Apesar do longo caminho a percorrer, pouco a pouco os usuários de planos de saúde garantem conquistas voltadas para o aperfeiçoamento da prestação do serviço. A mais recente decisão a favor dos beneficiários foi a aprovação da Súmula 469 pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que prevê a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) aos contratos de plano de saúde. Até então, o serviço respondia a regulação específica do setor expressa pela Lei 9656/98.
Isso significa que, se antes havia controvérsias sobre o enquadramento do serviço de saúde no CDC, as dúvidas já não existem mais. “Essa é uma decisão muito positiva porque ainda existe muita discussão. A própria Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) tem dificuldade de aplicar o CDC nos contratos de plano de saúde”, afirma Polyanna Carlos da Silva, advogada da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste). O entendimento agora deve ser unânime. “As decisões dos tribunais já previam a aplicação do código, mas as operadoras sempre tentavam se esquivar com a justificativa de que ele não poderia ser utilizado. Com a decisão do STJ, a chance de reverter uma decisão com esta alegação não será mais válida”, pondera a advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Juliana Ferreira.
As principais reclamações que chegam à Justiça contra as operadoras de planos de saúde envolvem negativa de cobertura de consultas, exames e cirurgias, além de reajustes abusivos. “Nessas duas situações a aplicação do código pode auxiliar. Um percentual de reajuste muito alto de uma só vez, que coloque o consumidor em clara desvantagem é abusivo”, observa Juliana. “Quanto à negativa, o CDC entende que qualquer obrigação que seja inerente à natureza do contrato, não pode ser negada”, acrescenta.
Era o que a aposentada Neuza Fagundes Rodrigues esperava, mas desde 2000, quando teve que passar por uma cirurgia para colocar marca passo, tem dificuldades de cobertura do procedimento. A primeira negativa a obrigou a entrar na Justiça, mas a vitória não impediu que este ano, ao realizar a troca do aparelho, a operadora se negasse, mais uma vez, a arcar com os custos. O marca passo de R$ 7 mil foi pago pelos filhos, que lutam na Justiça para conseguir o ressarcimento do valor. “É um absurdo me cobrarem o aparelho já que pago todo mês R$ 340 pelo plano. Fico com medo de toda vez que tiver que trocar ter que pagar, porque não tenho dinheiro. Meus filhos que têm que ajudar”, lamenta.
Planos antigos
A decisão traz benefícios maiores aos usuários de planos antigos, anteriores a 1999, que não eram contemplados pela Lei 9656/98. “Nestes casos, a única legislação que resguardará os usuários é o CDC”, afirma Juliana. O Idec já prepara uma carta que será enviada à ANS para que a agência reguladora incorpore o CDC na regulamentação do setor. O texto diz que “na lei de criação da agência não há qualquer restrição da sua atuação relacionada ao tipo de contrato ou à sua data de assinatura. É certo que, para agir, a ANS teria que lançar mão da legislação aplicável a cada situação, valendo-se do Código de Defesa do Consumidor para os contratos antigos e da Lei dos Planos de Saúde (e subsidiariamente do CDC) para aqueles firmados a partir de 1999”.
E completa. “Assim, principalmente no tocante aos contratos antigos, a ANS deve aplicar o Código de Defesa do Consumidor como parâmetro fiscalizatório e punitivo, inclusive no que diz respeito às exclusões contratuais de cobertura neles contidas, em cumprimento à farta jurisprudência e agora à Súmula número 469 do STJ”. A ANS divulgou, em nota, que está apurando as implicações da decisão na agência. A Amil, plano de saúde recém chegado em Minas Gerais se posiciona à favor do entendimento. “Concordamos plenamente com a aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de planos de saúde, porque isto representa uma conquista, uma grande vitória para a sociedade”, diz o diretor técnico Amil-Brasil, Antônio Jorge Krops.
Principais conquistas deste ano
• Desde 7 de junho, os beneficiários de planos de saúde têm acesso a 70 novos procedimentos médicos e odontológicos, entre eles transplante de medula óssea e exames de genética
• Proposta da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) de ampliar as regras de portabilidade para planos de saúde implantadas em abril de 2009. Entre as mudanças estaria a portabilidade de carências para os beneficiários de planos coletivos
• Prazos máximos para atendimento em planos de saúde. Consultas básicas devem ser realizadas em até sete dias, enquanto procedimentos de alta complexidade têm prazo máximo de 21 dias
• Criação de uma Agenda Regulatória que estabelece as discussões previstas para o ano seguinte
Temas que serão discutidos em 2011
> Incentivo à concorrência – Ampliação das regras de portabilidade para os planos de saúde. Até 5de janeiro a agência recebe contribuições por meio da consulta pública
>Modelo de financiamento do setor – Entre os assuntos está a busca de alternativas de modelos de reajuste para planos individuais novos
> Garantia de acesso e qualidade assistencial – A determinação de prazos máximos para atendimento entre a autorização da operadora para exames e procedimentos e a efetiva realização está entre as discussões
> Modelo de pagamento a prestadores
> Estimular a adoção, pelo setor, de codificação única para procedimentos médicos e promover pacto setorial para a criação de estímulos e mecanismos indutores para nova sistemática de remuneração dos hospitais
> Assistência farmacêutica – Estudar alternativas de oferta de assistência farmacêutica ambulatorial para beneficiários do setor de saúde suplementar portadores de patologias crônicas de maior prevalência
> Garantia de acesso à informação
> Contratos antigos – Estimular a adaptação/migração dos contratos individuais/coletivos
> Assistência ao idoso
> Integração da Saúde Suplementar com o Sistema Único de Sáude (SUS)
O que diz o código?
ART. 39 – É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços:
V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva
XI – aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido
ART. 51 – São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;
1º – Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual;
III – mostra-se excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e o conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso