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Resumo:
O tema central do presente estudo é a aplicação do princípio da insignificância no crime de descaminho, sua relevância e reflexos nas esferas econômico-criminal e social.
Texto enviado ao JurisWay em 20/11/2012.
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História e Direito. Não existe dissociação entre essas duas ciências, é inconcebível pensar no Direito sem que nos remetamos a dados e fatos históricos. Aurélio Buarque de Holanda Ferreira nos fornece o conceito de História.[1]
A estruturação e o desenvolvimento do Direito foram pautados em acontecimentos históricos. O Direito Penal sendo parte integrante de um ramo do Direito não fugiu a esta regra.
O estudo de civilizações antigas como da Mesopotâmia[2] ou a Hindu, além de proporcionar um vasto relato histórico, social e cultural, também contribuiu na área do Direito, deixando como legado o que pode ser considerado como as primeiras grandes compilações sobre o assunto: os Códigos de Hamurabi e Código de Manu.
O Império Romano que perdurou por séculos, e por consequência acabou influenciando quase todas as áreas do conhecimento, gerou reflexos em grande parte da Europa, Oriente Médio e África. Em virtude dessa grandiosidade, não somente pelas conquistas, mas principalmente pelo espaço de tempo que perdurou, os povos que foram submetidos a seu jugo assimilaram direta ou indiretamente, em muito, seus padrões sociais.
Partindo-se desse enfoque, ressalta-se, sobremaneira, a produção jurídica romana deixada como herança para toda humanidade. A Lei das Doze Tábuas era considerada a base de sustentação de todo Direito Romano e apontada por muitos estudiosos do Direito como um verdadeiro "divisor de águas" no ramo jurídico. Tamanha a sua importância, que até hoje é estudada nas academias, e grande parte do Direito Ocidental tem por base os preceitos ali existentes.
O Direito Penal foi sendo forjado através dos tempos, buscando a devida adequação ao contexto histórico em que estava inserido. Dado a esse caráter mutável ou, melhor dizendo, de adaptabilidade que acompanha o desenvolvimento do Direito e da Sociedade, nada mais coerente que no campo do Direito Penal ocorra o alargamento de sua abrangência para suportar as mais complexas relações que surgem em virtude das mudanças sociais. Cleber Masson comenta: "Pode-se afimar, com segurança, que a história da pena e, consequentemente, do Direito Penal, embora não sistematizado, se confunde com a história da própria humanidade"[3].
As transformações a que a sociedade é submetida e, por via reflexa, o desenvolvimento de novos delitos também se ajustam a essa realidade; fato este que nos traz a necessidade de desenvolver novos mecanismos jurídicos com enfoque na seara penal.
A ênfase atual a ser adotada pela legislação penal é a de proteção dos interesses mais relevantes, que, como consequência, são elevados à categoria de bens jurídicos penais, em razão da sua importância para a vida social. O argumento do professor Juarez Cirino dos Santos justifica de forma exemplar tal afirmação:
O objetivo declarado do Direito Penal nas sociedades contemporâneas é a proteção de bens jurídicos – ou seja, a proteção de valores relevantes para a vida humana individual ou coletiva, sob a ameaça de pena. Os bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal são selecionados por critérios político-criminais fundados na Constituição: realidades ou potencialidades necessárias ou úteis para a existência e desenvolvimento individual e social do ser humano.[4]
Tomando por base tal direcionamento, o Princípio da Insignificância ou Bagatela está perfeitamente justificado, tanto no âmbito jurisprudencial como doutrinário, mostrando-se plenamente compatível com a nossa realidade, principalmente quando aplicado no crime de descaminho.
Presentes os requisitos legais inseridos na Lei n.o 10.522/2002, em seu artigo 20, alterada pela Lei n.o 11.033/2004, o delito de descaminho não estará configurado, ou seja, deixa de ter sua tipicidade, tornando-se atípico. Vale o comentário:
[...] Como a tipicidade penal exige um mínimo de lesividade ao bem juridicamente tutelado, sempre que a lesão for insignificante, a ponto de torna-se incapaz de ofender o interesse protegido, não haverá adequação típica. O princípio da insignificância é hoje tomado como causa excludente da tipicidade material, impedindo a configuração do injusto típico.[5]
Para que a pesquisa realizada sobre o tema em tela seja transmitida de forma harmônica e com fluidez de entendimento, o presente trabalho foi organizado em três capítulos.
O Capítulo 1 faz um breve relato sobre o conceito de princípio de forma geral, abrangendo a parte histórica, o desenvolvimento e o conceito do Princípio da Insignificância, bem como seus princípios penais correlatos.
No Capítulo 2 procuramos demonstrar as premissas básicas sobre o crime de descaminho, conceito e requisitos para sua configuração.
No Capítulo 3 é feita uma análise da aplicação do Princípio da Insignificância no crime de descaminho, com ênfase no art. 20 da Lei n.o 10.522/2002, alterada pela Lei n.o 11.033/2004, seus reflexos tanto no âmbito econômico criminal como social, fundamentada por meio de jurisprudências atuais dos Tribunais brasileiros e doutrina contemporânea.
Em razão de a presente pesquisa estar direcionada a examinar a aplicação do Princípio da Insignificância no crime de descaminho, nada mais lógico que iniciarmos a argumentação com uma noção básica do que seja um princípio, bem como uma leitura de sua aplicação sob a óptica constitucional e penal.
O primeiro obstáculo a ser superado é a própria definição de princípio, autores renomados já enfrentaram tal situação. José de Albuquerque Rocha comenta: "Há uma enorme confusão doutrinária sobre o conceito de princípio. O mais grave é que a maioria dos livros brasileiros nada diz sobre tal conceito, como se tratasse de uma noção objetivamente válida para todos"[6].
A mesma preocupação é anotada por Adriano Caldeira: "A definição de princípio é trabalho árduo, que exige pesquisa profunda sobre a influência dos elementos da filosofia no comportamento, sobretudo, interpretativo das normas jurídicas"[7].
Talvez a maior resistência por parte doutrina em emitir um conceito, e isso sobre qualquer tema, seja o aparente estreitamento a que o assunto é submetido; são limites impostos pelo emissor do conceito.
Entretanto, independentemente de tal fragilidade, é a partir das conceituações existentes que surgem as críticas, o desenvolvimento e aprimoramento do tema que está sendo abordado.
Não obstante os críticos existentes que se opõem veementemente à produção de conceitos na área jurídica, é fundamental para esta pesquisa que transcrevamos como a doutrina vem conceituando princípio.
José de Albuquerque Rocha nos ensina:
Em síntese, admitindo-se que o direito tem um fundamento, e que este não é de natureza transcendental, mas social, podemos dizer que os princípios são os valores morais, políticos e jurídicos de determinado sociedade proclamados por normas de direito, que denominamos normas principiológicas.[8]
Com maior contundência, Celso Antônio Bandeira de Mello nos apresenta sua definição:
Princípio – já averbamos alhures – é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.[9]
Ao analisarmos mais detalhadamente os dois conceitos, algumas conclusões se evidenciam: ao tomarmos por base que princípio está diretamente ligado à origem, ao começo ou início, a leitura dos princípios dentro do ordenamento jurídico adquire na interpretação das normas de direito um caráter de fundamentação, pois, ao interpretarmos a realidade, seja sob o aspecto político, econômico, social etc., o fazemos baseados em princípios intrínsecos. Do mesmo modo, o legislador ao positivar o direito se pautará em princípios que deem a base necessária para sustentação da norma.
Sendo o princípio um fundamento da norma jurídica, nada mais adequado que sua interpretação seja feita dentro de uma orientação voltada ao princípio que a fundamentou, ou seja, ao interpretamos uma norma devemos orientar esta interpretação pelos princípios que fundamentaram tal normativo.
Como dissemos anteriormente, o surgimento de um princípio se dá a partir da interpretação da realidade em amplo espectro, nem sempre os princípios registram-se nas Leis, mas atuam subsidiariamente, preenchendo as lacunas porventura nelasexistentes. A professora Gisela Maria Bester embasa tal entendimento:
Os princípios constitucionais fundamentais são aqueles que se traduzem em normas da Constituição Federal ou que delas diretamente se inferem. Com isto claro fica que podem ser tanto escritos como implícitos, e de fato há nela alguns não escritos.[10]
Pode-se comparar os princípios ao alicerce de uma construção. Caso se destrua uma parede, as demais partes da edificação não serão totalmente comprometidas, no entanto, se for prejudicado todo o alicerce, a construção ficará abalada. Seguindo esse direcionamento, Adriano Caldeira aponta: "[...] com isso, é possível definir princípio jurídico com a base sobre a qual todo ordenamento jurídico se sustenta, assim como uma construção possui seus pilares de sustentação"[11].
De modo a reforçar a ideia da importância dos princípios dentro do nosso ordenamento jurídico, é justo serem salientadas algumas considerações, ou seja, os princípios formam e integram nosso sistema jurídico, estejam implícitos ou explícitos. Como já foi dito anteriormente, atuam de modo a inspirar e limitar o legislador infraconstitucional, da mesma forma que auxiliam na interpretação das leis. Os apontamentos de Gisela Maria Bester nesse sentido são fundamentais.
