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Resumo:
O presente trabalho tem por escopo analisar a problemática relativa ao destino hereditário do patrimônio constituído por um casal de pessoas do mesmo sexo.
Texto enviado ao JurisWay em 24/03/2013.
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Inicialmente, o presente trabalho busca analisar a problemática do destino hereditário do patrimônio constituído por um casal de pessoas do mesmo sexo, que no Brasil é uma realidade social que precisa de normatização legal, não podendo o Poder Judiciário, na ausência de legislação, se omitir quanto a matéria.
Ademais, a ausência de legislação não pode significar a inexistência do direito, pois diante de uma lacuna na lei, Juiz não pode se omitir de julgar, o artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, dispõe que os Tribunais através dos princípios norteadores do ordenamento jurídico, prestar a tutela jurisdicional, decidindo se aprovam ou negam o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Sob esse aspecto, o presente trabalho propõe iniciar uma pesquisa doutrinária e jurisprudencial, a fim de definir e avaliar os paradigmas argumentativos utilizados no sentido de reconhecer a força jurídica da união homoafetiva no direito brasileiro.
No segundo capítulo, será abordado que o direito positivo brasileiro não acompanhou as mudanças implementadas pela ciência médico-patológico, continuando a negar tratamento legislativo à união homoafetiva.
No terceiro capítulo, faz-se um estudo do paradigma da sociedade de fato, onde os Tribunais têm procurado evitar o locupletamento dos herdeiros do falecido, deferindo ao cônjuge sobrevivo direito à partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum, que encontrar-se em nome do de cujus.
No quarto capítulo, verifica-se que em maio de 2011 o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por unanimidade a união estável entre casais homoafetiva, em duas ações – Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 4277/DF e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 132/RJ -, dessa perspectiva, a união estável de pessoas do mesmo sexo passa a ser reconhecida como entidade familiar. Neste instituto, a doutrina e jurisprudência tem apoiado analogicamente este instituo para conferir ao parceiro supérstite não só o direito à meação do patrimônio comum, mas também direito à herança, nos moldes da lei civil.
No quinto capítulo, será feita uma breve análise da teoria do casamento existente e o recente entendimento do Superior Tribunal de Justiça que autoriza a conversão da união homoafetiva em casamento, com o fito de demonstrar a viabilidade do enlace matrimonial entre pessoas do mesmo sexo no ordenamento jurídico brasileiro, revelando a grande proteção de que goza o instituto do casamento.
No sexto capítulo, trata-se da crise no Direito Civil para reinventar o novo conceito de entidade familiar, diante das transformações da sociedade, conforme a jurisdição do afeto no artigo 226, da Constituição Federal e o reconhecimento da união homoafetiva pelo Supremo Tribunal de Justiça, explanando os principais direitos e deveres oriundos da equiparação entre esta e a união estável.
Por fim, será abordado sobre os mecanismos de proteção patrimonial que o direito brasileiro oferece aos casais homoafetivos: o testamento e o contrato de parceria civil, enfatizando os requesitos formais, limites legais e a forma que pode ser utilizado protetivamente pelos casais do mesmo sexo.
No decorrer da pesquisa, pretende-se verificar, se a união homoafetiva pode gerar efeitos sucessórios para o companheiro sobrevivo e quais são os argumentos empregados no sentido de conceder ou não, e a que título, o direito de herança aos partícipes de uma união entre pessoas do mesmo sexo.
2 ALGUMAS ABORDAGENS SOBRE A UNIÃO HOMOAFETIVA
Primeiramente, o tema homossexualismo é um assunto complicado de debater, decidir e enfrentar, em razão do preconceito e discriminação às pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travesti, transexuais e transgênicos (LGBT), diante de sua opção sexual. [1]
Antigamente a união homoafetiva era conhecida como uma anormalidade, um desvio moral e psíquico que contrariava a própria natureza, sendo banalizada e caracterizada como pecado ou doença.[2]
A homossexualidade não é encarada atualmente como desvio, doença ou distúrbio, trata-se apenas de mais de uma forma natural de expressão da sexualidade humana, sendo uma realidade social enfrentada abertamente ante a mudança de valores e costumes da sociedade brasileira, abordadas principalmente, em novelas, cinema e mídia.[3]
Atualmente a discriminação em face da homossexualidade é considerada crime, porém não esta inserida no rol dos delitos de discriminalização por orientação sexual[4], motivo pelo qual, quando as pessoas revelam a sua identidade sexual tornam-se vítimas da sociedade preconceituosa, nem o direito a vida e à integridade física e psíquica lhes servem proteção no ato da violência.[5]
Diante desse preconceito, o ordenamento jurídico esta cada vez mais dando ênfase aos direitos da união homoafetiva com o fim de tutelar sobre o fato social, que hoje não pode ser negado; as uniões homoafetivas na visão do Supremo Tribunal Federal passaram a ser enlaçadas no conceito de entidade familiar.[6]
Mas, ainda o Legislativo falta avançar muito para dizer que se vive em um Estado Democrático de Direito que prioriza a dignidade da pessoa humana, tendo a liberdade e a igualdade como princípios fundantes. É difícil justificar a omissão legislativa deste País cuja Constituição tem por regra assegurar uma sociedade pluralista e sem preconceitos. [7]
A justificativa para isso só pode ser atribuída à enorme influência religiosa Judaico-Cristã que encontra-se entranhada em nossa sociedade, sendo que algumas igrejas vem proliferando a sua fundamentação com interpretações tendenciosas, invocando a vontade divina, como por exemplo: “Deus criou o homem e a mulher para juntos constituírem família, sendo assim a sua vontade. Porque, caso quisesse teria criado somente o homem ou a mulher, e aquele que se une com uma pessoa do mesmo sexo está cometendo pecado”. E com tal argumentação, convence milhões de cidadãos a adotarem rígidas posturas e costumes e, é claro a abrirem mão de seus bens como única forma de assegurar o ingresso no reino de Deus.[8]
Dessa forma, as forças religiosas acabam ganhando espaço no Congresso Nacional, as Igrejas Evangélicas se unem com as Católicas, pregando a indissolubilidade do casamento entre homem e mulher, e a sua finalidade procriativa para garantir o número de fiéis, e por consequência incita ódio, raiva, rechaças e ameaças, contra os homoafetiva ocasionando as ações homofóbicas.[9]
Diante da inércia do Parlamento, é do Poder Judiciário o encargo de preencher os vazios da legislação e decidir, consubstanciando em fundamentação nos princípios constitucionais da igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana. [10]
Assim, a união homoafetiva somente é abordada em ordem doutrinária e jurisprudencial, onde surge opiniões diferentes a cada caso concreto e por consequência gera a insegurança jurídica, haja vista, que ora a união entre pessoas do mesmo sexo é tratada como uma sociedade de fato, ora como família análoga à união estável – decisão do STF, em 5 de maio de 2011 -, e até mesmo – o que como união equiparável ao casamento. [11]
Partindo desse pressuposto, resta claro, que os problemas não serão resolvidos com a restrição do alcance das decisões judiciais ou por meio do ativismo judicial em cada caso concreto.
3 O PARADIGMA DA SOCIEDADE DE FATO
Primeiramente, trata Maria Helena Diniz, que a união de fato pode ser pura ou impura, sendo a primeira, regida pelos artigos 1.723 a 1.726 do Código Civil, que se apresenta como uma união duradoura, sem casamento civil, entre homem e mulher livres e desimpedidos, compreendida pela união estável, enquanto que na segunda, o homem e a mulher, são impedidos de se casar (artigo 1.727 do Código Civil), caracterizando-se concubinato, que é considerado historicamente uma figura jurídica análoga, às sociedades de fato.[12]
Posto isso, passa-se a analisar o direito sucessório da relação homoafetiva quanto ao entendimento de alguns juristas e doutrinadores mais conservadores, que pretendem resolver os conflitos hereditários evocando o instituto negocial da sociedade de fato, cujo pressuposto é a conjunção de esforços para a manutenção, formação ou aumento de um patrimônio único.[13]
Segundo Fábio de Oliveira Vargas:
A doutrina da sociedade de fato foi adotada pelos Tribunais pátrios por referir-se a uma sociedade que se formava sem registro, sem capital, cujo patrimônio seria constituído, futuramente, por tudo que os sócios adquirissem a título oneroso ou gratuito, responsabilizando-se apenas pelas dívidas que proviessem após a constituição de laço societário. [14]
Tal tese, não é novidade ante a Súmula 380 do Superior Tribunal Federal, que consubstancia em argumentação que comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum. Portanto, se não houvesse prova da existência da sociedade de fato, não haveria que se falar em partilha de bens. [15]
Nesse sentido, seria concedido o direito à partilha de bens aos casais que comprovassem a sociedade de fato através da comunhão de interesses em torno de finalidade comum, a formação ou crescimento de patrimônio durante a convivência e esforço conjunto para a constituição do patrimônio. [16]
Não obstante, deve-se fazer duas ressalvas quanto a equiparação da união homoafetiva à sociedade de fato, a primeira é a presença de relação de afeto, mesmo entre pessoas do mesmo sexo, e a segunda, é que na sociedade de fato não se discute o direito sucessório propriamente.
Antigamente havia dificuldade em proteger os direitos do companheiro sobrevivente, eis que muitos juristas insistiam em conferir ao casal homossexual a natureza jurídica da sociedade de fato, o que tornaria imprescindível a produção da prova do esforço comum para se ter direito à partilha do patrimônio societário.[17]
Hoje, o que define a relação de duas pessoas para o direito contemporâneo é a afetividade. Assim, o afeto passa a ter valor jurídico, protegendo todos os casais, conviventes ou homoafetivos.[18]
Resta esclarecer, que não se confunde a sociedade de fato com união estável, sendo a primeira, resolvida pelas regras do direto obrigacional, onde que se exige a efetiva contribuição dos litigantes na aquisição dos bens que se pretendem ver partilhado, enquanto que na segunda, é exigida a comprovação de convivência duradoura, pública e contínua, com a intenção de constituir família, sendo que os bens são partilhados igualmente entre os companheiros, sem que perquira a efetiva contribuição. [19]
Aliás, a grande dificuldade encontrava-se antigamente em provar o esforço comum entre os casais, homossexual ou heterossexual, que viviam em concubinato puro, haja vista, a existência de duas teorias, a da contribuição direta e indireta. [20]
A primeira trata que o partilhamento dos bens adquiridos na constância da sociedade de fato, é na medida da efetiva contribuição de cada um para a formação ou o incremento patrimonial, enquanto que na segunda, para ter direito a partilha de bens basta comprovar qualquer outro tipo de prestação, tal como, afetivo, espiritual, trabalhos domésticos e etc., ou seja, não precisa de aporte financeiro direto, mas que de alguma forma caracterize o esforço comum entre os companheiros. [21]
Motivo pelo qual, se o Supremo Tribunal Federal não tivesse considerado a união homoafetiva como entidade familiar, não se aplicaria a ela os ditames de Direito de Família e deveria ser aplicada a teoria das sociedades de fato, uma vez que não há motivação ante a isonomia que justificaria discriminá-la em relação a união concubinária heteroafetiva, o qual se conclui que tal discriminalização seria arbitraria e inconstitucional por afrontar o princípio da igualdade e dignidade da pessoa humana.[22]
E também se antigamente não fosse adotada a teoria da sociedade de fato para se resolver a questão de dissolução das uniões homoafetivas, geraria o enriquecimento ilícito de um dos ex-parceiros em relação ao outro, eis que normalmente os bens se encontram em nome de um ou do outro somente. [23]
Por esta razão, que para ter direito a partilha de bens se fazia necessário a comprovação do esforço comum, salvo se existisse um contrato de parceria civil, assinado pelas partes e por duas testemunhas, registrado no Cartório de Títulos e Documentos, que consta-se o regime de bens do casal, e em que proporção cada companheiro contribui para a aquisição deste ou daquele bem.[24]
4 O PARADIGMA DA SUCESSÃO BASEADA NA UNIÃO ESTÁVEL
A regra do art. 226, § 3º da Constituição, que se refere ao reconhecimento da união estável entre homem e mulher, representou a superação da distinção que se fazia anteriormente entre o casamento e as relações de companheirismo. Trata-se de norma inclusiva, de inspiração anti-discriminatória, que não deve ser interpretada como norma excludente e discriminatória, voltada a impedir a aplicação do regime da união estável às relações homoafetivas. [25]
Nesse sentido, trata Suzana Borges Viegas de Lima:
Para demonstrar que as relações homoafetivas constituem verdadeiras entidades familiares, temos como ponto de partida o rol descrito no artigo 226 da Constituição Federal, que, em nossa opinião, não é numerus clausus , e sim um rol exemplificativo, dada a natureza aberta das normas constitucionais. Para tanto, é essencial que se considere a evolução da família a partir de seus aspectos civis e constitucionais, buscando nos fenômenos da publicização e constitucionalização do Direito de Família, e, também, na repersonalização das relações familiares, os elementos para a afirmação das relações homoafetivas. A partir disso, encontramos um vasto campo para uma análise mais aprofundada da proteção legal das relações homoafetivas, assim como dos direitos que delas emanam, segundo o ordenamento jurídico vigente.[26]
Em função disso, é juridicamente possível pedido de reconhecimento de união estável de casal homossexual, uma vez que não há, no ordenamento jurídico brasileiro, vedação explícita ao ajuizamento de demanda com tal propósito, sendo de competência do juízo da vara de família para julgar o pedido.[27]
Destaca-se, ainda, que os artigos. 4º e 5º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro autorizam o julgador a reconhecer a união estável entre pessoas de mesmo sexo.[28]
Dessa forma, os princípios da igualdade e da dignidade humana, que têm como função principal a promoção da autodeterminação e impõem tratamento igualitário entre as diferentes estruturas de convívio sob o âmbito do direito de família, justificam o reconhecimento das parcerias afetivas entre homoafetiva como mais uma das várias modalidades de entidade familiar, conforme entendimento pelo Supremo Tribunal Federal que equiparou a união homoafetiva à união estável, conforme julgado in verbis: [29]
UNIÃO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO – ALTA RELEVÂNCIA SOCIAL E JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DA QUESTÃO PERTINENTE ÀS UNIÕES HOMOAFETIVAS - LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO RECONHECIMENTO E QUALIFICAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR: POSIÇÃO CONSAGRADA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (ADPF 132/RJ E ADI 4.277/DF) - O AFETO COMO VALOR JURÍDICO IMPREGNADO DE NATUREZA CONSTITUCIONAL: A VALORIZAÇÃO DESSE NOVO PARADIGMA COMO NÚCLEO CONFORMADOR DO CONCEITO DE FAMÍLIA - O DIREITO À BUSCA DA FELICIDADE, VERDADEIRO POSTULADO CONSTITUCIONAL IMPLÍCITO E EXPRESSÃO DE UMA IDÉIA-FORÇA QUE DERIVA DO PRINCÍPIO DA ESSENCIAL DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - ALGUNS PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DA SUPREMA CORTE AMERICANA SOBRE O DIREITO FUNDAMENTAL À BUSCA DA FELICIDADE - PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA (2006): DIREITO DE QUALQUER PESSOA DE CONSTITUIR FAMÍLIA, INDEPENDENTEMENTE DE SUA ORIENTAÇÃO SEXUAL OU IDENTIDADE DE GÊNERO - DIREITO DO COMPANHEIRO, NA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA, À PERCEPÇÃO DO BENEFÍCIO DA PENSÃO POR MORTE DE SEU PARCEIRO, DESDE QUE OBSERVADOS OS REQUISITOS DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL - O ART. 226, § 3º, DA LEI FUNDAMENTAL CONSTITUI TÍPICA NORMA DE INCLUSÃO - A FUNÇÃO CONTRAMAJORITÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO - A PROTEÇÃO DAS MINORIAS ANALISADA NA PERSPECTIVA DE UMA CONCEPÇÃO MATERIAL DE DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL - O DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO DE IMPEDIR (E, ATÉ MESMO, DE PUNIR) “QUALQUER DISCRIMINAÇÃO ATENTATÓRIA DOS DIREITOS E LIBERDADES FUNDAMENTAIS” (CF, ART. 5º, XLI) - A FORÇA NORMATIVA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E O FORTALECIMENTO DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL: ELEMENTOS QUE COMPÕEM O MARCO DOUTRINÁRIO QUE CONFERE SUPORTE TEÓRICO AO NEOCONSTITUCIONALISMO - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. NINGUÉM PODE SER PRIVADO DE SEUS DIREITOS EM RAZÃO DE SUA ORIENTAÇÃO SEXUAL. (OMISSIS) RECONHECIMENTO E QUALIFICAÇÃO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR. (OMISSIS). A DIMENSÃO CONSTITUCIONAL DO AFETO COMO UM DOS FUNDAMENTOS DA FAMÍLIA MODERNA. – (OMISSIS). DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E BUSCA DA FELICIDADE. – (OMISSIS). A FUNÇÃO CONTRAMAJORITÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A PROTEÇÃO DAS MINORIAS. – (OMISSIS). (RE 477554 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 16/08/2011, DJe-164 DIVULG 25-08-2011 PUBLIC 26-08-2011 EMENT VOL-02574-02 PP-00287) (negritos meus)
Isso posto, passa-se a analisar a união estável em face, especificamente, dos direitos sucessórios após a Constituição Federal de 1988.
