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Resumo:
O estudo aborda a Teoria Autonomia da Vontade como forma mais segura de dinamizar e equalizar os conflitos dos ordenamentos jurídicos envolvidos no contrato internacional.
Texto enviado ao JurisWay em 18/05/2013.
Última edição/atualização em 21/05/2013.
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A autonomia da vontade, inspirada no Código francês, é um dos princípios gerais do Direito Contratual e Charles Dumoulin é tido como fundador da Teoria da Autonomia da Vontade no Direito Internacional Privado. Ainda no século XVI, foi o primeiro jurisconsulto a lançar a ideia de que as partes contratantes, pela vontade, têm o poder de determinar as leis que devem reger o negócio, o que representa uma reação à rígida territorialidade imposta pelos costumes.
O princípio da autonomia privada traduz-se na liberdade de as pessoas regularem, através de negócios jurídicos (contratos e negócios unilaterais), os seus interesses, em especial no que diz respeito à produção e à distribuição de produtos e serviços. A autonomia privada é fundamento dos princípios da liberdade contratual, do consensualismo e do efeito relativo dos contratos.Além de mais antigo, o princípio da lex voluntatis passou a ser considerado como a mais aceita norma do Direito Internacional privado.[1]
Por fim, segundo Irineu Strenger:
A autonomia da vontade corresponde à faculdade concedida aos indivíduos de exercer sua vontade, tendo em vista a escolha e a determinação de uma lei aplicável e certas relações jurídicas nas relações internacionais, derivando da confiança que a comunidade internacional concede ao indivíduo no interesse da sociedade, e exercendo-se no interior das fronteiras determinadas, de um lado pela noção de ordem pública, e, de outro, pelas leis imperativas, entendendo-se que, em caso de conflito de qualificação, entre um sistema imperativo e um sistema facultativo, a propósito de uma mesma relação de direito, a questão fica fora dos quadros da autonomia, do mesmo modo que somente se torna eficaz à medida que pode ser efetiva.
Para o ordenamento jurídico interno, autonomia significa que as partes podem fixar livremente o conteúdo dos contratos dentro dos limites da lei, ou seja, em face das normas imperativas de ordem pública. Já em âmbito internacional, a autonomia da vontade significa a liberdade das partes em escolher outro sistema jurídico para regular o contrato. Isso quer dizer que a autonomia das partes, no Direito Internacional Privado, tem por objeto a designação de uma lei aplicável aos contratos.
É de se destacar que os tribunais europeus são favoráveis a que as partes escolham a lei para reger suas relações contratuais. Na França há um clássico julgado em 1910 – American Trading Company contre Quebec Steamship Company Limited – tendo a Corte francesa afirmado que a lei escolhida pelas partes deveria reger os contratos. Verifica-se neste caso, que a orientação do Direito Internacional Privado francês tem sido propícia à liberdade das partes, como pode se verificar no projeto de lei de 1967, que teve por finalidade completar o Código Civil Francês em matéria de DIP, estabelecendo no art. 2.312 o seguinte:” Le contrat de carctère international et lês obligations qui en résultent, sont soumis à la loi sous l’empire de laquelle lês parties ont entedu se placer.”[3]
O julgado do caso American Trading Company exerceu grande influência na Europa, fazendo com que outros países se posicionassem da mesma maneira. Tal orientação culminou com a Convenção de Roma sobre Lei Aplicável as Obrigações Contratuais, de 1980, que consagrou o princípio da autonomia da vontade, uniformizando a matéria no âmbito da União Européia.A decisão da Cour de Cassation sobre o caso American Trading Company c. Quebec Steamship consagrou, na França, o princípio da autonomia da vontade e sepultou a tendência a aplicação da Lex loci contractus. O principio da livre escolha pelas partes da lei aplicável ao contrato foi enunciado, nessa decisão , de forma clara e incisiva. O acordo de vontades no qual as partes consolidam sua escolha mutua é denominado “contrato de escolha” ( contrat de choix”), ou pactum de lege utenda, ou ainda, de convenção de electio júris.
Ao ser enfrentado o tema da autonomia da vontade nos contratos, é preciso salientar que há três espécies de disposições aplicáveis as relações contratuais : as imperativas , as facultativas e as supletivas.[4]
São consideradas disposições imperativas aquelas que contem critérios que necessariamente serão utilizados e aplicados na apreciação jurídica do ato, independente de quaisquer interferências volitivas das partes envolvidas na relação.As facultativas permitem aos particulares escolher entre dois ou mais critérios de apreciação de seus atos. Trata-se de uma possibilidade de escolha, não havendo a obrigatoriedade intrínseca as imperativas.Finalmente, as disposições supletivas referem-se à imposição de determinado critério para o caso de ser deficiente, nula ou inexistente a manifestação de vontade das partes, permitida por disposição facultativa
Para Thais Cintia Carnio, o artigo 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro restringiu a autonomia da vontade das partes ao estabelecer o local da contratação como elemento de conexão, afastando a possibilidade de livre escolha.[5]A lei de introdução de 1916 trazia em seu art. 13, a possibilidade de eleição de legislação diversa, posto que no seu texto legal previa-se que seria aplicável a lei do local de contratação, “salvo estipulação em contrario”.[6]
Haroldo Valladao atribui a supressão dessa liberdade ao ambiente criado pelo regime ditatorial que acometia o Brasil quando da elaboração da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro hoje vigente.[7]Para Antonio Carlos Rodrigues do Amaral, entende-se que essa omissão de texto não significa sua revogação por dois motivos:a)a supressão decorreu exclusivamente do momento político em que se encontrava o Brasil; b) o novo texto permitiu as partes que a assinatura do contrato ocorresse no local da legislação que pretendem ver aplicada, pois seria um contrassenso impedir que a vontade humana fosse o próprio elemento de conexão.[8]
Em que pese esse argumento, resta clara a intenção do legislador de restringir a autonomia da vontade das partes, pois se trata de norma imperativa, logo, não há possibilidade de flexibilização de seu entendimento.