Por serem normas com um âmbito de validade muito maior do que qualquer outra norma, servem os princípios constitucionais como critério de interpretação e de integração do direito posto, dando coerência geral ao sistema jurídico. Em vista disso, é necessária muita atenção aos princípios constitucionais, uma vez que dão a diretriz axiológica, isto é, demonstram quais valores devem ser respeitados, observados, mantidos no processo de interpretação constitucional.[12]
Essa íntima ligação entre princípio e realidade, em que existe uma valoração na interpretação da realidade em consonância com o conteúdo do princípio que incide sobre ela, deve ser realizada de forma harmônica e coerente. Sobre isso, José de Albuquerque Rocha esclarece:
Os princípios desenvolvem também a função mais importante de qualificar, juridicamente, a própria realidade a que se referem, indicando qual a posição que os agentes jurídicos devem tomar em relação a ela, ou seja, apontando o rumo que deve seguir a regulamentação da realidade, de modo a não contravir aos valores contidos no princípio. De forma que a mais essencial função dos princípios é qualificar a realidade, ou seja, é valorar a realidade, é atribuir-lhe um valor, a indicar ao intérprete ou ao legislador que a realidade deve ser tratada normativamente de acordo com o valor que o princípio lhe confere.[13]
Um aparte que se faz necessário neste ponto do trabalho consiste em observar a diferença entre princípio e regra, essencialmente no que tange ao grau de importância que cada um representa dentro do ordenamento jurídico. Adriano Caldeira faz uma colocação muito pontual sobre este assunto:
Deve-se ressaltar a distância que deve ser guardada entre princípio, norma e regra. Norma é gênero de onde se extraem as regras e os princípios como espécies. Enquanto as regras são simples proposições de comportamento estáticas, aplicáveis a casos concretos, os princípios determinam a interpretação e valoração das necessidades sociais, além de serem considerados dinâmicos, aplicáveis a diversas situações concretas. Assim, todo princípio, descrito ou não no ordenamento jurídico, é uma norma, enquanto a recíproca não é verdadeira.[14]
Da mesma forma, de modo a delimitar mais claramente as diferenças entre princípios e regras, Humberto Ávila ensina:
As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos [...] Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado das coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à promoção.[15]
Apresentadas essas singelas considerações sobre a problemática da conceituação e do que seja princípio, voltamos nossa atenção para o entendimento que é dado ao princípio quando relacionado à área penal.
Os princípios penais são mandamentos fundamentais que irradiam um comando superior e vinculante sobre o processo de construção e aplicação das normas jurídicas do Direito Penal, assumindo, assim, a função de alicerce e molde constitucional do sistema penal.
Essa sinergia das características que encontramos na formação dos princípios, ou seja, de fundamentação, orientação na interpretação, subsidiariedade, e principalmente de adequação temporal, em que os elementos contemporâneos da realidade são transportados ao âmbito penal, sob a égide da Constituição Federal, é ponto crucial em sua interpretação. Segundo Ivan Luiz Silva:
A procura de princípios básicos do Direito Penal exprime o esforço para, a um só tempo, caracterizá-lo e delimitá-lo. Existem, efetivamente, alguns princípios básicos que, por sua ampla recepção na maioria dos ordenamentos jurídico-penais positivos da família romano-germânica, pela significação política de seu aparecimento histórico ou de sua função social, e pela reconhecida importância de sua situação jurídica (condicionadora de derivações e efeitos relevantes) constituem um patamar indeclinável, com ilimitada valência na compreensão de todas as normas positivas. Tais princípios básicos, embora reconhecidos ou assimilados pelo direito penal, seja através de norma expressa, seja pelo conteúdo de muitas normas a eles adequadas, não deixam de ter um sentido programático, e aspiram ser plataforma mínima sobre a qual possa elaborar-se o direito penal de um Estado de direito democrático.[16]
Essa investidura constitucional que o Direito Penal adquire implica traçar seus próprios limites, para que não extrapole em sua atuação. Luiz Flávio Gomes é bem claro sobre este assunto:
Princípios constitucionais reitores do Direito penal e da Política criminal: considerando-se que a Constituição contém inúmeros preceitos que direta ou indiretamente conformam ou modulam o sistema punitivo, dela parece lícito inferir (desde logo) um conjunto de postulados político-criminais genéricos que devem demarcar o âmbito da atuação concreta (primeiro) do legislador e (depois) do juiz. As leis penais devem, assim, ser elaboradas, interpretadas e aplicadas de acordo com a Constituição.[17]
Feita esta preleção sobre os princípios e a óptica penal que é adotada sobre eles, no item a seguir adentramos especificamente no estudo do Princípio da Insignificância ou Bagatela, sendo exposto seu conceito, bem como o campo de sua aplicação.
Do mesmo modo, não podemos deixar de citar alguns princípios penais que estão intimamente ligados ao Princípio da Insignificância, formando um todo harmônico e coerente com o pensamento doutrinário e jurisprudencial atual que o embasa.
1.2 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
Minima non curat praetor, o pretor não deve se ocupar de bagatelas, ou trazendo para nossa realidade: o magistrado não deve preocupar-se com as questões insignificantes. Tal expressão era aplicada em relação à apuração dos ilícitos denominados pelos romanos como delicta.[18]
Nota-se claramente que não é recente, a preocupação com a não banalização da aplicação do Direito Penal. O amadurecimento dessa ideia passou a ter contornos mais definidos com Claus Roxin, que apresentou pela primeira vez em 1964 comentários sobre o Princípio da Insignificância. Bitencourt corrobora a presente afirmação: "O princípio da insignificância foi cunhado pela primeira vez por Claus Roxin em 1964, que voltou a repeti-lo em sua obra Política Criminal y Sistema Del Derecho Penal, partindo do velho adágio latino mínima non curat praetor"[19].
Nas palavras do criador do princípio em questão:
[...] a esto pertence además el llamado principio de la insignificância, que permite en la mayoría de los tipos excluir desde un principio daños de poca importância: maltrato no es cualquier tipo de daño de la integridad corporal, sino solamente uno relevante; análogamente deshonesto en el sentido del Código Penal es sólo la acción sexual de una cierta importância, injuriosa en una forma delictiva es solo la lesión grave a la pretensión social de respeto. Como "fuerza" debe considerarse únicamente un obstáculo de cierta importância. Igualmente también la amenaza debe ser sensible para pasar
el umbral de la criminalidad. Si con estos planteamientos se organizara de nuevo consecuentemente la instrumentación de nuestra interpretación del tipo, se lograria, además de uma mejor interpretación, uma importante aportación para reducir la crininalidad en nuestro pais.[20]
Roxin, ao apresentar o Princípio da Insignificância, demonstra clara preocupação em como o Direito Penal deve ser aplicado, sendo este um ramo do Direito em que a sanção imposta ao agente é a mais inquietante.
Configurada por meio da "pena", a sanção imposta é a mais dura existente entre os demais ramos do Direito, uma vez que pode inclusive atingir a liberdade, quer parcial, quer totalmente, e gerar consequências no convívio social do agente submetido a tal sanção. Rogério Greco tece o seguinte comentário sobre este assunto: "A pena, portanto, é simplesmente o instrumento de coerção de que se vale o Direito Penal para a proteção dos bens, valores e interesses mais significativos da sociedade"[21].
A esfera penal deve ter seu foco naqueles bens jurídicos elencados como os mais relevantes para a sociedade, deixando a cargo dos demais ramos do direito a aplicação de outras possíveis sanções. Dessa forma, o Direito Penal deve ser utilizado, em última instância, em razão da sua força punitiva, assim como, por suas características de subsidiariedade, fragmentariedade e intervenção mínima.
Mesmo o delito estando tipificado, há de se verificar todo o contexto em que foi praticado, e somente a partir dessa análise viabilizar ou não a atuação penal. Exatamente neste ponto é que devemos estudar a possibilidade de inserção do Princípio da Insignificância no caso concreto. A esse respeito Francisco de Assis Toledo apresenta a seguinte argumentação:
Segundo o princípio da insignificância, que se revela por inteiro pela sua própria denominação, o direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se de bagatelas.[22]
Fica evidente o caráter de adaptabilidade a que o Direito Penal é submetido, visto que teorias e princípios, que anteriormente eram somente aventados, passam a ter força real. Nesse sentido, Rogério Greco afirma:
Conceitos modificam-se durante o passar dos anos. É por isso que o Direito Penal vive, como não poderia deixar de ser, em constante movimento, tentando adaptar-se às novas realidades sociais. Em virtude dessa constante mutação, bens que outrora eram considerados de extrema importância e, por conseguinte, carecedores da especial atenção do Direito Penal já merecem, hoje, ser pó ele protegidos.[23]
O Princípio da Insignificância é a concretização de um paradigma que foi superado, no sentido de desenvolvimento e atualização doutrinária e jurisprudencial referente aos delitos que, mesmo enquadrados na seara penal, não apresentam a relevância necessária e com isso afastam a sua tipicidade. Damásio de Jesus é enfático acerca disso, quando diz:
Ligado aos chamados "crimes de bagatela" (ou "delitos de lesão mínima"), recomenda que o Direito Penal, pela adequação típica, somente intervenha nos casos de lesão jurídica de certa gravidade, reconhecendo a atipicidade do fato nas hipóteses de perturbações jurídicas mais leves (pequeníssima relevância material. Esse princípio tem sido adotado pela nossa jurisprudência nos casos de furto de objeto material insignificante, lesão insignificante ao Fisco, maus-tratos de importância mínima, descaminho e dano de pequena monta, lesão corporal de extrema singeleza etc.[24]
Fato interessante, é que houve manifestação do Supremo Tribunal Federal, por meio do Habeas Corpus n.o 84.412/SP, tendo como relator o Ministro Celso de Mello, estabelecendo critérios sobre a aplicação do Princípio da Insignificância:
O princípio da insignificância – que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal – tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado – que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do
sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público. O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: "DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR".
A partir desse julgado proferido pelo Supremo Tribunal Federal, o Princípio da Insignificância adquiriu contornos mais sólidos; foram positivados alguns requisitos básicos que norteiam os operadores do Direito em relação a sua aplicabilidade.
Há quatro aspectos que devem ser destacados do julgado mencionado. Em primeiro lugar, a mínima ofensividade da conduta do agente, com isso podemos deduzir que quanto menor for a ofensa, o dano físico ou moral, menor será o grau de reprovabilidade que recairá sobre o agente.
Em segundo, a inexistência de periculosidade social da ação praticada, de modo que os fatos ou as circunstâncias que mostram a possibilidade de alguém tornar-se perigoso, pela ação prática, tenham repercussão mínima na esfera social.
Em terceiro, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento, que guarda estreita relação com o primeiro quesito anteriormente mencionado.
