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Policial pode acessar dados de celular ou equipamentos eletrônicos de supostos criminosos?


Autoria:

Jeferson Botelho


Jeferson Botelho Pereira é ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais. Delegado Geral de Polícia, aposentado. Mestre em Ciência das Religiões; Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Especialização em Combate a Corrupção, Crime Organizado e Antiterrorismo pela Universidade de Salamanca - Espanha. Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG. Autor de livros. Palestrante. Jurista. Advogado Criminalista. Membro da Academia de Letras de Teófilo Otoni-MG.

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Resumo:

O presente trabalho por finalidade precípua analisar a legalidade de acesso de policiais a dados de telefone ou outros dispositivos eletrônicos de supostos criminosos durante ações ou operações policiais desenvolvidas por agentes públicos...

Texto enviado ao JurisWay em 16/04/2017.



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Policial pode acessar dados de celular ou equipamentos eletrônicos de supostos criminosos?

 

“A democracia, longe de exercitar-se apenas e tão somente nas urnas, durante os pleitos eleitorais, pode e deve ser vivida contínua e ativamente pelo povo, por meio do debate, da crítica e da manifestação em torno de objetivos comuns" (Ministro Luiz Fux)

 

RESUMO: O presente trabalho por  finalidade precípua analisar a legalidade de acesso de policiais a dados de telefone ou outros dispositivos eletrônicos de supostos criminosos durante ações ou operações policiais desenvolvidas por agências de Segurança Pública. Visa ainda analisar o acesso a tais dispositivos eletrônicos nas ações policiais, aquelas espontâneas ou naquelas oriundas e amparadas por meio de cumprimento de mandado de busca e apreensão autorizadas judicialmente. 

Palavras-Chave. Acesso a dados telefônicos. (des)necessidade de autorização judicial. Marco Civil da Internet. Lei nº 12.956/2014. 

Resumen: el presente trabajo por objetivo principal analizar la legalidad del acceso de la policía a los datos de teléfono u otros dispositivos electrónicos de presuntos criminales durante las operaciones policiales o acciones desarrolladas por organismos de seguridad pública. Visa todavía analizar el acceso a tales dispositivos electrónicos en acciones policiales, los espontáneos o de apoyo por medio de cumplimiento de una orden de búsqueda y captura autorizada judicialmente. 

Palabras clave. Acceso a los datos del teléfono. (des) necesidad de autorización judicial. Marco Civil da Internet. Ley n ° 12.956/2014.

 

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. DA PROTEÇÃO AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA INTIMIDADE E PRIVACIDADE. 3. DA LEI DE AFASTAMENTO DO SIGILO TELEFÔNICO.  4. DO MARCO CIVIL DA INTERNET. 5. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL DE MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. 6. O ACESSO AOS DADOS DA AGENDA DO CELULAR E O HC 91.867/ PA. 7. DAS CONCLUSÕES FINAIS.  DAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

 

1. INTRODUÇÃO 

 

A criminalidade brasileira aumenta assustadoramente. Perto de 160 homicídios todos os dias no Brasil. Furtos, roubos, estouros de caixas eletrônicos, violência doméstica e familiar, delegacias lotadas, disputa de poder entre as agências de segurança pública, justiça morosa, certeza da impunidade, uma bagunça sem precedentes. Sociedade presa, refém da delinquência, e os delinquentes soltos, ameaçando todo mundo, numa indubitável inversão de valores.

São crimes de toda sorte. De delitos contra a pessoa a violações contra a Administração Pública, arts. 121 a 359-H do Código Penal. O aparelho repressor estatal exangue, sem forças de reação.

Antes, ações amadoras desafiam a estrutura do estado. Hoje, crimes sofisticados, utilização de tecnologia de ponta, criminosos mais engenhosos, sagazes, leis fragilizadas, e outro lado, a política partidária interferindo medíocre e decisivamente na indicação de gestores da segurança pública, apresentando nomes para cargos de direção que não ostentam sequer requisitos mínimos para o exercício da função.

O gestor, coitado, caminha para onde o vento sopra mais forte, as correntes conduzem os destinos da sociedade, e por isso, deparamos com um estado fraco, sociedade perdida, delinquente fortalecido, um caos implantado no meio social.

Sabe-se que no seu trabalho diuturno, os incansáveis policiais constantemente deparam com situações de abordagens a criminosos, e com estes são apreendidos aparelhos celular e outros dispositivos eletrônicos, a grande maioria destes equipamentos vem protegido por senha de acesso.

A grande questão nos dias de hoje é saber se os policiais podem ou não acessar os dados armazenados no aparelho celular ou em outros equipamentos eletrônicos do suposto criminoso, sem autorização expressa deste ou sem autorização judicial.

Ou no caso de não autorização do proprietário do aparelho, ou de autorização judicial se o interesse público em nome da supremacia social entraria em cena para afastar o direito a privacidade ou intimidade, assegurados pela Constituição da República.

