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O CHAMADO "ATO MÉDICO" É INCONSTITUCIONAL?


Autoria:

Sueli De Souza Costa Silva


Advogada graduada pela PUC/SP, pós graduada em Direito da Seguridade Social, Técnica em Segurança do Trabalho

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Texto enviado ao JurisWay em 07/02/2013.

Última edição/atualização em 11/02/2013.



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Muito tem se discutido a respeito da constitucionalidade e/ou inconstitucionalidade do Projeto de Lei nº 268/2002, também chamado de “Ato Médico”, que dispõe sobre o exercício da medicina e que tem como substitutivos os Projetos de Lei nº 7.703-B e 7.703-C de 2006 do Senado Federal e o substitutivo oriundo da Câmara dos Deputados.

 

Antes de adentrar no mérito da questão, cumpre-nos tecer algumas considerações quanto ao fenômeno da inconstitucionalidade.

 

A Constituição, como norma basilar do sistema jurídico, regulamenta o processo de produção das leis e demais atos normativos, estabelecendo limites a seu conteúdo. A não observância desses comandos desencadeia os mecanismos de controle de constitucionalidade.

 

Como bem assevera Luís Roberto Barroso:

 

Os atos jurídicos em geral, e as normas jurídicas especificamente, comportam análise em três planos distintos e inconfundíveis: o de sua existência, o de sua validade e o de sua eficácia.

(...)

 A existência de um ato jurídico (...) verifica-se quando nele estão presentes os elementos constitutivos definidos pela lei como causa eficiente de sua incidência.

(...)

Existindo o ato, pela presença de seus elementos constitutivos, sujeita-se ele a um segundo momento de apreciação, que é a verificação de sua validade. Aqui, cuida-se de constatar se os elementos do ato preenche os atributos, requisitos de perfeição.

(...)

A ausência de algum dos requisitos conduz à invalidade do ato, à qual o ordenamento jurídico, considerando a maior ou menor gravidade da violação, comina as sanções de nulidade e anulabilidade.

Dentro da ordem de ideias aqui expostas, uma lei que contrarie a Constituição, por vício formal ou material, não é inexistente. Ela ingressou no mundo jurídico e, em muitos casos, terá tido aplicação efetiva, gerando situações que terão de ser recompostas. Norma inconstitucional é norma inválida, por desconformidade com regramento superior, por desatender os requisitos impostos pela norma maior.

(...)

A eficácia dos atos jurídicos consiste em sua aptidão para a produção de efeitos, para irradiação das consequências que lhe são próprias. (...) a eficácia jurídica designa a qualidade de produzir, em maior ou menor grau, seu efeito típico, que é o de regular as situações nela indicadas. Eficácia diz respeito, assim, à aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma.

A inconstitucionalidade, portanto, constitui vício aferido no plano da validade. “Reconhecida à invalidade, tal fato se projeta para o plano seguinte, que é o da eficácia: norma inconstitucional não deve ser aplicada. (O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, 2ª edição rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, pág. 11/14).Grifamos.

 

Nesse sentido, é possível que exista no ordenamento jurídico leis que contenham artigos inconstitucionais, pois, como explicado acima, a existência não se confunde com validade, nem tampouco com a eficácia.

 

Relativamente ao projeto de lei que regulamenta o exercício da medicina, também chamado de “ato médico”, caso seja aprovado com a redação atual, poderá ser objeto de questionamento jurídico acerca da validade por estar, segundo a linha de entendimento já mencionada, em desacordo com a Constituição Federal.

 

A inconstitucionalidade mais gritante do citado projeto está no artigo 4º, que elenca as atividades privativas do médico, tendo em vista que sob o aspecto técnico jurídico não foi criado segundo os critérios já estabelecidos no sistema jurídico: respeito à hierarquia, que tem como ponto hierárquico superior a Constituição Federal, uma vez que limita a atividade profissional de outras profissões. Vejamos.

 

A Constituição Federal em seu artigo 1º, inciso IV, estabelece como um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Complementando essa premissa, o artigo 5º, caput, determina que todos são iguais perante a lei e, em seu inciso XIII reza que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão.

 

Por outro lado, o artigo 6º consagra o trabalho como direito social, ao passo que o artigo 7º, XXXII veda a distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos e o artigo 170, VIII preceitua o princípio da busca do pleno emprego.

 

Ressaltamos que os artigos mencionados são direitos fundamentais e, por serem cláusulas pétreas, não podem ser suprimidos nem por emenda constitucional, tampouco por lei ordinária, consoante disposto no artigo 60, § 4º, inciso IV da Constituição Federal.

 

Percebe-se que a verdadeira intenção do projeto de lei não é regulamentar a profissão, mas sim garantir aos médicos uma reserva de mercado, tendo em vista que restringe o exercício de outras profissões.