Para a doutrinadora Maria helena Diniz não haveria acolhida para a autonomia da vontade em matéria alusiva a contratos, vigorando a lei imperativamente determinada pela Lex loci contratus.[9]
Ao ver da doutrinadora Thais Cintia Carnio[10], faz-se necessária a analise conjunta do art. 9 com o art. 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que considera ineficazes todos e quaisquer atos que ofendam a ordem publica interna, a soberania nacional e os bons costumes:
Art. 9o Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.
§ 1o Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.
§ 2o A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente.
Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.[11]
No Brasil como primeiro jurista a publicar uma obra dedicada ao direito internacional privado, foi o jurista Pimenta Bueno, sob influencias das doutrinas francesas. Para a professora Nadia Araujo[12], Pimenta Bueno parece contrario a ideia de autonomia das partes, pois ao tecer sobre o tema , no seu entender autonomia, colocava o conceito como livre arbítrio das partes em contratar e por conseguinte regular interesses como julgarem melhor. Foi esclarecedor ao definir essa liberdade como clausular, finalizando com o esclarecimento de que a lei aplicável não poderia ser outra senão a do lugar em que o ato se passava ou daquele em que devesse ser executado.[13] Adota o autor a regra da lex contractus, mas dentro do principio geral do depeçage alerta que deverão ser cumpridos também os requisitos da lei do local da execução naquilo que disse respeito aos seus efeitos.
Na evolução do tema no Brasil, alem do jurista Pimenta Bueno (autor da primeira obra de Direito Internacional Privado no Brasil, em 1863, em se filia, basicamente, à regra locus regit actum, ou seja, ao método conflitual clássico) é de importante influencia o jurista Teixeira de Freitas.Foi o autor da primeira tentativa de codificação civil do Brasil, “Esboço do Código Civil ,com claras influencias das ideias de Savigny, também há dúvida quanto a se haver ou não filiado ao princípio da autonomia da vontade.Apesar disso, o jurista brasileiro foi além de Savigny e anteviu a relevância do tema, tanto que no art. 1.965 do Esboço, no capítulo sobre os contratos, descreve:
Não prevalece o disposto nos artigos 1.936 e 1.937, 1. Quando as partes nos respectivos instrumentos, ou em instrumento posterior, houverem convencionado que o contrato seja julgado pelas leis do Império ou pelas de um país estrangeiro determinado (art. 32). Quando as partes nos respectivos instrumentos, ou em instrumento posterior, se tiverem obrigado a responder pelo contrato no Império, ou num país estrangeiro determinado (art. 32).[14]
Entretanto, apesar de o artigo transcrito deixar entrever uma filiação à autonomia da vontade, aqueles aos quais se faz remissão dizem respeito apenas, respectivamente, à forma dos contratos entre ausentes, e a uma regra de direitos substantivo sobre a prova dos contratos. Assim, entendemos que não há, propriamente, reconhecimento da autonomia da vontade no Esboço de Teixeira de Freitas.
O pioneiro a defender a autonomia da vontade em Direito Internacional Privado foi Lafayette Rodrigues Pereira, no âmbito de uma das reuniões, ocorrida no RJ em 1912, preparatórias da Conferência Pan-Americana. Sua proposta foi rejeitada por defender, quanto à capacidade das partes, o princípio da nacionalidade, enquanto os demais países defendiam o critério do domicílio. Por isso, não se deu à época grande atenção ao seu projeto, mas é justo que se preste o devido tributo à sua pioneira contribuição, nem sempre reconhecida, ao Direito Internacional Privado brasileiro.
É de autoria de Clovis Bevilaqua, estudioso do Direito Internacional Privado, a Lei de Introdução ao Código Civil de 1916, primeiro conjunto ordenado de regras versando sobre o DIPr no Brasil, consagrou expressamente o princípio da autonomia da vontade no art. 13 do texto legal, abrindo exceções, no parágrafo único, principalmente no que se refere a atos exequíveis no Brasil.
A adoção do princípio da autonomia da vontade, inobstante as limitações antes referidas, foi declarada por Clovis Bevilaqua, em seus “Princípios Elementares de Direito Internacional Privado”, nos seguintes termos:
A verdadeira opinião parece-me aquela que, em primeiro lugar, atende à autonomia da vontade. Certamente não se erige o querer individual em força dominadora, cujo império desfaça as determinações das leis. De modo algum. A vontade individual para produzir efeitos tem de colocar-se sob a égide da lei, da qual tira toda a sua eficácia social. Assim é que as leis de ordem pública impedem que a vontade produza efeitos jurídicos em contrário às suas prescrições... Colocada nos seus naturais limites e agindo de acordo com a lei, a vontade é a finte geradora das obrigações convencionais e unilaterais, consequentemente, lhe deve ser permitido, nas relações internacionais, escolher a lei a que se subordinem as obrigações, livremente contraídas.[...]Regulará, salvo estipulação em contrário, quanto à substância e aos efeitos das obrigações, a lei do lugar onde foram contraídas.[15]
O comentário revela excepcional lucidez, e antecipa-se mesmo à atual concepção sobre o tema: admissão da autonomia da vontade, limitada apenas por questões de ordem pública e bons costumes. Entre nós, um dos mais veementes críticos da autonomia da vontade em Direito Internacional Privado foi Pontes de Miranda, que chegou a atribuir o sucesso da teoria à preguiça dos magistrados franceses e afirmou, em curso ministrado na Academia de Haia em 1932, que a autonomia da vontade não existia, nem como princípio nem como teoria aceitável, entendendo que a autonomia das partes limitava-se ao direito substancial.
Desta forma, com a Lei de Introdução de 1942, atualmente em vigor no Brasil, a autonomia da vontade foi suprimida através da eliminação, no atual art. 9º, da expressão “salvo estipulação em contrário” contida no antigo art. 13.
Haroldo Valladão[16], desenvolveu doutrina no sentido de que a autonomia da vontade na verdade subsistia, apesar da nova redação, porque entendia continuar no parágrafo 2º do art. 9º, dada a utilização da expressão “reputa-se”, sinônimo de “presume-se” e portanto sinônimo da expressão “salvo estipulação em contrário”:
Essa tese, entretanto, não vem sendo aceita pelos Tribunais, e foi bastante criticada pela doutrina posterior, em especial Amilcar de Castro[17], pois para ele não existia a suposta autonomia da vontade, mas uma liberdade concedida pelo direito, e por este limitada.As parte não tinham a faculdade de escolher o direito para regular suas transações, e sim liberdade de transigir, ou de fazer seus negócios, dentro do direito especial das faculdades do direito do local da constituição, seu contrato.
Quanto à doutrina contemporânea, é célebre a tese de livre-docência, apresentada em 1968, de Irineu Strenger[18], com relação a Lei de 1942, e após analise do tem concluiu que o principio da liberdade convencional, inexistente na redação da lei, de certa forma deu maior amplitude a sua aplicabilidade visto que seria permitido sempre que a lei alienígena o facultasse, não podendo ser desrespeitado nesse casos. Nesse sentido concorda com Oscar Tenório[19] entendia que a nova lei de introdução ao código civil de 1942 acabara com a polemica, pois a seu ver as disposições do artigo 9º não mais permitiam a interpretação pela existência da autonomia da vontade.
Para resumir a posição doutrinária atual, pode-se citar vários juristas contemporâneos de renome (Irineu Strenger, João Grandino Rodas). como a professora Nadia Araujo[20] esclarece, Luisolavo Baptista, Jacob Dolinger e ela também, seguem a tendência universal de aceitação do princípio da autonomia da vontade em Direito Internacional Privado, variando suas concepções apenas no que diz respeito aos limites dessa liberdade.
[1] DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado: parte especial – contratos e obrigações no direito internacional privado. v. II. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 61
[3] Tradução livre: “O contrato de caráter internacional e as obrigações dele decorrentes, estão sujeitos às leis que as partes entenderam serem aplicáveis”.
[6] Lei de Introdução ao Código Civil de 1916, Art. 13. Regulará, salvo estipulação em contrário, quanto à substância e nos efeitos das obrigações, a lei do lugar onde foram contraídas
[8] AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do . Direito do comercio internacional: aspectos fundamentais . São Paulo. Aduaneiras 2004, p 226-227
[9] DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada, 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 259
[12] ARAÚJO, Nádia. Contratos internacionais: autonomia da vontade, MERCOSUL e convenções internacionais. 4ª Ed. Rio de. Janeiro: Renovar, 2009, p.94
[13] BUENO, Jose Antonio Pimenta , Direito Internacional Privado , Rio de Janeiro , Typographia Imp. E Const. De J. Villeneuve, 1863. P. 113
[15] BEVILAQUA, Princípios Elementares de Direito internacional Privado, 4ª. Ed., Rio de janeiro,1944
[17] CASTRO, Amilcar, Direito Internacional Privado, 4 ed. , com notas de Osiris Rocha, Rio de janeiro , Ed. Forense , 1987.p. 443/444
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