Poderia entrar em jogo o princípio da proporcionalidade, com adoção da técnica de exclusão de um dos direitos fundamentais?

Assim, importante analisar o alcance da norma constitucional e ainda analisar a Lei nº 12.956, de 23 de abril de 2014, que protege os direitos advindos da tecnologia e ainda a valiosa Lei nº 9.296/1996, que dispõe sobre a interceptação telefônica. 

 

2. DA PROTEÇÃO AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA INTIMIDADE E PRIVACIDADE.

 

A Constituição da República de 1988, no seu firme propósito de proteger os direitos fundamentais da pessoa humana, elencou uma série e importantes direitos que dado a sua relevância receberam status de direitos individuais, e portanto, fundamentais para o exercício das liberdades públicas num modelo de estado democrático e social de direitos.

Assim, o artigo 5º, nos incisos X e XII, respectivamente, preceituam que  são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação e que é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

No direito comparado, tem-se que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948, em seu artigo 12º, assim prevê: 

"Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a proteção da lei". 

Por sua vez, o Pacto de San José da Costa Rica de 1969, ratificado pelo Brasil por meio do decreto nº 678/92, preceitua que: 

Artigo 11 - Proteção da honra e da dignidade

1. Toda pessoa tem direito ao respeito da sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade.

2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação.

3. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas.

Nesta mesma toada, o Brasil assumiu compromissos em cumprir as declarações do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, por intermédio do Decreto nº 592, de 06 de julho de 1992.

Os artigos 14 e 17 do Pacto bem retratam os direitos à vida privada de todo cidadão: 

Artigo 14: 

1. Todas as pessoas são iguais perante os tribunais e as cortes de justiça. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e com devidas garantias por um tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação de caráter penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil. A imprensa e o público poderão ser excluídos de parte da totalidade de um julgamento, quer por motivo de moral pública, de ordem pública ou de segurança nacional em uma sociedade democrática, quer quando o interesse da vida privada das Partes o exija, que na medida em que isso seja estritamente necessário na opinião da justiça, em circunstâncias específicas, nas quais a publicidade venha a prejudicar os interesses da justiça; entretanto, qualquer sentença proferida em matéria penal ou civil deverá torna-se pública, a menos que o interesse de menores exija procedimento oposto, ou processo diga respeito à controvérsia matrimoniais ou à tutela de menores. 

Artigo 17:

1. Ninguém poderá ser objetivo de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais às suas honra e reputação.

2. Toda pessoa terá direito à proteção da lei contra essas ingerências ou ofensas.

Para Celso Ribeiro Bastos: 

“A evolução tecnológica torna possível uma devassa na vida íntima das pessoas. ... Nada obstante, na época atual, as teleobjetivas, assim como os aparelhos eletrônicos de ausculta, tornam muito facilmente devassável a vida intima das pessoas. ...Sem embargo, disso, sentiu-se a necessidade de proteger especificamente a imagem das pessoas, a sua vida privada, a sua intimidade.” 

 

3. DA LEI DE AFASTAMENTO DO SIGILO TELEFÔNICO 

 

Relevantes os direitos fundamentais acerca da preservação do sigilo das comunicações.

O artigo 5º, inciso X, prevê regra no sentido de que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.  

Mais especificamente, o inciso XII do artigo 5º da Constituição da República pontua o sigilo das comunicações, descrevendo que é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Detalhando este dispositivo, a Lei nº 9.296/96,  que regulamenta o inciso XII, parte final, do art. 5° da Constituição Federal.

Desta feita, a interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto na Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.

O artigo 3º da Lei em comento logo cataloga as hipóteses de afastamento do sigilo das comunicações, segundo o qual a interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada pelo juiz, de ofício ou a requerimento da autoridade policial, na investigação criminal ou ainda do representante do Ministério Público, na investigação criminal e na instrução processual penal.

Preceitua, por sua vez, que o pedido de interceptação de comunicação telefônica conterá a demonstração de que a sua realização é necessária à apuração de infração penal, com indicação dos meios a serem empregados. Em casos excepcionais o juiz poderá admitir que o pedido seja formulado verbalmente, desde que estejam presentes os pressupostos que autorizem a interceptação, caso em que a concessão será condicionada à sua redução a termo.

Importante aqui ressaltar que a Lei nº 9.296/96 não é aplicável a dados armazenados em dispositivos eletrônicos, porquanto se dirige à proteção do fluxo das comunicações em sistemas de informática e telemática.

A nosso sentir o Diploma em tela preocupou-se com a fluência da comunicação em andamento, e tanto isso é verdade, que uma vez autorizado o afastamento do sigilo telefônico, a operadora competente será comunicada para operacionalizar em dados concretos a medida judicial, de sorte que a obtenção do conteúdo de conversas e mensagens armazenadas em aparelho de telefone celular ou smartphones não se subordina aos ditames da Lei nº 9.296/1996.