 

Calha destacar, que nenhuma lei regulamentadora de profissão pode restringir a atividade profissional de outra profissão, tendo em vista que a reserva legal estabelecida pelo artigo 5º, XIII da Constituição Federal, não confere ao legislador o poder de restringir o exercício da liberdade profissional a ponto de atingir o seu próprio núcleo essencial.

 

O Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de esposar argumentos cuja diretriz foi entender norma regulamentadora de profissão violadora do artigo 5º, XIII da Constituição Federal, porque o legislador ordinário extrapolou os limites de restrição autorizados pela Carta. (RE 511.961, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 17-6-09, Plenário, DJE de 13-11-09).

 

Relativamente aos projetos substitutivos, o que nos parece mais acertado é o projeto substitutivo da Câmara dos Deputados, que em seu artigo 4º, § 7º assegura o exercício e competências de outras profissões.

 

“Art. 4º. (...)

§7º São resguardadas as competências específicas das profissões de assistente social, biólogo, biomédico, enfermeiro, farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, profissional de educação física, psicólogo, terapeuta ocupacional e técnico e tecnólogo de radiologia e outras profissões correlatas que vierem a ser regulamentadas”.

 

A Comissão de Assuntos Sociais rejeitou tal parágrafo em seu parecer, agora o projeto irá ao Senado Federal onde será novamente debatido, votado e encaminhado para sanção.

 

Em nosso sentir, as profissões atingidas pelo projeto de lei devem lutar pela permanência do § 7º, do mesmo modo, naturólogos e acupunturistas devem lutar por sua inclusão no mencionado parágrafo, uma vez que ele preserva seus direitos de exercerem suas respectivas profissões.

 

Vale lembrar que a Câmara dos Deputados e o Senado Federal são compostos por representantes eleitos pela população para defender e promover o interesse da coletividade, tanto que a Constituição em seu artigo 1º, parágrafo único estabelece que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente (...)”.

 

Merece realce o fato de que é vedado a eles aprovarem leis que beneficie uma profissão em detrimento de outras, porquanto violaria além dos comandos constitucionais já mencionados acima, o princípio da impessoalidade, insculpido nos artigos 5º, caput e 37, caput, ambos da Constituição Federal.

 

Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello assevera:

 

“Princípio da impessoalidade, nele se traduz a ideia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie.

Cumpre destacar que o princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia. Além disso, assim como “todos são iguais perante a lei” (art. 5º, caput da Constituição Federal), a fortiori teriam de sê-lo perante a Administração”. (Curso de Direito Administrativo, pg. 110).

 

Destarte, é vedado reservar uma fatia de mercado para uma profissão em detrimento de outras, as leis não podem ser feitas para favorecimento de determinado grupo de pessoas, sob pena de desrespeitar o princípio da impessoalidade.

 

Ressaltamos que o parecer da Comissão de Assuntos Sociais foi aprovado mediante acordo de que não se pediria urgência na votação do projeto de lei no Senado Federal, a fim de possibilitar eventuais ajustes necessários.

 

Assim, as demais categorias profissionais devem lutar junto ao Senado pela permanência do § 7º do artigo 4º, bem como a inclusão de suas profissões no citado parágrafo, visto que lhes resguardará o direito de exercê-las sem que tenham que socorrer-se do Poder Judiciário para tanto.

 

Nessa linha, é imperioso destacar a teoria do desvio de poder aplicada à atividade legislativa, e para tanto utilizaremos os ensinamentos do professor Pedro Estevam A. P. Serrano:

 

“(...) quando o legislador utilizar-se de forma inadequada dos meios inerentes a uma determinada competência legislativa (...) no interior de outra da mesma categoria, só que presidida por fins diversos. Acabará utilizando-se de uma competência legislativa para obter fim diverso àquela prerrogativa de legislar. Emergirá, então, o desvio de finalidade legislativa, infectando de inconstitucionalidade a medida legal”.

 

Prossegue o ilustre professor, destacando que há desvio de poder legislativo “(...) quando ocorre inadequação entre os fins da medida adotada e os fins constitucionais que conformam a competência legislativa. (...) O desvio de poder é manifestação da inconstitucionalidade material e não ‘vício autônomo’.”.

 

Ainda, elucida que:

 

“O legislador, ao produzir leis enquanto normas gerais e abstratas, incorpora relações jurídicas abstratas ao ordenamento jurídico, no cumprimento dos comandos materiais e axiológicos da Constituição”. (O Desvio de Poder na Função Legislativa, p. 94/97).

 

Igualmente, quando o legislador, a pretexto de regulamentar o exercício da medicina, garante a tal categoria uma reserva de mercado, incorre em desvio de finalidade legislativa, visto que deixa de observar os comandos constitucionais ao restringir outras atividades profissionais, não olvidando, ainda, os princípios da impessoalidade, da razoabilidade e o da proporcionalidade.

 

Ante o exposto, concluímos que por todos os ângulos analisados o chamado “ato médico” é inconstitucional.

 

 

 

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