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Resumo:
Pretendeu-se traçar um paralelo entre o procedimento previsto no §4º do art. 56 da Lei 11.101/2005 e as normas orientadoras do devido processo legal, notadamente o princípio do pedido (ou princípio da congruência entre o pedido e a sentença).
Texto enviado ao JurisWay em 03/06/2015.
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A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA DECRETAÇÃO DE FALÊNCIA DE OFÍCIO PELO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL
1. INTRODUÇÃO
A Lei de Falências e Recuperações Judiciais, Lei 11.101/2005, quando foi inserida no ordenamento jurídico pátrio, veio com a mensagem alvissareira de preservação das empresas em situação de crise por meio dos novos institutos da Recuperação Judicial e da Recuperação Extrajudicial. Por meio desses instrumentos postos à disposição das empresas recuperandas, permitir-se-ia a sua recuperação econômica, financeira e operacional, preservando-se o emprego e promovendo-se o quanto possível e na melhor forma o pagamento dos credores das sociedades empresárias inadimplentes.
Tal pensamento do legislador ordinário coaduna com o espírito do legislador constituinte, que consagrou na Carta Magna de 1988, entre os princípios norteadores da Ordem Econômica e Financeira Nacional, o Princípio do Pleno Emprego, da Livre Iniciativa e da Função Social da Propriedade, considerando as empresas um bem social e de inestimável importância para a economia e o desenvolvimento do País, de modo que sua preservação deve ser prioridade, pois gera empregos para população, serviço e mercadorias no mercado e ainda gera tributos ao Estado. Assim, a continuidade da produção e a preservação das empresas, mesmo que em situação de crise, é de grande interesse econômico e social para o País, devendo a liquidação ser levada a cabo somente em casos extremos de empresas totalmente inviáveis do ponto de vista econômico, financeiro e social.
Contudo, na medida em que os alvissareiros dispositivos da nova lei foram postos à prova nos processos de recuperação, notadamente os de recuperação judicial que foram surgindo, verificou-se uma série de deficiências e vulnerabilidades do legislador ordinário ao estatuir regras incompatíveis com a ordem constitucional vigente e, principalmente, com o espírito da própria lei. Entre tais imperfeições, salta aos olhos o disposto no parágrafo 4º do art. 56 da Seção IV que trata do procedimento de recuperação judicial. Segundo o ali exarado, rejeitado o plano de recuperação judicial pela assembleia geral de credores, o juiz decretará a falência do devedor.
O questionamento que se faz é se o ato judicial que não se limita a somente analisar o pedido de recuperação judicial formulado pelo autor, mas que extrapola os limites desse pedido para decretar a falência não infringiria a Constituição Federal. Em tempo, por ser pesquisa do tipo exploratória, o presente artigo traz, como objetivo, a intenção de clarificar conceitos, facilitando a compreensão do leitor quanto ao assunto tratado e trazendo familiaridade com o tema.
Quanto à natureza da metodologia, o presente trabalho deve ser visto como um resumo de assunto, uma vez que objetiva gerar conhecimentos úteis sobre o tema abordado, apresentando análise e interpretação dos dispositivos legais à luz da Constituição Federal, a partir da pesquisa bibliográfica realizada. No que tange a seus objetos, o artigo apresentado é uma pesquisa bibliográfica, elaborada a partir de material já publicado, constituído de livros e artigos disponibilizados na internet.
Assim, a ideia é apresentar uma visão geral das questões doutrinárias com que o assunto está envolto, levando-se a concluir pela possível inconstitucionalidade do dispositivo da Lei de Recuperações Judiciais aqui explorado.
2. DESENVOLVIMENTO
Inicialmente, cabe a elucidação de alguns conceitos necessários para o correto entendimento da questão posta. Forçoso assim buscar a adequada compreensão das normas constitucionais orientadoras da Ordem Econômica Nacional previstas a partir do art. 170 da Constituição Federal.
Nesse sentido, realiza-se necessário exame das normas-princípio da função social da propriedade, da busca do pleno emprego, da livre iniciativa e da continuidade da empresa, com vistas a compreender o atrelamento da ordem econômica aos ditames da justiça social, preconizado pelo Legislador Constituinte e, assim, apurar-se a evidente violação desses primados pela Lei de Falências e Recuperações Judiciais.
