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Resumo:
O artigo aborda os riscos envolvidos no contrato de concessão de serviços públicos, tanto para a Administração Pública quanto os riscos que afetam a atividade empresarial do concessionário.
Texto enviado ao JurisWay em 17/04/2013.
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1. Introdução
Neste artigo serão abordados os riscos envolvidos no contrato de concessão de serviços públicos, tanto para a Administração Pública quanto os riscos que afetam a atividade empresarial do concessionário.
O risco é parte essencial de todas as atividades humanas e seu estudo é um tema presente em inúmeras áreas do conhecimento. Mais especificamente nos campos da economia, das finanças e do direito o risco surge a partir da impossibilidade de prever o comportamento futuro de variáveis críticas para o processo de tomada de decisão. Philippe Jorion define risco como “a volatilidade de resultados inesperados”.
Os riscos originam-se das mais variadas fontes, podendo ser causados pelo homem, como por exemplo, por políticas econômicas que geram flutuações conhecidas como ciclos de negócio, mudanças políticas, guerras, dentre outros. Há também os riscos associados às catástrofes naturais que são imprevisíveis ou provocam impactos imprevisíveis e significativos sobre a economia e a sociedade de uma região (Tsunami e terremotos no Japão, por exemplo). As inovações tecnológicas também são fonte de risco, principalmente para a economia uma vez que alterações tecnológicas relevantes podem causar desemprego e certamente têm impactos sobre a produtividade dos fatores de produção.
Na economia e nas finanças as fontes mais freqüentes de incerteza são divididas em três categorias: o risco de mercado, o risco de política macroeconômica, além do risco de crédito. No campo jurídico o risco está associado a uma percepção mais geral de alterações imprevistas nos padrões de segurança jurídica da sociedade, mas também pode estar presente nas organizações empresariais quando estas realizam atividades comuns no seu dia a dia como firmar contratos, contratar e demitir trabalhadores, comprar e vender de ativos e serviços, propriedade intelectual e patentes, dentre outras.
Atualmente verifica-se um aumento do interesse em saber como o risco pode ser gerenciado e, consequentemente mitigado. É óbvio que a atividade econômica em um ambiente de risco zero é impossível e, por isso, deve-se encontrar um equilíbrio entre o tipo de incerteza e a quantidade ou nível de risco a ser tolerado e os custos envolvidos nos processos de identificação, mensuração e gestão desses riscos. Além disso, nem todos os riscos econômicos, financeiros ou mesmo jurídicos são passíveis de diversificação, ou seja, não há meios de se proteger completamente contra a ocorrência de eventos que podem causa danos. É por isso que os Estados criam as “redes de segurança sociais” que o setor privado não pode ou mesmo não tem interesse em proporcionar. Nesse sentido, o Estado do bem estar é o exemplo da criação de instituições que permitem o compartilhamento de riscos. No entanto, se de um lado o Estado ao garantir o melhor atendimento ao interesse público reduz o risco social, de outro o Estado também pode ser responsável por crises que contribuem para a elevação dos riscos econômicos e sociais, como foi o caso da Crise Asiática de 1997 que foi amplamente atribuída a políticas macroeconômicas insustentáveis.
Na concessão de serviços públicos, o risco aparece para tanto para o concessionário quanto para o Poder Público e, em última análise, há riscos que devem ser enfrentados pelo usuário do serviço público e que envolvem a possibilidade de interrupção do serviço, variações de qualidade e das tarifas cobradas. Nos próximos parágrafos serão detalhados os principais riscos enfrentados pelos agentes envolvidos na prestação do serviço público.
1.Espécies de Riscos Envolvidos no Contrato de Concessão
As especificidades dos contratos de concessão de serviços públicos (prazo longo, elevados investimentos iniciais, complexos arranjos de financiamento, dentre outros) fazem com que estes contenham níveis de complexidade bastante superiores às demais modalidades de contratos administrativos (compras de insumos ou obras, por exemplo). No contrato de concessão existe uma relação contratual entre a Administração Pública que mantém a titularidade do serviço e que aparece com uma série de prerrogativas que garantem a sua supremacia em sua relação contratual com o particular. Assim, a concessão de serviços públicos possui natureza jurídica de contrato administrativo e está sujeita ao regime jurídico de direito público, conforme destaca Maria Sylvia di Pietro.