4.1 DIREITOS SUCESSÓRIOS NA UNIÃO ESTÁVEL
A partir de 1988, com o advento da Constituição Federal, a união estável entre homem e mulher passou a ser reconhecida como entidade familiar e, como tal, passou a gozar de especial proteção do Estado. E somente em meados do corrente ano (2011), que o Supremo Tribunal Federal, através da analogia equiparou a união homoafetiva à união estável. Diante da abordagem que versa o presente trabalho se faz necessário fazer uma breve análise dos direitos sucessórios na união estável. [30]
A Lei 8.971/94, regulamenta os direitos dos companheiros a alimentos e à sucessão, exigindo-se um prazo legal de cinco anos para o gozo destas prerrogativas. Por essa lei, que os direitos sucessórios eram deferidos a título de usufruto, se concorresse o companheiro com descendentes ou ascendentes do de cujus, recebendo a totalidade da herança apenas da inexistência de parentes sucessíveis nestas classes, conforme infra se observa[31]:
Art. 2º - As pessoas referidas no artigo anterior participarão da sucessão do(a) companheiro(a) nas seguintes condições:
I - o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito enquanto não constituir nova união, ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujos, se houver filhos ou comuns;
II - o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto não constituir nova união, ao usufruto da metade dos bens do de cujos, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes;
III - na falta de descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito à totalidade da herança.[32]
Ainda, a referida lei versa quanto ao direito à meação dos bens adquiridos onerosamente na constância da união, in verbis:
Art. 3º - Quando os bens deixados pelo(a) autor(a) da herança resultarem de atividade em que haja colaboração do(a) companheiro, terá o sobrevivente direito à metade dos bens.[33]
Ademais, com o advento da Lei 9.278/96, regulamentou o parágrafo terceiro do artigo 226 da Constituição Federal de 1988, que acrescentou ao patrimônio jurídico do companheiro sobrevivente o direito real de habitação, até então conferido apenas aos casados, porém não inova os direitos sucessórios. [34]
Lei 9.278/96 - Art. 7°, Parágrafo único - Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família.[35]
Depreende-se, pelos dispositivos supra transcritos, que o legislador teve a intenção de estender à união estável os benefícios jurídicos concedidos às pessoas casadas, porém tais regras somente foram usadas até o advento do Código Civil (2002), eis que após a vigência de tal normatização as leis 8.971/94 e Lei 9.278/96, foram revogadas, havendo um retrocesso ao direito sucessório na seara do companheirismo. [36]
Portanto, a sucessão dos companheiros passou a ser regida pelo artigo 1.790, do Código Civil:[37]
Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.
Já de início, os retrocessos sucessórios impingidos à união estável por este dispositivo legal são patentes, pelo mesmo fato, o companheiro não consta da ordem de vocação hereditária, sendo tratado como um herdeiro especial.[38]
Para confirmar tal afirmação, passe-se a analisar o dispositivo acima transcrito.
O caput do dispositivo enuncia que somente haverá direitos em relação aos bens adquiridos onerosamente durante a união. Desse modo, “comunicam-se os bens havidos pelo trabalho de um ou de ambos durante a existência da união estável, excluindo-se bens recebidos a título gratuito, por doação ou sucessão”. Porém, resta claro, que a norma versa sobre a sucessão e a herança, e não sobre a meação, independentemente do regime de bens adotado. Por isso, em regra, trata Tartuce que em razão do dispositivo em comento pode-se afirmar que o companheiro é meeiro e herdeiro, eis que, no silêncio da partes, vale para a união estável o regime da comunhão parcial de bens (art. 1.725 do CC). Ocorre que, na verdade, sobre esses bens deveria incidir o direito de meação e não o direito a herança, quando se sabe que em matéria de sucessão, não é possível herdar e mear sobre um mesmo patrimônio. [39]
Contudo, insurge-se, o primeiro problema referente aos bens adquiridos pelo companheiro a título gratuito (v. g. doação).[40]
Se o companheiro falecido tiver apenas bens recebidos a esse título, não deixando descendentes, ascendentes ou colaterais, os bens devem ser destinados ao companheiro ou ao Estado? Filia-se ao entendimento de destino ao companheiro, pela clareza do art. 1.844 do CC, pelo qual os bens somente serão destinados ao Estado se o falecido não deixar cônjuge, companheiro ou outro herdeiro.[41]
Em ato contínuo de análise, passa-se para o inciso I e II, do artigo 1.790, do Código Civil, que trata que o cônjuge sobrevivente concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho. Por outra via, se concorrer com descendentes somente do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles. Flávio Tartuce, consubstancia que o equívoco na redação dos incisos é claro, uma vez que o primeiro faz meação aos filhos; enquanto, o segundo aos descendentes, sendo que no inciso I, pode ocorrer que o companheiro supérstite concorra com outros descendentes comuns, e não apenas na concorrência com filhos comuns.[42]
Preconiza o dispositivo em comento em seu inciso III, que se o companheiro concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança. Torna evidente outro equívoco por colocar o companheiro sobrevivente em posição desfavorável em relação a parentes (v.g. tio-avô, sobrinho-neto e primo), com os quais muitas vezes não se tem contato social. Tal normatização é inconstitucional, eis que inexiste no artigo 226, da Constituição Federal elemento discriminatório entre as instituições do casamento e da união estável, encontrando-se cônjuges e companheiros na mesma situação, considerando que ambas as entidades familiares por eles formadas merecem proteção do Estado.[43]
De fato, a união estável e o casamento constituem um núcleo familiar afetivo, de caráter duradouro, atendendo os desígnios legislativos e sociais, sendo vedado à lei infraconstitucional estabelecer tratamento diferenciado entre os institutos no direito sucessório, sob pena de se negar vigência ao princípio da igualdade material.[44]
Nesse sentido, trata o Tribunal de Justiça do Paraná, em recente julgado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE ACATADA PELO MAGISTRADO DE 1º GRAU ARTIGO 1790, INCISO III, DO CÓDIGO CIVIL - RECURSO QUE VISA O RECONHECIMENTO DA CONSTITUCIONALIDADE DA NORMA LEGAL MANIFESTAÇÃO DO ÓRGÃO ESPECIAL RECONHECENTO A INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO SUPRA CITADO RECURSO DESPROVIDO. (TJPR - 12ª C.Cível - AI 536589-9 - Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Costa Barros - Unânime - J. 30.03.2011) (negritos meus)
Quanto ao inciso IV, do artigo 1.790, do Código Civil não há ponderações a serem feitas, até porque não havendo parentes sucessíveis – descendentes, ascendentes e colaterais até o quarto grau -, o companheiro terá direito a totalizada da herança.[45]
Outra ponderação a ser feita é quanto ao direito real de habitação sobre o imóvel do casal, eis que o Código Civil não consagra a expressamente, porém por analogia ao artigo 1.831, informado pelo artigo 6º, caput, da Constituição Federal, tal direito é estendido ao companheiro, e qualquer discriminalização neste sentido é nitidamente inconstitucional.[46]
É óbvio que a regulamentação da sucessão na união estável trazida pelo Código Civil carece de reparos urgentes, haja vista, que ante a ausência de normatização que regule tal instituto, o cônjuge supérstite tem que entrar ao Judiciário para tutelar proteção a certos direitos, os quais se fazem presentes no matrimônio. E a justiça é aplicada pela analogia, interpretação extensiva e dos princípios basilares do ordenamento jurídico, no intuito de regulamentar a sucessão na união estável.[47]
4.2 ANALOGIA ENTRE UNIÃO ESTÁVEL E UNIÃO HOMOAFETIVA: DIREITO A MEAÇÃO OU A HERANÇA?
Enquanto a norma não se amolda à realidade, considerando os projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional a respeito do tema (Projetos de Lei n.ºs 1.151/95, 52/99, 580/07, 674/07 e 2.285/07. Disponíveis em: http://www.camara.gov.br/sileg/default.asp. Acesso em novembro de 2011), é dever do Juiz emprestar efeitos jurídicos adequados às relações já existentes e que estão a reclamar a manifestação do Poder Judiciário, a fim de evitar a velada permissão conferida pelo silêncio da lei para práticas discriminatórias, em face do exercício do direito personalíssimo à orientação sexual.[48]
Os princípios da igualdade e da dignidade humana, que têm como função principal a promoção da autodeterminação e impõem tratamento igualitário entre as diferentes estruturas de convívio sob o âmbito do direito de família, justificam, portanto, o reconhecimento das parcerias afetivas entre homoafetiva como mais uma das várias modalidades de entidade familiar.[49]
Por tudo isso e considerada a constitucionalização do direito de família, a legislação que regula a união estável deve ser interpretada de forma expansiva, para que o sistema jurídico possa oferecer a devida proteção às uniões homoafetivas, o que consistirá em um resultado natural da evolução concebida no imaginário social, como necessária, útil e desejada pelas pessoas e comunidades.[50]
Para o STF, o convívio entre pessoas do mesmo sexo, fundado no afeto e no companheirismo, também caracteriza uma entidade familiar, conforme recente entendimento.[51]
Em termos estritamente jurídicos, a problemática em torno da pretensa incompatibilidade da aplicação do regime de partilha de bens para a união afetiva entre pessoas do mesmo sexo provém do contraste existente entre as disposições do CC/02 e da CF/88. A contraposição faz com que as regras constitucionais relativas à erradicação da marginalização, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, III e IV, da CF/88) e as normas pertinentes à união estável (art. 1.723 e seguintes do CC/02) pareçam instintivamente incompatíveis.[52]
A existência de regimes legais distintos para as uniões homoafetiva e heterossexuais, contudo, não impede o reconhecimento dos direitos patrimoniais decorrentes das parcerias homoafetivas, especialmente no que diz respeito à partilha dos bens após a dissolução do vínculo afetivo ou ao direito das sucessões. Sendo inconstitucional a diferenciação entre casais heterossexuais e homoafetiva no que se refere à pensão por morte e à partilha da herança.[53]
Neste sentido, versa o Superior Tribunal de Justiça:
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO AFETIVA ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO POST MORTEM CUMULADA COM PEDIDO DE PARTILHA DE BENS. PRESUNÇÃO DE ESFORÇO COMUM. 1. (OMISSIS). 2. (OMISSIS). 3. (OMISSIS). 4. Demonstrada a convivência, entre duas pessoas do mesmo sexo, pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família, sem a ocorrência dos impedimentos do art. 1.521 do CC/02, com a exceção do inc. VI quanto à pessoa casada separada de fato ou judicialmente, haverá, por consequência, o reconhecimento dessa parceria como entidade familiar, com a respectiva atribuição de efeitos jurídicos dela advindos. 5. Comprovada a existência de união afetiva entre pessoas do mesmo sexo, é de se reconhecer o direito do companheiro sobrevivente à meação dos bens adquiridos a título oneroso ao longo do relacionamento, mesmo que registrados unicamente em nome do falecido, sem que se exija, para tanto, a prova do esforço comum, que nesses casos, é presumida. 6. Recurso especial provido. (REsp 930.460/PR, Rel. MIN. NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/05/2011, DJe 03/10/2011) (negritos meus)
Igual entendimento, trata o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que é pioneiro quanto a matéria, in verbis:
UNIAO HOMOSSEXUAL. RECONHECIMENTO. PARTILHA DO PATRIMONIO. MEACAO PARADIGMA. NAO SE PERMITE MAIS O FARISAISMO DE DESCONHECER A EXISTENCIA DE UNIOES ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO E A PRODUCAO DE EFEITOS JURIDICOS DERIVADOS DESSAS RELACOES HOMOAFETIVAS. EMBORA PERMEADAS DE PRECONCEITOS, SAO REALIDADES QUE O JUDICIARIO NAO PODE IGNORAR, MESMO EM SUA NATURAL ATIVIDADE RETARDATARIA. NELAS REMANESCEM CONSEQUENCIAS SEMELHANTES AS QUE VIGORAM NAS RELACOES DE AFETO, BUSCANDO-SE SEMPRE A APLICACAO DA ANALOGIA E DOS PRINCIPIOS GERAIS DO DIREITO, RELEVADO SEMPRE OS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE HUMANA E DA IGUALDADE. DESTA FORMA, O PATRIMONIO HAVIDO NA CONSTANCIA DO RELACIONAMENTO DEVE SER PARTILHADO COMO NA UNIAO ESTAVEL, PARADIGMA SUPLETIVO ONDE SE DEBRUCA A MELHOR HERMENEUTICA. APELACAO PROVIDA, EM PARTE, POR MAIORIA, PARA ASSEGURAR A DIVISAO DO ACERVO ENTRE OS PARCEIROS. (Apelação Cível Nº 70001388982, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Carlos Teixeira Giorgis, Julgado em 14/03/2001) (negritos meus)
Portanto, o Estado do Rio Grande do Sul é o pioneiro em integrar o parceiro na ordem de vocação hereditária, aplicando de forma analógica à legislação que regula as uniões extras- maritais, por presumir a mútua colaboração dentre a qual foi amealhado patrimônio que deverá ter divisão igualitária. [54]
Dessa forma, mesmo não estando expressamente previsto no artigo 226 da Constituição Federal, as uniões homoafetivas podem ser tuteladas com fulcro nos princípios da Carta Magna, quais sejam: dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade, da privacidade, dentre outras cláusulas pétreas, que regem a pluralidade familiar.[55]
Desta forma, tanto a união estável quanto a união homoafetiva precisa da aplicação da analogia para viabilizar o reconhecimento, no caso da primeira, do direito à meação dos bens – mas, não se reconhece o direito sucessório -, enquanto que na segunda, incorpora o companheiro homossexual na ordem de vocação hereditária.[56]
Mutatis mutandis, reconhecer o direito à metade dos bens comuns não é conferir ao companheiro homoafetivo o status de herdeiro, eis que a meação não é objeto da sucessão, pois pertence ao cônjuge por direito próprio, em razão do casamento.[57]
Destaca-se, que não se confunde meação com herança, eis que a primeira é decorrente da comunhão de bens adotada e não é objeto da sucessão, conforme anteriormente exposto, enquanto que a herança é representada exclusivamente pelo patrimônio particular do falecido e a parte dele na comunhão conjugal, sendo objeto de inventário.[58]
Por estas razões, que a lei, assim como está, não protege com eficiência o direito sucessório das pessoas unidas estavelmente, eis que a analogia utilizada entre a união estável e homoafetivo serve para conferir ao sobrevivente o direito à meação do patrimônio comum, ora para outorgar-lhe, de fato, direito sucessório, incluindo-o na ordem da vocação hereditária, conforme determinava o Estatuto dos Companheiros.[59]
Ressalta-se, ainda, que após a vigência do Código Civil de 2002, tal analogia deverá tem em conta o artigo 1.790, do referido diploma, que não fará mais que estender aos parceiros em união homoafetiva toda a problemática sucessória enfrentada pela união estável.[60]
