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Resumo:
O presente artigo trata da alteração provocada na Lei das Eleições pela entrada em vigor da Lei nº 12034/2009, que fez com que o eleitor tivesse que portar dois documentos na hora do voto e da necessidade ou não de documento com foto para votar.
Texto enviado ao JurisWay em 12/10/2012.
Última edição/atualização em 17/10/2012.
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A CONTROVERTIDA NECESSIDADE DE PORTAR DOCUMENTO COM FOTO NO DIA DA ELEIÇÃO PARA QUE O ELEITOR POSSA EXERCER O DIREITO AO VOTO
Torricelli dos Santos Medeiros¹
“Fraude se prova em concreto, e não se presume, sob pena de inaugurar o Direito Eleitoral do Inimigo.”
Thales Tácito Cerqueira e Camila Albuquerque Cerqueira
RESUMO:
O presente artigo trata da alteração provocada na Lei das Eleições pela entrada em vigor da Lei nº 12034/2009, que fez com que o eleitor tivesse que portar dois documentos na hora do voto, que seriam um oficial com foto além do título de eleitor. Tratando também da ADI 4467 impetrada pelo PT contra a inexigibilidade do duplo documento. E, sobretudo, falando da necessidade ou não da exigibilidade de documento com foto para votar.
PALAVRAS – CHAVE: Documento com foto; Direito Universal ao voto; Posição do STF.
ABSTRACT:
This article deals with the change brought about in the election Law for the entry into force of law No. 12034/2009, which meant that the elector had to carry two documents at the time of the vote, which would be an official with photo beyond the title of elector. In the case of ADI 4467 filed by PT against the non-requirement of the double document. And, above all, talking about the need or not of the enforceability of document with photo to vote.
KEY WORDS: Document with photo; Universal right to vote; Position of the SUPREME COURT.
1. LEI QUE INSTITUIU A NECESSIDADE DO DOCUMENTO COM FOTO PARA VOTAR
A lei nº 12034/2009 que alterou em parte a Lei das Eleições, instituiu o art. 91-A, que traz a seguinte redação: “No momento da votação, além da exibição do respectivo título, o eleitor deverá apresentar documento de identificação com fotografia”.
A norma que vigorou pela primeira vez nas eleições para presidência da república realizadas em 2010, foi amplamente divulgada nos meios de comunicação, gerando uma maior informação do eleitor. Só que tudo que estava certo, passou a ser contestado, em uma ADI proposta pelo Partido dos Trabalhadores no dia 24 de setembro daquele ano, poucos dias antes das eleições.
Julgada em pedido de liminar no dia 30 de setembro daquele mesmo ano, o STF decidiu interpretar o artigo de acordo com a Constituição, que não era bem o pedido do PT. Com a decisão por oito votos a dois, a favor da relatora Ellen Gracie, que deu voto no sentido da necessidade apenas da apresentação de documento com foto, sem a obrigatoriedade da apresentação do título de eleitor, o pleito daquele ano ficaria marcado pela dúvida do eleitor poucos dias antes das eleições.
2. QUE DOCUMENTOS ERAM EXIGIDOAS ANTES DESTA LEI
Para votar antes da alteração provocada pela Lei nº 12034/2009, era preciso apenas a apresentação do título de eleitor, sendo que possíveis dúvidas sobre a identidade dos votantes poderiam ser esclarecidas com uma entrevista realizada pelo Presidente da Mesa receptora de votos.
Inclusive, a própria falta do título de eleitor não era impeditiva do voto, pois os cadernos das mesas de votação contem a identificação e número do título de cada eleitor apto a votar em cada seção.
Desta forma pregava e ainda prega o art. 146 do Código Eleitoral e também o art. 147:
“Art. 146. Observar-se-á na votação o seguinte:
III - admitido a penetrar no recinto da mesa, segundo a ordem numérica das senhas, o eleitor apresentará ao presidente seu título, o qual poderá ser examinado por fiscal ou delegado de partido, entregando, no mesmo ato, a senha;
VI - o eleitor será admitido a votar, ainda que deixe de exibir no ato da votação o seu título, desde que seja inscrito na seção e conste da respectiva pasta a sua folha individual de votação; nesse caso, a prova de ter votado será feita mediante certidão que obterá posteriormente, no juízo competente;
Art. 147. O presidente da mesa dispensará especial atenção à identidade de cada eleitor admitido a votar. Existindo dúvida a respeito, deverá exigir-lhe a exibição da respectiva carteira, e, na falta desta, interrogá-lo sobre os dados constantes do título, ou da folha individual de votação, confrontando a assinatura do mesmo com a feita na sua presença pelo eleitor, e mencionando na ata a dúvida suscitada.”
