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Texto enviado ao JurisWay em 20/05/2010.
A cláusula de não indenizar, freqüentemente, vem sendo utilizada nos contratos relacionados a procedimentos médicos, com destaque às cirurgias, como forma de o profissional eximir-se de qualquer dever de indenização decorrente de descumprimento contratual ou dano ao paciente, ocorrendo, portanto, o afastamento das conseqüências normais de um fato que seriam de sua inteira responsabilidade. Importante ressaltar a distinção entre “cláusula de irresponsabilidade” e “cláusula de não indenizar”, feita por Sérgio Cavalieri Filho:
A diferença entre uma e outra está em que a primeira exclui a responsabilidade e a segunda afasta apenas a indenização. A cláusula de irresponsabilidade, por outro lado, não depende da vontade das partes, provindo sempre da lei. Com efeito, só a lei pode excepcionar algumas situações em que, não obstante a conduta e o dano, o agente não será responsabilizado[1].
Há muitos questionamentos em torno da eficácia de tal cláusula, afinal, sendo o médico um profissional da saúde, que tem como obrigação ser prudente, perito, diligente e que deverá utilizar das melhores técnicas disponíveis para atingir seu principal objetivo profissional, que é curar alguma enfermidade, ou amenizar os seus sintomas, bem como, nas cirurgias estéticas, alcançar a finalidade do paciente, qual seja, a melhora de sua aparência, como pode ser requerida a abdicação da incolumidade pública e da integridade física do paciente na ocorrência de erro médico? Quem se arriscaria a aderir a um contrato que não lhe desse a menor garantia de proteção e zelo à vida? Seria justo, caso o paciente optasse pela adesão de tal cláusula e lhe fossem causados danos decorrentes de falta de informação médica ou de uma cirurgia, que o profissional da saúde restasse ileso, sem qualquer obrigação de indenizá-lo pelos possíveis danos provocados, tendo em vista que o paciente, geralmente, está numa situação de hipossuficiência em relação ao médico?
Entendendo que cláusulas de não indenizar são inoperantes quando o corpo humano for objeto de contrato, Ana Prata manifesta-se:
Estando a pessoa humana fora do comércio, nunca poderão ser válidos contratos que a tenham por objeto[2].
Trata- se, portanto, de cláusula ilícita quando referir-se à atividade médica, principalmente em relação à cirurgia estética, pois, como já visto anteriormente, na maioria das vezes, o paciente chega saudável ao consultório e pretende, através da intervenção cirúrgica, um resultado certo e determinado, que é uma melhora na sua aparência física, o seu embelezamento. Não haveria motivos, portanto, de ele submeter-se a uma cirurgia, que por si só já é um procedimento que pode apresentar riscos a sua saúde, se não lhe fosse possível, na ocorrência de um possível prejuízo a ele causado, o direito de ressarcimento de danos.
O exímio, Pontes de Miranda, esclarece bem esta questão quando menciona que,
São cláusulas ilícitas: a de transferência de obrigações essenciais do contratante, as que exonerem de responsabilidade pelo dolo ou culpa grave e, em geral, todas as que interessem à proteção da vida, da integridade física e da saúde do contratante [3].
A responsabilidade civil médica se fundamenta no prejuízo causado à saúde ou integridade corporal do paciente, e o direito à incolumidade pública é irrenunciável, inclusive por seu próprio titular (...). De igual modo, a estipulação dessas cláusulas no início do tratamento- fase mais delicada da relação médico- paciente- lança dúvidas sobre a espontaneidade do pacto: haveria, aí, vício de consentimento que o tornaria inválido[4].
Considerando que o sucesso de qualquer intervenção cirúrgica também dependerá das reações do organismo de cada paciente, que podem variar muito, nem sempre podendo ser previstas pelo médico, e que o profissional tem o dever de informação àquele que submeter- se- á à cirurgia, dos riscos e vantagens relacionadas ao procedimento, isso não significa que o médico, através da inclusão da cláusula de não indenizar no contrato médico, possa eximir-se da responsabilização por danos causados ao paciente, ainda mais, tratando-se de cirurgia estética. Aguiar Dias ressalta que,
O médico, em certo grau, já goza de uma cláusula tácita de irresponsabilidade, na proporção da margem de erro tolerada pela imperfeição da própria ciência. Portanto, onde se poderia convencioná-la, ela já existe- e fora daí se verifica absoluta impossibilidade, pelo respeito devido ao ser humano[5].