5 O PARADIGMA DA SUCESSÃO BASEADA NO CASAMENTO
Leciona Maria Berenice Dias, que a interpretação para casamento é puramente ideológica, desprovida de fundamento normativo que a justifique, na medida em que o Código Civil não define e nem tenta definir o que seria família ou mesmo casamento, também não identificando o sexo dos nubentes, limitando-se a estabelecendo requisitos para a celebração do matrimônio, alencar direito e deveres aos cônjuges e disciplinar diversos regimes de bens, regulamentando, por fim, o seu término e as questões patrimoniais daí decorrentes. [61]
Ademais, nada se fala sobre homoafetividade ou heteroafetividade, o Código Civil declina a finalidade do casamento civil no seu artigo 1.511: a comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges. É inquestionável o envolvimento afetivo que gera o desejo de constituir família e, portanto, o desejo de casar. [62]
Dessa forma, o sentido da relação matrimonial melhor se expressa pela noção de comunhão de afetos, portanto o elemento protetivo do casamento é a família, que se forma pelo amor que visa uma comunhão plena de vida e interesses, de forma pública, contínua e duradoura, ou seja, o amor familiar. [63]
A partir dessa reflexão, pode-se dizer que aquela interpretação proibitiva do casamento civil homoafetivo, que fazem os doutrinadores e a jurisprudência, é evidentemente discriminatória, pois visa garantir aos casais homoafetivos menos direitos do que aqueles conferidos aos casais heteroafetivos, tendo em vista que é por meio do casamento civil que as uniões amorosas podem usufruir de todas as benesses do Direito Sucessório e de Família.[64]
Em outras palavras, caso a discriminalização analisada não seja pautada pela lógica e pela racionalidade, será flagrantemente inconstitucional e, portanto, completamente descabida.[65]
Neste sentido, trata Viviane Girardi, in verbis:
Assim, diante da ausência de uma justificação racionalmente lógica, o que exige um alto grau de fundamentação para embasar o tratamento diferenciado, a obrigatoriedade do tratamento isonômico se impõe na medida em que essa aplicação pode significar restrição e mesmo afronta direta ao direito fundamental da igualdade (...).[66]
Em função disso, as uniões homoafetivas são idênticas às heteroafetivas, tendo em vista que em ambos os casos temos duas pessoas que se amam e querem desenvolver uma comunhão plena de vida e interesses, de forma pública, contínua e duradoura uma com a outra, amor este que é elemento formador da família contemporânea. Com base nisso, através da analogia é possível fazer uma interpretação extensiva ao casamento civil para possibilitá-la as uniões homoafetivas, uma vez que já é considerada entidade familiar pela união estável, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal.[67]
Portanto, se o Supremo Tribunal Federal equipara o direito dos conviventes homossexuais à união estável e a Constituição, afirma ainda, no artigo 226, §3º, que a lei deve facilitar sua conversão em casamento, não há como se lhes negar essa conversão (ou, pelos menos motivos, a celebração diretamente do próprio casamento), na linha do disposto no artigo 1.726, do Código Civil, segundo o qual a união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.[68]
No que tange a possibilidade do casamento civil entre a união homoafetiva, trata o Superior Tribunal de Justiça em recente julgado, in verbis:
DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO (HOMOAFETIVO). INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO EXPRESSA A QUE SE HABILITEM PARA O CASAMENTO PESSOAS DO MESMO SEXO. VEDAÇÃO IMPLÍCITA CONSTITUCIONALMENTE INACEITÁVEL. ORIENTAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA CONFERIDA PELO STF NO JULGAMENTO DA ADPF N. 132/RJ E DA ADI N. 4.277/DF. 1. Embora criado pela Constituição Federal como guardião do direito infraconstitucional, no estado atual em que se encontra a evolução do direito privado, vigorante a fase histórica da constitucionalização do direito civil, não é possível ao STJ analisar as celeumas que lhe aportam "de costas" para a Constituição Federal, sob pena de ser entregue ao jurisdicionado um direito desatualizado e sem lastro na Lei Maior. Vale dizer, o Superior Tribunal de Justiça, cumprindo sua missão de uniformizar o direito infraconstitucional, não pode conferir à lei uma interpretação que não seja constitucionalmente aceita. 2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da ADPF n. 132/RJ e da ADI n. 4.277/DF, conferiu ao art. 1.723 do Código Civil de 2002 interpretação conforme à Constituição para dele excluir todo significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família. 3. Inaugura-se com a Constituição Federal de 1988 uma nova fase do direito de família e, consequentemente, do casamento, baseada na adoção de um explícito poliformismo familiar em que arranjos multifacetados são igualmente aptos a constituir esse núcleo doméstico chamado "família", recebendo todos eles a "especial proteção do Estado". Assim, é bem de ver que, em 1988, não houve uma recepção constitucional do conceito histórico de casamento, sempre considerado como via única para a constituição de família e, por vezes, um ambiente de subversão dos ora consagrados princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Agora, a concepção constitucional do casamento - diferentemente do que ocorria com os diplomas superados - deve ser necessariamente plural, porque plurais também são as famílias e, ademais, não é ele, o casamento, o destinatário final da proteção do Estado, mas apenas o intermediário de um propósito maior, que é a proteção da pessoa humana em sua inalienável dignidade. 4. O pluralismo familiar engendrado pela Constituição - explicitamente reconhecido em precedentes tanto desta Corte quanto do STF - impede se pretenda afirmar que as famílias formadas por pares homoafetivos sejam menos dignas de proteção do Estado, se comparadas com aquelas apoiadas na tradição e formadas por casais heteroafetivos. 5. O que importa agora, sob a égide da Carta de 1988, é que essas famílias multiformes recebam efetivamente a "especial proteção do Estado", e é tão somente em razão desse desígnio de especial proteção que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento, ciente o constituinte que, pelo casamento, o Estado melhor protege esse núcleo doméstico chamado família. 6. Com efeito, se é verdade que o casamento civil é a forma pela qual o Estado melhor protege a família, e sendo múltiplos os "arranjos" familiares reconhecidos pela Carta Magna, não há de ser negada essa via a nenhuma família que por ela optar, independentemente de orientação sexual dos partícipes, uma vez que as famílias constituídas por pares homoafetivos possuem os mesmos núcleos axiológicos daquelas constituídas por casais heteroafetivos, quais sejam, a dignidade das pessoas de seus membros e o afeto. 7. A igualdade e o tratamento isonômico supõem o direito a ser diferente, o direito à auto-afirmação e a um projeto de vida independente de tradições e ortodoxias. Em uma palavra: o direito à igualdade somente se realiza com plenitude se é garantido o direito à diferença. Conclusão diversa também não se mostra consentânea com um ordenamento constitucional que prevê o princípio do livre planejamento familiar (§ 7º do art. 226). E é importante ressaltar, nesse ponto, que o planejamento familiar se faz presente tão logo haja a decisão de duas pessoas em se unir, com escopo de constituir família, e desde esse momento a Constituição lhes franqueia ampla liberdade de escolha pela forma em que se dará a união. 8. Os arts. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565, todos do Código Civil de 2002, não vedam expressamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e não há como se enxergar uma vedação implícita ao casamento homoafetivo sem afronta a caros princípios constitucionais, como o da igualdade, o da não discriminação, o da dignidade da pessoa humana e os do pluralismo e livre planejamento familiar. 9. Não obstante a omissão legislativa sobre o tema, a maioria, mediante seus representantes eleitos, não poderia mesmo "democraticamente" decretar a perda de direitos civis da minoria pela qual eventualmente nutre alguma aversão. Nesse cenário, em regra é o Poder Judiciário - e não o Legislativo - que exerce um papel contramajoritário e protetivo de especialíssima importância, exatamente por não ser compromissado com as maiorias votantes, mas apenas com a lei e com a Constituição, sempre em vista a proteção dos direitos humanos fundamentais, sejam eles das minorias, sejam das maiorias. Dessa forma, ao contrário do que pensam os críticos, a democracia se fortalece, porquanto esta se reafirma como forma de governo, não das maiorias ocasionais, mas de todos. 10. Enquanto o Congresso Nacional, no caso brasileiro, não assume, explicitamente, sua coparticipação nesse processo constitucional de defesa e proteção dos socialmente vulneráveis, não pode o Poder Judiciário demitir-se desse mister, sob pena de aceitação tácita de um Estado que somente é "democrático" formalmente, sem que tal predicativo resista a uma mínima investigação acerca da universalização dos direitos civis. 11. Recurso especial provido. (REsp 1183378/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 25/10/2011, DJe 01/02/2012)
Pelas argumentações supra expostas, compreende-se que não se pode falar em inexistência do casamento entre pessoas do mesmo sexo, v.g., pessoas do mesmo sexo vivem em união estável, porém, adentram ao judiciário para pedir a conversão da união estável em casamento, com fulcro no artigo 1.726 do Código Civil e no artigo 226, §3º, da Constituição Federal, e com base no princípio da isonomia, logo o Poder Judiciário não poderá fechar os olhos e ignorar tal pedido, alegando que é pressuposto de casamento a diversidade de sexo, eis que seria inconstitucional, porque estaria infringindo os princípios constitucionais do ordenamento jurídico. [69]
É importante ressaltar que em junho de 2011, o Juiz a 2ª Vara da Família e das Sucessões de Jacareí-SP, converteu a união estável entre o cabeleireiro Sérgio Kauffman Sousa e o comerciante Luiz André Moresi em casamento, com fundamentação no princípio da igualdade previsto na Constituição e nos fundamentos da decisão do STF. Segundo o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) e a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT), ocorreu no Brasil o primeiro caso de casamento civil homoafetivo.[70]
Outra iniciativa parte de algumas religiões, como é o caso Igreja Cristã Contemporânea do Rio de Janeiro, que em meados do mês de novembro do ano de 2009, celebrou o primeiro casamento religioso entre pastores evangélicos do país.[71]
Não obstante, a grande sistemática estaria sobre o direito sucessório, haja vista, que o casamento é o meio que oferece maior proteção ao cônjuge sobrevivente, porque o elevaria ao patamar de herdeiro necessário, em virtude da ficção do droit de saisine[72], adotada no ordenamento jurídico pelo artigo 1.784 do Código Civil, bastando apenas para o recebimento de sua quota hereditária a exibição judicial da certidão de casamento e da certidão de óbito do de cujus (autor da herança), condição esta negada ao companheiro (união estável), seja ele homossexual ou heterossexual.[73]
Sendo assim, o artigo 1.829 do Código Civil, trata sobre a ordem de vocação hereditária, o qual torna o cônjuge, além de meeiro, observado o regime de bens, permite também ao herdeiro necessário, primeiramente em concorrência com descendentes, depois com ascendentes levando por fim a totalidade da herança na inexistência de parentes nessas duas classes.[74]
Vale destacar, que o regime de bens em vigor durante o casamento apenas interfere na herança do cônjuge quando este concorre com descendentes do falecido. Neste caso, só receberá quem tiver sido casado pelos regimes da comunhão parcial, da participação final dos aquestos, ou do regime de separação total, hipóteses em que a herança será tirada aos bens particulares eventualmente deixados pelo de cujus.[75]
Trata ainda, o Código Civil sobre a sucessão, concorrendo com descendentes apenas do de cujus, o cônjuge recebe quinhão igual ao daqueles que, sendo, por exemplo, filhos do falecido, recebem sua quota parte por direito próprio e por cabeça. Concorrendo com filhos comuns, também recebe seu quinhão como se mais um descendente fosse, resguardada uma participação mínima de 25% (vinte e cinco por cento) sobre o montante partível (CC, art. 1.832).[76]
Quando a concorrência se der com os ascendentes do de cujus, o cônjuge receberá 1/3 (um terço) da herança; existindo apenas o sogro ou a sogra, ou sendo maior o grau de ascendência daqueles com quem concorrer, receberá o viúvo(a) metade do patrimônio hereditário.[77]
Diante ao exposto, depreende-se que a legislação civil esgota o assunto quanto à sucessão do cônjuge sobrevivente, traçando-lhe regras quanto aos requisitos para fruição do direito sucessório e montante do patrimônio hereditário que lhe competirá. Porém, tal regramento, não se dá nos mesmos termos para o cônjuge sobrevivo em união estável heterossexual e homossexual.[78]
6 A CONFIGURAÇÃO DA FAMÍLIA HOMOAFETIVA
Atualmente a jurisprudência e a maioria dos doutrinadores, vêm adotando o posicionamento que a união entre homoafetiva tem natureza jurídica de família, e como tal teria todos os direitos reservados por lei à entidade familiar.[79]
A família é a base da sociedade brasileira e deve receber especial proteção do Estado, nos termos do artigo 226, caput, da Constituição Federal.
Observa-se, que a Constituição Federal também considera as uniões amorosas como entidade familiar, de caráter estável, por esta razão não restringiu a família formada por duas pessoas que tenham contraído entre si o casamento civil, a partir do momento em que duas pessoas se unem amorosamente com o intuito de uma comunhão de vida e interesses de forma pública, contínua e duradoura.[80]
Por meio dessa vertente, depreende-se que através de uma interpretação sistemática do Direito Constitucional, é perfeitamente possível o enquadramento da homoafetividade no conceito de família, com base nos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade de orientação sexual, da privacidade, entre outros. [81]
Partindo deste pressuposto, é importante ressaltar o Projeto de Lei 2.258/07 [82], conhecida como Estatuto das Famílias, faz menção expressa à união homoafetiva, garantindo-lhe, em rol exemplificativo, alguns direitos civis e previdenciários, em seu artigo 68, in verbis:
Art. 68. É reconhecida como entidade familiar a união entre duas pessoas de mesmo sexo, que mantenham convivência pública, contínua, duradoura, com objetivo de constituição de família, aplicando-se, no que couber, as regras concernentes à união estável.
Parágrafo único. Dentre os direitos assegurados, incluem-se:
I – guarda e convivência com os filhos;
II – a adoção de filhos;
III – direito previdenciário;
IV – direito à herança.
