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A FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE


Autoria:

Pietro Zinezi Negrão Salum


Advogado no Estado de São Paulo/SP

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Resumo:

O presente estudo analisa a função social dos contratos de assistência à saúde, estes que têm o condão de proporcionar ao contraente um serviço de proteção à saúde, já que não fornecido de forma razoável pelo Estado.

Texto enviado ao JurisWay em 25/10/2013.

Última edição/atualização em 28/10/2013.



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A Constituição Federal de 1988, em diversas oportunidades, prevê a tutela da saúde dos cidadãos como sendo um dever do Estado, conforme se depreende dos artigos abaixo transcritos:


Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

Inciso I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público;

Inciso II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

Inciso XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;

Art. 30. Compete aos Municípios:

Inciso VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

            Ainda, há na Constituição Federal, dentro do Capítulo II do Título VIII (Da Ordem Social), seção destinada exclusivamente à questão da Saúde, iniciada pelo art. 196:


Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

 

 

            Comentário do constitucionalista Alexandre de Moraes a respeito de tais previsões:


"A Constituição Federal, em diversos dispositivos, prevê princípios informadores e regras de competências no tocante à proteção da saúde pública.

No Preâmbulo da Constituição Federal destaca-se a necessidade de o Estado democrático assegurar o bem-estar da Sociedade.

Logicamente, dentro do bem-estar, destacado como uma das finalidades do Estado, encontra-se a Saúde Pública.

Além disso, o direito à vida e à saúde, entre outros, aparecem como consequência imediata da consagração da dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil."

 

            Como é notório, o poder público não garante efetivamente o acesso dos cidadãos aos meios de proteção e tratamento de saúde, na forma pretendida e determinada pela Constituição Federal.

            Neste sentido, aliás, discorre Uadi Lammêgo Bulos em seu trabalho “Constituição Federal anotada”, conforme trecho em seguida reproduzido:


“O intuito dos textos constitucionais, portanto, é formidável. Todavia, não se realiza na prática. Mais uma vez estamos diante de uma frustração constitucional, pois a integral saúde física e mental do homem é algo, até o momento, inalcançável. O exemplo brasileiro é esclarecedor a esse respeito, porque a incolumidade do indivíduo, nos casos de doença ou mal-estar, não tem sido, do ponto de vista efetivo, direito de todos, nem, tampouco, dever do Estado.”

            Então, parte da população, principalmente aquela composta por pessoas menos privilegiadas financeiramente, é obrigada, quando necessário, a recorrer à utilização dos serviços médicos públicos.

            Tal serviço, como dito, é, por vezes, prestado deficitariamente, seja em razão da má-instrumentalização dos hospitais/centros médicos públicos, ou, por exemplo, em razão do baixo número de profissionais capacitados para atender a demanda existente, que, vale ressaltar, não é pequena.

            Essa situação faz com que aqueles cidadãos possuidores de uma situação financeira mais favorável busquem os serviços oferecidos pelas empresas privadas de assistência à saúde, mais conhecidas como Convênio de Saúde, Plano de Saúde ou Seguro Saúde.

            Vale ressaltar que a Constituição Federal autoriza a iniciativa privada a cuidar, complementarmente, da assistência à saúde dos cidadãos, conforme art. 199, abaixo transcrito:


“Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.

         § 1º - As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.

         § 2º - É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos.

         § 3º - É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei.

         § 4º - A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização.”

            A respeito do artigo retro transcrito, entende Uadi Lammêgo Bulos que “Ao lado da estatização da medicina, o constituinte também deu guarida às ações de saúde prestadas por particulares, dividindo com o setor privado a missão de realizar o programa enunciado pelo art. 196”.

            Essas empresas privadas de assistência à saúde contribuem para o tratamento e manutenção da saúde dos cidadãos, o que resulta, consequentemente, em uma sociedade mais equilibrada, sadia, segura e com mais qualidade de vida. Cuidam elas de fornecer, então, um serviço que o Estado deveria propiciar a todos os cidadãos, mas não o faz.

            Além disso, ao passo em que esses cidadãos mais abastados deixam de utilizar os serviços públicos de saúde para utilizarem tais serviços particulares oferecidos pelas empresas privada de saúde, a demanda daquele diminui, propiciando, em tese, a possibilidade de ocorrer um melhor atendimento à população.

            Nítida, então, a importante função social contida nos contratos de assistência à saúde existentes e celebrados diariamente com parte da população.

            A função social dos contratos é prevista no art. 421 do atual Código Civil, abaixo transcrito:


“Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.”