No contrato de concessão, o poder concedente pode impor as denominadas cláusulas regulamentares que regem os principais aspectos relacionados à prestação do serviço público Além disso, nesta modalidade de relação contratual vigora o princípio da mutabilidade no qual o poder concedente pode modificar unilateralmente cláusulas do contrato com vistas a garantir a continuidade do serviço e atender da melhor forma possível o interesse público. Como forma de tornar o contrato mais equilibrado e de proteger o concessionário contra arbítrios da Administração Pública, o contrato de concessão conta com as cláusulas financeiras que trazem os direitos do concessionário quanto à remuneração (tarifas e outras fontes de receita), o que é essencial para a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro da concessão. As cláusulas financeiras que perfazem as cláusulas contratuais propriamente ditas não podem ser alteradas unilateralmente pela Administração Pública.
De fato, o risco por excelência ao qual o concessionário está exposto é o desequilíbrio da equação econômico-financeira do contrato que comprometa a geração de lucros a partir da atividade de prestação do serviço público. O desequilíbrio econômico-financeiro do contrato pode surgir por razões alheias à vontade do empresário (muitas vezes a próprio poder concedente concorre para a geração do desequilíbrio), mas os problemas de má gestão empresarial também são frequentes.
Em certas circunstâncias poderá haver um conflito de objetivos entre o poder concedente e o concessionário. O primeiro tem o compromisso e o dever de satisfazer da melhor forma possível o interesse público no que se refere a todos os aspectos da prestação do serviço. Já a natureza jurídica e econômica do concessionário é privada, ou seja, a empresa concessionária busca a maximização de lucros em suas atividades empresariais.
Um exemplo da duplicidade de interesses das partes envolvidas no contrato de concessão é a hipótese de surgimento de inovações tecnológicas que ampliam significativamente a qualidade do serviço prestado pelo concessionário. Se o concessionário quiser prestar o serviço de forma mais moderna, utilizando-se das novas tecnologias terá que fazer investimentos vultosos em máquinas e equipamentos uma vez que sua estrutura se tornou obsoleta. Caso o Poder Público por meio do poder concedente e atendendo ao interesse público acredite que a prestação do serviço deva ser modernizada a fim de torná-lo adequado, poderá alterar unilateralmente as cláusulas contratuais ditas regulamentares, que regem a maneira pela qual o serviço será oferecido à população. O concessionário por sua vez, seria obrigado a fazer novos investimentos e incorrer em despesas que poderiam gerar um desequilíbrio na equação econômico-financeira do contrato.
É aceitável que o empresário que visa o lucro corra riscos em sua atividade, uma vez que é ele tem consciência de que se não há risco também não há retornos sobre o capital investido. Mas o nível de risco não pode ser tal que comprometa a sobrevivência da empresa concessionaria e, consequentemente, a prestação adequada do serviço público.
O poder concedente também enfrenta riscos na atividade de concessão. Imagine a situação em que a empresa concessionária por conta de sua má gestão financeira coloca em risco a qualidade da prestação do serviço público. A Administração Pública poderá aplicar sanções à empresa ou mesmo declarar a extinção da concessão por caducidade. O problema é que durante todo o tempo que durar este processo, o interesse público será prejudicado diante da prestação de um serviço de má qualidade. Além disso, mesmo que a Administração Pública resolva assumir diretamente o serviço esta poderá não ser a melhor solução, uma vez que a decisão de conceder a prestação do serviço está baseada em argumentos de eficiência econômica e eficiência técnica. Assim, assumindo o serviço diretamente, o Poder Público terá que dispender uma quantidade maior de recursos orçamentários e empreender esforços extras para recolocar a prestação do serviço na trajetória que melhor atenda o interesse público.