Se o referido projeto fosse aprovado modificaria todo o Livro do Código Civil do Direito de Família, o que daria suporte aos magistrados brasileiros quando acionada a sua jurisdição. Entretanto, em agosto de 2009, foi suprido o referido artigo que fazia referência expressa sobre a família homoafetiva, pelo legislativo - sob a falaciosa alegação de que a família só se forma pela união ente homem e mulher - que o Direito cumpra a sua função social e reflita na norma positivada o anseio de uma parcela da sociedade. [83]
Contudo, embora o legislativo ainda continue omisso quanto à matéria, o Direito não pode omitir-se quanto a fatos sociais e aplicar as leis – criadas pelo legislativo - que são contrárias aos princípios basilares - estão previstos nas cláusulas pétreas da Constituição Federal –, com intuito de aplicar a cada caso concreto a Justiça, eis que qualquer lei ordinária que tratar apenas de união entre homem e mulher é de pleno Direito inconstitucional, conforme entendimento recente do Supremo Tribunal Federal, que será posteriormente abordado. [84]
Por fim, ressalto, o anteprojeto do Estatuto de Diversidade Sexual proposto pela Ordem dos Advogados do Brasil no Senado Federal regula o direito sucessório e também determina que o Estado deve assegurar a todos, independente da orientação sexual o direito a convivência familiar, conforme trata em seus artigos 13 e 14.[85]
6.1 A CRISE NO DIREITO CIVIL E A REINVENÇÃO DA FAMÍLIA
O Direito Civil diante do reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar, esta passando por transformações, revisões conceituais e superando preconceitos burgueses patrimoniais de construção do fenômeno jurídico, bem como, se sujeita com maior ou menor evidência, a fenômenos críticos com a constitucionalização de a despatrimonialização de alguns de seus institutos, ou seja, revalorizando o ser humano e as relações interpessoais.[86]
Versa neste sentido Fábio de Oliveira Vargas, in verbis:
Essa transformação pela qual passa o Direito Civil atinge, portanto, seus cânones interpretativos, sua sistematização legal e suas instituições. Agora, deve o ordenamento civilístico ser interpretado tomando o caso concreto como ponto de partida, tendo o cuidado de conjugar os ideais de justiça social e segurança jurídica. Começa a apresentar, igualmente, forte tendência à descodificação, passando a ser constituído por leis específicas, que cuidam de assuntos pontuais, esgotando-se em microssistemas jurídicos. E, por fim, vai experimentar um metamorfose de suas instituições, como contrato, a propriedade e a família, que – em função das profundas mudanças sociais pelo Estado Democrático de Direito – assumem nova roupagem pautada pela noção constitucional da função social.[87]
Nessa toada, as famílias homoafetiva são um dos principais exemplos de falta de amparo legal no Brasil, bem como da discriminalização que ainda se faz presente neste País.[88]
Ainda que não haja norma expressa neste sentido, é importante frisar Paulo Luiz Netto Lôbo, sobre o fato que:
O silêncio sobre a diversidade sexual é atrelado à naturalização da heteronormatividade. Esta deixa pouco espaço para que outros sentidos da sexualidade surjam. O silêncio heteronormativo reflete visões homofóbicas de mundo, pois prioriza os discursos que ligam a sexualidade à reprodução, de maneira que a relação heterossexual se torna a única possibilidade, ao silenciar sobre a diversidade sexual, acaba por não contribuir para o enfretamento da homofobia.[89]
O Estado Brasileiro, atrelado à moderna concepção da função social dos institutos jurídicos, define os parâmetros que devem nortear a noção de família, protegendo os grupos familiares que convêm ao modelo social majoritário, mas excluindo da proteção estatal os grupos minoritários que, como os homoafetiva, ainda lutam pelo reconhecimento de suas uniões na órbita do Direito legislado.[90]
E isso tem atribuído ao Judiciário, que não pode se eximir de julgar alegando ausência de lei sobre o assunto sub judice, a árdua tarefa de adaptar o direito ao caso concreto. E com o ativismo do Poder Judiciário, o conceito de família restou flexibilizado, indicando que seu elemento formador precípuo é, antes mesmo de qualquer fato genérico, o amor e afeto. [91]
Assim, o reconhecimento da união de pessoas do mesmo sexo como entidade familiar esta pautada em afeto, amor, respeito e cumplicidade, não podendo o preconceito se sobrepor à dignidade da pessoa humana, à igualdade, ao direto de liberdade de escolha sexual e ao direito à felicidade.[92]
6.2 A JURISDICIONALIZAÇÃO DO AFETO NO ARTIGO 226 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
O artigo 226, caput, da Constituição Federal, estabelece a família como sendo a base da sociedade brasileira e tem especial proteção do Estado, não colocando o casamento civil como regra da família juridicamente protegida, bem como, não proíbe em nenhum momento o reconhecimento do status jurídico-familiar das uniões homoafetivas, conforme in verbis:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio
§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
O parágrafo 1º e 2°, mencionam o casamento civil e confere efeitos civis ao casamento religioso, sendo o matrimônio a forma de oficializar a família perante o Estado, através do processo de habilitação e celebração do casamento. [93]
O parágrafo terceiro, reconhece como família o núcleo fundado em união estável, explicitando a diversidade de sexos como requisito essencial para a configuração de entidade familiar. Contudo, este dispositivo se opõe ao reconhecimento da família homoafetiva protegida em geral, eis que colocam a expressão “o homem e a mulher”, mas para saber se as uniões homoafetivas podem ou não ser reconhecidas como famílias juridicamente protegidas nos dias de hoje, é preciso realizar as seguintes perguntas: - qual foi o elemento valorativo protegido pelo Constituinte quando elaborou o artigo 226, §3°, da constituição Federal; - qual foi o posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal para reconhecer a união homoafetiva como entidade familiar?[94]
O elemento valorativo protegido pelo constituinte quando versou da entidade familiar - união estável, é abordado pela norma do artigo 1.723, do Código Civil, infra transcrito:
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
§ 1o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.
§ 2o As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável.
Diante, desta vertente observa-se que o referido diploma não obsta que a união de pessoas do mesmo sexo possa ser reconhecida como entidade familiar apta a merecer proteção estatal. Porém, pode-se dizer é que o elemento protegido pela norma constitucional e pelas normas infraconstitucionais que tratam sobre união estável é o amor (afeto) que vise uma comunhão plena de vida e interesses, de forma pública, contínua e duradoura. [95]
Portanto, por meio da analogia e da interpretação extensiva pode-se afirmar que atualmente a base para configuração de entidade familiar esta intimamente ligada ao afeto, no intuito de tratar os iguais de maneira igual e os desiguais de maneira desigual na medida em que eles se desigualam, com fulcro no princípio constitucional da isonomia (igualdade) e da dignidade da pessoa humana. Isso porque o não reconhecimento da união estável homossexual caracteriza-se discriminação por orientação sexual.[96]
Neste sentido, posicionou-se o Supremo Tribunal Federal, em julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277/DF e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132/RJ, em 05 de maio de 2011, que originou o informativo 625, conforme julgado in verbis:
1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir “interpretação conforme à Constituição” ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação. 2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de “promover o bem de todos”. Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da kelseniana “norma geral negativa”, segundo a qual “o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido”. Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito a auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea. 3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas. 4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE FAMILIAR” E “FAMÍLIA”. A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no §3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia “entidade familiar”, não pretendeu diferenciá-la da “família”. Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado “entidade familiar” como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do §2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem “do regime e dos princípios por ela adotados”, verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. 5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO. Anotação de que os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso convergiram no particular entendimento da impossibilidade de ortodoxo enquadramento da união homoafetiva nas espécies de família constitucionalmente estabelecidas. Sem embargo, reconheceram a união entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar. Matéria aberta à conformação legislativa, sem prejuízo do reconhecimento da imediata auto-aplicabilidade da Constituição. 6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA “INTERPRETAÇÃO CONFORME”). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva. (ADPF 132, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-01 PP-00001) |
Assim, tanto o casamento civil como o reconhecimento da união estável são regimes jurídicos possíveis as uniões homoafetivas, uma vez que o objetivo da proteção é o valor nela inerente, ou seja, o afeto (amor) que vise a uma comunhão plena de vida e interesses, de forma pública, contínua e duradoura, que é elemento formador de família contemporânea no que tange a casais.[97]
No parágrafo 4º, do artigo 226, da Constituição Federal, inclui como família aquela conhecida como monoparental, formada por apenas um dos pais e sua prole. Posto isso, a atribuição do caráter familiar à união estável e à família monoparental repousa na verificação de que é condição de valor jurídico o afeto - laço que une seus membros -, e não a oficialidade das fórmulas matrimoniais, fenômeno que indica uma nova e forte tendência no Direito de Família Brasileiro.[98]
6.3 O RECONHECIMENTO DA NATUREZA FAMILIAR DAS UNIÕES HOMOAFETIVAS PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: ADPF 132/08 E ADIN 4277/09
Obsta do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) citado no tópico 6.2, que a união homoafetiva a partir de maio de 2011 ganhou o status de entidade familiar, equiparada juridicamente à união estável entre homem e mulher.[99]
Em ambas as ações (ADPF 132/08 e ADIN 4277/09) o objeto do pedido era praticamente que o Supremo Tribunal Federal reconhecesse a união homoafetiva como entidade familiar e que estendesse a ela o direto conferido à união estável, protegido pelo artigo 226, §3º, da Constituição Federal e pelo artigo 1.723, do Código Civil, dentre outros artigos esparsos.[100]
Entretanto, mesmo havendo equiparação da união homoafetiva à união estável através de interpretação analógica feita pelo Supremo Tribunal Federal, deve-se fazer algumas considerações acerca da decisão, no tocante a seus efeitos e aos desdobramentos que poderá vir a ter diante das peculiaridades dos casos concretos que futuramente se apresentarão para análise judicial, eis que a união estável tem um tratamento legislativo insuficiente – com lacunas obscuras -, se comparado ao instituto do casamento.[101]
Ademais, o Superior Tribunal de Justiça em recente julgado publicado em fevereiro de 2012, converte a união estável em casamento civil, sob o fundamento de que o casamento civil não pode ser negado a nenhuma família que optar, independentemente de orientação sexual dos partícipes, uma vez que as famílias constituídas por pares homoafetivos possuem os mesmos núcleos axiológicos daquelas constituídas por casais heteroafetivos, quais sejam, a dignidade da pessoa humana e o afeto.[102]
Quanto aos efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal quanto ao reconhecimento da união homoafetiva como união estável para todos os fins de direito, não supre o tratamento da matéria por uma lei. Segundo o artigo 102, §2°, da Constituição Federal e o artigo 28, parágrafo único, da Lei 9.868/99, trata que a decisão possui efeito erga omnes (contra todos), mas vincula apenas o Poder Judiciário e a administração Pública.[103]
Neste sentido, versa Pedro Lenza:
(...) o efeito vinculante em ADI e ADC, na linha de interpretação dada pelo STF, não atinge o Poder Legislativo, produzindo eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direita e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.[104]
Depreende-se que decisum em vertente não vincula o Legislativo, bem como, que em todo o Código Civil, salvo alguns artigos esparsos, o legislador dedicou tão somente 5 (cinco) artigos para regular a união estável, sendo o casamento minuciosamente esboçado no referido diploma; portanto, percebe-se que a tutela jurídica da união estável não é tão segura quanto as uniões matrimonializadas.[105]
A decisão do Supremo Tribunal Federal apesar de vincular o Judiciário e as instâncias público-administrativas a deferir tratamento análogo ao da união estável, não explicita quais são os direitos a serem resguardados, coisa que uma lei poderia fazer a contento.[106]
A preocupação com a necessidade de promulgação de uma lei sobre o assunto e o perigo de extrapolar as competências, entre os três Poderes esteve presente no voto do Ministro Gilmar Mendes, ao pronunciar sobre as referidas ADI e ADPF: “Pretender regular isso é exacerbar demais nossa vocação de legisladores positivos, com sério risco de descarrilarmos, produzindo lacunas”.[107]
Dessa forma, os casais homoafetivos estáveis não têm como saber de antemão, quais direitos sua convivência intuitu familiae lhes traz, sendo a sua única garantia é que o Judiciário e a Administração Pública, a partir da decisão do STF, deverão garantir-lhes tratamento análogo ao da união estável.[108]
É oportuno lembrar que a decisão do STF só vincula o Judiciário e a Administração Pública, portanto, se qualquer outro órgão quiser negar a equiparação análoga à união estável poderá, por exemplo, se o titular de uma cota em clube recreativo tiver negada a pretensão de inscrever seu parceiro do mesmo sexo como beneficiário nesta instituição, deverá manejar ação judicial para obter tal inscrição, ou seja, mesmo com a decisão do Supremo, a garantia de muitos direitos dependerá ações judiciais para ter aparato jurídico, com todas as mazelas que lhe são características.[109]
Porém, oportunamente, cabe salientar alguns principais direitos oriundos da equiparação entre união homoafetiva e a união estável, destacando-se os seguintes direitos:[110]
1. pensão alimentícia em caso de dissolução da união;
2. adoção conjunta;
3. opção pelo sobrenome do parceiro;
4. soma de renda para diversos fins contratuais;
5. inscrição do parceiro como dependente de servidor público.*
6. guarda e visita dos filhos comuns em caso de dissolução da união;
7. inscrição do parceiro como dependente em plano de saúde;*
8. participação dos programas do Estado voltados à família;
9. inscrição do parceiro como dependente previdenciário;*
10. acompanhamento do parceiro servidor público transferido;
11. impenhorabilidade do imóvel próprio em que o casal reside;
12. garantia da meação dos bens adquiridos em caso de dissolução da união;
13. licença-maternidade/paternidade para o caso de nascimento/adoção de filho de parceiro;
14. abono-família;
15. licença-luto, em caso de morte do parceiro;
16. auxílio-funeral, em caso de morte do parceiro;
17. nomeação como inventariante do parceiro falecido;
18. herança (fundado no controverso artigo 1.790 do Código Civil);
19. dano moral reflexo se o parceiro falecer em razão de ato ilícito;
20. visita íntima caso o companheiro esteja encarcerado;
21. acompanhamento da parceira no parto;
22. autorizar cirurgia de risco no parceiro;
23. nomeação como curador do parceiro declarado judicialmente incapaz (interdição);
24. declaração do parceiro como dependente do Imposto de Renda (IR);*
25. declaração conjunta do IR;
26. julgamento das ações pelas Varas de Família, onde estiver resguarda o “segredo de família”.;
27. indenização do seguro DPVAT, em caso de falecimento do parceiro em razão de acidente automobilístico;*
28. proteção contra violência doméstica familiar;*
29. visto de permanência para companheiro estrangeiro;*
30. celebração de contrato para regular os efeitos pessoais e patrimoniais da união;*
31. concessão de pensão por morte e auxílio-reclusão para companheiro dependente de segurado do INSS.*[111]
Ressalta-se, ainda, que existem deveres que devem ser observados pela união homoafetiva estável, destaca-se: [112]
1. mútua assistência material e moral;
2. lealdade recíproca;
3. sustento, guarda e educação dos filhos comuns;
4. respeito e consideração mútuos;
5. vida em comum no domicílio dos companheiros;
6. direção da vida em comum no interesse do casal e dos filhos;
7. colocação com sustento da família, na proporção de seus rendimentos;
8. presunção de solidariedade pelas dívidas contraídas em razão de economia doméstica;
9. autorização para alienação ou gravames de ônus real sobre bens comuns;
10. autorização de fiança ou aval;
11. autorização para pleito judicial acerca de bens ou direito de natureza imóvel;
12. administração dos bens comuns diante da impossibilidade/incapacidade do companheiro;
13. administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade;
14. responsabilidade civil pelos danos causados por filhos menores sob sua guarda e em sua companhia;
15. respeito às regras do regime da comunhão parcial de bens, salvo estipulação contratual em contrário (artigo 1.725, do Código Civil);
16. impossibilidade de contratar sociedade empresarial entre si, caso tenham optado pelo regime de comunhão universal (artigo 977, do Código Civil);
Frisa-se, por fim, para que o casal tenha acesso a esses direitos, deverá preencher os requisitos necessários à configuração da união estável, conforme preceitua o artigo 1.723, do Código Civil. Assim, para ser reconhecida como estável, a união homoafetiva deverá ser: [113]
a) pública;
b) contínua;
c) duradoura (não há limites temporais expresso em lei);
d) apresentar o objetivo de constituir família;[114]
e) não possuir impedimentos matrimoniais;
São impedimentos matrimoniais aqueles previstos no artigo 1.521, do Código Civil, in verbis:
I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;
II - os afins em linha reta;
III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;
IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;
V - o adotado com o filho do adotante;
VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.