Levando em consideração estas recomendações, o próprio código eleitoral dá a entender que a dúvida sobre a identidade do eleitor é exceção, devendo ser demonstrada de maneira concreta, sem meras presunções ou impugnações pelo devido capricho dos membros da seção eleitoral.
3. ADI 4467 DE AUTORIA DO PARTIDO DOS TRABALHADORES
Inconformado com a determinação dada pelo acréscimo do art.91-A na Lei das Eleições, o PT propôs a ADI de número 4467, pedindo a inconstitucionalidade deste artigo, questionando a exigência do duplo documento.
Segundo o pedido do partido, a medida de exigir dois documentos seria mera burocracia que atrapalharia o direito ao voto, cerceando legalmente o direito político do cidadão, e transformando sua universalidade numa nova forma de voto censitário.
Mas o próprio partido ao mencionar que muitos eleitores pobres possuem apenas o título de eleitor, e muitas vezes nenhum documento com foto, apenas tendo a certidão de nascimento ou casamento, não pregoou pela utilização apenas do título para o eleitor exercer seu direito ao voto, ao contrário, o pedido versava pela necessidade apenas da identidade.
Isso para evitar possíveis fraudes e não deixar qualquer dúvida sobre a identidade do eleitor. Citando inclusiva a Resolução nº 21632 do TSE, que teve como Relator o Min. Fernando Neves, que proibia a apresentação de certidão de nascimento ou casamento como identificação do eleitor, sendo possíveis dúvidas esclarecidas com o documento com foto, sendo obrigação do Estado facilitar a emissão destes para o eleitor.
O grande argumento do PT é que baseado nesta resolução, a interpretação a ser dada é de garantir a segurança do processo seguro de identificação, sendo desnecessária a dupla prova da condição civil e eleitoral do eleitor.
Em suma, o pedido do partido era a inconstitucionalidade da necessidade da apresentação do título junto ao documento de identificação com foto, sendo necessário para eles, apenas a necessidade de documento que prove a identidade do eleitor, que seria um oficial com foto.
Julgado cautelarmente pelo STF, a decisão foi a de não declarar o caput do art.91-A da Lei das Eleições inconstitucional, sendo lhe dada interpretação de acordo com a Constituição Federal, ficando decidido que só obstaria o eleitor de votar a falta de apresentação de documento com foto, mas que permaneceria sendo o eleitor obrigado a apresentar os dois documentos, o com foto e o título.
Na prática o pedido do PT foi aceito, mas a inconstitucionalidade do artigo não foi decretada. Sendo que apenas a ausência do título, não impede o eleitor de votar.
4. NATUREZA DO TÍTULO DE ELEITOR NA ELEIÇÃO ELETRÔNICA
Estabelece o art. 46, § 5º, do Código Eleitoral que o título de eleitor servirá de prova de que o eleitor está inscrito na seção eleitoral que deve votar. Sendo na opinião do PT no pedido da ADI 4467, uma mera prova de inscrição na seção eleitoral. O que de certa forma é verdade, pois se não serve para votar independente de outro documento, e não prova nada, além de comprovar a seção eleitoral, ele se tornou uma formalidade praticamente em desuso na atualidade.
Ainda mais na época das urnas eletrônicas e da instauração da votação biométrica, que só permite votar o eleitor que estiver cadastrado na urna. Aí sim, quando pensamos que o título não serve mais para nada, ele traz uma serventia, caso o eleitor não esteja cadastrado do caderno de votação, mas se estiver cadastrado na urna, ele pode votar, mas para isso, ele precisa portar seu título de eleitor, ou, apenas o número deste documento, que de importante antigamente, vale de pouca coisa hoje em dia.
5. OPINIÃO ACERCA DA NECESSIDADE DO DOCUMENTO COM FOTO
Como pudemos observar até agora, hoje pouca importância resta ao título de eleitor, se pensarmos pela ótica da decisão do STF em exigir a obrigatoriedade do documento com foto para votar, sendo que a falta do título, não é empecilho para voto do eleitor.
Mas a interpretação dada ao STF à norma estabelecida pelo art. 91-A da Lei das Eleições é completamente sem cabimento para este autor, pois faz com que se crie uma dúvida presumida acerca da identidade de todos os eleitores, deixando de lado a presunção que a dúvida é exceção nestas situações, pois cerceia o direito ao voto conquistado as duras penas pelo povo brasileiro.
