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A INVIOLABILIDADE DO DIREITO A INTIMIDADE E A VIDA PRIVADA EM FACE A ERA DA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO


Autoria:

Thales Amaro De Lima


Acadêmico do curso de Direito do Centro Universitário Católica de Quixadá - Unicatólica.

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Resumo:

O presente artigo tem como intuito o de demonstrar que apesar da sociedade atual não poder - ou não sentir o dever de - se desvencilhar de todas as tecnologias disponíveis, a mesma deve ter a percepção do quão pode ser invasiva a sua utilização.

Texto enviado ao JurisWay em 01/03/2016.

Última edição/atualização em 04/03/2016.



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A INVIOLABILIDADE DO DIREITO A INTIMIDADE E A VIDA PRIVADA EM FACE A ERA DA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

 

Thales Amaro de Lima[1]

Francisco Jander Madeira Rodrigues[2]

RESUMO

O presente artigo tem como intuito o de demonstrar que apesar da sociedade atual não poder - ou não sentir o dever de - se desvencilhar de todas as tecnologias disponíveis, a mesma deve ter a percepção do quão pode ser invasiva e avassaladora toda a exposição da vida privada e intima feita pela internet ou qualquer outro meio de rede de comunicação, de como cada informação disponibilizada pode ser armazenada de forma indiscriminada e utilizada de maneira alheia e lesiva a sua real utilidade. Deixando nítido que o Estado tem o dever de resguardar e legitimar o direito de cada cidadão/usuário de utilizar qualquer meio de comunicação que sinta vontade sem que este tenha sua intimidade e vida privada violada. O Marco Civil da Internet foi o meio pelo qual o governo brasileiro se apropriou para instituir em nosso ordenamento jurídico a legitimação dos direitos antes violados nas relações virtuais, como o direito a imagem, a honra, a intimidade e a privacidade, por exemplo.

PALAVRAS-CHAVES: Sociedade da informação; Direito a intimidade; Vida privada.

INTRODUÇÃO

Com o advento das tecnologias da comunicação a sociedade que antes era esparsa, convivendo apenas com os indivíduos mais próximos, passou a ter a possibilidade de se comunicar e conviver com pessoas a milhares de quilômetros de distância.

Essas tecnologias não só alteraram as relações interpessoais, mas também políticas, econômicas, culturais e até jurídicas. Acarretando uma enorme alteração no contexto social, surgindo a partir dessa evolução tecnológica uma nova sociedade com foco no poder informacional.

E um desses meios de comunicação, que talvez seja o mais utilizado e disseminado na atualidade é a internet, que surgiu em plena Guerra Fria com uma finalidade única e exclusivamente militar. Contudonas décadas de 1970 e 1980, além de ser utilizada para fins militares, a Internet também foi um importante meio de utilização acadêmica, sendo apenas na década de 1990 que a mesma começou a atingir toda a população mundial e hoje de acordo com um estudo feito pela ONU em 2014 quase 3 bilhões de pessoas a utilizam – o equivalente a cerca de 40% da população mundial.

É óbvio que hoje a internet alcança as mais variadas finalidades, tornando-se imprescindível à convivência social e econômica, mas junto a essa expansão acelerada veio a ambição por informações, isto é, a ambição pelo armazenamento e utilização de informações pessoais com o intuito de traçar um perfil de cada indivíduo para a obtenção incansável de lucros. Deixando cada usuário com a possibilidade de ter suas informações pessoais utilizadas de forma leviana, sem qualquer tipo de consentimento.

Cabe aos Estados a imposição da tutela dessas informações em face às empresas fornecedoras desses serviços, cabendo também colocar à disposição meios processuais que possam garantir a segurança de cada indivíduo da sociedade que utilize desses meios de comunicação.

 

1. OS DESAFIOS DA EFETIVAÇÃO DO DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

Existem divergências entre os doutrinadores sobre a real origem da expressão “sociedade da informação” e de como ela pode agir em meio a sociedade, seja ela sob o contexto educacional, econômico, político, sociocultural e até jurídico. No entanto o que se pode observar em comum é que existe uma continuidade evolucional em relação a importância da informação e o poder que esta traz em face às relações sociais.

Diante dessa evolução informacional podemos ter como gênese desse processo a Primeira Revolução Industrial, datada do início do século XVIII, havendo a invenção do motor a vapor como objeto central. As máquinas a vapor, que até então eram expoentes em tecnologia, passaram a ocupar o trabalho exercido pelo homem de maneira mais veloz e com mais destreza, aumentando a produtividade e dando origem às primeiras indústrias. A Segunda Revolução Industrial, em meados do século XIX, teve a eletricidade como inovação tecnológica, alterando os meios de produção existentes e criando meios de comunicação à distância. Já a Terceira Revolução Industrial, abriu espaço para o nascimento da sociedade da informação, devido a sua dependência da tecnologia e da ciência.

         Logo a sociedade da informação passou a ser sinônimo – ou até mesmo substituto, para alguns autores – do complexo conceito de sociedade pós-industrial, em que a gama de informações disponíveis, a quase todos, transformaram uma sociedade alheia às tecnologias existentes e todas as novas formas de comunicação em uma sociedade interligada a uma rede de conhecimento infinita, possibilitando o surgimento de um novo contexto social, em que quem detém a informação estaria  munido de um poder incomensurável.

Vivemos em uma era de informações rápidas, de grandes tecnologias, dos mais diversos aplicativos, das redes sociais de relacionamentos que nos interligam com pessoas ao redor de todo o mundo e junto a isso estamos intimamente presos a essas mordomias que nos foram dadas, desde as compras mais banais pela internet até à transações bancarias online.

O que não é notado – ou se é negado a relevância, de imediato - é a grande quantidade de informações pessoais jogadas/disponibilizadas na internet, sejam elas compostas por fotos, vídeos, e-mails, senhas ou qualquer outra forma de conteúdo composto por dados pessoais que possam ser referidos a cada um que a utiliza, de forma a identificar cada indivíduo de forma única.

A problemática está exatamente nessa quantidade exacerbada e infinita de dados que são passados diariamente aos servidores dessas empresas fornecedoras desse tipo de serviço, tendo estas informações armazenadas e organizadas em bancos de dados. Estes sendo ferramentas utilizadas de forma sistemática para o armazenamento e organização dessa gigantesca quantidade de informações.

O armazenamento de informações não é algo novo, afinal após a Revolução Industrial e consequentemente atrelado ao crescimento da produção e do consumo, as relações pessoais não poderiam ser apenas baseadas, única e exclusivamente, em confiança e somente com as pessoas mais próximas, mas agora teriam que passar por um processo de coleta e cadastro de informações de forma organizada para a expansão o mercado. Estas informações pessoais passariam a ser coletadas e organizadas com o intuito de vir a ter uma relação um pouco mais próxima com o máximo de pessoas possíveis, para assim poder traçar um padrão de conduta pública e privada – dando origem aos bancos de dados, que hoje detém informações íntimas valiosíssimas.

O uso dos dados pessoais - disponibilizados pelos próprios usuários - que foram coletadas e tratadas podem ser utilizadas por entidades privadas ou não governamentais e pelos órgãos públicos, afinal todas essas informações trazem consigo a premissa de expandir o conhecimento comportamental sobre a sociedade, ou seja, faz com que o perfil de cada indivíduo seja conhecido e identificado possibilitando saber a necessidade pertinente de cada um de forma singular.

No entanto a preocupação não está apenas e unicamente no armazenamento desse conteúdo pessoal nos bancos de dados e sim se estas informações estão realmente protegidas de ataques exteriores e se elas, de fato, não são e nem poderão ser utilizadas de forma indiscriminada para outros fins que possam trazer algum tipo de dano ao usuário – danos estes que vão muito mais além dos econômicos. Afinal o tratamento e a consequente divulgação desses dados, contendo toda informação possível, é o que pode causar a lesividade.

Com o subterfugio de tutelar a proteção do indivíduo ao acesso à internet, as empresas e o próprio governo coletam e tratam essas informações pessoais com o objetivo de ter nitidamente esclarecido como cada indivíduo se comporta em meio a sociedade real e no mundo digital, quais são seus hábitos e costumes, quais são suas páginas virtuais visitadas, ou seja, objetivando traçar um perfil o mais próximo possível da realidade do indivíduo. Logo, o usuário desse serviço sem ter a mínima compreensão do que de fato é feito com cada informação disponibilizada na rede passa a ser examinado, acompanhado e de forma leviana passa a ser vigiado – perdendo qualquer forma de intimidade.

É sabido que cada indivíduo insere informações de forma própria e autônoma com o auxílio da internet - afinal hoje é possível saber de todo o dia a dia de uma pessoa acompanhando-a em sua rede social, por exemplo - no entanto a perca de intimidade autorizada nesse momento pelo mesmo e junto a isso a predisposição de ter sua vida exposta ao público não dá o direito de ter esses dados armazenados para possíveis estudos, ou mesmo distribuídos a terceiros para fins comerciais.

Após os atentados terroristas que ocorreram nos Estados Unidos, em setembro de 2001, o país começou a utilizar uma política de monitoramento de toda a sociedade pelo meio que consideraram ser mais oportuno e rápido, as tecnologias da comunicação. Com o intuito, a priori, de a partir do cruzamento de dados prevenir, futuros e supostos, atentados o país começou a investir de forma continua em tecnologias que conseguissem coletar, armazenar e organizar todo o máximo possível de informações dos cidadãos.

No entanto o que de início teria como objetivo a proteção de toda a população norte-americana e de monitoramento apenas dos possíveis suspeitos ou propensos terroristas, passou a ser um meio pelo qual todas as pessoas fossem vigiadas diariamente e de forma continua. Como consequência disso não apenas cidadãos norte-americanos eram observados, mas outros países passaram a ser acompanhados mais de perto, passaram a ter seus governos monitorados por um outro país tão igual a qualquer outro (deixando claro que é sabido que todos os governos possuem alguma forma de monitoramento, ou mesmo acompanhamento da sua população).

Esse tipo de atitude atinge a vários princípios que são tutelados pela legislação vigente em seus países, como o princípio da soberania e autonomia (em que o primeiro se restringe ao poder do Estado em relação ao seu país e o segundo se caracteriza como sendo a competência dada a cada Estado pelo Direito Internacional em relação aos demais entes), e sendo possível exemplificar outros com o auxílio do art. 5º caput e inciso X da Constituição Federal de 1988, temos:

 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

 

O referido trabalho vai buscar a se ater de forma mais incisiva em dois dos direitos elencados no artigo acima que são lesados de forma mais grosseira por esse tipo de ação, o direito a intimidade e a vida privada.

 

 

2. DO DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA

Os direitos assegurados ao homem legitimados no Art. 5º, X da Constituição Federal Brasileira como é sabido são invioláveis e intransponíveis, sendo inatos a todo cidadão brasileiro e atribuídos, também, a todo estrangeiro que aqui se encontre.

No entanto para entendermos como e porque tais direitos ganharam tal patamar é necessário fazermos uma breve explanação no contexto histórico de seu surgimento, para que possamos então associa-los à referia sociedade da informação e ao impacto que tamanha disseminação de informações pessoais causam – de forma nociva – a toda a sociedade.

A dignidade da pessoa humana é o princípio basilar da Constituição Brasileira, cumprindo a tarefa de arcabouço do ordenamento jurídico, tendo a capacidade de abranger os direitos fundamentais de todas as gerações, quer se trate dos direitos e deveres individuais e coletivos, dos direitos sociais, ou dos direitos políticos.

Na celebre frase de Protágoras “o homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são” conclui-se então que o homem é o objeto central de toda e qualquer reflexão filosófica – partindo dele o direito e feito para ele, objetivando garantir todos os valores ao ser humano.

É inato a todo e qualquer ser humano a sua dignidade, não importando diferenças físicas, intelectuais, psicológicas ou sociais, não sendo um direito passível de qualquer tipo de escolha ou vontade, daí atribuindo-se a ele como sendo um conjunto de direitos existenciais -não podendo, o indivíduo então, se desvencilhar do mesmo. Tendo como objetivo a busca incessante pela igualdade absoluta.

Contudo é importante salutar que para se alcançar uma igualdade justa para todos é necessário saber identificar os díspares, podendo utilizar para corroborar tal pensamento a frase de Aristóteles sobre o tema, citando que “igualdade é tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade”. Logo cada indivíduo em sua peculiaridade tem a sua dignidade salvaguardada na mesma proporção em relação a qualquer outro, mas com facetas de forma singular.

Embora toda sociedade tenha divergências culturais e, consequentemente, atreladas a ela diferenças sociais e econômicas, não se pode negar que a cada ser humano é atribuído em sua gênese direitos. Logo deve-se respeitar todo e qualquer indivíduo em sua peculiaridade.

 Diante disso não é possível deixar de mencionar um documento que foi um dos marcos na busca pela legitimação da dignidade da pessoa humana e de todos os direitos postulados a ela, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.

Diante de um contexto histórico situado logo depois ao termino da Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945), a declaração teve como marco originar uma norma a ser alcançada por todos os povos e nações – com a esperança de nunca mais rever todas as atrocidades ocorridas naquela época.

Na declaração são listados e tutelados inúmeros direitos que outrora não eram nem cogitados aos homens de forma igualitária, como o direito à liberdade, à igualdade, à vida, à segurança social, entre outros vários tão importantes quanto. No entanto podemos frisar como sendo importantes para o presente trabalho os artigos 1º e 12 que listam:

 

Art. 1º Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.

Art. 12 Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a proteção da lei.

Diante do exposto temos por destaque direitos elencados como de personalidade e tutelados no art. 5º, X da Constituição Federal legitimados como direitos fundamentais, citando que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Logo, o direito a intimidade e à vida privada estão no rol dos direitos de personalidade, que segundo Orlando Gomes (2001, p. 141) “são direitos considerados essenciais à pessoa humana, que a doutrina moderna preconiza e disciplina, a fim de resguardar a sua dignidade.”

Podendo ser caracterizados como direitos subjetivos e inatos a cada indivíduo, afim de assegurar a sua integridade física, integridade intelectual e integridade moral, levando como ressalva o artigo 11 do Código Civil de 2002, que diz “com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.”

Ainda sobre o tema a legislação brasileira elenca o direito a intimidade e a vida privada como direito de personalidade nos artigos 20 e 21 do Código Civil de 2002 que diz:

 

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. (Vide ADIN 4815)

Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

 

Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma. (Vide ADIN 4815)

 

 

Em face ao que foi exposto é necessário diferenciar os conceitos sobre a vida privada e a intimidade, no entanto é importante frisar que não existe um consenso nem doutrinário, muito menos jurisprudencial quanto a essa diferenciação. Entretanto confere-se duas correntes sobre o tema, a primeira apoiada no que está discriminado na Constituição Federal (art. 5º, X) defendendo que a vida privada e a intimidade são distintos bens da personalidade humana – devendo ser tutelados em separado -, enquanto a segunda corrente defende a chamada teoria das esferas compreendendo a ideia de serem bens jurídicos sinônimos, que devem ser tutelados de forma unificada.

No entanto é perceptível que se encararmos e utilizarmos a teoria das esferas passando a ter a vida privada e a intimidade como sinônimos, as pessoas não teriam mais nenhuma intimidade e toda a sua vida estaria posta como pública, não haveria sequer um núcleo mínimo de proteção.

Seguindo essa linha de pensamento temos um Recurso Especial do Superior Tribunal de Justiça do Brasil que teve como decisão:

 

PROCESSUAL CIVIL. DOCUMENTO. JUNTADA. LEI GERAL DAS TELECOMUNICAÇÕES. SIGILO TELEFÔNICO. REGISTRO DE LIGAÇÕES TELEFÔNICAS. USO AUTORIZADO COMO PROVA. POSSIBILIDADE. AUTORIZAÇÃO PARA JUNTADA DE DOCUMENTO PESSOAL. ATOS POSTERIORES. "VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM". SEGREDO DE JUSTIÇA. ART. 155 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. HIPÓTESES. ROL EXEMPLIFICATIVO. DEFESA DA INTIMIDADE. POSSIBILIDADE. - A juntada de documento contendo o registro de ligações telefônicas de uma das partes, autorizada por essa e com a finalidade de fazer prova de fato contrário alegado por essa, não enseja quebra de sigilo telefônico nem violação do direito à privacidade, sendo ato lícito nos termos do art. 72, § 1.º, da Lei n.º 9.472/97 (Lei Geral das Telecomunicações). - Parte que autoriza a juntada, pela parte contrária, de documento contendo informações pessoais suas, não pode depois ingressar com ação pedindo indenização, alegando violação do direito à privacidade pelo fato da juntada do documento. Doutrina dos atos próprios. - O rol das hipóteses de segredo de justiça não é taxativo, sendo autorizado o segredo quando houver a necessidade de defesa da intimidade. Recurso especial conhecido e provido.

 

Já considerando a primeira teoria discriminada na própria Constituição e que possuem graus distintos de exclusividade, podemos recorrer ao Professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior (1992, p. 79) cita:

 

A intimidade é o âmbito do exclusivo que alguém reserva para si, sem nenhuma repercussão social, nem mesmo ao alcance de sua vida privada que, por mais isolada que seja, é sempre um viver entre os outros (na família, no trabalho, no lazer em comum). Já a vida privada envolve a proteção de formas exclusivas de convivência. Trata-se de situações em que a comunicação é inevitável (em termos de alguém com alguém que, entre si, trocam mensagens), das quais, em princípio, são excluídos terceiros.

 

Temos então como premissa de que a vida privada é mais ampla e concerne àquilo que pode ter algum tipo de repercussão social, já a intimidade seria o âmbito mais restrito, seria o núcleo de maior proteção.  

Ainda não há uma posição que possa ser dita como majoritária, entretanto a falta de segurança jurídica nas decisões divergentes e por vezes arbitrárias, só reafirmam a carência do indivíduo a ter seu direito tutelado. Não havendo uma posição de doutrinadores e da jurisprudência só afeta àquele que é lesado por essas intromissões, sendo à sua privacidade e sua intimidade distribuídas sem nenhum consentimento.

3. DO MARCO CIVIL DA INTERNET

Até meados do século XIX a tutela jurídica a respeito dos direitos à intimidade e à privacidade não eram sequer pensados, afinal para a época seria totalmente desnecessário e inoportuno – não havia tamanha expansão tecnológica que ocasionasse essa enorme disseminação de informações em massa como jornais, rádio, televisão e computadores que vemos na atualidade.

Com o advento do crescimento das cidades - atreladas a mudanças políticas, sociais e econômicas – junto com o surgimento de uma sociedade guiada pelo consumo e, como consequência de tudo isso, o desenvolvimento das tecnologias da informação, as pessoas passaram a ter mais de suas vidas expostas, tiveram mais de suas informações pessoas tomadas por conhecido pelo restante da sociedade. Logo, percebendo essa mudança comportamental, tomou-se por debate de como proceder com a proteção dos direitos de personalidade e subsequentemente, com o direito à privacidade e à intimidade.

Podemos citar como uma das primeiras e mais importantes leis promulgadas com a preocupação de dar legitimidade ao cidadão de ter seus direitos salvaguardados em face a uma, possível, invasão e disseminação de informações pessoais, a Lei da Privacidade dos Estados Unidos (denominada de Privacy Act, de 1974). A referida lei tem como premissa básica salvaguardar o direito de privacidade do cidadão, além da legitimação de alguns direitos processuais, estes podidos observar melhor através da citação de Fernanda dos Santos Macedo (2013, p. 170):

 

A política de salvaguarda da privacidade opera por meio da criação de quatro direitos processuais e substantivos em dados pessoais. Em primeiro lugar, privacy act requer que as agências governamentais mostrem os registros de indivíduos quaisquer, mantidos sob o seu controle. Em segundo lugar, exige que as agências governamentais sigam determinados princípios, chamados “práticas de informação justa”, quando do recolhimento e do tratamento com dados pessoais. Já em terceiro lugar, coloca restrições sobre como as agências podem compartilhar dados de um indivíduo com outras pessoas e agências. Por sua vez, em quarto lugar, permite que indivíduos processem o governo por violar as disposições.

 

Vale ressaltar que, apesar de ter sido criada para proteger todo àquele que utilize de alguma forma qualquer meio tecnológico que contenha informações pessoais, após o atentado terrorista ocorrido em setembro de 2001 o país norte-americano utilizou-se desse artifício para invadir a vida privada de todos da sociedade, com a desculpa de proteger toda a nação de futuros atentados terroristas.

Diante do exposto é podido concluir a tamanha relevância que tal lei teve nessa nova sociedade informatizada, tanto em seu país de origem, quanto em outros países que utilizaram como espelho essa iniciativa e passaram a utiliza-la em suas nações – mesmo que seja sob enfoques diferentes. O Brasil por exemplo, utilizou da proteção desses direitos na Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, inciso X.

No entanto com os milhões de usuários desses meios de comunicação, os brasileiros também sentiram a necessidade de ter uma legislação que fosse exclusiva para legitimar os direitos de todos os cidadãos/usuários que se sintam, de alguma forma, lesados pelo uso não autorizado de informações pessoais.

Foi, então, criado o projeto de Lei nº 2.126/2011, ou como é mais conhecido, o Marco Civil da Internet. O referido projeto de lei é um texto dividido em quatro partes essenciais: a primeira estabelece as disposições preliminares os princípios gerais, a segunda parte disciplina os direitos e as garantias dos usuários, a terceira prevê regras de provisão de conexão e de aplicações de internet, e por fim, a quarta parte, rege a atuação do poder público no desenvolvimento da rede (CONGRESSO NACIONAL, 2011).

O projeto foi debatido em demasia por grade parcela da sociedade, inclusive pelos próprios usuários da internet - pelo menos de início – momento em que foi dito sobre o que seria mais oportuno legislar. No entanto indo de encontro com o que a população almejava, o governo em um ato oposto e de interesse próprio resolveu modificar o que antes fora acordado, como por exemplo a versão anterior que previa obrigatoriedade de guarda apenas dos registros de conexão, a versão atual torna obrigatória a guarda de registros de acesso da Internet.

Mesmo com todas as alterações feitas que mais favorecem às grandes empresas de telecomunicações e ao próprio governo do que àqueles que mais são lesados pela exposição criminosa da vida intima e privada, é inegável a importância do Marco Civil da Internet no nosso ordenamento, podemos inclusive citar alguns artigos, como:

 

Art. 3º A disciplina do uso da Internet no Brasil tem os seguintes princípios:

I – garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição;

II – proteção da privacidade;

III – proteção aos dados pessoais, na forma da lei; (...)

 

Art. 7º O acesso à Internet é essencial ao exercício da cidadania e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:

I – à inviolabilidade da intimidade e da vida privada, assegurado o direito à sua proteção e à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

II – à inviolabilidade e ao sigilo do fluxo de suas comunicações pela

Internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei;

III – à inviolabilidade e ao sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial; (...)

VII – ao não fornecimento a terceiros de seus dados pessoais, inclusive registros de conexão, e de acesso a aplicações de Internet, salvo mediante consentimento livre, expresso e informado ou nas hipóteses previstas em lei;

VIII – a informações claras e completas sobre a coleta, uso, armazenamento, tratamento e proteção de seus dados pessoais, que somente poderão ser utilizados para finalidades que:

a) justificaram sua coleta;

b) não sejam vedadas pela legislação ; e

c) estejam especificadas nos contratos de prestação de serviços.

IX – ao consentimento expresso sobre a coleta, uso, armazenamento e tratamento de dados pessoais, que deverá ocorrer de forma destacada das demais cláusulas contratuais;

X – à exclusão definitiva dos dados pessoais que tiver fornecido a determinada aplicação de Internet, a seu requerimento, ao término da relação entre as partes; e

 

Art. 8º A garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à Internet.

 

Art. 10. A guarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de Internet de que trata esta Lei, bem como de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas, devem atender à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas. (Grifos nosso)

 

Ainda sobre o Marco Civil, em sua coluna semanal a Presidente Dilma Roussef se manifestou sobre o tema, citando que:

 

Esta é uma lei extremamente importante para a sociedade brasileira, porque estabelece os direitos e as responsabilidades, tanto dos usuários quanto dos provedores de internet. Com ela, o Brasil tem, a partir de agora, um instrumento efetivo para garantir a liberdade de expressão, o respeito à privacidade das pessoas e das empresas, e também, o respeito aos direitos humanos na internet. O conceito básico desta lei é que a internet não tem donos, ela pertence a todos.