É imprescindível esclarecer que a equiparação por analogia da união homoafetiva com a união estável somente garantiu alguns direitos, com todas as lacunas e dificuldades que é característica da união estável heterossexual.[115]
Para melhor visualização entre o instituto do casamento e a união estável, cita-se duas diferenças marcantes, sendo a primeira quanto a prova do matrimônio se faz mediante apresentação da certidão de casamento, e a prova da união estável demanda ação judicial; a segunda diferença é quanto ao quesito herança, as gritantes diferenças já foram abordadas no tópico 5.2, deste trabalho.[116]
Na hipótese de o casal homossexual preferir celebrar o contrato de união estável, precisa-se fazer alguns apontamentos, infra transcritos: [117]
a) o contrato poderá revestir-se formalmente como instrumento particular ou escritura pública, devendo ser levada a registro no Cartório de Registro de Títulos e Documentos, podendo v.g., um parceiro adotar o sobrenome do outro;
b) o contrato poderá adotar outros regimes de bens, ou até mesmo, criar um regime sui generis para aquele casal, tal qual pacto antenupcial proporciona aos nubentes;
c) o contrato deve respeitar os requisitos gerais de validade para os negócios jurídicos atípicos (artigo 104, do Código Civil);
d) o contrato não cria a união estável, mas regula seus efeitos pessoais e patrimoniais: a união estável nasce dos fatos da vida cotidiana do casal;
e) o contrato pode ser utilizado como prova da união perante terceiros, perante o Judiciário ou perante a Administração Pública direita ou indireta, caso se pretenda postular direitos para o casal ou regular os efeitos oriundos da dissolução de sua união;
f) O contrato pode dispor sobre praticamente todos os direitos do casal em união estável, exceto o direito sucessório, que deve ser tratado via testamento.
Caso os conviventes homoafetiva optem por uma união não contratual, sujeitam-se à regulação de sua união pelas poucas normas que disciplinam a união estável, com as lacunas e falhas que as caracterizam. Contudo, para garantir o direito hereditário entre o casal, deve-se realizar o testamento, que á a forma atualmente regulamentadora da sucessão na união estável (artigo 1.790, do Código Civil).[118]
Por fim, cabe citar que há previsão legal para conversão da união estável em casamento (artigo 226, §3°, da Constituição Federal e artigo 1.726, do Código Civil), sendo que para tal medida é necessário adentrar com ação judicial com sentença de efeitos ex tunc à data do início da convivência.[119]
7 O TESTAMENTO E O CONTRATO DE PARCERIA CIVIL
Enquanto existe omissão legislativa em regulamentar a união homoafetiva, os casais do mesmo sexo poderão se valer da equiparação sucessória em face da união estável, conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal, ao proferir julgamento sobre as ADI 4277/09 e ADPF 132/08. Entretanto, a sucessão da união estável é abordada pelo controverso artigo 1.790, do Código Civil, o casal homoafetivo que desejar ter maior segurança quanto a direitos hereditários ainda podem utilizar-se, com níveis satisfatórios de garantia, das três espécies ordinárias de testamento (público, cerrado e particular – vide tópico 7.1) disponibilizados pela lei brasileira.[120]
O testamento é o meio pelo qual se evitaria litígio nos inventários em que seria necessário discutir a existência de união estável homoafetiva entre o de cujus e o companheiro supérstite. Destarte, falecendo a pessoa ab intestato (sem deixar testamento), seu patrimônio seguirá o trâmite sucessório determinado pela lei: trata-se da sucessão legítima, conforme versa artigo infra do Código Civil:
Art. 1.788. Morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for julgado nulo.
Com relação ao contrato de parceria civil levado ao registro assevera Maria Berenice Dias:
O Grupo Gay da Bahia institui o Livro de Registro de Uniões Estáveis entre Homoafetiva, prática que acabou sendo adotada por quase todas as entidades homoafetiva do país. O registro assim levado a efeito nem oficializa e nem legaliza a união, por não ser um documento público chancelado pelo Estado, mas serve para provar a existência da união pra vários fins. Também não se constitui em um contrato e nem afasta a necessidade de lei que regulamente as uniões homoafetiva.[121]
Quanto a aptidão desse contrato para conferir direitos sucessórios recíprocos entre os parceiros, será posteriormente abordado no tópico 7.2, do presente trabalho.
7.1 O TESTAMENTO E A UNIÃO HOMOAFETIVA
O testamento tem natureza jurídica de declaração unilateral de vontade, cujos efeitos só se produzirão causa mortis, em função da morte do testador. Ante a lacuna legislativa quanto a direitos sucessórios em sede de união estável homoafetiva, o testamento ainda é o melhor mecanismo jurídico para proteção de direitos hereditários entre os conviventes, desde que respeitado a sucessão testamentária.[122]
Quanto ao direito de propriedade, o testamento viabiliza ao autor da sucessão dispor de seu patrimônio para depois de sua morte sendo-lhe lícito ditar a sua última vontade quanto à destinação desse acervo hereditário.[123]
Segundo Maria Helena Diniz, na cédula testamentária poderá haver a instituição de herdeiro, a determinação dos bens que comporão as cotas hereditárias, a aposição de cláusulas restritivas, como a de incomunicabilidade, inalienabilidade e impenhorabilidade, e até mesmo a declaração de deserdação de sucessores necessários.[124]
Quanto a forma do testamento e a capacidade testamentária ativa, deve vigorar a lei vigente no momento da facção do testamento. Mas, a eficácia do testamento, bem como , a capacidade testamentária passiva, são determinados pela lei vigente à época do óbito do autor da sucessão, com fulcro no artigo 1.787, do Código Civil.[125]
As restrições à liberdade de testar, se o companheiro homoafetivo testador tiver, por exemplo, filhos ou pais vivos, só poderá dispor em testamento da metade de seus bens, sendo a outra metade considerada uma reserva legal forçada do patrimônio em favor dos herdeiros legítimos necessários.[126] Nesse sentido trata, os artigos do Código Civil, in verbis:
Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.
Art. 1.789. Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança.
Se o testador dispuser de seus bens em favor do companheiro homoafetivo, atingindo parte legítima, ou todo seu valor, reputar-se-á nula no que exceder ao que a lei poderia ter deixado em testamento,[127] conforme artigo 549, do Código Civil, abaixo transcrito:
Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.
Para afastar da sucessão os herdeiros necessários em favor do companheiro homoafetivo, só pode se valer o testador do instituto da deserdação, cujas as causas são estritamente determinadas em lei[128], ou seja, só pode deserdar o herdeiro necessário se ocorrer as seguintes hipóteses previstas nos artigos 1.814 e 1.962, ambos do Código Civil, in verbis:
Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:
I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;
II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;
III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.
Art. 1.962. Além das causas mencionadas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes:
I - ofensa física;
II - injúria grave;
III - relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto;
IV - desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.
O rol apresentado pela lei é taxativo, sendo que somente com autorização em lei e declaração expressa da causa pode a deserdação ser ordenada em testamento, motivo pelo qual, se ocorrer o abandono e o desprezo pela família em função da orientação sexual do de cujus, que é tão comum nos casos de união homoafetiva, não autorizam a deserdação.[129]
Portanto, não conseguiria o testador realizar este intento em favor do seu companheiro homoafetivo, a não ser que inexistam outros herdeiros necessários e que o deserdado não tenha parentes sucessíveis, eis que a deserdação não atinge os sucessores do herdeiro deserdado, que poderá representá-lo na sucessão do testador, recebendo o quinhão que lhe caberia.[130]
Quanto aos parentes colaterais, como não se trata de herdeiros necessários, pode ser simplesmente excluído da sucessão testamentária, sem que se faça imprescindível qualquer justificativa. São colaterais em 2° (segundo) grau os irmãos bilaterais ou unilaterais; em 3° (terceiro) grau os tios e sobrinhos; e em 4° (quarto) grau os tios-avôs, os sobrinhos-netos e os primos. Na linha colateral, para além do 4° (quarto) grau, não há parentesco, nem portanto, direito sucessório.[131]
Deste modo, se o testador tem apenas como herdeiros legítimos os parentes colaterais, goza de livre disposição de seu patrimônio, podendo testar livremente sobre a totalidade de seus bens em favos do companheiro homossexual, ou de quem lhe aprouver.[132]
Salienta-se que no ordenamento jurídico é proibido testamento conjuntivo, seja ele simultâneo, recíproco ou correspectivo, nos termos do artigo 1.863, do Código Civil. Nesta toada, cabe distinguir as modalidades de testamento conjuntivo, a fim de que não sejam utilizados na prática.[133]
Versa Maria Helena Diniz, que o simultâneo, ou de mão comum, é o testamento em que os testadores, referindo-se a sim mesmos na primeira pessoa do plural, estabelecem deixas testamentárias em favor de uma terceira pessoa (v.g. pai e mãe deixam para o filho); o recíproco é o testamento onde os testadores, num mesmo testamento nomeiam-se reciprocamente como herdeiros (v.g. é quando a “A” deixa os bens para o “B” e o “B” deixa para “A”); o correspectivo é o testamento em que o motivo da reciprocidade é expressamente relevado (v.g. é quando no mesmo testamento “A” nomeia “B” como herdeiro, porque também foi nomeado como tal no testamento deste outro). Todos padecem do vício da nulidade.[134]
Portanto, o casal homoafetivo deverá proteger-se mutuamente através da realização de dois testamentos distintos, onde cada um, individualmente, deixará para o outro a parte que lhe caiba do patrimônio comum do casal e dos seus bens particulares, se assim o desejarem, eis que se testarem na modalidade conjuntiva, fica aberta aos herdeiros legítimos a via judicial para se obter a declaração de sua nulidade.[135]
O testamento no direito sucessório brasileiro pode ser feito de três modalidades: o testamento público, o cerrado e o particular.[136]
O testamento particular, é a forma mais segura, eis que é o lavrado pelo tabelião em livro de notas, de acordo com a declaração de vontade do testador, exarada em língua nacional, perante o mesmo oficial e na presença de duas testemunhas idôneas e desimpedidas;[137]
O testamento cerrado é o escrito com caráter sigiloso pelo testador ou por alguém a seu rogo, completado por instrumento de aprovação lavrado pelo tabelião em presença de duas testemunhas idôneas, sendo apenas o seu conteúdo descoberto em ação judicial para abertura do mesmo. A única desvantagem deste tipo de testamento é a possibilidade de extravio, caso a pessoa responsável por sua apresentação em juízo não seja diligente em seu múnus de guarda e conservação da cédula secreta;[138]
O testamento particular é o escrito a próprio punho ou através de processo mecânico, em língua nacional ou não, assinado pelo próprio testador, e lido em voz alta perante 3 (três) testemunhas idôneas que compreendem o idioma em que foi lavrado o testamento, que também o assinam (artigo 1.876, §§ 1º e 2º, do Código Civil).[139]
Nada obsta que cada membro do casal opte por uma forma diferente de testamento, bem como, que o testamento seja lavrado pelo casal homossexual em outro país, perante autoridade consular brasileira, de acordo com o artigo 18 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, dispondo sobre bens situados no Brasil ou instituindo sobre herdeiro aqui domiciliado.[140]
7.2 O CONTRATO DE PARCERIA CIVIL E OS DIREITOS SUCESSÓRIOS
O contrato de parceria de união estável entre pessoas do mesmo sexo pode ser levado ao Cartório de Registro de Títulos e Documentos, para regular a união existente. O contrato de união estável não tem o condão de criar a união, que é o fato jurídico, mas apenas regula, podendo servir como prova de sua existência perante a Justiça, facilitando, por exemplo, a partilha de bens em caso de dissolução do companheirismo.[141]
O contrato em questão pode ser lavrado em instrumento particular, assinado por ambos os contratantes e duas testemunhas, tendo a sua veracidade presumida pela lei civil, ou lavrado em Tabelionato de Notas e levado a registro no Cartório de Títulos e Documentos.[142]
No contrato os casais homoafetiva devem firmar o contrato de convivência em cujas cláusulas sejam determinados os direitos e deveres de ordem patrimonial, com eficácia inter partes, devendo respeitar as regras gerais de validade e eficácia de todos os contratos.[143]
Ressalta-se que qualquer cláusula contratual relativa a direitos sucessórios entre os contratantes resta gravemente prejudicada, eis que configura o famigerado “pacto sucessório”, expressamente proibido pelo artigo 426, do Código Civil, ou seja, não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.[144]
O pacto sucessório é negócio jurídico odioso e execrável, uma vez que contratar herança de quem ainda vive é estimular o votum captandae mortis, ou seja, o desejo de que a pessoa morra o mais brevemente possível para que se possa ter a propriedade de um determinado bem hereditário.[145]
A vantagem de se firmar contrato de parceria civil homoafetiva encontra-se na facilitação da partilha de bens, em caso de ruptura da união em razão de vontade ou da morte dos companheiros, eis que fica estabelecido em contrato a comunhão de bens escolhida (determina a fração ideal de cada um sobre o patrimônio), uma vez que se trata tão somente de entregar a cada um, ou ao companheiro supérstite, aparte que lhe cabe. Podendo-se também no contrato firmar o rol de bens particulares de cada um, de modo a evitar no futuro uma possível confusão patrimonial em caso de partilha.[146]
Frisa-se que tratar contratualmente das quotas ideais sobre o monte partível não se confunde com direito de herança, nem se trata de pacto sucessório, haja vista, que trata-se apenas de facilitar futura meação.[147]
Observa-se, das questões supra suscitadas, que não é facultado aos companheiros homoafetiva contratar sobre suas heranças, sendo que:
Qualquer disposição contratual neste sentido fere norma cogente, maculando-se com vício da nulidade. A ninguém é dado afastar a ordem de vocação hereditária prevista em lei civil, a não ser que inexistam herdeiros necessários e que esse afastamento se dê por meio de testamento.[148]
Assim, o contrato de parceria homoafetiva não serve para disposições patrimoniais de cunho sucessório e sim apenas o testamento que tem esta função.[149]
8 DA CONVERSÃO DA UNIÃO HOMOAFETIVA EM CASAMENTO
O Superior Tribunal de Justiça em recente julgado decidiu sobre a possibilidade de casamento entre pessoas do mesmo sexo (homoafetivo), sob a fundamentação do mesmo raciocínio utilizado pelo Supremo Tribunal Federal, para conceder aos pares homoafetivos os direitos decorrentes da união estável, deve ser utilizado para lhes franquear a via do casamento civil, mesmo porque é a própria Constituição Federal que determina a facilitação da conversão da união estável em casamento (artigo 226, § 3º).[150]
Julgado in verbis:
DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO (HOMOAFETIVO). INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO EXPRESSA A QUE SE HABILITEM PARA O CASAMENTO PESSOAS DO MESMO SEXO. VEDAÇÃO IMPLÍCITA CONSTITUCIONALMENTE INACEITÁVEL. ORIENTAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA CONFERIDA PELO STF NO JULGAMENTO DA ADPF N. 132/RJ E DA ADI N. 4.277/DF. 1. Embora criado pela Constituição Federal como guardião do direito infraconstitucional, no estado atual em que se encontra a evolução do direito privado, vigorante a fase histórica da constitucionalização do direito civil, não é possível ao STJ analisar as celeumas que lhe aportam "de costas" para a Constituição Federal, sob pena de ser entregue ao jurisdicionado um direito desatualizado e sem lastro na Lei Maior. Vale dizer, o Superior Tribunal de Justiça, cumprindo sua missão de uniformizar o direito infraconstitucional, não pode conferir à lei uma interpretação que não seja constitucionalmente aceita. 2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da ADPF n. 132/RJ e da ADI n. 4.277/DF, conferiu ao art. 1.723 do Código Civil de 2002 interpretação conforme à Constituição para dele excluir todo significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família. 3. Inaugura-se com a Constituição Federal de 1988 uma nova fase do direito de família e, consequentemente, do casamento, baseada na adoção de um explícito poliformismo familiar em que arranjos multifacetados são igualmente aptos a constituir esse núcleo doméstico chamado "família", recebendo todos eles a "especial proteção do Estado". Assim, é bem de ver que, em 1988, não houve uma recepção constitucional do conceito histórico de casamento, sempre considerado como via única para a constituição de família e, por vezes, um ambiente de subversão dos ora consagrados princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Agora, a concepção constitucional do casamento - diferentemente do que ocorria com os diplomas superados - deve ser necessariamente plural, porque plurais também são as famílias e, ademais, não é ele, o casamento, o destinatário final da proteção do Estado, mas apenas o intermediário de um propósito maior, que é a proteção da pessoa humana em sua inalienável dignidade. 4. O pluralismo familiar engendrado pela Constituição - explicitamente reconhecido em precedentes tanto desta Corte quanto do STF - impede se pretenda afirmar que as famílias formadas por pares homoafetivos sejam menos dignas de proteção do Estado, se comparadas com aquelas apoiadas na tradição e formadas por casais heteroafetivos. 5. O que importa agora, sob a égide da Carta de 1988, é que essas famílias multiformes recebam efetivamente a "especial proteção do Estado", e é tão somente em razão desse desígnio de especial proteção que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento, ciente o constituinte que, pelo casamento, o Estado melhor protege esse núcleo doméstico chamado família. 6. Com efeito, se é verdade que o casamento civil é a forma pela qual o Estado melhor protege a família, e sendo múltiplos os "arranjos" familiares reconhecidos pela Carta Magna, não há de ser negada essa via a nenhuma família que por ela optar, independentemente de orientação sexual dos partícipes, uma vez que as famílias constituídas por pares homoafetivos possuem os mesmos núcleos axiológicos daquelas constituídas por casais heteroafetivos, quais sejam, a dignidade das pessoas de seus membros e o afeto. 7. A igualdade e o tratamento isonômico supõem o direito a ser diferente, o direito à auto-afirmação e a um projeto de vida independente de tradições e ortodoxias. Em uma palavra: o direito à igualdade somente se realiza com plenitude se é garantido o direito à diferença. Conclusão diversa também não se mostra consentânea com um ordenamento constitucional que prevê o princípio do livre planejamento familiar (§ 7º do art. 226). E é importante ressaltar, nesse ponto, que o planejamento familiar se faz presente tão logo haja a decisão de duas pessoas em se unir, com escopo de constituir família, e desde esse momento a Constituição lhes franqueia ampla liberdade de escolha pela forma em que se dará a união. 8. Os arts. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565, todos do Código Civil de 2002, não vedam expressamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e não há como se enxergar uma vedação implícita ao casamento homoafetivo sem afronta a caros princípios constitucionais, como o da igualdade, o da não discriminação, o da dignidade da pessoa humana e os do pluralismo e livre planejamento familiar. 9. Não obstante a omissão legislativa sobre o tema, a maioria, mediante seus representantes eleitos, não poderia mesmo "democraticamente" decretar a perda de direitos civis da minoria pela qual eventualmente nutre alguma aversão. Nesse cenário, em regra é o Poder Judiciário - e não o Legislativo - que exerce um papel contramajoritário e protetivo de especialíssima importância, exatamente por não ser compromissado com as maiorias votantes, mas apenas com a lei e com a Constituição, sempre em vista a proteção dos direitos humanos fundamentais, sejam eles das minorias, sejam das maiorias. Dessa forma, ao contrário do que pensam os críticos, a democracia se fortalece, porquanto esta se reafirma como forma de governo, não das maiorias ocasionais, mas de todos. 10. Enquanto o Congresso Nacional, no caso brasileiro, não assume, explicitamente, sua coparticipação nesse processo constitucional de defesa e proteção dos socialmente vulneráveis, não pode o Poder Judiciário demitir-se desse mister, sob pena de aceitação tácita de um Estado que somente é "democrático" formalmente, sem que tal predicativo resista a uma mínima investigação acerca da universalização dos direitos civis. 11. Recurso especial provido. (REsp 1183378/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 25/10/2011, DJe 01/02/2012)