A primeira etapa para minimizar os riscos da concessão tanto para o concessionário quanto para o poder público é a elaboração um contrato amplo, que contemple os direitos e deveres das partes diante do surgimento de eventos adversos na área econômica, técnica e jurídica que tenham potencial de gerar perdas e prejuízos. Entretanto, como se sabe, não existem contratos completos, capazes de especificar as condutas, os direitos e as obrigações das partes contratuais para cada estado da natureza futuro. Ou seja, é impossível especificar todas as contingencias futuras que poderiam representar riscos para as partes contratuais. Nesse contexto os contratos de longo prazo serão sempre incompletos. Na brilhante argumentação de Rachel Sztajn, os contratos definidos entre os agentes econômicos são efetivamente incompletos, uma vez que não existe a capacidade para antecipar todas as contingências futuras, mesmo levando-se em conta que nenhum dos contratantes tornar-se-á inadimplente durante ou após a contratação.
O fato é que quaisquer que sejam os tipos de contratos, as partes envolvidas não sabem ao certo se os termos acordados serão efetivados, e esta é a regra geral, não a exceção, pois a execução e cumprimento dos ajustes estão sempre na dependência de fatores externos, normalmente imprevisíveis no momento da contratação. Além da impossibilidade de prever o futuro da política econômica ou de fenômenos naturais que podem afetar as condições de prestação do serviço, há o problema da assimetria informacional ou comportamento não ético dos agentes envolvidos, que são fatores que podem levar ao aumento dos custos do empreendimento.
2.Visão Tradicional sobre os Riscos da Concessão
A doutrina tradicionalmente trata os riscos da concessão de serviços públicos da mesma forma que considera os riscos nos contratos administrativos em geral. A maioria dos autores clássicos no campo do direito administrativo divide os riscos em riscos ordinários e riscos extraordinários.
Os riscos ordinários são aqueles que estão relacionados com a atividade empresarial. Quanto maior a volatilidade dos fluxos de caixa da empresa maior o risco do negócio. Dois fatores são essenciais na determinação do risco de qualquer empresa: o custo de capital e os custos de produção. A primeira modalidade refere-se ao custo das fontes de financiamento (capital próprio ou de terceiros), já os custos de produção, que se dividem em custos fixos e variáveis são a somatória dos custos de insumos, mão de obra, equipamentos, edificações e tudo mais utilizado no processo produtivo. Assim, os riscos ordinários serão maiores ou menores dependendo do desempenho do empresário na condução de seus negócios. A gestão competente das operações em todas as áreas da empresa tende a minimizar os riscos ordinários.
Desta forma, compreende-se a razão pela qual grande parte da doutrina atribui ao concessionário a responsabilidade de arcar com os riscos ordinários. Maria Sylvia di Pietro considera que as áleas ordinárias correm por conta do concessionário e não autorizam a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato uma vez que se inserem na ideia de que a execução do serviço se faz por conta e risco do concessionário, nos termos do artigo 2º, II, da Lei 8987/95.
Celso Antônio Bandeira de Mello também concorda que os riscos pertencentes à categoria da álea ordinária devem ser suportados pelo concessionário, mas observa que no direito brasileiro o que se considera como álea ordinária compreende um número menor de hipóteses em comparação com o direito francês, por exemplo, situação esta que favorece o concessionário. Assim, os riscos que o concessionário deve suportar isoladamente estão ligados à ineficiência, negligência ou incapacidade do empresário em tocar seus empreendimentos.
Convém observar que muitos autores definem álea ordinária como a categoria de risco que abrange eventos previsíveis que seriam derivados da mera inserção do agente econômico no mercado. Ora, se os eventos da álea ordinária são previsíveis e correspondem à condição normal do negócio não há de se falar em risco. Este entendimento é, portanto, equivocado. A conceituação mais precisa de álea ordinária deveria então considerar que o risco para a concessão reside na atividade empresarial anormal, ou na falha por parte do empresário em tocar seus próprios negócios. Ou seja, quando o contrato é firmado, o poder concedente pressupõe que o concessionário irá administrar a concessão com diligência e de acordo com as melhores práticas gerenciais. Entretanto, há sempre o risco de o concessionário empreender gestão temerária ou que tome decisões operacionais ou financeiras desatinadas durante a vigência do contrato que prejudique ou impossibilite a adequada prestação do serviço público.
As áleas extraordinárias não podem ser imputáveis ao concessionário e correm por conta do poder concedente que deverá rever as cláusulas contratuais com o objetivo de promover a recomposição do equilíbrio contratual rompido. Isso ocorre porque os riscos extraordinários independem de qualquer ação ou omissão do contratado. A álea extraordinária engloba a álea econômica que dá margem à teoria da imprevisão e as denominadas áleas administrativas que abrangem o poder que a Administração Pública possui de alterar o contrato de concessão de forma unilateral, além das teorias do fato do príncipe e da administração. A seguir serão examinadas de forma breve as principais características das áleas administrativas e econômica.
3.1Alteração Unilateral do Contrato
A Administração Pública tem o dever de recompor o equilíbrio contratual afetado pela alteração das cláusulas contratuais regulamentares, conforme decorre do artigo 9º, parágrafo 4º, da Lei 8987/95, o qual determina que havendo alteração unilateral do contrato que afete o seu equilíbrio econômico-financeiro original o Poder Público deverá restabelecê-lo concomitantemente à alteração.
O artigo 18 da Lei 8987/95 ao dar as diretrizes para a elaboração do edital de licitação menciona “os direitos e obrigações do poder concedente e da concessionária em relação a alterações e expansões a serem realizadas no futuro, para garantir a continuidade da prestação do serviço”. Ou seja, posteriormente à fixação do contrato a Administração Pública poderá (sempre com vistas ao melhor atendimento do interesse público) alterar unilateralmente as cláusulas que tratam da forma como o serviço é prestado, estas mudanças têm o potencial de gerar maior ônus ao concessionário, desequilibrando financeiramente a operação. Observe que as alterações futuras das cláusulas regulamentares não podem ser previstas no momento da celebração do acordo, muito menos o teor dessas alterações contratuais. Neste caso, a empresa concessionária tem o direito ao reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, de forma a viabilizar a elevação dos custos fixos e variáveis de produção dos serviços.
Apesar de assegurada à Administração a prerrogativa de alteração unilateral do contrato, é preciso respeitar limites. É praticamente consensual a opinião dos doutrinadores pátrios que a essência do contrato não poderá ser alterada sob o pretexto de melhor atendimento ao interesse público. O objeto do contrato, por exemplo, não pode ser modificado, uma vez que tal ato poderia representar burla ao princípio da licitação.
Para o concessionário, a alteração unilateral das cláusulas regulamentares não significa que o reequilíbrio contratual será automaticamente aplicado. É imprescindível que haja um nexo de causalidade entre a alteração promovida pelo Poder Público e a elevação do ônus que o concessionário terá que suportar. Ou seja, o concessionário terá que comprovar que a alteração da relação encargo-remuneração ocorreu de forma concreta e que a Administração Pública deu causa ao problema.
3.2Fato do Príncipe
Como já foi mencionado o equilíbrio do contrato administrativo pode ser quebrado por forca de ato ou medida instituída pelo próprio Estado. Nestas circunstâncias surge o fato do príncipe que é uma das modalidades de risco administrativo ao qual o concessionário está exposto ao firmar o contrato de concessão de serviços público.
Há controvérsias doutrinárias a respeito da melhor definição para o conceito, mas a maior parte dos juristas aceita que o fato do príncipe ocorre quando há uma imposição estatal de caráter geral, alheia ao contrato em si e que ocorre após o início da vigência deste, que tem reflexos sobre a relação contratual gerando um desequilíbrio econômico-financeiro. Além disso, o fato do príncipe pressupõe uma atuação legítima do Poder Público, de forma que o dever de reequilibrar o contrato repousa na ideia de equidade que fundamenta a teoria da responsabilidade objetiva do Estado, responsabilidade essa de caráter extracontratual.
Celso Antônio Bandeira de Mello destaca que o poder concedente deverá indenizar o concessionário quando, por ato seu, houver deterioração da equação econômico-financeira do contrato em desfavor do concessionário, salvo se a medida for de caráter geral que alcance igualmente todos os administrados, sem atingir especificamente as prestações do concessionário.
Como exemplo de fato do príncipe podemos citar a criação ou majoração de um tributo que incide sobre o serviço concedido, ou mesmo novas disposições legislativas que alterem o panorama concorrencial do setor econômico no qual está inserida a concessão.