Com efeito, o art. 170 da Lei Maior assim, solenemente dispõe:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
(grifo nosso)
E, ainda, o parágrafo único do mesmo artigo, consagrando a ideia de liberdade plena a atividade empresarial no desenvolvimento do mister de promover a justiça social, assim assevera:
É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
A Lei 11.101/2005 trouxe para as empresas em crise a possibilidade de manterem-se “vivas”, ante as dificuldades próprias de quem assume o risco da atividade econômica. Isso porque passou a regular a possibilidade de aquelas economicamente viáveis buscarem meios de solucionar os seus problemas econômico-financeiros sob a batuta do Estado e mediante uma série de instrumentos e medidas colocadas à sua disposição.
Todavia, ao se analisar com mais divagar todo o instrumental trazido pela Lei de Recuperações Judiciais, verifica-se uma série de impropriedades do legislador ordinário, que por vezes, entra em contradições em alguns dispositivos, e outras ainda, infringe o próprio espírito da lei. É o caso, por exemplo, da vedação expressa do § 4º do art. 49 de inclusão dos créditos oriundos de Adiantamento de Contrato de Câmbio no rol daqueles sujeitos aos efeitos da recuperação judicial.
Outra questão que avulta tormentosa na norma de falências e recuperações judiciais é a disposta no §4º do art. 56, que em total dessintonia da sessão e do capítulo em que está guardado (do procedimento da recuperação judicial), desdiz tudo o aquilo que o caput do art. 56 e os artigos a ele antecedentes e os consequentes asseveram quanto à busca pela “saúde econômica” da sociedade empresária em crise.
As incongruências apontadas mostram-se, assim, evidentes ao intérprete, vez que, em verdade, o espírito da lei é exatamente traçar alternativas de superação das crises, promovendo os mecanismos de satisfação dos créditos inadimplidos, a recuperação da empresa e a preservação dos empregos, ao reverso do que assevera o famigerado parágrafo 4º, que enfraquece, sem peias, o instituto da recuperação judicial.
Com efeito, não é que se cogite da empresa devedora impor o plano de recuperação judicial, fins de se ver livre do juízo universal falimentar com todos os seus consectários legais, relegando ao judiciário o papel de simples “carimbador” do Plano. Absolutamente. Na verdade, a atuação do judiciário é, aqui e alhures - e não poderia ser diferente no juízo falimentar ou da recuperação -, o de órgão dirimente dos conflitos sociais, com o fim de restabelecer a paz coletiva, consoante preleciona Fux (2001):
O Estado como garantidor da paz social, avocou para si a solução monopolizada dos conflitos intesubjetivos pela transgressão à ordem jurídica, limitando o âmbito da autotutela. Em consequência, dotou um de seus Poderes, o Judiciário, da atribuição de solucionar os referidos conflitos mediante a aplicação do direito objetivo, abstratamente concebido, ao caso concreto.
Nesse diapasão, questionável é a possibilidade aberta pelo dispositivo legal ao magistrado de - acaso rejeitado o Plano de Recuperação pela Assembleia Geral de Credores - decretar a falência da empresa recuperanda, ainda que não haja pedido expresso daqueles interessados – os credores – nesse sentido.
Assim, além de violar os princípios orientadores da Ordem Econômica já mencionados (função social da propriedade, busca do pleno emprego e livre iniciativa), esse decisum feriria de morte o princípio da congruência entre o pedido e a sentença – considerando, destarte, a natureza jurídica de tal decisão como de sentença constitutiva, porquanto “a partir de sua edição, a pessoa, os bens, os atos jurídicos e os credores do empresário falido são submetidos a um regime jurídico especifico” (COELHO, 2010, p. 267. Percebe-se, dessa forma, verdadeiro descompasso nessa previsão legal com o real espírito da Lei de Falências e Recuperações Judiciais. Em tempo, para uma melhor constatação desse espírito do legislador, relevante se fazer um sucinto cotejo do instituto da Lei 11.101/2005 com os princípios constitucionais vetores da Ordem Econômica e, assim, concluir pela apontada contradição legislativa no mesmo diploma normativo. Antes, porém, é necessário que se compreenda esse estado de crise que leva as empresas a buscarem a alternativa da recuperação judicial, isso porque constitui fundamento de fato e de direito (causa de pedir) para propositura da ação judicial a demonstração por parte da empresa recuperanda a efetiva situação de crise.
Nesse passo, assente que, quando se fala simplesmente que uma empresa está em crise, isso pode ter variados significados, importando, então, que se faça detida distinção entre três fatores jurígenos apontados como ensejadores do estado de crise. São eles: o econômico, o financeiro e o patrimonial.(Coelho: 2010).
De acordo com o ensinamento de Coelho (2010), colhe-se que um fator desencadeia outro e a complexidade da economia e das relações jurídicas do nosso tempo acaba gerando, cada vez mais, situações em que se manifesta um dos tipos de crises fundadas nesses elementos. Ocorre que, a depender do tipo de crise evidenciada, poderá não haver qualquer repercussão nos agentes econômicos, sendo irrelevante, portanto, para o direito.
Com efeito, segundo Coelho (2010), existem três tipos crises que envolvem diretamente a empresa: a crise econômica, a crise financeira e a crise patrimonial. Segundo o esse doutrinador, por crise econômica deve-se entender a retração considerável nos negócios desenvolvidos pela sociedade empresária. Se os consumidores não mais adquirirem igual quantidade dos produtos ou serviços oferecidos, o empresário pode sofrer queda de faturamento. Em igual situação, está o atacadista, o industrial ou o fornecedor de insumos que veem reduzidos os pedidos dos outros empresários, ocasionando um verdadeiro círculo vicioso do processo produtivo.
Já a crise financeira se revela quando a sociedade empresária não tem caixa para honrar seus compromissos. É a crise de liquidez. As vendas podem estar crescendo e o faturamento satisfatório e, portanto, não existir crise econômica, mas a sociedade empresária pode ter dificuldades de pagar suas obrigações, porque ainda não amortizou o capital investido nos produtos mais novos, nesse caso, poderá estar endividada em moeda estrangeira e, assim, ser surpreendida por uma crise cambial ou o nível de inadimplência na economia está acima das expectativas (Coelho: 2010).
Quanto à crise patrimonial essa é, em verdade, a insolvência da sociedade empresária, ou seja, a insuficiência de bens no ativo para atender à satisfação do passivo. Trata-se de crise estática, isto é, se a sociedade empresária tem menos bens em seu patrimônio que o total de suas dívidas, apresenta uma condição temerária, indicativa de grandes riscos para os credores. (Carvalho: 2007). Por fim, arremata Coelho (2010):
A crise da empresa pode ser fatal, gerando prejuízos não só para os empreendedores e investidores que empregaram capital no seu desenvolvimento, como para os credores e, em alguns casos, num encandear de crises, também para outros agentes econômicos. A crise fatal de uma grande empresa significa o fim de postos de trabalho, diminuição de arrecadação de impostos e, dependendo das circunstâncias, paralisação de atividades satélites e problemas sérios para a economia local, regional ou, até mesmo nacional. Por isso, o direito se ocupa em criar mecanismos jurídicos e judiciais de recuperação da empresa.
Efetivamente, fulcrado nesse ideário de função social da empresa, o legislador ordinário cuidou de inserir no ordenamento pátrio norma que guardasse esses mecanismos de preservação e promoção de soluções para as crises que eventualmente ameaçassem de falência as empresas brasileiras.
Nesse contexto, surgiu a Lei 11.101/2005 que, entre outros institutos por ela regulados, normatizou a recuperação judicial das sociedades empresárias em dificuldades econômico-financeiras. Contudo, evidentes algumas incongruências nessa lei quanto a alguns de seus diversos dispositivos. O mais sensível é o que diz respeito à possibilidade de o magistrado, no juízo da recuperação judicial, mesmo que não haja pedido expresso para tal, decretar de ofício a falência da empresa que tem o plano de recuperação rejeitado pela assembleia geral de credores.
Isso fere de morte o espírito da lei e afigura-se flagrantemente inconstitucional, exatamente por violar princípios tão caros à ordem econômica, financeira e social, como o são os princípios da livre iniciativa, do pleno emprego e da função social da propriedade.