Por último, a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
A leitura desses elementos deve ser feita sempre em conjunto, e nunca isoladamente, pois formam um todo uniforme e guardam íntima relação. Nesse sentido são providenciais as palavras de Paulo Queiroz:
Mas tais requisitos são claramente tautológicos. Sim, porque, se mínima é a ofensa, então a ação não é socialmente perigosa; se a ofensa é mínima e a ação não perigosa, em conseqüência, mínima ou nenhuma é a reprovação; e, pois, inexpressiva a lesão jurídica. Enfim, os supostos requisitos apenas repetem a mesma idéia por meio de palavras diferentes, argumentando em círculo.[25]
Devemos ter em conta que o âmbito de incidência desses quatro elementos, quando configurados, pode abranger os delitos praticados contra a pessoa, patrimônio, administração pública etc., fundamentando a aplicação do Princípio da Insignificância no caso concreto.
Questão que merece ser mais bem detalhada diz respeito ao afastamento da tipicidade material, como consta no corpo do Habeas Corpus anteriormente mencionado, quando aplicado o Princípio da Insignificância. Para tanto devemos ter em mente os dois casos de tipicidade: a formal e a material.
Antes de ser feito um breve esboço de ambas, devemos primeiro nos centrar no que seja exatamente tipicidade. Nas palavras de Rogério Greco:
Tipicidade quer dizer, assim, a subsunção perfeita da conduta praticada pelo agente ao modelo abstrato previsto na lei penal, isto é, a um tipo penal incriminador. A adequação da conduta do agente ao modelo abstrato previsto na lei penal (tipo) faz surgir a tipicidade formal ou legal. Essa adequação deve ser perfeita, pois, caso contrário, o fato será considerado formalmente atípico.[26]
Situada essa questão relativa ao conceito de tipicidade, passamos agora a desmembrar seus dois aspectos mais importantes, ou seja, em que situações nos depararemos com a tipicidade formal e a material, de modo a tornar mais compreensível o afastamento da tipicidade material quando aplicado o Princípio da Insignificância. Cleber Masson é magistral ao fazer a diferença entre ambas:
Tipicidade formal é o juízo de subsunção entre a conduta praticada pelo agente no mundo real e o modelo descrito pelo tipo penal ("adequação ao catálogo"). É a operação pela qual se analisa se o fato praticado pelo agente encontra correspondência em uma conduta prevista em lei como crime ou contravenção penal. A conduta de matar alguém tem amparo no art. 121 do Código Penal. Há, portanto, tipicidade entre tal conduta e a lei penal. De seu turno, tipicidade material (ou substancial) é a lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico penalmente tutelado em razão da prática da conduta legalmente descrita. A tipicidade material relaciona-se intimamente com o princípio da ofensividade (ou lesividade) do Direito Penal, pois nem todas as condutas que se encaixam nos modelos abstratos e sintéticos de crimes (tipicidade formal) acarretam dano ou perigo ao bem jurídico. É o que se dá, a título ilustrativo nas hipóteses de incidência do princípio da insignificância, nas quais, nada obstante a tipicidade formal, não se verifica a tipicidade material.[27]
Prossegue o mesmo autor, agora discorrendo de forma específica sobre o afastamento da tipicidade quando houver incidência do referido princípio:
Este princípio, calcado em valores de política criminal, funciona como causa de exclusão da tipicidade material, desempenhando uma interpretação restritiva do tipo penal. Para o Supremo Tribunal Federal, a mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica constituem os requisitos de ordem objetiva autorizadores a aplicação desse princípio.[28]
Como exposto, é bom ressaltar que a abrangência da aplicação deste princípio não fica restrita exclusivamente ao baixo valor do bem jurídico atingido, sua área de incidência é muito maior. Nesse sentido, Geovane Moraes e Rodrigo Julio Capobianco comentam:
Muitas pessoas, ao analisarem casos concretos envolvendo o Princípio da Insignificância, também denominado de Princípio da Bagatela, são levadas a erro por acreditarem que esta insignificância refere-se ao valor venal do bem jurídico ofendido, ou seja, seu valor econômico. Na verdade, o princípio refere-se à insignificância da situação e do dano provocado ao contexto social, ou seja, a forma com que a ação ou omissão afetar a ordem social.[29]
Outrossim, não podemos deixar de citar que os delitos abarcados por este princípio de modo algum podem ser confundidos com aqueles tutelados pela Lei n.o 9.099/1995, ou seja, pelas infrações penais de menor potencial ofensivo. Neste ponto é salutar a argumentação feita por Cleber Masson:
Não se pode confundir a criminalidade de bagatela com as infrações penais de menor potencial ofensivo, definidas pelo art. 61 da Lei 9.099/1995. Nessas últimas, tanto não há falar em insignificância da conduta que a situação foi expressamente prevista no art. 98, I, da Constituição Federal, e regulamentada posteriormente pela legislação ordinária, revelando a existência de gravidade suficiente para justificar a intervenção estatal.[30]
Com isso, encerramos as explanações relativas ao significado do referido princípio, incidência e quesitos necessários para sua aplicação. No tópico seguinte, de forma bem sucinta, serão apresentados alguns aspectos sobre os princípios penais que a ele estão relacionados.
Tal explicação é procedente, para que se possa ter uma visão holística de como os princípios penais interagem e se completam, viabilizando e facilitando aos operadores do direito uma melhor compreensão.
1.3 PRINCÍPIOS PENAIS CORRELATOS AO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
Antes de relacionarmos alguns dos aspectos mais relevantes vinculados aos princípios penais correlatos ao Princípio da Insignificância, é necessário que saibamos que esta não é matéria pacífica entre os doutrinadores. A divergência basicamente se dá sobre o grau de influência que tais princípios possuem sobre o Princípio da Insignificância.
Não podemos tratar da aplicação deste princípio de forma isolada, os demais princípios penais devem ser considerados de forma simultânea, pois, com isso, haverá uma maior fundamentação e coerência na análise do caso concreto.
Tal argumentação é largamente respalda na jurisprudência, que embasa suas decisões encadeando diversos princípios paralelamente ao Princípio da Insignificância, o Habeas Corpus 100942/PR julgado pelo Supremo Tribunal Federal é uma demonstração clara dessa aplicação.
PENAL. HABEAS CORPUS. DESCAMINHO (ART. 334, CAPUT, DO CP). PRINCÍPIO DAINSIGNIFICÂNCIA. REQUISITOS PRESENTES. DELITO PURAMENTE FISCAL. TRIBUTO ILUDIDO EM VALOR INFERIOR A R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS). ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. ART. 20 DA LEI N.o 10.522/02. DISPENSA DA UNIÃO DE EXECUTAR OS CRÉDITOS FISCAIS EM VALOR INFERIOR A ESSE PATAMAR. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA. 1. O princípio da insignificância incide quando o tributo iludido pelo delito de descaminho for de valor inferior a R$ 10.000,00, presentes o princípio da lesividade, da fragmentariedade, da intervenção mínima e ante o disposto no art. 20 da Lei n.o 10.522/02, que dispensa a União de executar os créditos fiscais em valor inferior a esse patamar. Precedentes: HC 96412/SP, red. p/ acórdão Min. Dias Toffoli; 1.a Turma, DJ de 18/3/2011; HC 97257/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 1ª Turma, DJ de 1/12/2010; HC 102935, rel. Min. Dias Toffoli, 1.a Turma, DJ de 19/11/2010; HC 96852/PR, rel. Min. Joaquim Barbosa, 2.a Turma, DJ de 15/3/2011; HC 96307/GO, rel. Min. Joaquim Barbosa, 2.a Turma, DJ de 10/12/2009; HC 100365/PR, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 5/2/2010) 2. In casu, a paciente fora denunciada pela prática do crime de descaminho por iludir, no ingresso de mercadorias em território nacional, tributos no valor de R$ 3.045,98. 3. Ordem concedida para restabelecer a decisão do Juízo rejeitando a denúncia.
Decisão: Por maioria de votos, a Turma concedeu a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Relator, vencidos o Senhor Ministro Marco Aurélio e a Senhora Ministra Cármen Lúcia, Presidente. 1.a Turma, 9.8.2011.[31]
Elencamos, no tópico seguinte, os princípios penais mais citados dentro da doutrina pátria, que melhor se relacionam com o princípio ora estudado.
1.3.1 Princípio da intervenção mínima
O Direito Penal não surgiu, ou foi criado para ser usado de maneira indiscriminada, podemos interpretar o verbo intervenção por ingerência ou interferência, dentre outros sinônimos, ora, ao indicarmos como um dos princípios basilares o da Intervenção Mínima, estamos ratificando posicionamento doutrinário e jurisprudencial, que em razão do seu caráter sancionatório de maior contundência sua utilização deve ficar adstrita a situações em que o bem jurídico tutelado solicita sua atuação.
Estando disponíveis mecanismos legais em outros ramos do Direito, que façam a devida tutela dos bens jurídicos atingidos, não há porque valer-se da força do Direito Penal. Bitencourt expressa de maneira muito eficaz seus argumentos quando diz:
O princípio da intervenção mínima, também conhecido como ultima ratio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Se outras formas de sanção ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização é inadequada e não recomendável. Se para o restabelecimento da ordem jurídica violada forem suficientes medidas civis ou administrativas, são estas que devem ser empregadas, e não as penais. Por isso, o Direito Penal deve ser a ultima ratio, isto é, deve atuar somente quando os demais ramos do Direito revelarem-se incapazes de dar a tutela devida a bens relevantes na vida do indivíduo e da própria sociedade.[32]
1.3.2 Princípio da fragmentariedade
Existe uma complementação intrínseca entre os princípios penais, quando apontamos, que a utilização do Direito Penal deve-se ater aos casos mais graves e relevantes, fazemos uma valoração entre os diversos bens jurídicos, sendo alguns menos e outros mais valorados.
Não podendo, e essencialmente, não devendo, a tutela penal estender o seu alcance a todos os bens jurídicos existentes, daí o seu caráter subsidiário de utilização, a separação dos bens mais importantes para a sociedade, fundamenta a fragmentação do amparo penal.