Em 09 de setembro de 2008, por meio da Resolução nº 59 do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, houve a disciplina e uniformização das rotinas operacionais visando ao aperfeiçoamento do procedimento de interceptação de comunicações telefônicas e de sistemas de informática e telemática nos órgãos jurisdicionais do Poder Judiciário, a que se refere a Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996. 

A Resolução do CNJ nº 217, de 16 de fevereiro de 2016 modificou a Resolução nº 59/2008, em especial com novas normas atinentes ao deferimento da medida cautelar de interceptação, dos pedidos de prorrogação dos prazos, da obrigação do sigilo e da responsabilidade dos agentes públicos, da prestação de informações sigilosas às corregedorias-gerais, além do acompanhamento administrativo pela Corregedoria Nacional de Justiça. 

 

4. DO MARCO CIVIL DA INTERNET

 

A Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, conhecida como Marco Civil da internet, em seu art. 7º, III, assegura ao usuário da internet o direito à "inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial". 

A mesma norma ainda reforça o direito à intimidade e privacidade, elencando uma série de princípios, dos quais se destacam a proteção da privacidade e a proteção dos dados pessoais, na forma da lei.

O Capítulo II destaca os artigos 7º e 8º, prevendo os direitos e garantias dos usuários da Internet, dos quais mais uma vez destacamentos: 

I - inviolabilidade da intimidade e da vida privada;

II - sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

III - a inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei;

IV - a inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial;

V - o não fornecimento a terceiros de seus dados pessoais, inclusive registros de conexão, e de acesso a aplicações de internet, salvo mediante consentimento livre, expresso e informado ou nas hipóteses previstas em lei. 

O artigo 8º ressalta a garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet, reafirmando a sua proteção quando declararam nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que violem o disposto no referido artigo tais como aquelas que impliquem ofensa à inviolabilidade e ao sigilo das comunicações privadas, pela internet. 

 

5. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL DE MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO 

O devido processo legal exige que as todas as providências de cunho probatórias estejam respaldadas por lei.

É sabido que para a efetivação da justiça, existem dois pilares importantes na elucidação do evento criminoso tendentes a reprodução dos fatos por longa e demorada dilação probatória, que ocorrem em dois momentos distintos: durante a instrução policial na fase investigativa e a instrução processual, já no curso da ação penal, no Poder Judiciário.

  O devido processo legal, artigo 5º, inciso LIV, da Constituição da República, anuncia que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

Como corolário do devido processo legal, existem a previsão dos meios legais de prova, onde o profissional do direito deve rigorosa obediência quando do exercício de sua função na persecução criminal

Importante frisar que os meios de prova no sistema processual penal brasileiro se encontram previstos num rol de provas nominadas, artigo 155 a 250 do Código de Processo Penal.

Assim, o Código de Processo Penal, Decreto-Lei nº 3689/41, Título VII, elencou os meios nominais de prova, necessárias para instrumentalizar o processo devido.

Assim, o Código de Processo Penal enumera as chamadas provas nominadas, quais sejam: 

I - DO EXAME DO CORPO DE DELITO, E DAS PERÍCIAS EM GERAL;

II - DO INTERROGATÓRIO DO ACUSADO;

III - DA CONFISSÃO;

IV - DO OFENDIDO;

V - DAS TESTEMUNHAS;

VI - DO RECONHECIMENTO DE PESSOAS E COISAS;

VII - DA ACAREAÇÃO;

VIII - DOS DOCUMENTOS;

IX - DOS INDÍCIOS;

X - DA BUSCA E DA APREENSÃO. 

Percebe-se, que a busca e apreensão se encontra como meio de prova e excepcionalmente, poderá funcionar como medida cautelar, se preenchidos os pressupostos de existência e validade da medida.

Neste campo, importante é o julgado constante do Informativo 590 do Superior Tribunal de Justiça, página 18, acerca do tema: 

"Determinada judicialmente a busca e apreensão de telefone celular ou smartphone, é lícito o acesso aos dados armazenados no aparelho apreendido, notadamente quando a referida decisão o tenha expressamente autorizado." 

DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. ACESSO A DADOS ARMAZENADOS EM TELEFONE CELULAR APREENDIDO COM BASE EM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. Determinada judicialmente a busca e apreensão de telefone celular ou smartphone, é lícito o acesso aos dados armazenados no aparelho apreendido, notadamente quando a referida decisão o tenha expressamente autorizado. A Lei n. 9.296/1996 foi enfática, em seu art. 1º, parágrafo único, ao dispor especificamente sobre a proteção ao fluxo das comunicações em sistemas de informática e telemática. Nessa ordem de ideias, depreende-se da mencionada norma, ao regulamentar o art. 5º, XII, da Carta Magna, que houve uma preocupação do legislador em distinguir o que é a fluência da comunicação em andamento, daquilo que corresponde aos dados obtidos como consequência desse diálogo. Optou-se, em relação aos sistemas de informática e telemática, pela proteção à integridade do curso da conversa desenvolvida pelos interlocutores. Não há, portanto, vedação ao conhecimento do conteúdo dessa interação, já que cada interlocutor poderia excluir a informação a qualquer momento e de acordo com sua vontade. Logo, a obtenção do conteúdo de conversas e mensagens armazenadas em aparelho de telefone celular ou smartphones não se subordina aos ditames da Lei n. 9.296/1996. Necessário dizer, ainda, que a Lei n. 12.965/2014, que regulamenta os direitos e deveres para o uso da internet no Brasil, dispõe, em seu art. 7º, III, o seguinte: "Art. 7º O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos: III - inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial". Na espécie, contudo, existe a autorização judicial a que se remete a legislação, inclusive com a alusão de que poderiam as autoridades responsáveis pela busca e apreensão acessar dados armazenados em eventuais computadores, arquivos eletrônicos de qualquer natureza, smartphones que forem encontrados. E mais, na pressuposição do comando de apreensão de aparelho celular ou smartphone está o acesso aos dados que neles estejam armazenados, sob pena de a busca e apreensão resultar em medida írrita, dado que o aparelho desprovido de conteúdo simplesmente não ostenta virtualidade de ser utilizado como prova criminal. Assim, se se procedeu à busca e apreensão da base física de aparelhos de telefone celular, a fortiori, não há óbice para se adentrar ao seu conteúdo, o qual, repise-se, já está armazenado. RHC 75.800-PR, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 15/9/2016, DJe 26/9/2016. 

 

Relevante frisar que o STJ tem precedentes recentes na linha de que o acesso a dados de aparelho celular, notadamente a conversas mantidas no WhatsApp (ou similares), depende de prévia autorização judicial.

Nesse diapasão, confira-se: 

PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE  DROGAS. NULIDADE DA PROVA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA A PERÍCIA NO CELULAR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.
1. Ilícita é a devassa de dados, bem como das conversas de whatsapp, obtidas diretamente pela polícia em celular apreendido no flagrante, sem prévia autorização judicial.
2.  Recurso  ordinário  em  habeas  corpus  provido, para declarar a nulidade  das  provas obtidas no celular do paciente sem autorização judicial, cujo produto deve ser desentranhado dos autos.

(RHC 51.531/RO, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 19/04/2016, DJe 09/05/2016) 

No RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 75.800 - PR (2016/0239483-8), no Superior Tribunal de Justiça, tendo como relator o Ministro FELIX FISCHER, assim se assentou posição: 

I - A obtenção do conteúdo de conversas e mensagens armazenadas em aparelho de telefone celular ou smartphones não se subordina aos ditames da Lei 9296/96.

II - O acesso ao conteúdo armazenado em telefone celular ou smartphone, quando determinada judicialmente a busca e apreensão destes aparelhos, não ofende o art. 5º, inciso XII, da Constituição da República, porquanto o sigilo a que se refere o aludido preceito constitucional é em relação à interceptação telefônica ou telemática propriamente dita, ou seja, é da comunicação de dados, e não dos dados em si mesmos.

III - Não há nulidade quando a decisão que determina a busca e apreensão está suficientemente fundamentada, como ocorre na espécie.

IV - Na pressuposição da ordem de apreensão de aparelho celular ou smartphone está o acesso aos dados que neles estejam armazenados, sob pena de a busca e apreensão resultar em medida írrita, dado que o aparelho desprovido de conteúdo simplesmente não ostenta virtualidade de ser utilizado como prova criminal.

V - Hipótese em que, demais disso, a decisão judicial expressamente determinou o acesso aos dados armazenados nos aparelhos eventualmente apreendidos, robustecendo o alvitre quanto à licitude da prova. 

Como se percebe em epígrafe, as decisões que autorizam o acesso aos dados do celular e demais dispositivos eletrônicos arrecadados com supostos criminosos, são aquelas frutos de ações acompanhadas por mandado de busca e apreensão, concedidas por autoridade judiciária na forma da legislação pertinente.

Assim, havendo permissão judicial, e o equipamento eletrônico sendo apreendido em sede de medida cautelar de Busca e Apreensão, o acesso aos dados é legal e legítimo, pois pensar diferente é tornar inútil a ação policial de apreender por exemplo um aparelho celular sem ter condições de acessar o seu conteúdo, pois ninguém de capacidade de entendimento solicitaria uma medida de busca e apreensão de um equipamento eletrônico se não pudesse ter acesso ao seu conteúdo para obtenção de meio de prova.

Ninguém de consciência perfeita pediria uma autorização judiciária para apreender um dispositivo eletrônico e outra para acessar ao conteúdo, o que seria um contrassenso inadmissível e ofensa ao princípio da economia processual.