Portanto, se é o casamento civil a forma pela qual o Estado melhor protege a família e se são múltiplos os arranjos familiares reconhecidos pela Constituição Federal de 1988, não será negada essa via a nenhuma família que por ela optar, independentemente de orientação sexual dos nubentes, uma vez que as famílias constituídas por pares homoafetivos possuem os mesmos núcleos axiológicos daquelas constituídas por casais heteroafetivos, quais sejam, a dignidade das pessoas e o afeto.[151]
Ademais, como vem sendo amplamente noticiado pela imprensa, algumas uniões estáveis homoafetivas estão sendo convertidas em casamento, exemplo do fato ocorrido no Município de Jacareí/SP em junho de 2011. [152]
O casamento é a única forma de garantir o direito sucessório ao cônjuge sobrevivente, que além da meação a que teria direito, tendo em vista o regime de bens escolhido pelo casal, o cônjuge supérstite passa a ser também herdeiro necessário do de cujus, em concorrência com descendentes e ascendentes, nos termos do artigo 1.829 do Código Civil.[153]
Vale ressaltar, que os casais homoafetivos que convertem a união homoafetiva em casamento podem escolher o regime de comunhão de bens e o direito de escolher em adotar o sobrenome do outro.[154]
No tocante a herança, só tem direito o cônjuge supérstite que tiver casado pelos regimes da comunhão parcial, da participação final nos aquestos ou separação total.[155]
Trata ainda, o Código Civil sobre a sucessão, concorrendo com descendentes apenas do de cujus, o cônjuge recebe quinhão igual ao daqueles que, sendo, por exemplo, filhos do falecido, recebem sua quota parte por direito próprio e por cabeça. Concorrendo com filhos comuns, também recebe seu quinhão como se mais um descendente fosse, resguardada uma participação mínima de 25% (vinte e cinco por cento) sobre o montante partível (CC, art. 1.832).[156]
Quando a concorrência se der com os ascendentes do de cujus, o cônjuge receberá 1/3 (um terço) da herança; existindo apenas o sogro ou a sogra, ou sendo maior o grau de ascendência daqueles com quem concorrer, receberá o viúvo(a) metade do patrimônio hereditário.[157]
Diante ao exposto, depreende-se que a legislação civil esgota o assunto quanto à sucessão do cônjuge sobrevivente, traçando-lhe regras quanto aos requisitos para fruição do direito sucessório e montante do patrimônio hereditário que também competirá aos casais homoafetivos que tiverem a união homoafetiva convertida em casamento.
9 CONCLUSÃO
As uniões homoafetivas são dignas e tão normais quanto as heteroafetivas, merecendo o mesmo tratamento jurídico historicamente conferido a estas, pois não há motivação lógico-racional que justifique entendimento contrário.
A partir dessa reflexão, pode-se dizer no que tange à atual legislação constitucional e infraconstitucional, referente ao casamento civil e à união estável, a utilização da expressão “o homem e a mulher” não implica proibição à extensão de ditos regimes jurídicos às uniões homoafetivas, tendo em vista que não há proibições implícitas de Direito, em virtude do disposto no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, que determina que somente disposição normativa expressa pode restringir direitos.
Não obstante, considerando que toda norma legal ou constitucional não protege fatos isoladamente analisados, mas valores a eles inerentes, considerando que o valor protegido pelas leis do casamento civil e da união estável é o amor familiar que vise uma comunhão plena de vida e interesses, de forma pública, contínua e duradoura, amor este que é a base formadora da família contemporânea e estendida a união homoafetiva.
Motivo pelo qual, o Supremo Tribunal Federal (STF) com base neste posicionamento e nos princípios da igualdade, liberdade de orientação sexual e dignidade da pessoa humana, reconheceu a união estável dos casais heteroafetivos aos homoafetivos, o que por consequência em interpretação extensiva ou da analogia, embora não seja posicionamento do STF, pode-se converter a união estável homossexual em casamento (artigo 226, §3º da Constituição Federal e artigo 1.726 do Código Civil), em decorrência do princípio da isonomia, que visa a igualdade pautado na lógica e pela racionalidade, com o objetivo de propiciar ao companheiro homossexual os mesmos direitos sucessórios conferidos aos casais enlaçados matrimonialmente.
Portanto, a união estável entre pessoas do mesmo sexo é fato social que está a desafiar o Direito brasileiro, propondo-lhe questões que ainda estão longe de serem respondidas satisfatoriamente em relação ao direito sucessório.
Neste trabalho, procurou-se analisar especificamente as controvérsias quanto ao direito sucessório, surgidas quando da morte de um dos companheiros homoafetivo. Neste particular, pôde-se verificar que a doutrina e os tribunais têm seguido três correntes fundamentais.
A primeira, mais antiga e conservadora, e ainda majoritária, quando se depara com um inventário em que se habilita um companheiro homossexual, simplesmente ignora o aspecto afetivo do vínculo rompido em função da morte e procura apenas identificar se o suposto companheiro contribuiu direta ou indiretamente para a constituição do patrimônio comum.
Trata-se da corrente da sociedade de fato, que não confere ao parceiro direitos sucessórios propriamente, apenas – e quando muito – direito à meação dos bens comuns, na proporção em que houver contribuído para a construção do patrimônio do casal, o que demanda tormentoso lastro processual probatório.
A segunda corrente posiciona-se no sentido de estender analogicamente à união homoafetiva os efeitos jurídicos da união estável, ora conferindo apenas direito à meação, ora enquadrando o companheiro supérstite na ordem de vocação hereditária, tudo mediante prova inequívoca da estabilidade e ostensibilidade da união. Esta corrente tem por mérito não olvidar os vínculos de amor presentes na união entre iguais, além de também, em alguns casos, conferir direitos sucessórios ao companheiro sobrevivo.
As decisões que equiparam a união entre pessoas do mesmo sexo à união estável, entretanto, vão se deparar com as dificuldades relativas ao direito sucessório dos companheiros trazidas pelo artigo 1.790, do Código Civil, conforme foi demonstrado no presente trabalho.
A terceira e mais avançada corrente pretende conferir à união homoafetiva o status de família, através da interpretação extensiva do artigo 226, da Constituição Federal, atribuindo aos casais homoafetivos os direitos próprios da entidade famílias, como tem acontecido com relação à adoção conjunta, direito hoje apenas conferido aos casados ou unidos estavelmente.
Essa postura, entretanto, encontra óbice quanto aos direitos sucessórios, uma vez que estes, salvo a existência de testamento, apenas decorrem da lei, que ainda distingue entre o casamento e a união estável para conferir direitos hereditários. De nada adiantaria a união homoafetiva ser alcançada ao patamar de família sui generes se não há direitos sucessórios específicos para o núcleo familiar.
Inevitavelmente, surgiria a necessidade de os julgadores se valerem, comparativamente, dos direitos sucessórios já legislados para o casamento ou para a união estável.
A fim de se pôr a salvo das distintas correntes decisórias sobre sucessão que hoje permeiam os Tribunais, resta ao casal homoafetivo o mecanismo mais antigo e eficaz de proteção de direitos hereditários: o testamento. Podendo ser lavrado nas formas pública, cerrada ou particular, o testamento garante aos membros casal homoafetivo que um não ficará ao desamparo material quando outro vier a falecer, desde que se tome o cuidado de respeitar a legítima, se houver herdeiros necessários, e providenciar a confecção de duas cédulas testamentárias distintas para se evitar a nulidade do testamento conjuntivo.
Insta salientar, que os contratos de união estável atualmente em voga, ainda que disciplinem matéria patrimonial, não podem prever direitos sucessórios entre os contratantes homoafetivos, pois tal previsão configuraria pacto sucessório, o que é proibido pela lei civil brasileira.
Contudo, o que falta é ativismo do Congresso Nacional em regulamentar as uniões homoafetiva como entidade familiar, haja vista, que o Poder Judiciário através das ações propostas vem sedimentando decisões através dos princípios norteadores do sistema jurídico para suprir o vácuo legislativo.
Por fim, muito embora, o Poder Judiciário esteja agindo ativamente, suprindo as lacunas jurídicas em relação ao tema, se faz necessária a criação de uma lei para melhor tutelar a família contemporânea formada por casais homoafetiva no intuito de conceder-lhes garantia normativa. Diante disso, destaca-se, que não resta outra alternativa, senão a de aguardar que o Legislativo brasileiro tenha coragem e vontade política suficiente para promulgar uma lei que, de uma vez por todas, espanque séculos de discriminação e proteja a entidade familiar homoafetiva, garantindo-lhe os direitos cujo gozo manso e pacífico é imprescindível para a dignidade da pessoa humana, independentemente de sua orientação sexual.
REFERÊNCIAS
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ANEXO A – Julgado do Supremo Tribunal Federal que reconhece a união homoafetiva
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir “interpretação conforme à Constituição” ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação. 2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de “promover o bem de todos”. Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da kelseniana “norma geral negativa”, segundo a qual “o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido”. Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito a auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea. 3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas. 4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE FAMILIAR” E “FAMÍLIA”. A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no §3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia “entidade familiar”, não pretendeu diferenciá-la da “família”. Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado “entidade familiar” como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do §2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem “do regime e dos princípios por ela adotados”, verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. 5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO. Anotação de que os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso convergiram no particular entendimento da impossibilidade de ortodoxo enquadramento da união homoafetiva nas espécies de família constitucionalmente estabelecidas. Sem embargo, reconheceram a união entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar. Matéria aberta à conformação legislativa, sem prejuízo do reconhecimento da imediata auto-aplicabilidade da Constituição. 6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA “INTERPRETAÇÃO CONFORME”). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva. (ADPF 132, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-01 PP-00001)
ANEXO B – Julgado do Superior Tribunal de Justiça que converte a união homoafetiva em casamento
DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO (HOMOAFETIVO). INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO EXPRESSA A QUE SE HABILITEM PARA O CASAMENTO PESSOAS DO MESMO SEXO. VEDAÇÃO IMPLÍCITA CONSTITUCIONALMENTE INACEITÁVEL. ORIENTAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA CONFERIDA PELO STF NO JULGAMENTO DA ADPF N. 132/RJ E DA ADI N. 4.277/DF. 1. Embora criado pela Constituição Federal como guardião do direito infraconstitucional, no estado atual em que se encontra a evolução do direito privado, vigorante a fase histórica da constitucionalização do direito civil, não é possível ao STJ analisar as celeumas que lhe aportam "de costas" para a Constituição Federal, sob pena de ser entregue ao jurisdicionado um direito desatualizado e sem lastro na Lei Maior. Vale dizer, o Superior Tribunal de Justiça, cumprindo sua missão de uniformizar o direito infraconstitucional, não pode conferir à lei uma interpretação que não seja constitucionalmente aceita. 2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da ADPF n. 132/RJ e da ADI n. 4.277/DF, conferiu ao art. 1.723 do Código Civil de 2002 interpretação conforme à Constituição para dele excluir todo significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família. 3. Inaugura-se com a Constituição Federal de 1988 uma nova fase do direito de família e, consequentemente, do casamento, baseada na adoção de um explícito poliformismo familiar em que arranjos multifacetados são igualmente aptos a constituir esse núcleo doméstico chamado "família", recebendo todos eles a "especial proteção do Estado". Assim, é bem de ver que, em 1988, não houve uma recepção constitucional do conceito histórico de casamento, sempre considerado como via única para a constituição de família e, por vezes, um ambiente de subversão dos ora consagrados princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Agora, a concepção constitucional do casamento - diferentemente do que ocorria com os diplomas superados - deve ser necessariamente plural, porque plurais também são as famílias e, ademais, não é ele, o casamento, o destinatário final da proteção do Estado, mas apenas o intermediário de um propósito maior, que é a proteção da pessoa humana em sua inalienável dignidade. 4. O pluralismo familiar engendrado pela Constituição - explicitamente reconhecido em precedentes tanto desta Corte quanto do STF - impede se pretenda afirmar que as famílias formadas por pares homoafetivos sejam menos dignas de proteção do Estado, se comparadas com aquelas apoiadas na tradição e formadas por casais heteroafetivos. 5. O que importa agora, sob a égide da Carta de 1988, é que essas famílias multiformes recebam efetivamente a "especial proteção do Estado", e é tão somente em razão desse desígnio de especial proteção que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento, ciente o constituinte que, pelo casamento, o Estado melhor protege esse núcleo doméstico chamado família. 6. Com efeito, se é verdade que o casamento civil é a forma pela qual o Estado melhor protege a família, e sendo múltiplos os "arranjos" familiares reconhecidos pela Carta Magna, não há de ser negada essa via a nenhuma família que por ela optar, independentemente de orientação sexual dos partícipes, uma vez que as famílias constituídas por pares homoafetivos possuem os mesmos núcleos axiológicos daquelas constituídas por casais heteroafetivos, quais sejam, a dignidade das pessoas de seus membros e o afeto. 7. A igualdade e o tratamento isonômico supõem o direito a ser diferente, o direito à auto-afirmação e a um projeto de vida independente de tradições e ortodoxias. Em uma palavra: o direito à igualdade somente se realiza com plenitude se é garantido o direito à diferença. Conclusão diversa também não se mostra consentânea com um ordenamento constitucional que prevê o princípio do livre planejamento familiar (§ 7º do art. 226). E é importante ressaltar, nesse ponto, que o planejamento familiar se faz presente tão logo haja a decisão de duas pessoas em se unir, com escopo de constituir família, e desde esse momento a Constituição lhes franqueia ampla liberdade de escolha pela forma em que se dará a união. 8. Os arts. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565, todos do Código Civil de 2002, não vedam expressamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e não há como se enxergar uma vedação implícita ao casamento homoafetivo sem afronta a caros princípios constitucionais, como o da igualdade, o da não discriminação, o da dignidade da pessoa humana e os do pluralismo e livre planejamento familiar. 9. Não obstante a omissão legislativa sobre o tema, a maioria, mediante seus representantes eleitos, não poderia mesmo "democraticamente" decretar a perda de direitos civis da minoria pela qual eventualmente nutre alguma aversão. Nesse cenário, em regra é o Poder Judiciário - e não o Legislativo - que exerce um papel contramajoritário e protetivo de especialíssima importância, exatamente por não ser compromissado com as maiorias votantes, mas apenas com a lei e com a Constituição, sempre em vista a proteção dos direitos humanos fundamentais, sejam eles das minorias, sejam das maiorias. Dessa forma, ao contrário do que pensam os críticos, a democracia se fortalece, porquanto esta se reafirma como forma de governo, não das maiorias ocasionais, mas de todos. 10. Enquanto o Congresso Nacional, no caso brasileiro, não assume, explicitamente, sua coparticipação nesse processo constitucional de defesa e proteção dos socialmente vulneráveis, não pode o Poder Judiciário demitir-se desse mister, sob pena de aceitação tácita de um Estado que somente é "democrático" formalmente, sem que tal predicativo resista a uma mínima investigação acerca da universalização dos direitos civis. 11. Recurso especial provido. (REsp 1183378/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 25/10/2011, DJe 01/02/2012)
ANEXO C – Estatuto da Diversidade Sexual
ESTATUTO DA DIVERSIDADE SEXUAL
ANTEPROJETO
Institui o Estatuto da Diversidade Sexual e altera as Leis...
I - DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º - O presente Estatuto da Diversidade Sexual visa a promover a inclusão de todos, combater a discriminação e a intolerância por orientação sexual ou identidade de gênero e criminalizar a homofobia, de modo a garantir a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos individuais, coletivos e difusos.
Art. 2º - É reconhecida igual dignidade jurídica a heterossexuais, homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros, intersexuais, individualmente, em comunhão e nas relações sociais, respeitadas as diferentes formas de conduzirem suas vidas, de acordo com sua orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 3º - É dever do Estado e da sociedade garantir a todos o pleno exercício da cidadania, a igualdade de oportunidades e o direito à participação na comunidade, especialmente nas atividades políticas, econômicas, empresariais, educacionais, culturais e esportivas.
II - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
Art. 4º - Constituem princípios fundamentais para a interpretação e aplicação deste Estatuto:
I – dignidade da pessoa humana;
II – igualdade e respeito à diferença;
III – direito à livre orientação sexual;
IV – reconhecimento da personalidade de acordo com a identidade de gênero;
V – direito à convivência comunitária e familiar;
VI – liberdade de constituição de família e de vínculos parentais;
VII – respeito à intimidade, à privacidade e à autodeterminação;
VIII – direito fundamental à felicidade.
§ 1º - Além das normas constitucionais que consagram princípios, garantias e direitos fundamentais, este Estatuto adota como diretriz político-jurídica a inclusão das vítimas de desigualdade de gênero e o
respeito à diversidade sexual.
§ 2º - Os princípios, direitos e garantias especificados neste Estatuto não excluem outros decorrentes das normas constitucionais e legais vigentes no país e oriundos dos tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil seja signatário.
§ 3º - Para fins de aplicação deste Estatuto, devem ser ainda observados os Princípios de Yogyakarta, aprovados em 9 de novembro de 2006, na Indonésia.
III - DIREITO À LIVRE ORIENTAÇÃO SEXUAL
Art. 5º - A livre orientação sexual e a identidade de gênero constituem direitos fundamentais.
§ 1º - É indevida a ingerência estatal, familiar ou social para coibir alguém de viver a plenitude de suas relações afetivas e sexuais.
§ 2º - Cada um tem o direito de conduzir sua vida privada, não sendo admitidas pressões para que revele, renuncie ou modifique a orientação sexual ou a identidade de gênero.
Art. 6º - Ninguém pode sofrer discriminação em razão da orientação sexual própria, de qualquer membro de sua família ou comunidade.
Art. 7º - É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo proibida qualquer prática que obrigue o indivíduo a renunciar ou negar sua identidade sexual.
Art. 8º - É proibida a incitação ao ódio ou condutas que preguem a segregação em razão da orientação sexual ou identidade de gênero.
IV - DIREITO À IGUALDADE E À NÃO-DISCRIMINAÇÃO
Art. 9º - Ninguém pode ser discriminado e nem ter direitos negados por sua orientação sexual ou identidade de gênero no âmbito público, social, familiar, econômico ou cultural.
Art. 10 - Entende-se por discriminação todo e qualquer ato que:
I – estabeleça distinção, exclusão, restrição ou preferência que tenha por objetivo anular ou limitar direitos e prerrogativas garantidas aos demais cidadãos;
II – impeça o reconhecimento ou o exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais no âmbito social ou familiar;
III – configure ação violenta, constrangedora, intimidativa ou vexatória.
Art. 11 - É considerado discriminatório, em decorrência da orientação sexual ou identidade de gênero:
I – proibir o ingresso ou a permanência em estabelecimento público, ou estabelecimento privado aberto ao público;
II – prestar atendimento seletivo ou diferenciado não previsto em lei;
III – preterir, onerar ou impedir hospedagem em hotéis, motéis, pensões ou similares;
IV – dificultar ou impedir a locação, compra, arrendamento ou empréstimo de bens móveis ou imóveis;
V – proibir expressões de afetividade em locais públicos, sendo as mesmas manifestações permitidas aos demais cidadãos.
Art. 12 - O cometimento de qualquer desses atos ou de outras práticas discriminatórias configura crime de homofobia, na forma desta lei, além de importar responsabilidade por danos materiais e morais.
V - DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR
Art. 13 - Todas as pessoas têm direito à constituição da família e são livres para escolher o modelo de entidade familiar que lhes aprouver, independente de sua orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 14 - A união homoafetiva deve ser respeitada em sua dignidade e merece a especial proteção do Estado como entidade familiar.
Art. 15 - A união homoafetiva faz jus a todos os direitos assegurados à união heteroafetiva no âmbito do Direito das Famílias e das Sucessões, entre eles:
I – direito ao casamento;
II – direito à constituição de união estável e sua conversão em casamento;
III – direito à escolha do regime de bens;
IV – direito ao divórcio;
V – direito à filiação, à adoção e ao uso das práticas de reprodução assistida;
VI – direito à proteção contra a violência doméstica ou familiar;
VII – direito à herança, ao direito real de habitação e ao direito à concorrência sucessória.
Art. 16 - São garantidos aos companheiros da união homoafetiva todos os demais direitos assegurados à união heteroafetiva, como os de natureza previdenciária, fiscal e tributária.
Art. 17 - O companheiro estrangeiro tem direito à concessão de visto de permanência no Brasil, em razão de casamento ou constituição de união estável com brasileiro, uma vez preenchidos os requisitos legais.
Art. 18 - A lei do País em que a família homoafetiva tiver domicílio determina as regras do Direito das Famílias.
Art. 19 - Serão reconhecidos no Brasil os casamentos, uniões civis e estáveis realizados em países estrangeiros, desde que cumpridas as formalidades exigidas pela lei do País onde foi celebrado o ato ou constituído o fato.
VI - DIREITO E DEVER À FILIAÇÃO, À GUARDA E À ADOÇÃO
Art. 20 - É reconhecido o direito ao exercício da parentalidade, em relação aos filhos biológicos, adotados ou socioafetivos, individualmente ou em união homoafetiva, independente da orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 21 - É garantido o acesso às técnicas de reprodução assistida particular ou por meio do Sistema Único de Saúde – SUS, de forma individual ou conjunta.
§ 1º - É admitido o uso de material genético do casal para práticas reprodutivas.
Art. 22 - O exercício dos direitos decorrentes do poder familiar não pode ser limitado ou excluído em face da orientação sexual ou da identidade de gênero.
Art. 23 - Não pode ser negada a habilitação individual ou conjunta à adoção de crianças e adolescentes, em igualdade de condições, em decorrência da orientação sexual ou identidade de gênero dos candidatos.
Art. 24 - Não pode ser negada a guarda ou a adoção individual ou conjunta de crianças e adolescentes em decorrência da orientação sexual ou identidade de gênero de quem está habilitado para adotar.
Art. 25 - É assegurada licença-natalidade a qualquer dos pais, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e oitenta dias.
§ 1º - Durante os 15 dias após o nascimento, a adoção ou a concessão da guarda para fins de adoção, a licença-natalidade é assegurada a ambos os pais.
§ 2º - O período subsequente será gozado por qualquer deles, de forma não cumulada.
Art. 26 - Estabelecido o vínculo de filiação socioafetiva, é assegurado o exercício do poder familiar, ainda que o casal esteja separado.
Art. 27 - Quando da separação, a guarda será exercida de forma compartilhada, independente da existência de vínculo biológico do genitor com o filho.
Art. 28 - A guarda unilateral somente será deferida quando comprovada ser esta a mais favorável ao desenvolvimento do filho, sendo assegurada a quem revelar maior vínculo de afinidade e afetividade.
Art. 29 - O direito de convivência é assegurado aos pais bem como aos seus familiares.
Art. 30 - O dever de sustento e educação é de ambos os pais, mesmo depois de cessada a convivência.
Art. 31 - O filho não pode ser discriminado pela família ao revelar sua orientação sexual ou identidade de gênero.
§ 1º - A expulsão do lar do filho menor de idade gera responsabilidade por abandono material e obrigação indenizatória aos genitores, guardiães ou responsáveis.
Art. 32 - Nos registros de nascimento e em todos os demais documentos identificatórios, tais como carteira de identidade, título de eleitor, passaporte, carteira de habilitação, não haverá menção às expressões “pai” e “mãe”, que devem ser substituídas por “filiação”.
VII - DIREITO À IDENTIDADE DE GÊNERO
Art. 33 - Transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais têm direito à livre expressão de sua identidade de gênero.
Art. 34 - É indispensável a capacitação em recursos humanos dos profissionais da área de saúde para acolher transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais em suas necessidades e especificidades.
Art. 35 - É assegurado acesso aos procedimentos médicos, cirúrgicos e psicológicos destinados à adequação do sexo morfológico à identidade de gênero.
Parágrafo único - É garantida a realização dos procedimentos de hormonoterapia e transgenitalização particular ou pelo Sistema Único de Saúde – SUS.
Art. 36 - Não havendo risco à própria vida, é vedada a realização de qualquer intervenção médico-cirúrgica de caráter irreversível para a determinação de gênero, em recém-nascidos e crianças diagnosticados como intersexuais.
Art. 37 - Havendo indicação terapêutica por equipe médica e multidisciplinar de hormonoterapia e de procedimentos complementares não-cirúrgicos, a adequação à identidade de gênero poderá iniciar-se a partir dos 14 anos de idade.
Art. 38 - As cirurgias de redesignação sexual podem ser realizadas somente a partir dos 18 anos de idade.
Art. 39 - É reconhecido aos transexuais, travestis e intersexuais o direito à retificação do nome e da identidade sexual, para adequá-los à sua identidade psíquica e social, independentemente de realização da cirurgia de transgenitalização.
Art. 40 - A sentença de alteração do nome e sexo dos transexuais, travestis e intersexuais será averbada no Livro de Registro Civil de Pessoas Naturais.
Parágrafo único - Nas certidões não podem constar quaisquer referências à mudança levada a efeito, a não ser a requerimento da parte ou por determinação judicial.
Art. 41 - Quando houver alteração de nome ou sexo decorrente de decisão judicial é assegurada a retificação em todos os outros registros e documentos, sem qualquer referência à causa da mudança.
Art. 42 - O alistamento militar de transexuais, travestis e intersexuais ocorrerá em data especial e de forma reservada, mediante simples requerimento encaminhado à Junta do Serviço Militar.
Art. 43 - Será concedido ou cancelado o Certificado de Alistamento Militar – CAM, mediante a apresentação do mandado de averbação expedido ao Registro Civil.
Art. 44 - É garantido aos transexuais, travestis e intersexuais que possuam identidade de gênero distinta do sexo morfológico o direito ao nome social, pelo qual são reconhecidos e identificados em sua comunidade:
I – em todos os órgãos públicos da administração direta e indireta, na esfera federal, estadual, distrital e municipal;
II – em fichas cadastrais, formulários, prontuários, entre outros documentos do serviço público em geral;
III – nos registros acadêmicos das escolas de ensino fundamental, médio e superior.
Art. 45 - Em todos os espaços públicos e abertos ao público é assegurado o uso das dependências e instalações correspondentes à identidade de gênero.
VIII - DIREITO À SAÚDE
Art. 46 - É vedada aos profissionais da área da saúde a utilização de instrumentos e técnicas para criar, manter ou reforçar preconceitos, estigmas ou estereótipos de discriminação em relação à livre orientação sexual.
Art. 47 - É proibida qualquer discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero em hospitais, ambulatórios, postos de saúde e consultórios médicos.
Art. 48 - É obrigatória a inclusão do quesito orientação sexual e identidade de gênero nos formulários e prontuários de informação nos sistemas hospitalares públicos e privados.
Art. 49 - É garantido acesso aos serviços universais e igualitários do Sistema Único de Saúde – SUS, independentemente de orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 50 - A orientação sexual ou identidade de gênero não pode ser usada como critério para seleção de doadores de sangue.
Parágrafo único - As entidades coletoras não podem questionar a orientação sexual de quem se apresenta voluntariamente como doador.
Art. 51 - Os leitos de internação hospitalar devem respeitar e preservar a identidade de gênero dos pacientes.
Art. 52 - Médicos, psicólogos e demais profissionais da área da saúde não podem exercer qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homossexuais e nem adotar ação coercitiva tendente a orientar homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros ou intersexuais a submeterem-se a tratamentos não solicitados.
Art. 53 - É proibido o oferecimento de tratamento de reversão da orientação sexual ou identidade de gênero, bem como fazer promessas de cura.
IX - DIREITOS PREVIDENCIÁRIOS
Art. 54 - São garantidos iguais direitos previdenciários a todas as pessoas, independentemente da orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 55 - É vedada às instituições de seguro ou de previdência, públicas ou privadas, negar qualquer espécie de benefício tendo por motivação a condição de homossexual, lésbicas, bissexual, transexuais, travestis, transgêneros ou intersexuais do beneficiário.
Art. 56 - As operadoras de plano de saúde não podem impedir ou restringir a inscrição como dependente no plano de saúde, do cônjuge ou do companheiro homoafetivo do beneficiário.
Art. 57 - O cônjuge ou o companheiro homoafetivo tem direito à pensão por morte, auxílio-reclusão e a todos os demais direitos, na condição de beneficiário junto ao Instituto Nacional de Seguro Social – INSS.
Art. 58 - O cônjuge ou o companheiro da união homoafetiva tem direito, na condição de dependente preferencial, a perceber a indenização em caso de morte, como beneficiário do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre, ou por sua Carga, a Pessoas Transportadas ou não – Seguro DPVAT.
X - DIREITO À EDUCAÇÃO
Art. 59 - Os estabelecimentos de ensino devem coibir, no ambiente escolar, situações que visem intimidar, ameaçar, constranger, ofender, castigar, submeter, ridicularizar, difamar, injuriar, caluniar ou expor aluno a constrangimento físico ou moral, em decorrência de sua orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 60 - Os profissionais da educação têm o dever de abordar as questões de gênero e sexualidade sob a ótica da diversidade sexual, visando superar toda forma de discriminação, fazendo uso de material didático e metodologias que proponham a eliminação da homofobia e do preconceito.
Art. 61 - Os estabelecimentos de ensino devem adotar materiais didáticos que não reforcem a discriminação com base na orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 62 - Ao programarem atividades escolares referentes a datas comemorativas, as escolas devem atentar à multiplicidade de formações familiares, de modo a evitar qualquer constrangimento dos alunos filhos de famílias homoafetivas.
Art. 63 - Os professores, diretores, supervisores, psicólogos, psicopedagogos e todos os que trabalham em estabelecimentos de ensino têm o dever de evitar qualquer atitude preconceituosa ou discriminatória contra alunos filhos de famílias homoafetivas.
Art. 64 - O poder público deve promover a capacitação dos professores para uma educação inclusiva, bem como ações com o objetivo de elevar a escolaridade de homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, transexuais e intersexuais, de modo a evitar a evasão escolar.
Art. 65 - Nas escolas de ensino fundamental e médio e nos cursos superiores, é assegurado aos transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais, no ato da matrícula, o uso do nome social o qual deverá constar em todos os registros acadêmicos.
XI - DIREITO AO TRABALHO
Art. 66 - É assegurado o acesso ao mercado de trabalho a todos, independentemente da orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 67 - É vedado inibir o ingresso, proibir a admissão ou a promoção no serviço privado ou público, em função da orientação sexual ou identidade de gênero do profissional.
Art. 68 - Quando da seleção de candidatos, não pode ser feita qualquer distinção ou exclusão com base na sua orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 69 - Constitui prática discriminatória estabelecer ou manter diferenças salariais entre empregados que trabalhem nas mesmas funções em decorrência da orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 70 - Configura discriminação demitir, de forma direta ou indireta empregado, em razão da orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 71 - O poder público adotará programas de formação profissional, de emprego e de geração de renda voltadas a homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, transexuais e intersexuais, para assegurar a igualdade de oportunidades na inserção no mercado de trabalho.
Art. 72 - É assegurado aos transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais, o registro do nome social na Carteira de Trabalho e nos assentamentos funcionais, devendo assim serem identificados no ambiente de trabalho.
Art. 73 - A administração pública assegurará igualdade de oportunidades no mercado de trabalho a travestis e transexuais, transgêneros e intersexuais, atentando ao princípio da proporcionalidade.
Parágrafo único - Serão criados mecanismos de incentivo a à adoção de medidas similares nas empresas e organizações privadas.
Art. 74 - A administração pública e a iniciativa privada devem promover campanhas com o objetivo de elevar a qualificação profissional de travestis e transexuais, transgêneros e intersexuais.
XII - DIREITO À MORADIA
Art. 75 - É proibida qualquer restrição à aquisição ou à locação de imóvel em decorrência da orientação sexual ou identidade do adquirente ou locatário.
Art. 76 - Os agentes financeiros públicos ou privados devem assegurar acesso às entidades familiares homoafetivas para a aquisição da casa própria.
Parágrafo único - É assegurada a conjugação de rendas do casal para a concessão de financiamento habitacional.
Art. 77 - A administração do imóvel ou do condomínio deve inibir qualquer conduta que configure prática discriminatória, na forma deste Estatuto, sob pena de responsabilização por dano moral.
Art. 78 - Os programas, projetos e outras ações governamentais, no âmbito do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, devem considerar as peculiaridades sociais e econômicas, decorrentes da orientação sexual e de gênero.
Art. 79 - Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem estimular e facilitar a participação de organizações e movimentos sociais na composição dos conselhos constituídos para fins de aplicação do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS.
XIII - DIREITO DE ACESSO À JUSTIÇA E À SEGURANÇA
Art. 80 - As demandas que tenham por objeto os direitos decorrentes da orientação sexual ou identidade de gênero devem tramitar em segredo de justiça.
Art. 81 - Para fins de levantamentos estatísticos é obrigatória a identificação das ações que tenham por objeto os direitos decorrentes da orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 82 - As ações não-criminais são da competência das Varas de Família e os recursos devem ser apreciados por Câmaras Especializadas em Direito de Família dos Tribunais de Justiça, onde houver.
Art. 83 - Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem criar centros de atendimento especializado para assegurar atenção à homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis e intersexuais em situação de violência, de modo a garantir sua integridade física, psíquica, social e jurídica.
Art. 84 - Devem ser criadas delegacias especializadas para o atendimento de denúncias por preconceito de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 85 - É assegurada visita íntima nos presídios, independente da orientação sexual ou identidade de gênero do preso.
Art. 86 - O encarceramento no sistema prisional deve atender à identidade sexual do preso, ao qual deve ser assegurada cela separada se houver risco à sua integridade física ou psíquica.
Art. 87 - É assegurado às vítimas de discriminação a assistência do Estado para acolhimento, orientação apoio, encaminhamento e apuração de práticas delitivas.
Art. 88 - O Estado deve implementar políticas públicas de capacitação e qualificação dos policiais civis e militares e dos agentes penitenciários, para evitar discriminação motivada por orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 89 - O Estado adotará medidas especiais para coibir a violência policial contra homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais.
Art. 90 - O Estado deve implementar ações de ressocialização e proteção da juventude em conflito com a lei e exposta a experiências de exclusão social em face de sua orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 91 - O poder público deve criar centros de referência contra a discriminação na estrutura nas Secretarias de Segurança Pública, objetivando o acolhimento, orientação, apoio, encaminhamento e apuração de denúncias de crimes motivados por orientação sexual e identidade de gênero.
XIV - DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO
Art. 92 - É assegurado respeito aos homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais, de modo a terem preservadas a integridade física e psíquica, em todos os meios de comunicação de massa, como rádio, televisão, peças publicitárias, internet e redes sociais.
Art. 93 - Os meios de comunicação não podem fazer qualquer referência de caráter preconceituoso ou discriminatório em face da orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 94 - Constitui prática discriminatória publicar, exibir a público, qualquer aviso sinal, símbolo ou emblema que incite à intolerância.
XV - DAS RELAÇÕES DE CONSUMO
Art. 95 - Todo o consumidor tem direito a tratamento adequado, independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 96 - Configura prática discriminatória negar o fornecimento de bens ou prestação de serviços ao consumidor em decorrência de sua orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 97 - Nenhum consumidor pode receber tratamento diferenciado em detrimento de outro por serem homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, transgênero e intersexuais.
Art. 98 - Nenhum estabelecimento público ou aberto ao público pode impedir acesso ou estabelecer restrições em face da orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 99 - Os serviços públicos e privados devem capacitar seus funcionários para melhoria de atenção e acolhimento das pessoas, evitando qualquer manifestação de preconceito e discriminação sexual e identidade de gênero.
XVI - DOS CRIMES
Crime de homofobia
Art. 100 - Praticar condutas discriminatórias ou preconceituosas previstas neste Estatuto em razão da orientação sexual ou identidade de gêner.
Pena – reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
§ 1º - Incide na mesma pena toda a manifestação que incite o ódio ou pregue a inferioridade de alguém em razão de sua orientação sexual ou de identidade de gênero.
Indução à violência
Art. 101 - Induzir alguém à prática de violência de qualquer natureza motivado por preconceito de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero:
Pena – reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, além da pena aplicada à violência.
Discriminação no mercado de trabalho
Art. 102 - Deixar de contratar alguém ou dificultar a sua contratação, quando atendidas as qualificações exigidas para o cargo ou função, motivado por preconceito de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero:
Pena – reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.
§ 1º - A pena é aumentada de um terço se a discriminação se dá no acesso aos cargos, funções e contratos da administração pública.
§ 2º - Nas mesmas penas incorre quem, durante o contrato de trabalho ou relação funcional, discrimina alguém motivado por preconceito de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero.
Discriminação nas relações de consumo
Art. 103 - Recusar ou impedir o acesso de alguém a estabelecimento comercial de qualquer natureza ou negar-lhe atendimento, motivado por preconceito de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero:
Pena – reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.
Art. 104 - Todo o delito em que ficar evidenciada a motivação homofóbica terá a pena agravada em um terço.
XVII - DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
Art. 105 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem adotar políticas públicas destinadas a conscientizar a sociedade da igual dignidade dos heterossexuais, homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais.
Art. 106 - A participação em condição de igualdade de oportunidade, na vida econômica, social, política e cultural do País será promovida, prioritariamente, por meio de:
I – inclusão nas políticas públicas de desenvolvimento econômico e social;
II – modificação das estruturas institucionais do Estado para o adequado enfrentamento e a superação das desigualdades decorrentes do preconceito e da discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero;
III – promoção de ajustes normativos para aperfeiçoar o combate à discriminação e às desigualdades em todas as manifestações individuais, institucionais e estruturais;
IV – eliminação dos obstáculos históricos, socioculturais e institucionais que impedem a representação da diversidade sexual nas esferas pública e privada;
V – estímulo, apoio e fortalecimento de iniciativas oriundas da sociedade civil direcionadas à promoção da igualdade de oportunidades e ao combate às desigualdades, inclusive mediante a implementação de incentivos e critérios de condicionamento e prioridade no acesso aos recursos públicos;
VII – implementação de programas de ação afirmativa destinados ao enfrentamento das desigualdades no tocante à educação, cultura, esporte e lazer, saúde, segurança, trabalho, moradia, meios de comunicação de massa, financiamentos públicos, acesso à terra, à Justiça, e outros.
Art. 107 - Na implementação dos programas e das ações constantes dos Planos Plurianuais e dos Orçamentos Anuais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios deverão ser observadas as políticas públicas que tenham como objetivo promover a igualdade de oportunidades e a inclusão social de homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais, especialmente no que tange a:
I – promoção da igualdade de oportunidades para acesso à saúde, educação, emprego e moradia;
II – incentivo à criação de programas e veículos de comunicação destinados à combater o preconceito, a discriminação e à homofobia;
III – apoio a programas e projetos dos governos federal, estaduais, distritais, municipais e de entidades da sociedade civil voltados para promover a inclusão social e a igualdade de oportunidades.
XVIII - DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS
Art. 108 - As medidas instituídas nesta Lei não excluem outras em prol dos homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais que tenham sido ou venham a ser adotadas no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.
Art. 109 - O Poder Executivo federal criará instrumentos para aferir a eficácia social das medidas previstas nesta Lei e efetuará seu monitoramento constante, com a emissão e a divulgação de relatórios periódicos, inclusive pela rede mundial de computadores.
Art. 110 - (elencar os dispositivos do anexo a serem alterados, acrescidos ou excluídos).
Art. 111 - Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.
[1]Cf. DIAS, Maria Berenice. Diversidade Sexual e Direito Homoafetivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 249-263.
[3] Cf. VARGAS, Fábio de Oliveira. União Homoafetiva: Direito Sucessório e Novos Direitos. 2 ed. Curitiba: Juruá, 2011. p. 20-22.
[4] O rol de delitos por discriminação por orientação sexual são compreendidos pelo crime de homofobia, indução à violência, discriminação no mercado de trabalho, discriminação nas relações de consumo, descritos no anteprojeto da diversidade sexual (Anexo C).
[10] Cf. MEDEIROS, Jorge Luiz de. A Constitucionalidade do Casamento Homossexual. São Paulo: LTr, 2008. P. 24-35.
[12] Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 23ºed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 5. p.386-389.
[22] Cf. VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da Homoafetividade. São Paulo: Método, 2008. p.523-530.
[26] Cf. LIMA, Suzana Borges Viegas de . Por um estatuto jurídico das relações homoafetivas: uma perspectiva civil-constitucional. In: Frederico Henrique Viegas de Lima. (Org.). Direito Civil Contemporâneo. 1ª ed. Brasília: Gran Cursos/Encanto das Letras, 2009, p. 355-361
[29] Cf. CALANDRA, Nelson. Celebração do direito à vida e à dignidade humana. Visão Jurídica, São Paulo, v. 63, p. 68-69, jul.2011.
[32]BRASIL. Lei 8.971/94. Regula o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8971.htm. Acesso em: 15 nov. 2011.
[35] BRASIL. Lei 9.278/96. Regula o § 3° do art. 226 da Constituição Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9278.htm. Acesso em: 15 nov. 2011.
[39] Cf. TARTUCE, Flávio. Da sucessão do companheiro: o polêmico art. 1.790 do CC e suas controvérsias principais. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2681, 3 nov. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/17751>. Acesso em: 14 nov. 2011.
[48] Cf. DIAS, Maria Berenice. Diversidade Sexual e Direito Homoafetivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 249-320.
[61] Cf. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 1º Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 142-145.
[66] GIRARDI, Viviane. Famílias Contemporâneas, Filiação e Afeto: a possibilidade jurídica da adoção por homossexuais. 1edº. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p.80.
[68] Cf. DIAS, Maria Berenice. Casamento Sem Escala. Disponível em: http://www.direitohomoafetivo.com.br/uploads_artigo/casamento_sem_escala.pdf. Acesso em: 24 mar. 2012.
[69] Cf. DIAS, Maria Berenice. Diversidade Sexual e Direito Homoafetivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 249-320.
[72] Direito de instituição, ficção jurídica que determina ser o herdeiro imediatamente instituído no domínio e na posse do acervo hereditário no exato momento da morte do autor da herança.
[82] PL 2285/07, acompanhe a tramitação do pelo site: http://www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=373935. Acesso em: 15 nov. 2011.
[85]Cf. Estatuto da Diversidade Sexual. Disponível em: 15 abr. 2012. Acesso em: http://www.ajuris.org.br/ajuris/tmp/ESTATUTO-DIVERSIDADE-SEXUAL.pdf.
[107] Voto do Ministro Gilmar Mendes. Disponível em:http://nalei.com.br/blog/uniao-homoafetiva-integra-dos-votos-dos-ministros-do-stf-2725/. Acesso em: 01 dez. 2011.
[111] O sinal (*) indica direitos que, mesmo antes da decisão do STF, eram garantidos a união homoafetiva por norma expressa.
[114] Neste ponto, o casal deverá apresentar pelo menos alguns dos diversos entrelaçamentos afetivos, sociais e financeiros que caracterizam a entidade familiar, tais como: existência de filhos comuns, abertura de conta conjunta, inscrição do parceiro como dependente no plano de saúde ou como beneficiário do seguro de vida, celebração de contrato de união estável, declaração de dependência para fins de Imposto de Renda, etc.
[121] DIAS, Maria Berenice. União homoafetiva: O preconceito e a justiça. 3 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 56.
[124] Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 23ºed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. v.6. p. 159.
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