Observe que o artigo 9º, parágrafo 3º da Lei 8987/95 excetua os impostos sobre a renda da proteção ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão. Uma explicação possível para tal ressalva é que o imposto de renda incide sobre o resultado econômico da concessão e não afeta o custo direto do serviço, ou seja, no planejamento econômico financeiro da concessão, o concessionário já teria, em tese, uma projeção de receitas e custos e, portanto sobre a base de cálculo do imposto de renda. No entanto, Marçal Justen Filho é contrário a esta visão e assevera que os tributos de uma forma geral (imposto de renda inclusive) afetam uma parcela do custo total de produção de bens e serviços denominada de custos indiretos e, portanto, a alteração nos encargos tributários que incidam sobre a atividade objeto da concessão gera o direito à recomposição do equilíbrio contratual.
3.3 Fato da Administração
O fato da administração tem a mesma essência do fato do príncipe, uma vez que trata de ato da Administração relacionado ao exercício das potestades públicas, mas diferencia-se deste por relacionar-se diretamente com o contrato. Na definição de Diógenes Gasparini, fato da administração “é todo ato ou fato, comissivo ou omissivo, do contratante que dificulta ou impede a execução do contrato”. Assim, o poder concedente se torna inadimplente, deixando de cumprir as determinações contratuais que lhe cabem o que, consequentemente impacta negativamente os custos ou as receitas do concessionário. Em casos extremos, a ação ou omissão do poder concedente poderá mesmo inviabilizar a prestação do serviço.
Hely Lopes Meirelles apresenta uma série de exemplos de fato da administração como a inércia ou retardamento do poder concedente em providenciar as desapropriações necessárias e previstas para o início de obras, a não expedição de ordens de serviço em tempo hábil ou ainda praticar qualquer ato que dificulte a atividade de prestação do serviço público por parte do concessionário.
Na legislação, o fato da administração está previsto no artigo 78, incisos XIV, XV, e XVI, da Lei 8666/93 e compreende hipóteses como a suspensão da execução do contrato, por ordem da Administração por mais de 120 dias, o atraso no pagamento, pelo Poder Público, por mais de 90 dias e a não liberação, pela Administração, de área, local ou objeto para execução de obra ou serviço.
4. Álea Econômica
A álea econômica abarca os eventos de ordem econômica, estranhos à vontade das partes contratuais e que repercutem diretamente sobre a equação econômico-financeira do contrato. Trata-se da aplicação da teoria da imprevisão que nada mais é que a acepção moderna da cláusula rebus sic standibus em oposição ao princípio do pacta sunt servanda.
A teoria da imprevisão baseia-se na premissa de que o particular ao celebrar o contrato de concessão com o Poder Público assume suas obrigações contratuais à luz da uma conjuntura que engloba aspectos econômicos, políticos, tecnológicos, dentre outros, de forma que, caso estas condições ou premissas sejam alteradas por fatos extraordinários e imprevisíveis, as clausulas originais não mais poderão valer, surgindo o direito de alteração contratual para o restabelecimento da equação econômico-financeira do contrato.
A previsão legal para a teoria da imprevisão está no artigo 65, inciso II, alínea d, da Lei 8666/93, que assegura ao particular a manutenção do equilíbrio econômico- financeiro inicial do contrato caso “sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado”.
MariaSylvia di Pietro destaca quatro requisitos para a incidência da teoria da imprevisão, exigindo que o evento seja concomitantemente: i) imprevisível; ii) alheio à vontade das partes; iii) inevitável; iv) responsável por gerar o desequilíbrio relevante no contrato. No entanto, como já foi mencionado no parágrafo anterior, há a previsão legal para a ocorrência de eventos previsíveis, mas de consequências incalculáveis para o contrato.
A realidade brasileira nos oferece inúmeros exemplos na qual a teoria da imprevisão poderia ser aplicada de modo a acionar a garantia de reequilíbrio contratual. Os planos macroeconômicos heterodoxos, tão comuns na década de 90, crises financeiras internacionais, variações cambiais bruscas que afetem os custos de importação de máquinas e equipamentos são exemplos de eventos que podem, em tese, gerar uma demanda para o reequilíbrio econômico financeiro do contrato. Entretanto, é necessária a comprovação de que a superveniência do evento gerador do desequilíbrio contratual causou de fato um prejuízo relevante a uma das partes do contrato.