Noutra decisão, o Superior Tribunal de Justiça afirmou:

 

O fato de ter sido verificado o registro das últimas chamadas efetuadas e recebidas pelos dois celulares apreendidos em poder do corréu, cujos registros se encontravam gravados nos próprios aparelhos, não configura quebra do sigilo telefônico, pois não houve requerimento à empresa responsável pelas linhas telefônicas, no tocante à lista geral das chamadas originadas e recebidas, tampouco conhecimento do conteúdo das conversas efetuadas por meio destas linhas. Ademais, consoante o disposto no art.6°, incisos II e III, do Código de Processo Penal, é dever da autoridade policial apreender os objetos que tiverem relação com o fato, o que, no presente caso, significava saber se os dados constantes da agenda dos aparelhos celulares teriam alguma relação com a ocorrência investigada (HC 66368; Rel. Min. Gilson Dipp). 

Fica claro que não havendo autorização judiciária, o acesso aos dados constantes dos dispositivos eletrônicos não recebe respaldo legal, sendo portanto, prova ilícita, sujeito o agente público responder penal, civil e administrativamente, por abuso de autoridade, Lei nº 4898/65, e constitui ato de improbidade administrativa, artigo 11 da Lei nº 8.429/92. 

 

6. O ACESSO AOS DADOS DA AGENDA DO CELULAR E O HC 91.867 / PA 

Na recente decisão em sede do HC 91.867/PA, de relatoria do brilhante ministro Gilmar Mendes do STF, ficou firmado o seguinte entendimento quando ao assunto em tela:

No presente habeas corpus a defesa sustenta em síntese: 

1) a inépcia da denúncia, porquanto não teriam sido preenchidos os requisitos previstos no art. 41 do CPP, bem como o fato de ter sido mencionado o nome incompleto de três vítimas anteriores, limitando-se a identificá-las pelo primeiro nome;

2) a ilicitude da prova produzida durante o inquérito policial, dado que teria sido quebrado o sigilo telefônico de corréu sem a pertinente autorização judicial; e

3) a ilicitude da prova das interceptações telefônicas de conversas dos acusados com advogados, ao argumento de que essas gravações ofenderiam o disposto no art. 7º, II, da Lei n. 8.906/96, que garante o sigilo dessas conversas. Na espécie, os pacientes foram denunciados pela suposta prática. 

No tocante aos itens 2) e 3), eis as considerações: 

2)  "...A Constituição Federal, em seu art. 5º, LVI, veda expressamente o uso da prova obtida ilicitamente nos processos judiciais. É que a garantia constitucional quanto à impossibilidade de utilização, nos processos, de prova ilícita mantém estreito vínculo com outros direitos e garantias também constitucionais. À guisa de ilustração, cito aqui o direito à intimidade e à privacidade (CF, art. 5º, X), o direito à inviolabilidade de domicílio (CF, art. 5º, XI), o sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas (CF, art. 5º, XII) e o direito ao sigilo profissional (CF, art. 5º, XIII e XIV). As regras que regulam e limitam a obtenção, a produção e a valoração das provas são direcionadas ao Estado, no intuito de proteger os direitos fundamentais do indivíduo atingido pela persecução penal. No presente caso, a defesa sustenta a ilicitude de provas obtidas, ao argumento de indevida “quebra de sigilo telefônico”, porquanto os policiais responsáveis pelo flagrante (segundo inicial, juntamente com um terceiro denominado Sr. Silvander Polese Zavarise) teriam verificado o registro das últimas chamadas efetuadas e recebidas dos dois celulares apreendidos com o corréu, executor do crime, responsável pelos disparos de arma de fogo. Ao analisar os dados contidos no celular, ter-se-ia chegado a números de telefones pertencentes aos pacientes. Primeiramente, sobreleva destacar que não se confundem comunicação telefônica e os registros telefônicos, recebendo, inclusive, proteção jurídica distinta. E, como já enfatizei em outras oportunidades, entendo que não se pode interpretar a cláusula do artigo 5º, XII, da CF, no sentido de proteção aos dados enquanto registro, depósito registral. A proteção constitucional é da comunicação ‘de dados’ e não os ‘dados’. O tema foi objeto de percuciente análise em estudo singular desenvolvido por Tércio Sampaio Ferraz. Em síntese, são as seguintes as suas reflexões: O sigilo, no inciso XII do art. 5º, está referido à comunicação, no interesse da defesa da privacidade. Isto é feito, no texto, em dois blocos: a Constituição fala em sigilo ‘da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas’. Note-se, para a caracterização dos blocos, que a conjunção e une correspondência com telegrafia, segue-se uma vírgula e, depois, a conjunção de dados com comunicações telefônicas. Há uma simetria nos dois blocos. Obviamente o que se regula é comunicação por correspondência e telegrafia, comunicação de dados e telefônica. O que fere a liberdade de omitir pensamento é, pois, entrar na comunicação alheia, fazendo com que o que devia ficar entre sujeitos que se comunicam privadamente passe ilegitimamente ao domínio de um terceiro. Se alguém elabora para si um cadastro sobre certas pessoas, com informações marcadas por avaliações negativas, e o torna público, poderá estar cometendo difamação, mas não quebra sigilo de dados. Se estes dados, armazenados eletronicamente, são transmitidos, privadamente, a um parceiro, em relações mercadológicas, para defesa do mercado, também não está havendo quebra de sigilo. Mas, se alguém entra nesta transmissão como um terceiro que nada tem a ver com a relação comunicativa, ou por ato próprio ou porque uma das partes lhe cede o acesso indevidamente, estará violado o sigilo de dados. A distinção é decisiva: o objeto protegido no direito à inviolabilidade do sigilo não são os dados em si, mas a sua comunicação restringida (liberdade de negação). A troca de informações (comunicação) privativa é que não pode ser violada por sujeito estranho à comunicação. (Sigilo de dados: o direito à privacidade e os limites à função fiscalizadora do Estado, Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 1, p. 77-82, 1992; e Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 88, p. 447, 1993)..." 