Paulo Queiroz faz o seguinte apontamento sobre este assunto:
Também por isso (caráter subsidiário), o direito penal não constitui um sistema exaustivo de ilicitudes ou de proteção de bens jurídicos (vida, integridade física, honra), mas descontínuo, fragmentário, já que sua intervenção pressupõe o fracasso de outras formas de controle. É que o direito penal seleciona e tipifica condutas atendendo à relevância do bem jurídico, e segundo a intensidade da lesão de que se trate, outorgando-lhes uma proteção relativa. Portanto, não se protegem todos os bens jurídicos, mas só os mais importantes, nem sequer os protege em face de qualquer classe de atentados, mas tão só em face dos ataques mais intoleráveis.[33]
A proteção penal abarca apenas parte dos valores sociais, aqueles considerados fundamentais, não incidindo naqueles que não tenham tanta relevância, e que já se encontram protegidos por outros ramos do Direito.
1.3.3 Princípio da subsidiariedade
A aplicação supletiva da tutela penal guarda íntima ligação com os dois princípios anteriormente descritos, a subsidiariedade penal deve ser entendida lato sensu, ineficazes os poderes sancionatórios dos demais ramos do Direito, faz-se necessária a atenção penal sobre os bens jurídicos atacados.
A subsidiariedade se relacionada com um sentido de reserva de aplicação, Masson faz apresenta a seguinte argumentação:
Preceitua a atuação do Direito Penal apenas quando os outros ramos do Direito e os demais meios estatais de controle social tiverem se revelado impotentes para o controle da ordem pública. Em outras palavras, o Direito Penal funciona como um executor de reserva, entrando em cena somente quando outros meios estatais de proteção mais brandos, e, portanto, menos invasivos da liberdade individual não forem suficientes para a proteção do bem jurídico tutelado. Caso não seja necessário dele lançar mão, ficará de prontidão, aguardando ser chamado pelo operador do direito para, aí sem, enfrentar uma conduta que coloca em risco a estrutura da sociedade.[34]
Neste primeiro capítulo buscou-se uma apresentação básica sobre o significado de princípio, sanado este ponto, adentramos especificamente nos fundamentos e quesitos que sustentam a existência e aplicação do Princípio da Insignificância, para logo em seguida, apresentarmos alguns princípios penais correlatos ao mesmo.
O capítulo seguinte tratará especificamente do crime de descaminho, seu conceito, parâmetros de tipificação, bem como sua posição dentro do Código Penal, a proposta é fazer uma contextualização deste delito dentro do ordenamento jurídico pátrio.
CAPÍTULO 2
O CRIME DE DESCAMINHO
O crime de descaminho vem tipificado no Código Penal Brasileiro no caput do artigo 334, segunda parte, juntamente com o crime de contrabando: "Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria: Pena – reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos".
O primeiro passo é dividir o artigo retromencionado em duas partes, uma vez que estão tipificados dois crimes distintos. Luiz Regis Pradro traz o seguinte comentário sobre o assunto:
O legislador de 1940, fiel à tradição das codificações anteriores, tratou do contrabando e do descaminho no mesmo dispositivo legal. No entanto, o emprego da alternativa ou ente contrabando e descaminho na rubrica normativa denota uma equivalência entre os institutos, o que contraria a natureza ontológica de ambos.[35]
Essa mesma ideia de que existe mais de um tipo penal no caput do artigo 334 é ratificada quando encontramos a seguinte afirmação:
O caput deste artigo traz duas figuras típicas distintas, quais sejam, o contrabando e o descaminho. Este consiste em iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo da mercadoria; enquanto que aquele, em importar ou exportar mercadoria proibida. Diferenciam-se, portanto, porque o objeto do contrabando é a mercadoria proibida, e o do descaminho, o pagamento de direito ou imposto.[36]
A primeira parte, "Importar ou exportar mercadoria proibida", diz respeito ao crime de contrabando.
Ao fazermos uma análise mais apurada dos verbos nucleares, constatamos que por importar se deve entender a entrada no país de mercadoria vinda de fora de nossas fronteiras e por exportar, a respectiva saída de mercadoria além de nossas fronteiras.
Em ambos os casos, importar ou exportar, a mercadoria objeto da transação tem sua comercialização proibida pela legislação brasileira. A esse respeito, o professor Nucci explica:
Importar (trazer algo de fora do País para dentro de suas fronteiras) ou exportar (levar algo para fora do País) mercadoria (é qualquer coisa móvel passível de comercialização) proibida (norma penal em branco, dependendo de outras regras para se saber o que é lícito importar ou exportar), configurando-se o contrabando próprio,...[37]
Portanto, estará configurado o crime de contrabando pela entrada ou saída no país de mercadoria considerada proibida pela legislação, Mirabete é enfático quando diz:
A primeira parte do artigo 334, caput, refere-se ao contrabando, ou seja, à conduta de importar ou exportar mercadoria proibida. Importar significa trazer para o país e exportar é tirar dele qualquer mercadoria pouco relevando se o faça através da alfândega ou fora dela.
Nessa primeira modalidade é necessário que o objeto material seja mercadoria proibida, que inclui não só a que o é em si mesma (proibição absoluta), como a que o é apenas em determinadas circunstâncias (proibição relativa).[38]
Nesse sentido, o crime de contrabando se configura pela violação da norma legal vigente, constituindo fato ilícito. Feita esta preleção sobre a primeira parte do caput do artigo 334 do Código Penal, podemos adentrar no teor da segunda parte do mesmo artigo, na qual está configurado o crime de descaminho. Maximiliano e Maximilianus Fuhrer fazem o seguinte apontamento sobre o crime de descaminho:
Descaminho (ou Contrabando Impróprio). É uma fraude aduaneira consistente na frustração, no todo ou em parte, do pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou consumo de mercadoria não proibida. A fraude embora o núcleo do tipo de descaminho seja iludir, que tem a conotação de fraude, a corrente jurisprudencial predominante tem dispensado a demonstração do engodo e da vontade de burlar o Fisco, contentando-se apenas com a omissão consciente do pagamento do tributo devido.[39]
O crime de descaminho está diretamente ligado à frustração no recolhimento do tributo devido ao fisco, é essencialmente uma sonegação fiscal que atinge a ordem tributária. Nucci corrobora este entendimento quando diz:
[...] iludir (enganar ou frustrar), no todo ou em parte, o pagamento de imposto (é uma espécie de tributo, isto é, prestação monetária compulsória devida ao Estado em virtude de lei) ou direito (outros pagamento necessários para a importação ou exportação de mercadorias, como a tarifa de armazenagem ou a taxa para liberação da guia de importação) ou devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo (ICMS, por exemplo) de mercadoria, aperfeiçoando o contrabando impróprio.[40]
Ratificando posicionamento doutrinário em relação ao verbo nuclear do delito de descaminho, Luiz Regis Prado faz o seguinte apontamento:
O descaminho, a seu turno, está expresso pelo verbo iludir (núcleo do tipo), que denota a ideia de enganar, de burlar, de fraudar. Verifica-se, assim, no tipo de injusto, que a conduta incriminada consiste em fraudar, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devidos pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria.[41]
Algumas conclusões podem ser deduzidas a partir dos conceitos anteriormente expostos sobre o crime de descaminho, cada doutrinador adota uma sequência e relação das características mais marcantes do delito em pauta, entretanto, em razão da não unanimidade e uniformidade, é salutar a exposição da classificação apresentada por Nucci:
Comum (próprio nas formas previstas no parágrafo 1.o, c e d), formal (material, quando se concretizar as condutas "vender" ou "utilizar, em proveito próprio, do parágrafo 1.o, c, ou os modos "adquirir", "receber" e "ocultar" do parágrafo 1.o, d), de forma livre, comissivo (pode ser omissivo na modalidade "iludir o pagamento"), instantâneo (permanente nas formas "expor à venda", "manter em depósito" e "ocultar"), unissubjetivo, unissubsistente ou plurissubsistente, conforme o caso.[42]
No tópico a seguir, faz-se menção apenas a algumas dessas características básicas:
- o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, uma vez que se trata de um delito comum, não há qualquer especificidade em relação ao agente para a prática do delito;
- o sujeito passivo será o Estado, tendo em vista o interesse público no recolhimento do tributo incidente sobre a mercadoria que está entrando ou saindo do país;
- objeto material, nas palavras de Damásio de Jesus "Trata-se de mercadoria cuja entrada ou saída de nosso território é permitida. O sujeito, contudo, frauda o pagamento do tributo exigido. Assim, na importação é obrigatório o pagamento de direito e do ICM, se exigido por lei. Na saída da mercadoria é devido o imposto de exportação. Cometendo o delito, o sujeito ilude, engana o Poder Público, deixando de efetuar o pagamento devido mediante expediente fraudulento;[43]
- elemento subjetivo do tipo será sempre o dolo, uma vez que existe a vontade livre e consciente do agente em iludir, fraudar o pagamento do tributo devido incidente sobre a mercadoria, tal assertiva é ratificada por Mirabete quando explica "[...] já se decidiu, também, que, sem o ânimo de lesar o fisco, não se tem como configurado o crime de descaminho, tano mais quando cobrados pelo menos em parte os direitos relativos às mercadorias trazidas do estrangeiro".[44]
Diante de tais apontamentos, o delito de descaminho em sua forma pura será de fácil identificação, não restando senão pequenas nuanças que deverão ser analisadas no caso concreto. Tais considerações dizem respeito ao caput do art. 334 do Código Penal.
Entretanto, esse mesmo artigo apresenta três parágrafos que abrangem os seguintes aspectos: o primeiro parágrafo relaciona as condutas que, uma vez praticadas, terão a incidência da mesma pena prevista no caput do artigo. A Lei n.o 4.729/1965 equiparou quatro situações semelhantes ao crime de contrabando ou descaminho, Luiz Regis Prado ensina: "O parágrafo 1.o do artigo 334 apresenta quatro figuras que o legislador entendeu por bem equipar aos tipos de injunto definidos no caput. São elas":[45]
- "§ 1.o Incorre na mesma pena quem:", este parágrafo, se subdivide em quatro incisos nos quais são encontrados diversos verbos nucleares distribuídos da seguinte forma:
a) pratica navegação de cabotagem, fora dos casos permitidos em lei;
b) pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando ou descaminho;
c) vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no País ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem;
d) adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal, ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos.
O parágrafo segundo trata dos delitos equiparados, ou seja, que são comparados à conduta praticada no caput do artigo:
- "§ 2.o Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências".