Além da teoria da imprevisão, a álea econômica engloba as hipóteses de caso fortuito e força maior. Embora estes últimos tenham características parecidas com a teoria da imprevisão (ocorrência de evento imprevisível e alheio à vontade das partes), o caso fortuito e a força maior vão além do desequilíbrio contratual em favor de uma das partes, impossibilitando totalmente a continuidade da execução contratual. Podem ser inseridos nas hipóteses de caso fortuito e força maior os eventos naturais como terremotos, inundações, incêndios, dentre outros, e também eventos sociais e políticos como os conflitos armados. Há, neste caso, a liberação das partes de qualquer responsabilidade por inadimplemento, sendo que a ocorrência dos eventos é causa para a rescisão contratual nos termos do artigo 78, inciso XII, da Lei 8666/93.
5. Crítica à Visão Tradicional sobre os Riscos da Concessão
O artigo 2º, II, da Lei 8987/95 traz muitos questionamentos acerca do conceito de concessão, quando define que se trata da delegação da prestação de serviço público às empresas ou consórcios de empresas que devem realiza-lo “por sua conta e risco”. As dúvidas repousam sobre a real extensão da expressão “por sua conta e risco”. Qual seria então a parcela de riscos a ser suportada pelo concessionário? E qual o papel do poder concedente diante da ocorrência de eventos imprevistos que tenham como consequência o desequilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão?
A simples leitura do texto legislativo pode levar à conclusão de que, em qualquer hipótese, o risco da atividade de concessão deve ser arcado pela empresa concessionária de serviços públicos. No entanto, a doutrina aceita que os riscos pertencentes à álea ordinária devem ser arcados pelo concessionário uma vez que se tratam dos riscos inerentes à atividade empresarial. Já a responsabilidade da Administração Pública estaria restrita aos casos abrangidos pela ocorrência dos riscos extraordinários (álea econômica e álea administrativa).
Marcos Augusto Perez critica a visão da concessão de serviços públicos como um contrato em que o concessionário realiza os investimentos e presta o serviço “por sua conta e risco”. O autor argumenta que, se assim fosse, o setor privado teria pouco interesse na atividade de concessão de serviços públicos, uma vez que o negócio poderia se tornar inviável financeiramente frente às incertezas da economia, da política, da natureza, dentre outros riscos. Assim, não só o plano de negócios teria que englobar uma miríade de eventos possíveis desde catástrofes naturais até planos macroeconômicos que potencialmente poderiam desequilibrar o contrato, mas também atribuir uma distribuição de probabilidades de ocorrência de tais eventos.
A boa administração financeira exige que para suportar uma carga maior de riscos, os retornos sobre capital aplicado sejam mais elevados. Ou seja, quanto maiores os riscos enfrentados pelo concessionário, mais elevada será a tarifa cobrada dos usuários, uma vez que está é, por excelência, a remuneração a que faz jus o empresário. Para Marçal Justen Filho “a tarifa reflete a relação original entre vantagens e encargos do concessionário” . Portanto, para o autor, o risco integra o valor da tarifa, no sentido que comporta uma avaliação financeira.
Desta forma, se todos os riscos da concessão fossem transferidos ao concessionário e este os incorporasse à tarifa cobrada do usuário, como compatibilizar a gestão de riscos da concessão com o princípio da modicidade tarifária disposto no artigo 6º, parágrafo 1º, da Lei 8987/95? É preciso lembrar que a concessão é uma atividade econômica, e, portanto, os particulares somente se sentem atraídos se estiverem presentes retornos e garantias contratuais capazes de gerar a segurança jurídica necessária ao negócio, em especial, quanto às condições econômicas previamente acordadas entre Poder Público e concessionário.
Diante destas contradições, fica claro que não se pode interpretar a expressão “por conta e risco” de maneira literal, mas sim de forma mais sistemática. De fato, o que tem ocorrido na prática é o interesse cada vez maior por parte do Poder Público na participação do setor privado no papel de concessionário de serviço público. Marcos Augusto Perez destaca a não rara solidariedade financeira entre o poder concedente e o concessionário no que diz respeito à divisão do ônus da concessão como, por exemplo, termos de assunção de obrigações de custeio de obras, desapropriações pelo poder concedente, concessão de incentivos fiscais e também a possibilidade de diversificação das fontes de receita do concessionário, nos termos do artigo 11 da Lei 8987/95.