" ...No presente writ, a ilegalidade verificada, segundo a defesa, decorre do fato de que, após a prisão em flagrante do corréu, os policiais, ao apreenderem dois aparelhos de celular, procederam à análise dos últimos registros telefônicos. Pois bem. Não se pode olvidar que o inquérito policial é procedimento administrativo, inquisitório e preparatório, cuja finalidade precípua é a colheita de informações quanto à autoria e à materialidade do delito, a fim de subsidiar a propositura de eventual ação penal. Daí, dispor o art. 6º do CPP que a autoridade policial tem o dever de proceder à coleta do material comprobatório da prática da infração penal, impondo-lhe determinar, se for o caso, que se proceda a exame de corpo de delito, apreender os objetos que tiverem relação com o fato delituoso, colher as provas que servirem para esclarecimento do fato e suas circunstâncias, ouvir o ofendido, ouvir o indiciado, dentre outras diligências. Em princípio, foi como agiu a autoridade policial que, ao prender em flagrante delito o corréu, tomou a cautela de colher todo material com potencial interesse para investigação..." 

 

E por fim, arremata-se: 

"...Ad argumentadum, abstraindo-se do meio material em que o dado estava registrado (aparelho celular), indago: e se o número estivesse em um pedaço de papel no bolso da camisa usada pelo réu no dia do crime, seria ilícito o acesso pela autoridade policial? E se o número estivesse anotado nas antigas agendas de papel ou em um caderno que estava junto com o réu no momento da prisão? Ademais, impende lembrar que a Constituição Federal excepcionou a inviolabilidade domiciliar na hipótese de flagrante delito (art. 5º, XI). A própria liberdade sofre restrição no flagrante delito. Um aparelho de celular receberia proteção diversa? A obviedade que resulta da resposta a essas indagações, denota que, não raras vezes, na construção argumentativa desvia-se o foco da tutela constitucional. A proteção jurídica à intimidade, à vida privada, não me parece que tenha o alcance pretendido pelo impetrante..". 

3) "...Deveras, a interceptação e a gravação de conversas telefônicas configuram um dos elementos centrais da controvérsia sobre a ilicitude da prova. No ponto, importante observar que se distingue a interceptação e a gravação. A interceptação é a captação de conversa realizada por um terceiro, com ou sem o conhecimento de um dos interlocutores. Por exemplo, o denominado grampo telefônico. Por outro lado, se a captação da conversa é feita por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro, tem-se a gravação clandestina. A referência constante do texto constitucional — art. 5º, XII — diz respeito à interceptação telefônica, com ou sem consentimento de um dos interlocutores, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Não se contempla aqui, em princípio, a gravação de conversa telefônica por um interlocutor sem o conhecimento de outro, muitas vezes realizada com propósito de autodefesa em face de situações como sequestro de familiares, extorsão ou outras práticas criminosas. Tal conduta parece não se situar no âmbito do art. 5º, XII, in fine, mas no âmbito de proteção do art. 5º, X, que dispõe sobre a proteção da intimidade e da vida privada. Com efeito, tal como se depreende do texto constitucional, autorizasse a interceptação telefônica para fins de investigação criminal ou de instrução processual penal, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma da lei (CF, art. 5º, XII). Tem-se aqui típica reserva legal qualificada, na qual a autorização para intervenção legal está submetida à condição de destinar-se à investigação criminal ou à instrução processual-penal. A matéria está hoje prevista na Lei 9.296/96, que regulamenta a parte final do inciso XII do art. 5º da Constituição, e dispõe que a interceptação telefônica e o fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática dependerão de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça, e não serão admitidas quando ocorrerem as seguintes hipóteses:

I. não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;

II. a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;

III. o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção. O legislador exige, portanto, a presença de elementos associados à viabilidade de um provimento cautelar (probabilidade de infração criminal e da autoria) (fumus boni juris) e perigo de perda da prova sem a interceptação. Feitas essas considerações, entendo que, também nesta parte, a irresignação não merece prosperar. Explico. Nos termos do art. 7º, II, da Lei 8.906/94, é bem verdade que o Estatuto da Advocacia garante ao advogado a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia .

É certo que essa garantia à inviolabilidade profissional, como qualquer outra liberdade pública, não tem caráter absoluto, devendo ceder quando razões jurídicas de interesse público maior demonstrarem a sua conveniência.

Ressalto que o sigilo profissional, conforme destacado pelo eminente ministro Celso de Mello, existe não para proteger o advogado, mas para tutelar o cidadão, titular dos direitos patrocinados:

A razão dessa garantia, bem assim daquela que busca conferir inviolabilidade ao Advogado, foi claramente exposta por JOSÉ ROBERTO BATOCHIO (“ A Inviolabilidade do Advogado em Face da Constituição de 1988 ”, in RT 688/401- 407, 406 ): “ O destinatário da franquia da inviolabilidade profissional é o cidadão, titular dos direitos patrocinados, não o advogado, mero intermediário (STF, MS-MC 23.595)..." 

HABEAS CORPUS. NULIDADES: (1) INÉPCIA DA DENÚNCIA; (2) ILICITUDE DA PROVA PRODUZIDA DURANTE O INQUÉRITO POLICIAL; VIOLAÇÃO DE REGISTROS TELEFÔNICOS DO CORRÉU, EXECUTOR DO CRIME, SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL; (3) ILICITUDE DA PROVA DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS DE CONVERSAS DOS ACUSADOS COM ADVOGADOS, PORQUANTO ESSAS GRAVAÇÕES OFENDERIAM O DISPOSTO NO ART. 7º, II, DA LEI 8.906/96, QUE GARANTE O SIGILO DESSAS CONVERSAS. VÍCIOS NÃO CARACTERIZADOS. ORDEM DENEGADA. 

 

7. DAS CONCLUSÕES FINAIS 

 

Após enfrentamento das diversas decisões e entendimentos de Tribunais Superiores, fica claro que evidentemente ainda não há uma orientação geral e concreta respeitando ao assunto em testilha, tampouco jurisprudência consolidada, no tocante a licitude ou não do acesso a dados pessoais em celulares e outros dispositivos eletrônicos, tanto em relação ao policial com intensa atividade combativa nas ruas quanto aos procedimentos em sede de delegacia de polícia.

Evidente que algumas conclusões podem ser levadas a feito em função da análise de alguns decisões judiciais.

Primeiro porque a Lei nº 9.296/96 regulamenta o fluxo das comunicações presentes e futuras, mas não alcançando os dados armazenados no aparelho celular.

Segundo o entendimento do Informativo 590 do Superior Tribunal de Justiça, acerca do tema, segundo o qual determinada judicialmente a busca e apreensão de telefone celular ou smartphone, é lícito o acesso aos dados armazenados no aparelho apreendido, notadamente quando a referida decisão o tenha expressamente autorizado.

Nesse sentido, havendo autorização judicial de mandado de busca e apreensão dos dispositivos eletrônicos, não há porquê lançar mão de outro pedido judicial, agora para acessar os dados.

Ora, ninguém vai solicitar autorização judicial num mandado de busca e apreensão, por exemplo, de um aparelho celular, simplesmente por apreender, se não houvesse interesse jurídico em saber o conteúdo das mensagens existentes, das ligações efetuadas e recebidas, dos e-mails recebidos e enviados.

Relevante se mostra citar a decisão do ministro Gilmar Mendes no HC 91.867/PA, quando foi decidido que não violava o princípio da intimidade o fato de o policial acessar a lista de telefones no celular de um indivíduo.

A referida decisão tem sido eventualmente utilizada como precedente para que policiais possam acessar dados em celulares.

É certo que num aparelho celular não existe somente agenda telefônica, o que nos parece óbvio que existem diversos outros dados que são vinculados ao direito de privacidade e intimidade da pessoa, e que merece tutela jurídica, se encontrando no âmbito da proteção da norma, inclusive, a Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, conhecida como Marco Civil da internet, em seu art. 7º, III, assegura ao usuário da internet o direito à "inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial", ficando evidente que nem mesmo o ministro do STF tem legitimidade para afastar referida proteção, considerando a clareza da proteção, e se acontecer decisão contrária a esta norma, certamente, o responsável pela violação da lei ficará sujeito às medidas legais que poderão ser adotadas no âmbito do direito interno, ou responder diretamente perante à Corte Internacional dos Direitos Humanos.

Pode-se aduzir que se não houver autorização judicial para a apreensão do celular por exemplo, chega-se à conclusão de que o acesso policial ao celular, por ser receptáculo de dados pessoais que permitem uma construção narrativa extensa e detalhada sobre a vida privada do cidadão, é clara e efetiva violação do direito à privacidade e intimidade, devendo ser considera objeto de proteção judicial.