É de bom alvitre apresentar os apontamentos de Fuhrer sobre este assunto:
A Lei 9426/1996 criou a figura da receptação qualificada pelo exercício de atividade comercial ou industrial (art. 180, § 1.o), que também se amolda às condutas aqui descritas. Pelo princípio da especialidade, porém, os tipos de contrabando e descaminho equiparados (art. 334, § 1.o) continuam aplicáveis, afastando a incidência do novo texto nestes casos específicos. Entretanto, se não houver atividade comercial ou industrial (habitual) ou se ocorrer culpa, o tipo a observar será o do art. 180 caput e § 3.o, respectivamente.[46]
O parágrafo terceiro trata do delito de contrabando ou descaminho quanto praticado em transporte aéreo; estabelece que quando configurado este delito, a pena será aplicada em dobro:
- "§ 3.o A pena aplica-se em dobro, se o crime de contrabando ou descaminho é praticado em transporte aéreo". Vale a explicação fornecida por Fuhrer para este parágrafo: "O transporte aéreo citado no texto é aquele clandestino de difícil fiscalização. Daí a justificação para a causa de aumento. Nos voos regulares o Fisco tem controle absoluto, desaparecendo o motivo de aplicação desta causa de aumento"[47].
A mesma interpretação é dada por Luiz Regis Prado:
O aludido transporte alcança aquele efetuado através de aviões, helicópteros etc. No entanto, a majorante só alcança os delitos perpetrados em aeronaves clandestinas, já que os voos regulares, de carreira, não são incluídos aqui, posto serem objeto de fiscalização alfandegária permanente.
Trata-se de majorante que influencia na medida do injusto, em face da dificuldade de controle do transporte aéreo de mercadorias feito de maneira clandestina.[48]
Os professores Geovane Moraes e Rodrigo Julio Capobianco fazem um pequeno resumo do art. 334 quando ensinam:
Contrabando ou descaminho (art. 334 do CP), neste crime, pune-se a conduta do particular que importou ou exportou produto proibido ou sem o pagamento de tributo. O Art. 318 do CP pune somente o funcionário público que facilitou o contrabando ou descaminho. Também serão apenadas as condutas de praticar navegação de cabotagem fora dos casos permitidos, praticar fato assimilado a contrabando ou descaminho, vender, expor à venda, manter em depósito ou, de qualquer forma, utilizar em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade industrial ou comercial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente ou desacompanhada de documentação legal.[49]
Feita esta contextualização específica sobre o crime de descaminho, pode-se apresentar com maior clareza, no capítulo seguinte, a aplicação do princípio da insignificância no referido delito. Dessa maneira, ter-se-á um melhor entendimento sobre os reflexos sociais e penais gerados pela sua aplicabilidade.
A doutrina majoritária é favorável em vincular o Princípio da Insignificância ao crime de descaminho, desde que apresentadas as peculiaridades necessárias; a jurisprudência também adota o mesmo entendimento por meio de diversos julgados que ratificam tal posicionamento.
Os capítulos anteriores abrangeram de forma separada o Princípio da Insignificância e o crime de Descaminho, isso se fez necessário para dar maior fundamento e clareza no entendimento, quando aplicamos tal princípio no referido delito, afastando a tipicidade material do fato, como já explicamos anteriormente.
Apenas a título de reforço, uma vez que já foi explorado o assunto no presente trabalho, o princípio da insignificância terá sua aplicação quando estiverem presentes as seguintes condições: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente; (b) a nenhuma periculosidade social da ação; (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada
O crime de descaminha estará configurado pelo ato de fraudar, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devidos pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria.
Neste ponto é obrigatória a leitura do artigo 20 da Lei n.o 10.522/02, de 19 de julho de 2002, que até pouco tempo servia de parâmetro sobre a aplicabilidade do princípio da insignificância no crime de descaminha, o retromencionado artigo diz:
Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). (Redação dada pela Lei n.o 11.033, de 2004)
Em outros termos, não existe interesse da União em movimentar toda a máquina administrativa e possivelmente judicial, nos casos em que as execuções fiscais de débitos inscritos na dívida ativa sejam de valor igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). Este valor era considerado o limite legal, para afastar tipicidade material do delito de descaminho quando praticado, com fundamento no Princípio da Insignificância.
Recentemente, mais precisamente no dia 26 de março de 2012, foi publicada a Portaria n.o 75/2012 do Ministério da Fazenda, que ampliou o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para R$ 20.000,00 (vinte mil reais) afastando o ajuizamento da execução fiscal dos débitos com a Fazenda Nacional cujo montante seja igual ou inferior ao novo valor estipulado pela União.
A Portaria n.o 75/2012 apresenta a seguinte redação:
O MINISTRO DE ESTADO DA FAZENDA, no uso da atribuição que lhe confere o parágrafo único, inciso II, do art. 87 da Constituição da República Federativa do Brasil e tendo em vista o disposto no art. 5.o do Decreto-Lei nº 1.569, de 8 de agosto de 1977; no parágrafo único do art. 65 da Lei nº 7.799, de 10 de julho de 1989; no § 1.o do art. 18 da Lei n.o 10.522, de 19 de julho de 2002; no art. 68 da Lei n.o 9.430, de 27 de dezembro de 1996; e no art. 54 da Lei n.o 8.212, de 24 de julho de 1991, resolve:
Art. 1.o Determinar:
I - a não inscrição na Dívida Ativa da União de débito de um mesmo devedor com a Fazenda Nacional de valor consolidado igual ou inferior a R$ 1.000,00 (mil reais); e II - o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
§ 1.o Os limites estabelecidos no caput não se aplicam quando se tratar de débitos decorrentes de aplicação de multa criminal.
§ 2.o Entende-se por valor consolidado o resultante da atualização do respectivo débito originário, somado aos encargos e acréscimos legais ou contratuais, vencidos até a data da apuração.
§ 3.o O disposto no inciso I do caput não se aplica na hipótese de débitos, de mesma natureza e relativos ao mesmo devedor, que forem encaminhados em lote, cujo valor total seja superior ao limite estabelecido.
§ 4.o Para alcançar o valor mínimo determinado no inciso I do caput, o órgão responsável pela constituição do crédito poderá proceder à reunião dos débitos do devedor na forma do parágrafo anterior.
§ 5.o Os órgãos responsáveis pela administração, apuração e cobrança de créditos da Fazenda Nacional não remeterão às unidades da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) processos relativos aos débitos de que trata o inciso I do caput.
§ 6.o O Procurador da Fazenda Nacional poderá, após despacho motivado nos autos do processo administrativo, promover o ajuizamento de execução fiscal de débito cujo valor consolidado seja igual ou inferior ao previsto no inciso II do caput, desde que exista elemento objetivo que, no caso específico, ateste elevado potencial de recuperabilidade do crédito.
§ 7.o O Procurador-Geral da Fazenda Nacional, observados os critérios de eficiência, economicidade, praticidade e as peculiaridades regionais e/ou do débito, poderá autorizar, mediante ato normativo, as unidades por ele indicadas a promoverem a inscrição e o ajuizamento de débitos de valores consolidados inferiores aos estabelecidos nos incisos I e II do caput.
Art. 2.o O Procurador da Fazenda Nacional requererá o arquivamento, sem baixa na distribuição, das execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), desde que não ocorrida a citação pessoal do executado e não conste dos autos garantia útil à satisfação do crédito.
Parágrafo único. O disposto no caput se aplica às execuções que ainda não tenham sido esgotadas as diligências para que se considere frustrada a citação do executado.
Art. 3.o A adoção das medidas previstas no art. 1.o não afasta a incidência de correção monetária, juros de mora e outros encargos legais, não obsta a exigência legalmente prevista de prova de quitação de débitos perante a União e suspende a prescrição dos créditos de natureza não tributária, de acordo com o disposto no art. 5.o do Decreto-Lei n.o 1.569, de 8 de agosto de 1977.
Art. 4.o Os débitos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) deverão ser agrupados:
I - por espécie de tributo, respectivos acréscimos e multas;
II - por débitos de outras naturezas, inclusive multas;
III - no caso do Imposto Territorial Rural (ITR), por débitos relativos ao mesmo devedor.
Art. 5.o São elementos mínimos para inscrição de débito na Dívida Ativa, sem prejuízo de outros que possam ser exigidos:
I - o nome do devedor, dos corresponsáveis e, sempre que conhecido, o domicílio ou residência de um e de outros;
II - o número de inscrição do devedor no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ);
III - o valor originário da dívida, bem como o termo inicial e a forma de calcular os juros de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato;
IV - a origem, a natureza e o fundamento legal ou contratual da dívida;
V - a indicação, se for o caso, de estar a dívida sujeita à atualização monetária, bem como o respectivo fundamento legal e o termo inicial para o cálculo;
VI - o processo administrativo ou outro expediente em que tenha sido apurado o débito;
VII - a comprovação da notificação para pagamento, nos casos em que exigida;
VIII - o demonstrativo de débito atualizado e individualizado para cada devedor.
Art. 6.o O Procurador-Geral da Fazenda Nacional e o Secretário da Receita Federal do Brasil, em suas respectivas áreas de competência, expedirão as instruções complementares ao disposto nesta Portaria, inclusive para autorizar a adoção de outras formas de cobrança extrajudicial, que poderão envolver débitos de qualquer montante, inscritos ou não em Dívida Ativa.
Art. 7.o Serão cancelados:
I - os débitos inscritos na Dívida Ativa da União, quando o valor consolidado remanescente for igual ou inferior a R$ 100,00 (cem reais);
II - os saldos de parcelamentos concedidos no âmbito da PGFN ou da RFB, cujos montantes não sejam superiores aos valores mínimos estipulados para recolhimento por meio de documentação de arrecadação.
Art. 8.o Fica revogada a Portaria MF n.o 49, de 1.o de abril de 2004.
Art. 9.o Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
O artigo 1.o inciso I, da respectiva Portaria, delimita um novo parâmetro fiscal para o não ajuizamento da execução, caso os valores envolvidos sejam iguais ou inferiores a R$ 20.000,00 (vinte mil reais); tal entendimento é transportado para o crime de descaminho, desde que os valores fraudados estejam adequados dentro destes parâmetros. Como dissemos, é extremamente recente este novo posicionamento da Fazenda Nacional.
