do Estado, visto que a sua total isenção nessas questões tornaria o sistema autofágico. Assim, não podemos enxergar somente como uma limitação da liberdade de contratar, mas uma nova roupagem para garantir o próprio sustento. É a alteração do sentido que torna o conteúdo mais denso, valorizando o homem em sua totalidade e não o capital.

Essa criticidade instalada sugere uma vulnerabilidade da cláusula de raio. O emblemático Processo Administrativo n.º 08012.006636/1997-43, em que foi aberto pelo CADE face ao Shopping Center Iguatemi, de Fortaleza (CE), nos faz perceber o quão importante é a discussão acadêmica desse instituto, diante das manifestações contratuais na vida da sociedade.

No caso em comento, considerou que a cláusula de raio era desfavorável e elucidou argumentos que a caracterizava como abusiva. Primeiro porque o locatário, ao ser impedido de instalar outro estabelecimento, ficaria impedido de analisar qual a melhor opção de ponto comercial. De outro lado, perderia o consumidor que acaba sendo prejudicado com a impossibilidade melhor escolher, fazendo com que haja certa monopolização da distribuição daquele bem ou serviço. E por fim, perderia a sociedade que assiste uma lacuna na concorrência, faltando incentivo inclusive à exploração eficiente da atividade econômica.

Acontece que corremos um grande risco de, ao evitar a cláusula de raio (inclusive alocando-a como forma de infração ao sistema econômico); ou ainda, de querermos trazer uma hermenêutica teleológica em conformidade com a Constituição, acabarmos por tornar vulnerável a própria estrutura coletiva existente nos shoppings centers. Isso se dá porque, se por um lado estamos colaborando para a liberdade daquele locatário, de outro estamos dissipando um valor social controvertido da cláusula de raio. Podemos acabar fazendo com que os demais locatários, a estrutura e todo o sistema econômico dos shoppings centers, se exponham a uma autoconcorrência.

A identidade do shopping center é atender ao conjunto de lojistas, de forma a trazer uma unicidade àquela grande corporação. E nesse sentido, “convém lembrar que tais interesses comuns a todos os participantes não se confundem com os interesses individuais dos lojistas” (LEAL; COSTA FILHO, 2015, p.1). E possivelmente esse seja contexto que originalmente se incorporou a cláusula de raio. Por esse outro lado “a realização de tais interesses supraindividuais justifica a estipulação de limitações indiretas à concorrência, como um desdobramento natural da coligação contratual pertinente ao shopping center” (LEAL; COSTA FILHO, 2015, p.1). A dicotomia é tão controvertida que o próprio CADE, em outras questões, decidiu considerando esses argumentos.

Diante dessa discussão, parece-nos que é inoperante analisar a cláusula de raio, no âmbito de licitude, vista apenas por ela mesma. Em contrapartida, a instabilidade de uma análise caso a caso pode causar perigo para a segurança jurídica. Ainda mais quando se coloca em risco a lisura de princípios do Direito Empresarial. Por todo o exposto, o debate se sustenta e carece de melhor esclarecimento acadêmico.

 



[1] Arts. 52, §2.º e 54

Importante:
1 - Conforme lei 9.610/98, que dispõe sobre direitos autorais, a reprodução parcial ou integral desta obra sem autorização prévia e expressa do autor constitui ofensa aos seus direitos autorais (art. 29). Em caso de interesse, use o link localizado na parte superior direita da página para entrar em contato com o autor do texto.
2 - Entretanto, de acordo com a lei 9.610/98, art. 46, não constitui ofensa aos direitos autorais a citação de passagens da obra para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor (Rodrigo Ferreira Lins) e a fonte www.jurisway.org.br.
3 - O JurisWay não interfere nas obras disponibilizadas pelos doutrinadores, razão pela qual refletem exclusivamente as opiniões, ideias e conceitos de seus autores.

Nenhum comentário cadastrado.



Somente usuários cadastrados podem avaliar o conteúdo do JurisWay.

Para comentar este artigo, entre com seu e-mail e senha abaixo ou faço o cadastro no site.

Já sou cadastrado no JurisWay





Esqueceu login/senha?
Lembrete por e-mail

Não sou cadastrado no JurisWay




 
Copyright (c) 2006-2024. JurisWay - Todos os direitos reservados