            A respeito da função social do contrato, assim entende Caio Mário da Silva Pereira: “A função social do contrato serve precipuamente para limitar a autonomia da vontade quando tal autonomia esteja em confronto com o interesse social e este deva prevalecer, [...]”.


            Maria Helena Diniz, tratando da autonomia da vontade, princípio inerente aos contratos civis de qualquer natureza, condiciona o seu exercício ao respeito do interesse social, quer dizer, nos limites da função social do contrato:


“O princípio da autonomia da vontade é o poder conferido aos contratantes de estabelecer o vínculo obrigacional, desde que se submetam às normas jurídicas e seus fins não contrariem o interesse geral, de tal sorte que a ordem pública e os bons costumes constituem limites à liberdade contratual [...]”


            A partir do momento em que as empresas de assistência à saúde, por qualquer motivo, atuam de modo a desequilibrar os contratos firmados com os seus consumidores, ocorre, pelas razões alhures expostas, um desrespeito à sua função social, prejudicando, portanto, não só os particulares contraentes, mas também a população em geral.

            Deve-se considerar, antes de qualquer coisa, que se trata de um contrato pelo qual se obrigam as empresas privadas a oferecerem um serviço de extrema delicadeza, qual seja, o tratamento de saúde dos consumidores.

            Vale colacionar entendimento do consagrado civilista Cláudio Bueno Godoy, a respeito do tema: “a função social atua sempre quando presentes estejam interesses metaindividuais, mas também, interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana”.

            Ainda, deve-se ressaltar que a parcela da sociedade brasileira que tem acesso a esse serviço particular é ínfima, por ser o valor do prêmio mensal alto para aqueles que percebem uma renda que se enquadra nos níveis sociais de classe baixa e média-baixa.

            Por este motivo, mais ainda, não devem as empresas privadas de assistência à saúde criar empecilhos ao cumprimento de suas obrigações.

            Agindo desta forma, a romper com as expectativas de seus consumidores - estes que, como dito, despendem mensalmente considerável quantia com a manutenção do contrato – deixam de cumprir com a sua função social, deixando claro seu obsessivo animus lucrandi e má-fé no desenvolver de suas atividades.

            Sobre o dever de lealdade intrínseco aos contratos de seguro trata o trecho abaixo da obra “O contrato de seguro de acordo com o novo código civil brasileiro”:


“A exigência de boa-fé, como regra de conduta das partes nos contratos de seguro (relação contratual e relação obrigacional) foi proclamada desde sempre, e continua sendo objeto de intensa atenção doutrinária, em face da sua crescente importância.”


            Eis, portanto, a relevância, a atualidade e a conveniência de se desenvolver um estudo apurado acerca do instituto, justificando, assim, a escolha do tema para a elaboração de dissertação do trabalho de graduação interdisciplinar.

 

 

A problemática envolvendo os contratos de assistência à saúde

 

            De todo o exposto neste trabalho, extrai-se que as empresas de assistência à saúde possuem sério compromisso com seus consumidores, devendo, em face disso, prestar os seus serviços de forma primorosa: com qualidade e agilidade.

            No entanto, o que se vê atualmente é que deixam a desejar os serviços oferecidos por essas empresas, e não apenas pelas mais acessíveis, como também pelas mais custosas, com carteira de clientes formadas por pessoas que se dispõem a pagar um alto prêmio mensalmente.

            A título de exemplo, os usuários que necessitam passar em consultas médicas, realizar exames e outros procedimentos, se veem obrigados a aguardar considerável tempo até que sejam liberados pela empresa.

            Em face disso, a ANS estipulou, por meio da Resolução nº 259, prazos para a marcação de consultas e procedimentos; como de 7 dias para consultas básicas; 21 dias para serviços de diagnóstico; 21 dias para procedimentos de alta-complexidade; dentre outros.

            Acontece que, recorrentemente, as empresa descumprem esses prazos estipulados pela ANS, principalmente aquelas empresas que possuem estrutura precária, revelada por baixo número de profissionais e clínicas credenciadas, e péssima relação com os seus médicos conveniados, que preferem uma relação direta com os pacientes, atendendo-os em consultas particulares.

            Outra atitude que revela a precariedade dos serviços prestados pelas empresas de assistência à saúde é a negativa de cobertura de procedimentos aos quais os usuários necessitam submeter-se.

            Muitas das vezes, os contratos firmados entre usuário e plano de saúde possuem cláusulas dúbias ou mesmo são omissos em diversos pontos. O usuário, em momento delicado de sua vida, necessita realizar determinado procedimento médico e solicita uma autorização ao seu plano de saúde. O plano de saúde, por sua vez, lhe remete uma missiva, informando que aquele procedimento não se encontra coberto pelos termos do contrato firmado, negando-se, portanto, a efetuar o pagamento das despesas dele decorrentes.

            Essas negativas, no mais das vezes, revelam-se abusivas. As operadoras, ao seu bel prazer, e aproveitando-se da boa-fé e do desconhecimento técnico de seus clientes, lhes oferecem negativas carentes de fundamentos jurídico-legais aceitáveis, revelando seu obsessivo animus lucrandi.

            Outro comportamento odioso, e recorrente, é o reajuste do valor da mensalidade de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, expressamente vedada desde a promulgação do Estatuto do Idoso - Lei 10.741/2003.

            Percebe-se, analisando os singelos exemplos acima elencados, que as empresas de assistência à saúde procedem de forma ilegítima em face de seus clientes, contrariando descaradamente dispositivos legais e resoluções da ANS, por um simples motivo: seus usuários desconhecem os seus direitos e se encontram em situação de vulnerabilidade, impotentes e incapazes de fazer valer o que tais regramentos determinam.

            O próximo capítulo será destinado a apresentar o entendimento jurisprudencial pátrio a respeito das condutas acima noticiadas.

 

 

Possíveis soluções

 

            No desenvolvimento do presente trabalho restou cristalinamente delimitado que os contratos de assistência à saúde – prima facie um negócio jurídico firmado entre particulares – não podem ser contemplados como instrumentos puramente individuais.

            Com efeito, se essa modalidade de contrato tutela um direito fundamental assim concebido pela Carta Magna, a saúde, que precede, inequivocamente, todos os demais direitos fundamentais: seu desenvolvimento no ordenamento jurídico deve permear não só as partes contratantes, autônoma e individualmente, mas também toda coletividade- justamente em razão da função social atribuída a tais pactos.

            Sendo assim, o Estado, em todas as suas esferas, ente originariamente responsável pela efetivação da saúde e que deixou de sê-lo em razão da evidente ineficiência do sistema, tem o poder-dever de zelar pelo bom desempenho dessa atividade na conjuntura da atuação entre particulares.

            Partindo-se da premissa que o mercado de assistência à saúde privada apresenta inúmeros problemas, antes abordados, e tendo como pressuposto a função da ANS, enquanto entidade de promoção do interesse público na saúde suplementar, uma primeira solução é o aprimoramento de suas atividades centrais, especialmente na prática atinente à fiscalização das empresas que prestam serviços de assistência à saúde.

            Essa proposição já é uma realidade; a ANS vem aperfeiçoando a sua própria estrutura visando a melhor e mais eficiente fiscalização das empresas. Como exemplo recente temos a suspensão da comercialização de diversos planos, em virtude da não observância dos prazos previstos na Resolução Normativa nº 259 de 2011, que estabelece prazos para atendimento do beneficiário – aí contemplados consultas exames e procedimentos.

            Em que pese a evolução da Agência Nacional de Saúde Suplementar na condição de entidade fiscalizadora de uma atividade de curial importância, ainda há progressos a serem verificados. No segmento das negativas abusivas – certamente um dos mais graves no que respeita à tutela dos direitos dos consumidores – a atuação da ANS se apresenta, no mínimo, discreta.

            Respostas evasivas às consultas dos consumidores, demora e burocracia no atendimento, valor ínfimo das multas eventualmente aplicadas às empresas de assistência à saúde são alguns dos problemas pungentes que obstam uma evolução considerável no setor.

            Nesse contexto, cumpre sublinhar que o PROCON São Paulo também apresenta inúmeros problemas – especialmente de natureza estrutural – que dificultam a concretização dos objetivos pelos quais foi concebido: elaborar e executar a política de proteção e defesa dos consumidores.

            Tratando-se de uma instituição vinculada à Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, portanto, pessoa jurídica de direito público, deveria zelar pelo aperfeiçoamento de suas atividades visando efetivar os direitos de seus consumidores. Não é o que ocorre na prática; casuisticamente, raros os casos em que a fundação logra êxito em resolver um conflito, que invariavelmente acaba batendo às portas do Poder Judiciário.

            O IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – é o exemplo oposto. Associação de consumidores fundada em 1987, tem como principal característica a forte atuação em segmentos sempre vinculados aos direitos do consumidor: saúde, telefonia, bancos, alimentação, internet e televisão, dentre outros. Em sua recente história, computa importantes vitórias, geralmente obtidas mediante o ajuizamento de ações coletivas.