Cabem aqui os ensinamentos de Cleber Masson sobre este assunto:
O princípio da insignificância também incide nos crimes contra a ordem tributária. Nesse contexto, em ação penal instaurada pela suposta prática do crime de descaminho (CP, art. 334), em decorrência do fato de haver o acusado iludido impostos devidos pela importação de mercadorias, os quais totalizariam o montante de R$ 5.118, 60 (cinco mil cento e dezoito reais e sessenta centavos), O Supremo Tribunal Federal reconheceu o cabimento do princípio da insignificância. Sustentou, no caso, que a Lei 10.522/2002, com redação da pela Lei 11.033/2004 [Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da união pela Procuradoria-geral da Fazenda Nacional ou por ele cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais)], leva à conclusão de inadmissibilidade ser uma conduta irrelevante no âmbito administrativo e simultaneamente típica no Direito Penal, que somente deve atuar quando extremamente necessário para a tutela do bem jurídico protegido, quando falharem os outros meios de proteção e não forem suficiente as tutelas estabelecidas nos demais ramos do Direito.[50]
Da mesma forma, como já foi dito, é farta a jurisprudência nos Tribunais Superiores sobre este assunto, ratificando posição majoritária da doutrina. Como exemplo deve ser mencionado o Haveas Corpus104407/DF - DISTRITO FEDERAL:
EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME DE DESCAMINHO (ART. 334 DO CP). TIPICIDADE.INSIGNIFICÂNCIA PENAL DA CONDUTA. TRIBUTO DEVIDO QUE NÃO ULTRAPASSA A SOMA DE R$ 3.339,00 (TRÊS MIL, TREZENTOS E TRINTA E NOVE REAIS). ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. ÓBICE DA SÚMULA 691/STF. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. O princípio dainsignificância opera como vetor interpretativo do tipo penal, que tem o objetivo de excluir da abrangência do Direito Criminal condutas provocadoras de ínfima lesão ao bem jurídico por ele tutelado. Tal forma de interpretação assume contornos de uma válida medida de política criminal, visando, para além de uma desnecessária carcerização, ao descongestionamento de uma Justiça Penal que deve ocupar-se apenas das infrações tão lesivas a bens jurídicos dessa ou daquela pessoa, quanto aos interesses societários em geral. 2. No caso, a relevância penal é de ser investigada a partir das coordenadas traçadas pela Lei 10.522/2002 (objeto de conversão da Medida Provisória 2.176-79). Lei que determina o arquivamento das execuções fiscais cujo valor consolidado for igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). Sendo certo que os autos de execução serão reativados somente quando os valores dos débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ultrapassarem esse valor. 3. Incidência do princípio da insignificância penal, segundo o qual, para que haja a incidência da norma incriminadora, não basta a mera adequação formal do fato empírico ao tipo. Necessário que esse fato empírico se contraponha, em substância, à conduta normativamente tipificada. É preciso que o agente passivo experimente efetivo desfalque em seu patrimônio, ora maior, ora menor, ora pequeno, mas sempre um real prejuízo material. Não, como no caso, a supressão de um tributo cujo reduzido valor pecuniário nem sequer justifica a obrigatória cobrança judicial. 4. Entendimento diverso implicaria a desnecessária mobilização de u'a máquina custosa, delicada e ao mesmo tempo complexa como é o aparato de poder em que o Judiciário consiste. Poder que não é de ser acionado para, afinal, não ter o que substancialmente tutelar. 5. Não há sentido lógico permitir que alguém seja processado, criminalmente, pela falta de recolhimento de um tributo que nem sequer se tem a certeza de que será cobrado no âmbito administrativo-tributário do Estado. Estado julgador que só é de lançar mão do direito penal para a tutela de bens jurídicos de cuja relevância não se tenha dúvida. 6. Jurisprudência pacífica de ambas as Turmas desta Casa de Justiça: RE 550.761, da relatoria do ministro Menezes Direito (Primeira Turma); RE 536.486, da relatoria da ministra Ellen Gracie (Segunda Turma); e HC 92.438, da relatoria do ministro Joaquim Barbosa (Segunda Turma). 7. Ordem concedida para restabelecer a sentença de Primeiro Grau. Decisão A Turma, por votação unânime, superando a restrição fundada na Sumula 691/STF, concedeu, de ofício, a ordem, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os Senhores Ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Presidiu, este julgamento, o Senhor Ministro Celso de Mello. 2.a Turma, 15.02.2011.[51]
O excepcional jurista Guilherme de Souza Nucci, quando comenta sobre o crime de descaminho em conjunto com o Princípio da Insignificância no seu manual de Direito Penal, faz as seguintes considerações sobre o tema:
[...] pode-se aplicar, nesse contexto, o princípio da insignificância. A introdução, no território nacional de mercadoria proibida, mas em quantidade ínfima, ou o não pagamento de pequena parcela do imposto devido configuram típicas infrações de bagatela, passíveis, conforme o caso, de punição fiscal, mas não penal. A competência é da Justiça Federal, pois o imposto ou direito a ser recolhido, como regra, destina-se à União, além de que, na maioria dos casos, ocorrer o delito em região alfandegária, cuja jurisdição é federal.[52]
O Superior Tribunal de Justiça, em consonância com a doutrina, e analisando as particularidades do princípio da insignificância concomitante com o delito de descaminho, apresenta posicionamento semelhante ao adotado no Supremo Tribunal Federal, e o agravo regimental no recurso especial 1284291/PR confirma esta afirmação:
Ementa. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROCESSO PENAL. CRIMINAL.
DESCAMINHO. QUANTUM INFERIOR A R$ 10.000,00. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. POSSIBILIDADE. ART. 20 DA LEI N.o 10.522/2002. SÚMULA 83/STJ.
1. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça entende aplicável o princípio da insignificância no crime de descaminho, quando o débito tributário não ultrapassar o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), consoante o disposto no art. 20 da Lei 10.522/2002. 2. No caso, o atual agravado foi denunciado pela prática, em tese, do crime de descaminho porque teria iludido R$ 9.369,09 (nove mil, trezentos e sessenta e nove reais e nove centavos) de imposto devido na importação irregular de mercadorias estrangeiras. 3. O Tribunal a quo, ao considerar que o tributo iludido não ultrapassou a importância de R$ 10.000,00 (dez mil reais), houve por bem trancar a ação penal. 4. A tese esposada pelo Tribunal Regional consolidou-se em reiterados julgados da Sexta Turma do STJ - Súmula 83/STJ. 5. Segundo julgados do Superior Tribunal de Justiça, inadequado o acréscimo de contribuições sociais para a configuração do descaminho, pois não há incidência de PIS e Cofins sobre a importação de bens estrangeiros que são objeto de pena de perdimento. 6. O agravo regimental não merece prosperar, porquanto as razões reunidas na insurgência são incapazes de infirmar o entendimento assentado na decisão agravada. 7. Agravo regimental improvido. Acórdão. Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. O Sr. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS) e a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Og Fernandes. Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.[53]
Luiz Regis Prado é enfático no seu posicionamento, quando apresenta seus argumentos sobre a aplicação do Princípio da Insignificância no crime de descaminho. Assim comenta o ilustre jurista:
Convém salientar, por oportuno, que, tratando-se do denominado "descaminho de bagatela", exclusivamente no caso em que a lesão ao fisco seja considerada de pequeno valor, não há obstáculos teóricos para propugnar a extensão por analogia a este tipo penal, da normativa atual que regula a Extinção da Punibilidade. Esse Posicionamento tem como resultado imediato, direcionar o sistema penal aos crimes que verdadeiramente ocasionem um sério prejuízo ao erário público e consequentemente à sociedade, refletindo diretamente sobre a máquina judiciária que dispensaria a instauração de centenas de ações penais.[54]
Novamente demonstramos que existe coerência sobre o assunto entre os Tribunais, conforme se depreende de um julgamento do Tribunal Regional Federal da 1.a Região referente a interposição de uma apelação criminal:
Processo: ACR 0003165-14.2001.4.01.3700/MA; APELAÇÃO CRIMINAL Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL TOURINHO NETO Revisor: JUIZ FEDERAL MURILO FERNANDES DE ALMEIDA (CONV.) Órgão Julgador: TERCEIRA TURMA Publicação: e-DJF1 p.890 de 11/11/2011 Data da Decisão: 24/10/2011 Decisão: A Turma, por maioria, vencido o Juiz Federal Murilo Fernandes de Almeida, negou provimento à apelação para manteve a absolvição da acusada. Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL. CONTRABANDO/DESCAMINHO. ART. 334 DO CP. PRINCÍPIO DAINSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. MERCADORIA APREENDIDA DE VALOR INEXPRESSIVO. R$ 5.601,96. LEI 10.522/02. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. 1. Não indicando o Ministério Público o quantum do imposto cujo pagamento o réu tentou frustrar e não havendo nos autos qualquer documento indicativo do valor do tributo devido pelo acusado, deve-se adotar o valor das mercadorias como critério de aplicabilidade do princípio dainsignificância, pois não cabe ao juiz buscar provas fora dos autos.
2. A Lei n.o 10.522/02, alterada pela Lei n.o 11.033/2004, estabeleceu, em seu art. 20, que somente serão executados os débitos inscritos na Dívida Ativa da União, pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). 3. Aplica-se o princípio da insignificância quando o crime de descaminho ou de contrabando, ou seja, a importação ou exportação de mercadoria proibida e a ilusão, no todo ou em parte, do pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria, abranja bem cujo valor seja inferior a R$ 10.000,00 (dez mil). 4. Apelação não provida.[55]
O Tribunal Regional Federal da 2ª Região apenas reforça a argumentação sobre a viabilidade da análise conjunta que deve ser feita, entre Princípio da Insignificância e Descaminho. A apelação criminal julgada por este Tribunal sobre o assunto é autoexplicativa:
Acórdão. Origem: TRF-2. Classe: ACR - APELAÇÃO CRIMINAL – 6984. Processo: 2004.51.01.490289-0 UF: RJ Orgão Julgador: SEGUNDA TURMA ESPECIALIZADA Data Decisão: 09/03/2010 Documento: TRF-200227824
Ementa. PENAL. PROCESSO PENAL. DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICANCIA. ART. 20 DA LEI N.o 10.522/2002. DESCONSIDERAÇÃO DE ASPECTOS SUBJETIVOS. 1. Exige-se para a aplicação do princípio da insignificância, a presença das seguintes hipóteses: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação realizada; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. A jurisprudência dominante do E. Supremo Tribunal Federal entende que deve ser aplicado o princípio da insignificânciaao crime de descaminho quando os delitos tributários não ultrapassem o limite de R$ 10 mil, adotando-se o disposto no art. 20 da Lei n.o 10.522/2002. 3. A conduta tipificada pelo crime de descaminho consiste em iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria, sendo o bem jurídico tutelado pela norma a administração pública, em seu interesse fiscal. Como no caso dos autos o valor das mercadorias apreendidas foram avaliadas em R$ 9.588,00 (nove mil, quinhentos e oitenta e oito reais), o tributo a ser pago sobre o valor das mesmas, logicamente, é inferior ao limite de dez mil reais, não havendo óbice à adoção do princípio da insignificância. 4. Para a incidência do princípio da insignificância só se consideram aspectos objetivos, referentes à infração praticada, assim, a mínima ofensividade da conduta do agente; a ausência de periculosidade social da ação; o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; a inexpressividade da lesão jurídica causada (HC 84.412, 2.a T, Celso de Mello, DJ 19.11.04). A caracterização da infração penal como insignificante não abarca consierações de ordem subjetiva: ou o ato apontado como delituoso é insignificante, ou não é. 5. Não há notícia de reiteração ou habitualidade no cometimento da mesma conduta criminosa,
sendo que a existência de outro processo em andamento não serve como fundamento para a inaplicabilidade do princípio da insignificância, em respeito aos princípios do estado democrático de direito, notadamente ao da presunção da inocência. 6. Apelação improvida.[56]
Os argumentos apresentados neste capítulo, tanto doutrinários como jurisprudenciais, buscaram demonstrar a aceitação da aplicação do princípio da insignificância no delito de descaminho.
Fator que adquire extrema relevância é o novo posicionamento adotado na Portaria n.o 75/2012 MF, que aumentou consideravelmente o quantum a ser considerado para os casos de execução fiscal, afastando a atuação da Fazenda Nacional para o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
Como existe uma ligação muito íntima neste caso entre a legislação tributária e o crime de descaminho, certamente serão construídas decisões jurisprudências com fundamento no art. 2.o Parágrafo único do Código Penal, ou seja, os condenados anteriormente por este delito, em que os valores fraudados se encontram entre R$ 10.000,00 (dez mil reais), e igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais) terão a benesse deste novo posicionamento.
Deixando mais nítida esta linha de pensamento, o artigo retromencionado, em especial o seu parágrafo único, diz:
Art. 2.o Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.
Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.[57]
A irretroatividade da lei penal não deve ser aplicada quando a nova lei favorecer o réu. Fuhrer apresenta os seguintes apontamentos sobre este aspecto:
O Brasil adotou o princípio da legalidade formal (irretroatividade) abrandada. A lei que, de qualquer forma, beneficiar o réu retroage e aplica-se aos fatos anteriores à sua vigência. São as hipóteses de nova lei que passa a considerar atípica a conduta do agente (abolitio criminis) e da nova lei mais benéfica (Lex mitior).[58]
Rogério Greco adota a mesma linha de pensamento quando expressa seus argumentos:
A novatio legis in mellius será sempre retroativa, sendo aplicada aos fatos ocorridos anteriormente à sua vigência, ainda que tenham sido decididos por sentença condenatória já transitada em julgado. Se, por exemplo, surgir uma lei nova reduzindo a pena mínima de determinada infração penal, deve aquela que foi aplicada ao agente ser reduzida a fim de atender aos novos limites, mesmo que a sentença que o condenou já tenha transitado em julgado. Só não terá aplicação a lei nova, no exemplo fornecido, se o agente já tiver cumprido a e pena que lhe fora imposta.[59]
As fundamentações apresentadas devem ser transportadas do âmbito tributário, com a fixação desses novos parâmetros, e assimiladas dentro da seara penal, de modo a ratificar os princípios que regem o Direito Penal, como o de subsidiariedade, fragmentariedade, ultima ratio, já explorados anteriormente.
O presente trabalho em primeiro plano buscou relatar, de forma extremamente sucinta, o desenvolvimento do Direito Penal num contexto histórico, seu grau de adaptabilidade e adequação em paralelo com o próprio crescimento da sociedade, junto com as transformações a que está submetida.
Esse seu caráter flexível possibilita a assimilação de novas tendências e ideias que refletem os anseios sociais, e a aplicação do princípio da insignificância no delito de descaminho é prova real desta afirmação.
O capítulo primeiro fez uma contextualização do conceito de princípio de modo genérico, bem como a interpretação que deve ser dada dentro de uma leitura sob a égide constitucional. Por meio dos princípios é que será dado o direcionamento para aplicação das leis e dos demais normativos jurídicos.
Neste mesmo capítulo foi apresentado o princípio da insignificância ou bagatela, um breve relato sobre o seu surgimento, bem como os requisitos necessários para sua aplicabilidade. Da mesma forma foram apresentados alguns princípios penais correlatos.
Em síntese, os princípios não podem ser interpretados isoladamente; por isso, em diversas ocasiões haverá uma comunhão entre dois ou mais princípios que fundamentaram a decisão a ser tomada de modo mais coerente e sólido.
O capítulo segundo tratou especificamente do crime de descaminho, suas principais características, as diferenças existentes com o crime de contrabando, uma vez que ambos estão no caput do mesmo artigo 334, as formas equiparadas e os casos de aumento de pena.
O capitulo terceiro reuniu as informações da parte introdutória, capítulo primeiro e segundo, de modo a inserir a aplicação dos princípios e mais especificamente o princípio da insignificância no delito de descaminho.
Ratificam-se, assim, as informações introdutórias sobre a adaptabilidade e adequação que existe no Direito Penal, em conformidade com os anseios da sociedade que se encontra em constante transformação.
Basicamente neste último capítulo foram apresentadas posições doutrinárias e jurisprudenciais que corroboram o nosso entendimento, que sim, é extremamente possível a aplicação do princípio da insignificância no delito de descaminho, desde que estejam presentes os requisitos necessários para sua configuração.
A pesquisa foi toda pautada em obras de doutrinadores renomados, com extensa experiência na seara constitucional, processual e penal, da mesma forma, em ampla investigação jurisprudencial nos diversos Tribunais pátrios.
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
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BRASIL. Lei n.o 10.522, de 19 de julho de 2002. Dispõe sobre o Cadastro Informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidades federais e dá outras providências. DOU, Brasília, 22 jul. 2002. Disponível em:
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JURISPRUDÊNCIAS
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STF, Habeas Corpus n.o 100942/PR, Primeira Turma, Rel. Ministro Luiz Fux, julgado em 09 de setembro de 2011.
STF, Habeas Corpus n.o 104407/DF, Segunda Turma, Rel. Ministro Ayres Brito, julgado em 15 de fevereiro de 2011.
STF, Habeas Corpus n.o 96852/PR, Segunda Turma, Rel. Ministro Joaquim Barbosa, julgado em 01 de fevereiro de 2011.
STF, Habeas Corpus n.o 96412/SP, Primeira Turma, Rel. Ministro Marco Aurélio, julgado em 06 de outubro de 2010.
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STF, Habeas Corpus n.o 84412/SP, Segunda Turma, Rel. Ministro Celso de Mello, julgado em 18 de outubro de 2004.
STF, Ag. Reg. No Agravo de Instrumento n.o 580458/RS, Segunda Turma, Rel. Ministro Joaquim Barbosa, julgado em 14 de setembro de 2010.
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STF, Habeas Corpus n.o 103243/GO, Primeira Turma, Rel. Ministro Ayres Britto, julgado em 29 de junho de 2010.
STF, Habeas Corpus n.o 100177/PR, Primeira Turma, Rel. Ministro Ayres Britto, julgado em 22 de junho de 2010.
Superior Tribunal de Justiça
STJ, AgRg no REsp 1284291/PR – Agravo Regimental no Recurso Especial 2011/0237398-7, Sexta Turma, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, julgado em 17 de novembro de 2011.
STJ, AgRg no REsp 1264796/PR – Agravo Regimental no Recurso Especial 2011/0156030-2, Sexta Turma, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, julgado em 17 de novembro de 2011.
STJ, AgRg no REsp 1263299/PR – Agravo Regimental no Recurso Especial 2011/0156999-8, Sexta Turma, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, julgado em 17 de novembro de 2011.
STJ, AgRg no REsp 1124116/RS – Agravo Regimental no Recurso Especial 2009/0099148-4, Sexta Turma, Rel. Ministro Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 11 de outubro de 2011.
STJ, AgRg no REsp 1121317/RS – Agravo Regimental no Recurso Especial 2009/0096980-7, Quinta Turma, Rel. Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), julgado em 04 de outubro de 2011.
STJ, AgRg no REsp 1125386/SC – Agravo Regimental no Recurso Especial 2009/0117363-3, Sexta Turma, Rel. Ministro Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 20 de setembro de 2011.
STJ, AgRg no REsp 1202274/PR – Agravo Regimental no Recurso Especial 2010/0137190-7, Quinta Turma, Rel. Ministro Laurita Vaz, julgado em 15 de setembro de 2011.
STJ, AgRg no REsp 1226745/PR – Agravo Regimental no Recurso Especial 2011/0003637-5, Sexta Turma, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, julgado em 01 de setembro de 2011.
STJ, AgRg no REsp 1212972/SC – Agravo Regimental no Recurso Especial 2010/0178533-2, Sexta Turma, Rel. Ministro Celso Limongi (desembargador convocado do TJ/SP), julgado em 10 de maio de 2011.