2.1. Dos Princípios Norteadores da Ordem Econômica
Para se entender de que forma se dá tal agressão, importante conhecer, mesmo que perfunctoriamente o conceito e a função de cada princípio no campo do direito empresarial e como se dá o desdobramento da conclusão aventada pela possível inconstitucionalidade do dispositivo da Lei de Recuperações Judiciais. Necessária essa compreensão, de modo a se fixar o entendimento do espírito do constituinte, segundo o qual os princípios alhures citados serviriam para sistematizar a esfera de atividades criadoras e lucrativas, com vistas à redução das desigualdades sociais. Tais consignariam, em última análise, um bojo de providências constitucionais efetivadoras da cognominada “justiça social” (BULOS: 2001, P. 1.129).
2.1.1. Função Social da Propriedade
A doutrina da função social da propriedade trouxe um novo conceito ao direito de propriedade que informa que ela é um bem de produção e não simplesmente um bem patrimonial. Nesse contexto, deve-se ter em mente que a empresa ativa cumpre um papel social, esse externalizado no estímulo à atividade econômica, na geração e manutenção de empregos e na produção de riquezas para toda a coletividade. Nesse sentido, para Barrufini (1998)
A função social está, em nosso direito, ligada à necessidade de imporem-se medidas mais graves para o particular do que aquelas autorizadas pela supremacia do interesse amplo da coletividade sobre a de seus membros. (...) O núcleo fundamental do conceito de preenchimento da função social é dado por sua eficácia atual quanto à geração de riqueza. A doutrina da função social da propriedade trouxe um novo conceito ao direito de propriedade que informa que ela é um bem de produção e não simplesmente um bem patrimonial, por isso, quem detém a posse ou a propriedade de um imóvel rural tem a obrigação de fazê-lo produzir, de acordo com o tipo de terra, localização, meios e condições propiciadas pelo Poder Público, que tem a responsabilidade no cumprimento da função da propriedade.
Vê-se pela definição apresentada pelo constitucionalista mencionado, que o princípio da função social da propriedade nada mais é, que um instrumento limitador do abuso do direito de propriedade, ou seja, é garantido referido direito, desde que se observe a satisfação do interesse coletivo como primado maior. Essa concepção de satisfação do interesse coletivo como primado maior que deve ser levado para dentro do processo de recuperação judicial, de modo a se buscar tanto quanto possível a manutenção em atividade da sociedade empresária recuperanda. E é sempre com esse espírito que o magistrado no juízo falimentar ou de recuperação judicial deve conduzir o processo.
Desse modo, o simples fato de os credores alegarem a existência de crédito contra o devedor em crise, não pode ser invocado como supedâneo para a extinção da sociedade empresária com a decretação de falência e a consecução da execução coletiva. Isso porque, apesar de assente que o inadimplemento de crédito constitui violação ao direito de propriedade do credor, deve-se aplicar, tanto quanto possível a função social na espécie. Ou seja, entende-se que a propriedade é um bem de produção e não simplesmente um bem patrimonial.
In casu, preserva-se viva e ativa a empresa endividada, gerando riquezas, mantendo os empregos, fomentando a economia e busca-se alinhar esse mister ao interesse dos detentores de crédito, com os diversos mecanismos de recuperação judicial: parcelamento, exclusão de juros e multas, descontos etc.
2.1.2. Busca do Pleno Emprego
O Legislador Constituinte estabeleceu por meio da Emenda nº 6/1995, inciso IX do art. 170 da Carta Magna que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, deve observar, dentre outros, o princípio da busca do pleno emprego. Segundo Nazar (2009, p. 126), a busca do pleno emprego é um princípio da ordem econômica que “visa criar oportunidades de trabalho para que todos possam viver dignamente, eliminando ou atenuando o déficit empregatício, conforme dispõe o caput do art. 170, da Constituição Federal”.
Nesse toar, ao se preferir a integral realização dos créditos dos credores da empresa em crise, não importando as consequências da exigência peremptória, a se buscar meios menos onerosos na recuperação judicial, estar-se-ia ferindo de morte os ditames desse princípio, uma vez que negando-se a recuperação judicial e decretando-se a falência, significaria o sufocamento da devedora e por consequência a extinção de todos os empregos criados por aquela empresa endividada.
Como arremate dessa ideia, Nazar (2009, p. 127) assevera que em uma economia de mercado, “a população economicamente ativa compõe-se de três categorias: empregadores, empregados e trabalhadores autônomos. Pleno emprego, assim, é a utilização máxima de todos os recursos produtivos”.
2.1.3. Livre Iniciativa
A ordem econômica é fundada na livre iniciativa e liberdade econômica, razão porque é assegurado a todos o exercício de qualquer atividade econômica, nos termos do que dispões o parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal. Para Fonseca (2004), a toda evidência, “é vedado ao poder público e ao intérprete do ordenamento jurídico antever a exegese que transponha a intangibilidade da livre iniciativa que a todos é assegurada em relação a qualquer atividade”. Em outras palavras, afigura-se esdrúxula, incompreensível, desproporcional e inconstitucional qualquer intervenção ou mesmo interpretação da norma por parte do poder constituído tendente a concluir pela eliminação da livre iniciativa empresarial. Nesse sentido, é flagrante a violação a esse princípio o decreto de falência de ofício previsto no §4º do art. 55 da Lei 11.101/2005.
Esse princípio, assim como os demais vetores da ordem econômica, apresentam-se, pragmaticamente, como condições que se impõem à atividade econômica e também ao próprio poder público, que deverão obrigatoriamente observá-los como norte, como por exemplo na interpretação dos preceitos infraconstitucionais que cuidam da preservação ou preferência da existência da empresa em crise em detrimento dos interesses privados dos credores e a inafastável interferência do Estado-juiz nesses conflitos, fins de se verificar quais são as diretrizes a serem utilizadas no seu deslinde, de forma a concluir se a referida medida intervencionista está em conformidade ou não com os dispositivos constitucionais.
Efetivamente, verifica-se que, no pacto social representado pela Constituição foi reconhecido que a atividade econômica, mutatis mutandis, fundamenta-se na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa. Segundo Fabretti (2003), por valorização do trabalho humano deve-se entender, primeiramente, a criação de empregos e oportunização das condições para o trabalho ser realizado com dignidade.
A livre iniciativa propugnada é o livre exercício de qualquer atividade econômica, desde que seu objeto seja lícito e que sejam observadas as formalidades da lei, sem qualquer embaraço por parte do poder público. Assim, a livre iniciativa pode ser considerada como um dos principais vetores da ordem econômica nacional e, assim sendo, o dispositivo do §4º do art. 56 da Lei de Falências mostra-se flagrantemente inconstitucional por impedir a livre continuidade do exercício empresarial mesmo estando a sociedade empresária passando por crise (econômica, financeira e/ou patrimonial).
2.2. Princípio do Pedido
E, por derradeiro, de bom alvitre analisar o que dispõe o princípio do pedido, a fim de se colmatar qualquer dúvida quanto à (in) constitucionalidade aventada da decisão judicial de ofício que decreta a falência da sociedade empresária em crise.
Efetivamente, segundo Nery Júnior (apud Taveira Júnior: 2005),
No sistema do CPC pedido tem como sinônimas as expressões lide, pretensão, mérito, objeto. É o bem da vida pretendido pelo autor: a indenização, os alimentos, a posse, a propriedade, a anulação do contrato etc.
Assim, a atuação jurisdicional deve sempre estar adstrita ao limites da lide, da pretensão, do mérito, do objeto, enfim, do pedido. De modo que, qualquer pronunciamento judicial que a isso não observar, estará eivado de nulidade, configurando, destarte, na clássica definição do julgamento ultra, intra ou extrapetita.Holth (2008), lecionando a respeito dos limites da atuação jurisdicional diante das demandas processuais que lhe são sujeitadas, traz a lume o posicionamento do Supremo Tribunal Federal - STF, asseverando que
Pelo princípio do pedido, considera-se que o STF está adstrito à análise dos dispositivos legais apontados como inconstitucionais pela inicial da ADI. Ou seja, se a ADI impugna os arts. 7º, 8º, 9º de uma determinada lei, o STF limitar-se-á a constitucionalidade desses artigos, por mais que outros dispositivos lhe pareçam igualmente incompatíveis com a Carta Magna.
Desse modo, assim como o STF não pode dizer além do que provocado, pugnado, pleiteado pelo Autor da ADI, o juízo falimentar/recuperando diante da demanda de recuperação judicial aviada pela empresa devedora, que não obtém êxito na aprovação do plano de recuperação pela assemblei de credores, deverá julgar extinto e arquivar o processo, por ausência de procedibilidade. Agindo diferente disso, agride-se frontalmente o desiderato da congruência entre o pedido e a sentença. Evidentemente, se qualquer dos credores que não anuíram ao plano de recuperação, pugnar pela falência da devedora, restará perfectibilizada a triangulação processual, podendo o magistrado, nessa hipótese, manifestar-se pela falência ou não.