            Uma segunda proposição de solução, assim, refere-se ao aperfeiçoamento das entidades concebidas para tutelar os direitos do consumidor – sejam elas públicas ou privadas. As melhorias não estão adstritas apenas à fiscalização dos prestadores de serviço; é necessária uma releitura basicamente albergada na educação dos cidadãos – consumidores e fornecedores. A ampla disseminação de informações será uma arma poderosa para a efetivação dos direitos dos consumidores.

            Por fim, impossível negar a relevância do Poder Judiciário nos assuntos que envolvem os contratos privados de assistência à saúde. Para além da discussão relativa à “judicialização” da saúde – que por sua importância mereceria um trabalho inteiro – o ativismo judicial tem realçado de forma expressa a função social dos contratos em debate.

            Inicialmente de forma discreta e hodiernamente com força total, as sentenças e acórdãos proferidos nos mais variados Fóruns e Tribunais do Brasil têm alterado de forma sensível a maneira de interpretar os contratos de assistência à saúde.

            Embasados essencialmente no Código Civil e na Carta Magna, grande parte dos magistrados não mais se alicerça nos princípios individualistas que marcaram o século passado; ao contrário: julgam à luz dos novos paradigmas contratuais, como a boa-fé objetiva e a função social do contrato. A horizontalização dos direitos fundamentais também é notória: os comandos constitucionais estão invariavelmente permeando as relações privadas.

            Nessa perspectiva, muitos consumidores de contratos de assistência à saúde têm reconhecidos os seus direitos judicialmente – não somente em razão dos dispositivos presentes no Código de Defesa do Consumidor – mas também em virtude da função social que os pactos dessa natureza encerram em si mesmos.

            A superação de cláusulas abusivas marca a atividade judicial recente; a força obrigatória dos contratos cedeu espaço aos princípios da proporcionalidade, equilíbrio e razoabilidade. As decisões não estão mais amparadas em “letras mortas”, mas sim em princípios vivos, dinâmicos e em constante evolução, aptos a adequar a sociedade à realidade que a permeia.

            O sistema judicial, sensível à realidade, não se contentou em afastar as cláusulas abusivas e compelir as empresas a custear os tratamentos necessários, albergados em contrato. Capitaneado pela Eminente Ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, sedimentou-se o entendimento que as recusas indevidas por parte das empresas de assistência à saúde geram dano moral.

            Com efeito, enquanto o Poder Judiciário de uma forma global não adotar providências coibitivas - por intermédio de medidas que pesem no “bolso” das empresas – as negativas ilegais persistirão.

            Daí surge o necessário caráter punitivo-educatico-coibitivo da indenização por danos morais a ser imposta. Desta forma, os danos morais possuem como fundamento (i) o inadimplemento contratual que enseja prejuízos na esfera extrapatrimonial do consumidor (ii) o abuso no exercício inadmissível de um suposto direito e (iii) função punitiva-educatica-coibitiva.

            Não obstante os conhecidíssimos problemas que dia a dia acometem os Fóruns e Tribunais em todo o país, decisões judiciais concernentes à tutela dos direitos dos usuários de planos e seguro-saúde têm trazido solução efetivas.

 

A Função Social dos Contratos de Assistência à Saúde

 

            A importante função social que detêm os contratos de assistência à saúde é clara e óbvia, razão pela qual as empresas que prestam tais serviços devem se empenhar e fornecê-los da melhor forma possível, em conformidade com o que determinam as leis que lhes regulam.

            Em face da relevância das atividades executadas por essas empresas, tais contratos devem ser interpretados de modo a garantir uma harmonia entre as pretensões das partes contratantes: consumidor e empresa. Mais ainda porque a interpretação atual de contratos mostra-se diferenciada, tendo em vista a aplicabilidade dos princípios da boa-fé objetiva, equidade e dignidade da pessoa humana, princípios destinados a “humanizar” esses pactos.

            Não se pode mais interpretar um contrato como um “direito absoluto”, sendo certo que o princípio do “pacta sunt servanda” encontra-se flexibilizado face aos princípios supramencionados e o entendimento jurisprudencial recente.

            Sobretudo no caso dos contratos de assistência à saúde, tem-se por obrigação considerar a impossibilidade de o cliente opinar sobre as cláusulas às quais irá aderir, por tratar-se de contrato de adesão, para que não se quede em situação delicada, já que o objeto do contrato é relacionado à sua saúde.

            A empresa de assistência à saúde que fornece insatisfatoriamente os serviços aos seus clientes, deixando-lhes frustrados, ao passo que quebram suas expectativas, também provoca uma reação social negativa, por ser a saúde um pressuposto mínimo ao viver em sociedade.

            Conforme estudado anteriormente, o poder público não garante efetivamente o acesso dos cidadãos aos meios de proteção e tratamento de saúde, na forma determinada pela Constituição Federal de 1988, em seus artigos 6º, 23, 24, 30 e 196.

            Ciente disso, o poder constituinte entendeu por bem tornar livre à iniciativa privada a assistência à saúde, conforme art. 199, abaixo transcrito:


 “Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.

         § 1º - As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.

         § 2º - É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos.

         § 3º - É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei.

         § 4º - A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização.”


            Assim, contribuem essas empresas para o tratamento e manutenção da saúde dos cidadãos, o que resulta, consequentemente, em uma sociedade mais equilibrada, sadia, segura e com mais qualidade de vida.

            Cuidam de fornecer, então, um serviço que o Estado deveria propiciar a todos os cidadãos, mas não o faz satisfatoriamente.

            Além disso, ao passo em que esses cidadãos mais abastados deixam de utilizar os serviços públicos de saúde para utilizarem tais serviços particulares oferecidos pelas empresas privada de saúde, a demanda daquele diminui, propiciando, em tese, a possibilidade de ocorrer um melhor atendimento à população carente.

            Nesse exato sentido, trecho extraído da obra “Planos de Saúde e Boa-fé Objetiva”, de Joseane Suzart Lopes da Silva:


 “Os planos de saúde, quando ministrados com base na boa-fé dos contratantes, produzem uma relação equilibrada e causam, consequentemente, impactos positivos na sociedade, uma vez que os usuários, satisfeitos com o vínculo contratual, permanecerão neste, e não integrarão o contingente de cidadãos que dependem do precário sistema público de saúde, dificultando, muito mais, a executoriedade deste”


            Basta imaginar que, caso não existisse empresas privadas prestadoras de serviços à saúde, pelo menos 48.660.705 pessoas a mais utilizariam o serviço público de saúde. Esse significativo aumento de usuários demandaria mais investimentos em construção de hospitais, compras de medicamentos, contratação de médicos e enfermeiros e demais empregados imprescindíveis à composição da estrutura necessária.

            Nítida, como se vê, a importante função social contida nos contratos de assistência à saúde existentes e celebrados diariamente com parte da população.

 

 

CONCLUSÃO

 

            Ao longo do presente trabalho pretendeu-se demonstrar a importância e a relevância dos contratos de assistência à saúde na perspectiva da sociedade atual – instrumentos esses que se revelam como verdadeiros substitutos de uma função que é, em tese, precipuamente do Estado: assistência à saúde.

            O fato de tutelarem os contratos em análise um direito fundamental, a saúde, de cujo exercício dependem outros direitos de igual importância, albergados pela Constituição Federal – vida e dignidade da pessoa humana – acarreta uma importante conclusão: os contratos privados de assistência à saúde, em que pesem serem celebrados individual e autonomamente, não podem ser enfrentados como tal, isoladamente.

            Em realidade, percebe-se claramente que a formalização de tais pactos irradia efeitos que permeiam toda a coletividade; aí está o coração desse trabalho: a função social do contrato de assistência à saúde – inspirada não somente no Código Civil de 2002, que contem dispositivo específico sobre o assunto, mas também nos princípios consagrados na Constituição Federal.

            O desenvolvimento do presente texto trilhou um sinuoso caminho, em que deve ser destacado: (i) a substituição de uma atividade essencial – incrementada pela livre iniciativa privada; (ii) efetivação dos direitos previstos na Carta Maior e fundamentais à constituição do Estado Democrático de Direito; (iii) horizontalização dos direitos fundamentais, com sua aplicação imediata nos ramos do Direito classicamente tidos como “privados” e (iv) reconstrução dos princípios contratuais clássicos, especialmente após o advento do novo Código Civil, especialmente com a intensificação da função social e da boa-fé objetiva (artigos 421 e 422)

            Por fim, traçou-se um panorama atual dos contratos de assistência à saúde no Brasil, elencando seus problemas mais urgentes – especialmente relacionados às falhas na prestação dos serviços – e sublinhando a posição da jurisprudência pátria, que de forma evidente vem contribuindo para o aperfeiçoamento de um “mercado” que evolui, mas a passos lentos.

 

 

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