STJ, AgRg no REsp 1181536/PR – Agravo Regimental no Recurso Especial 2010/0029970-3, Quinta Turma, Rel. Ministro Jorge Mussi, julgado em 05 de maio de 2011.
Tribunal Regional Federal da 1.a Região
TRF 1.a Região, Apelação Criminal nr. 0000865-59.2008.4.01.3304/BA, Terceira Turma, Rel. Desembargador Federal Tourinho Neto, julgado em 27 de outubro de 2011.
TRF 1.a Região, Apelação Criminal nr. 0003165-14.2001.4.01.3700/MA, Terceira Turma, Rel. Desembargador Federal Tourinho Neto, julgado em 24 de outubro de 2011.
TRF 1.a Região, Habeas Corpus nr. 0022034-18.2011.4.01.0000/MG, Quarta Turma, Rel. Desembargador Federal I’talo Fioravante Sabo Mendes, julgado em 18 de outubro de 2011.
Tribunal Regional Federal da 2.a Região
TRF 2.a Região, Apelação Criminal nr. 2004.51.01.490289-0/RJ, Segunda Turma Especializada, Rel. Desembargadora Liliane Roriz, julgado em 15 de março de 2010.
TRF 2.a Região, Apelação Criminal nr. 2006.50.03.000126-0/RJ, Primeira Turma Especializada, Rel. Juiz Federal Convocado Vigdor Teitel, julgado em 18 de agosto de 2010.
Tribunal Regional Federal da 3.a Região
TRF 3.a Região, Recurso em sentido estrito nr. 0001830-27.2008.4.03.6002/MS, Primeiro Turma, Rel. Desembargadora Federal Vesna Kolmar, julgado em 10 de janeiro de 2012.
TRF 3.a Região, Recurso em sentido estrito nr. 0009813-44.2009.4.03.6102/SP, Primeiro Turma, Rel. Desembargadora Federal Vesna Kolmar, julgado em 10 de janeiro de 2012.
TRF 3.a Região, Recurso em sentido estrito nr. 0009125-49.2003.4.03.6181/SP, Primeiro Turma, Rel. Desembargadora Federal Vesna Kolmar, julgado em 10 de janeiro de 2012.
TRF 3.a Região, Apelação criminal nr. 0000530-31.2008.4.03.6005/MS, Segunda Turma, Rel. Desembargador Federal Henrique Herkenhoff, julgado em 13 de abril de 2010.
TRF 3.a Região, Apelação criminal nr. 0012139-66.2003.4.03.6108/SP, Segunda Turma, Rel. Desembargador Federal Henrique Herkenhoff, julgado em 13 de abril de 2010.
Tribunal Regional Federal da 4.a Região
TRF 4.a Região, Apelação criminal nr. 0002956-05.2008.404.7002/PR, Oitava Turma, Rel. José Paulo Baltazar Junior, julgado em 11 de janeiro de 2012.
TRF 4.a Região, Recurso em Sentido Estrito nr. 0000943-75.2009.404.7106/RS, Oitava Turma, Rel. José Paulo Baltazar Junior, julgado em 11 de janeiro de 2012.
TRF 4.a Região, Recurso em Sentido Estrito nr. 5006112-42.2010.404.7002/PR, Oitava Turma, Rel. Paulo Afonso Brum Vaz, julgado em 14 de dezembro de 2011.
Tribunal Regional Federal da 5.a Região
TRF 5.a Região, Apelação Criminal nr. 200683000131510/PE, Primeira Turma, Rel. Desembargadora Federal Cíntia Menezes Brunetta (convocada), julgado em 22 de setembro de 2011.
TRF 5.a Região, Apelação Criminal nr. 2009983020007817/PE, Terceira Turma, Rel. Desembargador Federal Frederico Pinto de Azevedo (convocado), julgado em 26 de maio de 2011.
TRF 5.a Região, Recurso em Sentido Estrigo nr. 00004815820104058302/PE, Primeira Turma, Rel. Desembargador Federal José Maria Lucena, julgado em 18 de novembro de 2010.
[1] História. [Do Gr.. historía, pelo lat. Historia.] S. f. 1. Narração metódica dos fatos notáveis ocorridos na vida dos povos, em partícular, e na vida da humanidade, em geral. 2. Conjunto de conhecimentos adquiridos através da tradição e/ou por meio dos documentos, relativos à evolução, ao passado da humanidade. 3. Ciência e método que permitem adquirir e transmitir aqueles conhecimentos. 4. O conjunto das obras referentes à história. 5. Conjunto de conhecimentos relativos a esta ciência, ou que têm implicações com ela. (FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 2.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p.901).
[2] Mesopotâmia: região situada entre os rios Tigre e Eufrates, e que hoje corresponde ao Iraque, ao leste da Síria e ao sudeste da Turquia. Várias civilizações antigas se desenvolveram nessa região. (ENCICLOPÉDIA Delta Universal. Rio de Janeiro: Delta, 1980. v.10. p.5245).
[3] MASSON, Cleber. Direito penal: parte geral. 5.ed. São Paulo: Método, 2011. p.53.
[4] SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal: parte geral. 2.ed. Rio de Janeiro: ICPC; Lumen Juris, 2007. p.4.
[5] DIVERSOS Autores. Exame da OAB: compêndio preparatório para a primeira fase do exame da Ordem dos Advogados do Brasil. 2.ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010. p.532.
[6] ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. 8.ed. São Paulo: Atlas, 2006. p.42.
[7] CALDEIRA, Adriano. Direito processual civil. 2.ed. São Paulo: Barros, Fischer & Associados, 2005. p.40.
[8] ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo, p.44.
[9] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 24.ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p.932-933.
[10] BESTER, Gisela Maria. Direito constitucional: fundamentos teóricos. São Paulo: Manole, 2005. p.270.
[11] CALDEIRA, Adriano. Direito processual civil, p.40.
[12] BESTER, , Gisela Maria. Op. cit., p.270-271.
[13] ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo, p.43.
[14] CALDEIRA, Adriano. Direito processual civil, p.41.
[15] ÁVILA, 2003 apud DIVERSOS Autores. Exame da OAB..., p.31.
[16] SILVA, Ivan Luiz. Princípio da insignificância no direito penal. Curitiba: Juruá, 2006. p.74.
[17] GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p.72.
[18] Em Roma o poder político era exercido por dois cônsules, de forma conjunta. Não havia até então função legislativa específica, pois um cônsul exercia o poder executivo (mediante os chamados atos de governo) e o outro, a magistratura. Os cônsules nomeavam espécies de ministros, denominados questores, censores, e os pretores, estes encarregados da administração da justiça. Existiam pretores urbanos (que distribuíam a justiça na cidade) e os pretores peregrinos, que exerciam a função entre aqueles que não residiam em Roma. (MOMMSEN, Theodor. História de Roma. Rio de Janeiro: Delta, 1973. p.69).
[19] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 16.ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p.51.
[20] ROXIN, Claus. Política criminal y sistema del derecho penal. Tradução de Francisco Muñoz Conde. Barcelona: Bosch, 1972. p.53.
[21] GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 12.ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010. p.2.
[22] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5.ed. 16. tiragem. São Paulo: Saraiva, 2011. p.133.
[23] GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral, p.3.
[24] JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte geral. 24.ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p.10.
[25] QUEIROZ, Paulo. Direito penal: parte geral. 7.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p.59.
[26] GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral, p.152.
[27] MASSON, Cleber. Direito penal..., p.244.
[28] MASSON, Cleber. Direito penal..., p.23.
[29] MORAES, Geovane; CAPOBIANCO, Rodrigo Julio. Direito penal. 6.ed. São Paulo: Método, 2009. p.23.
[30] MASSON, Cleber. Op. cit., p.31.
[31] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nr. 100942/PR. Primeira Turma, Relator: Ministro Luiz Fux, 09/08/2011.
[32] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, p.43.
[33] QUEIROZ, Paulo. Direito penal.., p.37.
[34] MASSON, Cleber. Direito penal..., p.41.
[35] PRADO, Luiz Regis. Direito penal econômico. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.311.
[36] DIVERSOS Autores. Exame da OAB..., p.684.
[37] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 7.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.1063.
[38] MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 16.ed. São Paulo: Atlas, 2001. p.385.
[39] FUHRER, Maximiliano Roberto Ernesto; FUHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Código penal: comentado. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p.333-334.
[40] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal, p.1063-1064.
[41] PRADO, Luiz Regis. Direito penal econômico, p.314.
[42] NUCCI, Guilherme de Souza. Op. cit., p.1065.
[43] JESUS, Damásio E. de. Código penal anotado. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p.987.
[44] MIRABETE, , Julio Fabbrini. Manual de direito penal, p.387.
[45] PRADO, Luiz Regis. Direito penal econômico, p.317.
[46] FUHRER, Maximiliano Roberto Ernesto; FUHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Código penal..., p.334.
[47] FUHRER, Maximiliano Roberto Ernesto; FUHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Código penal..., p.334.
[48] PRADO, Luiz Regis. Direito penal econômico, p.320.
[49] MORAES, Geovane; CAPOBIANCO, Rodrigo Julio. Direito penal, p.261.
[50] MASSON, Cleber. Direito penal..., p.27-28.
[51] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n.o 104407/DF. Segunda Turma, Relator: Ministro Ayres Britto, 05/12/2011.
[52] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal, p.1065.
[53] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental n.o 1284291/PR. Sexta Turma, Relator Ministro Sebastião Reis Junior, 17/11/2011.
[54] PRADO, Luiz Regis. Direito penal econômico, op. cit. p.321.
[55] BRASIL. Tribunal Regional Federal. 1.a Região. Apelação Criminal n.o 0003165-14.2001.4.01.3700/MA. Terceira Turma, Relator: Desembargador federal Tourinho Neto, 24/10/2011.
[56] BRASIL. Tribunal Regional Federal 2.a Região. Apelação Criminal n.o 2004.51.01.490289-0/RJ. Segunda Turma, Relator: Desembargadora federal Liliane Roriz, 09/03/2010.
[58] FUHRER, Maximiliano Roberto Ernesto; FUHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Código penal..., p.20.
[59] GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral, p.104.
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