2.3. Do Procedimento da Recuperação Judicial
O dispositivo cuja constitucionalidade é aqui analisada, encontra-se no Capítulo III – Da Recuperação Judicial e notadamente na Seção III – Do Procedimento no corpo do texto da Lei 11.101/2005. Desse modo, de bom alvitre, para uma melhor compreensão, vaguear mesmo que perfunctoriamente sobre o processamento do pedido de recuperação judicial formulado pela empresa recuperanda.
Com efeito, o art. 51 da referida Lei assim dispõe:
Art. 51. A petição inicial de recuperação judicial será instruída com:
I – a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico-financeira;
II – as demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância da legislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente de:
a) balanço patrimonial;
b) demonstração de resultados acumulados;
c) demonstração do resultado desde o último exercício social;
d) relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção;
III – a relação nominal completa dos credores, inclusive aqueles por obrigação de fazer ou de dar, com a indicação do endereço de cada um, a natureza, a classificação e o valor atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação pendente;
IV – a relação integral dos empregados, em que constem as respectivas funções, salários, indenizações e outras parcelas a que têm direito, com o correspondente mês de competência, e a discriminação dos valores pendentes de pagamento;
V – certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas, o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores;
VI – a relação dos bens particulares dos sócios controladores e dos administradores do devedor;
VII – os extratos atualizados das contas bancárias do devedor e de suas eventuais aplicações financeiras de qualquer modalidade, inclusive em fundos de investimento ou em bolsas de valores, emitidos pelas respectivas instituições financeiras;
VIII – certidões dos cartórios de protestos situados na comarca do domicílio ou sede do devedor e naquelas onde possui filial;
IX – a relação, subscrita pelo devedor, de todas as ações judiciais em que este figure como parte, inclusive as de natureza trabalhista, com a estimativa dos respectivos valores demandados.
Ato contínuo, a lei assevera que estando em termos, o juiz deferirá o processamento do pedido e, entre outras medidas, ordenará a expedição de edital contendo resumo do pedido inicial, a decisão que deferiu in limine o processamento, a relação nominal dos credores e seus respectivos créditos atualizados, a competente classificação desses e a advertência quanto aos prazos para que os credores apresentem objeção ao plano apresentado pela empresa devedora. Seguindo na análise do procedimento previsto no Capítulo III, nos deparamos com mais uma aberração da lei, notadamente o art. 53, caput, que aduz que a sociedade empresária devedora terá o prazo improrrogável de sessenta dias para apresentar ao juízo plano de recuperação, sob pena de convolação em falência, isso sem qualquer pedido expresso de qualquer dos interessados legitimados pela lei a fazê-lo.
Igualmente ao já assinalado, essa decisão afigura-se eivada de vício de inconstitucionalidade, por violação aos mesmos princípios orientadores da Ordem Econômica alhures mencionados e mais evidentemente ao princípio da congruência entre o pedido e a sentença. Este último ainda mais agredido ao analisarmo-lo sob a ótica do Direito Processual, que o coloca como elemento basilar do processo (TAVEIRA JÚNIOR, 2005).
Incontinenti, no procedimento sub examine, havendo objeção de qualquer credor, o juiz convocará a Assembleia Geral de Credores que deliberará sobre o Plano de Recuperação apresentado. A Assembleia o aprovando, poderá indicar membros do Comitê de Credores e poderá ainda promover alterações e ajustes no plano formulado pelo credor.
Entrementes, arremata o art. 56, §4º da lei que “o plano de recuperação pela Assembleia Geral de Credores, o juiz decretará a falência do devedor”. Nesse ponto, reside a grande controvérsia da lei, aqui objeto do presente artigo científico.