Com efeito, o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), aplicado na grande maioria dos contratos, não admite estipulação contratual que afaste ou transfira obrigações essenciais do contratado:
Art. 24 - A garantia legal de adequação do produto ou serviço independe de termo expresso, vedada a exoneração contratual do fornecedor.
Art. 25 - É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas Seções anteriores.
Art. 51 - São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos.
Outra forma utilizada como proteção jurídica do profissional é o termo de consentimento informado, que tem tido sua principal finalidade, a de informação ao paciente dos procedimentos aos quais submeter- se- á, desvirtuada, o que não deixa de ser uma forma disfarçada de cláusula não-indenizatória, através da liberalidade do paciente ao aderir ao contrato, motivo pelo qual é mais valorizado pelos médicos o seu objetivo defensivo, tendo como concepção protetiva de ações indenizatórias as cláusulas que limitam ou exoneram o profissional de responsabilidade.
Ainda sobre essa concepção defensiva na medicina Galán Cortés, afirma que,
Esta forma legalista redunda em uma deterioração nas relações médico-paciente, gerando um clima pernicioso na prestação assistencial, que (...) nos conduz indefectivelmente a uma medicina defensiva [6].
Quanto à possibilidade de consentimento por parte do paciente, em relação à cláusula de não indenizar na cirurgia estética, faz-se necessário destacar que a inclusão de tal estipulação violaria o direito à integridade física da pessoa, ou seja, o paciente estaria submetendo-se a procedimento arriscado que, havendo o seu insucesso, impossibilitaria o pleito indenizatório e, por este tipo de intervenção cirúrgica ser eletiva e, na maioria dos casos, desnecessária, este tipo de cláusula não deve ter eficácia.
Em relação a este tema, Aguiar Dias sustenta que,
O médico deverá recusar-se a operar se o perigo da intervenção é maior que a vantagem que poderia trazer ao paciente[7] .
A cláusula de não- indenizar resulta, portanto, em uma disparidade muito grande de posição entre as partes contratantes, haja vista que, justamente a parte que tem a principal obrigação do contrato, no caso, o médico, pretende estipulá-lo em seu favor, fugindo à responsabilidade pelo inadimplemento contratual, e, como já demonstrado, não deve ser admitida porque seria uma forma de impedir o acesso do paciente a um direito que lhe é devido, qual seja, o de ressarcimento pelos danos que lhe forem causados, e por estar relacionada a um bem indisponível, que é a sua vida e à integridade física.
[1] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Apud STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6ª ed. rev., atual. e ampl.- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.
[2] PRATA, Ana. Cláusulas de exclusão e limitação de responsabilidade contratual, p. 237. Apud KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico. 6ª ed. rev., atual. e ampl.- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 100.
[3] DE MIRANDA, Pontes. Apud DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11ª. Ed. Revista, atualizada de acordo com o Código Civil de 2002, e aumentada por Rui Berford Dias. –Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p, 907.
[4] CASABONA Carlos Maria Romeo. El medico ante el derecho, p. 113 . Apud KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico. 6ª ed. rev., atual. e ampl.- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 100.
[5] AGUIAR DIAS, José de. Cláusula de não- indenizar, p. 237. Apud KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico. 6ª ed. rev., atual. e ampl.- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 100.
[6] Galán Cortés, Julio César. Responsabilidad médica y consentimiento informado. Madrid: Civitas, 2001. p.180-181. Apud. Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 53 (2): 176, abr.-jun. 2009 (http://www.amrigs.org.br/revista/53-02/20-418-se%C3%A7%C3%A3o-bio%C3%A9tica_O%20CON.pdf)
[7] DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade Civil- cit., 4ª. ed., p. 24-325. Apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 3ª ed. São Paulo. Saraiva, p. 247.
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