 

O Marco Civil também traz uma regra específica para a retirada de imagens não autorizadas contendo, por exemplo, cenas de pedofilia e cenas de nudez. Nesse caso, a pessoa que tiver sua intimidade indevidamente exposta poderá solicitar diretamente ao responsável pelo site a imediata retirada das imagens do ar. Se o responsável não o fizer, responderá civil e criminalmente junto com o autor da postagem.

 

Vale enfatizar aqui que o Marco Civil é mais uma importante resposta à crescente demanda de participação da sociedade na política. É um instrumento para ampliar o acesso à rede, garantir a liberdade de expressão, o respeito aos direitos humanos, a diversidade cultural, étnica, religiosa. Isto é fundamental para a construção de uma sociedade cada vez mais inclusiva e menos desigual. A internet deve estar sempre a serviço da sociedade, da democracia, da inclusão social, da paz e da liberdade.

Ainda há o que se debater e o que possa ser acrescentado na busca constante de uma maior segurança a todos aqueles que são usuários de meios de comunicação (de uma forma generalizada). A referida lei foi um passo à frente dado pelo ordenamento jurídico brasileiro, mas isso não significa que seja o suficiente.

 

CONCLUSÃO

Dessa forma é podido notar toda a evolução em relação às tecnologias e da importância das informações sugadas por elas. A Revolução Industrial foi o ponto inicial de mudança de um pensamento limitado, surgindo uma busca crescente pelo aumento da produção e, por consequência, do consumo.

Com o crescimento acelerado das novas tecnologias as pessoas ficaram cada vez mais próximas, e junto a isso a vida privada e a intimidade começaram a ficar cada vez mais lesadas. As informações pessoais disseminadas rapidamente, de forma lesiva, agora são mais prejudiciais, pois podem ganhar relevância mundial.

O armazenamento e organização de dados pessoais não podem continuar a serem feitos da forma indiscriminada – como é feita atualmente -, não podem continuar lesando um cidadão inocente e que de alguma forma, talvez, nunca descubra que esteja sendo estudado e monitorado como uma cobaia de laboratório.

Os Estados são responsáveis pela garantia dos direitos inerentes a cada cidadão, cabe a eles legislar para que cada um se sinta seguro em utilizar qualquer meio de comunicação que bem queira, sem ter a insegurança de terem violado sua intimidade e sua privacidade. Sendo obvio que não pode o mesmo corroborar com os estudos, ou com armazenamento de informações para fins de interesses próprios.

O Marco Civil da Internet ainda está em debate sobre alguns aspectos que, talvez, possam a favorecer à empresas do ramo de telecomunicações e ao próprio Estado na continuidade do armazenamento de informações, contudo é inegável que pode ser considerado um avanço na temática e mais que isso, considerado como uma forma de todo àquele que se sinta lesado se valer de seus direitos e procurar justiça sobre àqueles que subtraíram o seu direito mais íntimo e privado.

REFERÊNCIAS

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BOAVENTURA, Maria Beatriz. Aspectos jurídicos do direito de privacidade e o marco civil da internet. Disponível em: http://intertemas.toledoprudente.edu.br/revista/index. php/ETIC/article/viewFile/4071/3833. Acesso em: 04 Novembro 2015.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

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HENRIQUES, Ana Festas. As redes rociais e o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada. 2014. Dissertação (Mestrado) - Universidade Católica Portuguesa - Faculdade de Direito - Escola de Lisboa.

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Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: http://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf. Acesso em 20 Outubro 2015.

Site do Planalto. Disponível em: http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-o-planalto/conversa-com-a-presidenta/conversa-com-a-presidenta_/na-conversa-de-hoje-dilma-fala-sobre-o-marco-civil-que-estabelece-os-direitos-e-as-responsabilidades-tanto-dos-usuarios-quanto-dos-provedores-de-internet. Acesso em 04 Novembro 2015.

Site Folha de São Paulo. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/tec/2014/11/1553088-internet-ja-tem-quase-3-bilhoes-de-usuarios-no-mundo-diz-onu.shtml.Acesso em 28 Outubro 2015.

 

 

 

 

 



1 * Aluno do 7º semestre do curso de Direito da Faculdade Católica Rainha do Sertão.  

2 ** Aluno do 10º semestre do curso de Direito da Faculdade Luciano Feijão.  

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