Com clara lucidez, argumenta o excelso Professor Rafael de Deus Garcia, acerca do tema:

"...O celular não somente registra quase todas as informações e comunicações de um indivíduo, como também a de terceiros próximos a ele. Tirá-lo da proteção do princípio constitucional da privacidade e da intimidade é verdadeira tentativa de aproximação a um Estado mais autoritário e arbitrário.

Na grande maioria dos casos, a simples apreensão do aparelho, para perícia posterior devidamente autorizada judicialmente, não apresenta qualquer risco à investigação criminal, e ainda garante a tutela adequada à vida privada das pessoas. A falta de uma cláusula de reserva de jurisdição específica não pode reduzir a força normativa do princípio da privacidade, tão caro às democracias..." 

Por fim, após os argumentos expostos nas decisões referidas, pode-se afirmar que infelizmente ainda não existe uma posição concreta para se seguir acerca deste assunto tão importante para a sociedade brasileira.

O que efetivamente existem são decisões e entendimentos isolados de casos concretos levados à apreciação do Poder Judiciário, notadamente voltado para a desnecessidade de autorização judicial para o acesso aos dados dos dispositivos eletrônicos quando apreendidos em ações policiais por ordem judicial.

Outra cláusula importante é a descrita no artigo 7º, III, d a Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, conhecida como Marco Civil da internet, que assegura ao usuário da internet o direito à inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial.

Destarte, esta cláusula deixa evidente que comunicações privadas armazenadas recebem tutela legal e somente por via judicial poderão ser afastadas.

Assim, num estado de direito, onde se proíbem o retrocesso social e a proteção deficiente, cabe propor interpretação segundo a qual, não se podem permitir invasões aos direitos fundamentais em especial quando o poder dominante é fruto de autoritarismo tendente a despojar do povo o seu principal direito, o da liberdade, expressão da intimidade, privacidade e da imagem.  

Nem mesmo a recente Lei nº 13.344/2016, que inseriu os artigos 13-A e 13-B, no Código de Processo Penal, para enfrentamento aos crimes de sequestro e cárcere privado, redução análoga a condição de escravo, tráfico de pessoas, latrocínio e extorsão mediante sequestro, no que tange ao fornecimento de informações das empresas prestadoras de serviço de telecomunicações e/ou telemática que disponibilizem imediatamente os meios técnicos adequados – como sinais, informações e outros, conseguiu resolver esse impasse jurídico.

Pelo contrário, talvez tenha perdido o legislador a grande oportunidade de regulamentar essa questão de acesso a dados armazenados em celulares e outros dispositivos eletrônicos.

Imagina-se um cenário onde o policial militar se deparada com uma ocorrência de grande complexidade, e tem em suas mãos aparelhos celulares nos quais constam dados importantes para a resolução do fato.

Imagina-se que a vítima esteja sequestrada num cativeiro.

A lei então manda que ele compareça a uma Unidade Policial e solicita à Autoridade Policial que represente ao Poder Judiciário no sentido de obter autorização para acessar aos dados do celular para depois resolver a questão?.

É isso mesmo? 

O policial deve agir dessa forma?

Tem certeza disso?

Se a vítima for um ente querido, cujos dados do homizio estão na agenda do celular?

Você está convicto?

Continua irredutível?

E se por acaso for num domingo?

Num caso de urgência, é fácil encontrar juízes e promotores de plantão para falar numa cautelar?

Não custa nada perguntar. Aliás perguntar não ofende. Mas se todas as respostas encontradas forem "sim", então acho que não estamos falando do mesmo país.

Enquanto isso, diante de um quadro de vazio normativo e de clara omissão do legislador, fica a sociedade sem solução e o principal interessado numa decisão que venha nortear as suas atividades são os policiais que como heróis anônimos são alvos de ataques de toda ordem, mas que diante do perigo, em qualquer lugar e a qualquer hora, são os primeiros a serem acionados para um pedido de socorro público. 

 

DAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

 

BOTELHO, Jeferson. Manual de Processo Penal; FERNANDES, Fernanda Kelly Silva Alves,  Editora D´Plácido, BH, 1ª edição, 20015.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: Promulgada em 05 de outubro de 1988. http://www2.planalto.gov.br, acesso em 16/04/2017, às 10h58min;

BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Dispõe sobre o Código Processo Penal Brasileiro. http://www2.planalto.gov.br/, acesso em 16/04/2017, às 10h59min.

BRASIL. Código Penal: lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940.

GARCIA, Rafael de Deus. Acesso a dados em celular exige autorização judicial. Disponível em http://www.conjur.com.br/2017-fev-06/rafael-garcia-acesso-dados-celular-exige-autorizacao-judicial. Acesso em 16 de abril de 2017, às 09h51min.

OLIVEIRA, Rogério Donizetti Campos. Direito a intimidade e sua proteção baseada nos direitos humanos no mundo. Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=14826. Acesso em 16 de abril de 2017, às 01h18min.

 

 

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