De fato, tão equivocada é a interpretação de que todos os riscos da concessão correm por conta do concessionário que a doutrina é unânime em afirmar que o poder concedente assume grande parte da parcela de riscos considerados como extraordinários, o que certamente representa uma importante garantia ao concessionário.
A concessão de serviços públicos como um negócio jurídico de elevada complexidade devido ao prazo longo do contrato e à necessidade de elaboração de projeções para as variáveis econômicas, sociais e operacionais (evolução da demanda pelo serviço, condições de concorrência, custos de financiamentos, crescimento demográfico, desenvolvimento regional, dentre outras). Além disso, ao longo do tempo é preciso levar em conta a evolução da tecnologia que pode tornar obsoletos não só os equipamentos usados na prestação do serviço, mas a demanda pelo próprio serviço.
Marcos Augusto Perez critica a teoria tradicional das áleas ordinárias e extraordinárias argumentando que esta trata o risco somente ex post, ou seja, após a ocorrência do evento, a teoria atribui as responsabilidades pelos prejuízos já existentes e contabilizados. Nesse sentido, “não haveria por parte dessa teoria uma preocupação com a formulação de soluções que previnam o prejuízo”. Então diante de uma situação de desequilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, a teoria tradicional orienta apenas no sentido da divisão do ônus visando o restabelecimento do equilíbrio contratual, mas não garante que este efetivamente irá ocorrer. Como exemplo, o autor considera uma situação hipotética na qual não adiantaria cobrar uma indenização do poder concedente em virtude da ocorrência de álea extraordinária comprovadamente prejudicial ao concessionário se, devido às restrições do orçamento público, a Administração não tivesse como ressarcir o particular imediatamente. Nesse caso, dependendo do prejuízo sofrido pelo concessionário haveria o risco de queda de qualidade ou até de paralisação da prestação do serviço público, frustrando assim os objetivos da concessão.
As falhas da abordagem tradicional suscitadas por Marcos Augusto Perez podem ser resumidas em três aspectos: i) ausência de explicitação dos riscos efetivos da contratação, o que gera grande insegurança para as partes do contrato; ii) divisão abstrata dos riscos, ignorando as especificidades dos empreendimentos; iii) ausência de uma divisão clara e inequívoca dos riscos entre concessionário e poder concedente.
Em relação ao primeiro aspecto levantado pelo autor, é muito difícil imaginar a possibilidade de antever ou explicitar todos os riscos que efetivamente incorrem as partes em um contrato de concessão de serviços públicos. Haverá sempre a probabilidade de ocorrência de eventos não planejados ou mesmo de que a ocorrência de eventos previstos gere efeitos imprevistos. Além disso, é impossível a formulação de contratos completos, ou seja, que contemplem todas as situações futuras possíveis, bem como determinar a distribuição de probabilidades de ocorrência destas situações.
A elaboração de bons estudos técnicos, anteriores à contratação pode evitar surpresas ao longo da vigência do contrato, como é o caso dos estudos de demanda e da elaboração de cenários macroeconômicos. Mas, mesmo diante dos melhores e mais competentes estudos de viabilidade econômico-financeira de projetos, não há como fazer a identificação e eliminação de todos os riscos que tem o potencial de prejudicar a concessão. Diante deste cenário, a virtude do bom planejamento é tentar identificar os principais fatores de risco à concessão e tentar equacioná-los visando à redução de conflitos e a estabilidade do contrato ao longo do tempo.
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TANAKA, Sônia Yuriko Kanashiro (Coord.). Direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008.
Comentários e Opiniões
1) Jose (29/06/2015 às 23:37:41) O artigo refere-se exclusivamente as concessões de serviço público regidas pela lei 8.987/95. A lei 11.079/2004 criou as "parcerias público-privada", onde, por força do artigo 5º - III, determina-se que o contrato de concessão estabeleça "a repartição dos riscos entre as partes, inclusive os referentes a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária". | |
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