Com efeito, a decisão mais coerente com o espírito da lei e que se mostraria consonante com a Ordem Constitucional vigente, não havendo pedido expresso por parte de qualquer dos credores de decretação da falência da empresa devedora, seria a extinção do processo e o seu arquivamento, por falta de condições de procedibilidade, uma vez constituir a anuência dos credores (ou a não objeção destes) condição sine qua non para a recuperação judicial.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com efeito, o dispositivo do § 4º do art. 55 da Lei 11.101/2005 que guarda a possibilidade de decretação de falência de ofício pelo juiz ainda no juízo de recuperação judicial se acaso rejeitado o plano de recuperação apresentado pela empresa em situação de crise, redunda em verdadeira contradição do legislador com a intenção e o espírito da nova lei de falência e recuperações judiciais, ferindo de morte os princípios constitucionais do pleno emprego, da livre iniciativa econômica, da função social da propriedade e principalmente o princípio do pedido.
A conclusão a que ora se chega - inconstitucionalidade do dispositivo infraconstitucional da Lei 11.101/2005 -, parte da análise do art. 170 e seguintes da Carta Cidadã. Efetivamente, verifica-se que, no pacto social representado pela Constituição foi reconhecido que a atividade econômica, mutatis mutandis, fundamenta-se na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa.
A livre iniciativa propugnada é o livre exercício de qualquer atividade econômica, desde que seu objeto seja lícito e que sejam observadas as formalidades da lei, sem qualquer embaraço por parte do poder público, posto ser a empresa agente ativo no mister do Estado de redução das desigualdades sociais, por ser mola propulsora da economia, gerando empregos, fomentando o mercado e promovendo a circulação de ativos no País.
Assim, a decisão judicial fundada no §4º do art. 56 da Lei 11.101/2005 que decretar a falência da empresa, viola, sem peias, os princípios vetores da ordem econômica mencionados e por arrastamento atinge mortalmente o princípio macro da dignidade da pessoa humana, posto que com a extinção da empresa que, mesmo em dificuldades, continua a produzir riquezas, gerando emprego e renda e fomentando economia, as providências evidenciadoras da justiça social reclamadas pelo Constituinte estarão abaladas e impedidas de implementadas pela empresa falida.
A toda evidência, não se pode invocar a liberdade do legislador ordinário que assim preferiu dispor no procedimento da recuperação judicial, para justificar o ato do juízo que não aprecia. Evidentemente, a vontade do legislador, em consonância com o espírito da lei e com os preceitos constitucionais antes repisados é que o pedido de recuperação judicial, assim como o plano apresentado pela empresa devedora fossem analisados pelo Estado, enquanto pacificador social e como agente canalizador das vontades e interesses resistidos, fins de se verificar a viabilidade econômica e social da empresa e assim, implementar os meios e mecanismos necessários para a resolução da crise em que está envolta, de modo a preservar a continuidade da atividade empresarial, com a manutenção dos empregos por ela gerados e do ciclo produtivo do qual faz parte, alinhado tanto quanto possível à satisfação dos interesses dos credores da sociedade empresária devedora.
4. REFERÊNCIAS
BARRUFINI, José Carlos Tosetti. Usucapião Constitucional Urbano e Rural – Função Social da Propriedade. São Paulo: Atlas, 1998.
BRASIL. Constituição Federal. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 24/07/2013.
BRASIL. Lei 11.101, publicada em 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11101.htm. Acesso em: 24/07/2013.
BULLOS, Uadi Lammego. Constituição Federal Anotada. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
CARVALHO, Albadilo Silva. Recuperação judicial da empresa com fundamento no princípio da viabilidade econômico-financeira. Disponível em http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1730. Acesso em: 24 Jul. 2013.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial – Contratos e Recuperação de Empresas. 11. Ed. São Paulo. Saraiva, 2010.
FABRETTI, Láudio Camargo. Direito de Empresa no Novo Código Civil. São Paulo: Atlas, 2003.
FONSECA, João Bosco Leopoldino da Fonseca. Direito Econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
HOLTH, Leo Van. Direito Constitucional. 4. Ed. Salvador: Jus Podium, 2008.
NAZAR, Nelson. Direito Econômico. 2. Ed. São Paulo: Edipro, 2009.
TAVEIRA JÚNIOR, Fernando Tenório. O Princípio da Congruência entre o Pedido e a Sentença. Elaborado em Setembro de 2005. Disponível emhttp://jus.com.br/artigos/7510/o-principio-da-congruencia-entre-o-pedido-e-a-sentenca. Acesso em: 24 jul. 2013.
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