Desta forma, a exigência do documento com foto, só seria necessária se houvesse dúvida razoável sobre a identidade de quem estivesse a votar, e se Presidente e Mesários, junto com os fiscais das coligações, concordassem, é possivelmente cabível o voto deste eleitor que não porte este documento. Desde que devidamente registrado na ata das eleições.
O objetivo desta norma não era o de impedir o voto dos eleitores que não portem este documento, mas sim o de fazer com que o Estado, através dos seus governantes, que sempre procuram a reeleição, quando possível, é claro, facilitasse e aumentasse a oferta da emissão de certos documentos, o que favorecia grande parte da população carente do país, o que diga-se de passagem, não é pouca.
Assim, com todos portando documentos devidamente, qualquer dúvida sobre a identidade de cada eleitor poderia ser afastada, mas no momento em que temos vários índios que não tem esta documentação e pessoas que por algum motivo perderam seus documentos ou, se quer, alguma vez chegaram a possuí-los, tratar a apresentação do documento com foto como uma obrigatoriedade é restringir o direito ao voto de grande parte da população, indo contra os princípios constitucionais mais importantes, como o do voto universal e da soberania popular.
Complementando ainda mais, temos que com esta obrigatoriedade, a dúvida se tornou regra, e o eleitor honesto exceção. Para corroborar com entendimento do autor desde artigo, vamos ao posicionamento de dois autores eleitorais que tem um dos livros mais vendidos da matéria no Brasil na atualidade, que são Thales Tácito Cerqueira e Camila Albuquerque Cerqueira, que na pág. 220 de seu livro dizem:
“Sustentamos que o eleitor pode, sim, votar sem o documento com foto, SALVO SE HOUVER DÚVIDA CONCRETA, e não presumida, nos termos do CE (art. 147 do CE c/c 146, IV, do mesmo diploma). Mas sendo aceito pelo Presidente da Mesa (com ou sem auxílio do Juiz Eleitoral – sem auxílio, cabe recurso oral no dia da eleição), deve registrar em ata que votou sem o título, sem o documento com foto, ou sem ambos. Portanto, prevenir fraude é uma coisa, impedir de votar por ‘presumir fraudes’ é outra. Fraude se prova em concreto, e não se presume, sob pena de inaugurar o Direito Eleitoral do Inimigo.”
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Levando em conta que o posicionamento do STF não foi o mais acertado e com base no direito ao voto com o mínimo de obstáculos, e ainda corroborado com o entendimento dos autores supracitados, temos que para o exercício do direito ao voto, o porte de documento com foto só seria necessário em dúvida concreta sobre a identidade do eleitor.
Mas por determinação legal e por desconhecimento do caráter da norma, muitos juízes e servidores dos cartórios eleitorais recomendam não deixar de maneira alguma o eleitor votar sem este documento, o que deixa os mesários e presidentes de seção numa tremenda saia justa, não podendo às vezes, por pressões exercidas sobre eles permitir o eleitor votar sem o documento com foto. Sendo que os que permitem, são muitas vezes mal compreendidos e quase sempre contestados.
Afinal para que serve a ata das eleições, que é preenchida pelos secretários, se não para notificar casos como estes, em que o eleitor, sem o documento com foto, desde que sem nenhuma dúvida sobre sua identidade, foi lhe dado o direito de votar, por não incidir qualquer suspeita em concreto sobre ele.
É um caso em o STF poderia repensar sua decisão.
7. REFERÊNCIAS
CERQUEIRA, Thales Tácito. CERQUEIRA, Camila Albuquerque. Direito Eleitoral Esquematizado. – 2. Ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012.
NEGRÃO, Luiz Alexandre Kikuchi; IDE, Milena Hatsumi. Para votar basta o documento com foto. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2648, 1out.2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/17534>. Acesso em: 12 out. 2012.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Apenas ausência de documento oficial com foto pode impedir eleitor de votar, decide STF. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/vernoticiadetalhe.asp?idconteudo=162887>. Acesso em: 12 out. 2012.
BRASIL. Lei nº 4737, de 15 de julho de 1965. Institui o Código Eleitoral. Publicada no Diário Oficial da União de 19-7-1965.
BRASIL. Lei nº 9504, de 30 de setembro de 1997. Estabelece normas para as eleições. Publicada no Diário Oficial da União de 1º - 10 – 1997.
BRASIL. Lei nº 12034, de 29 de setembro de 2009. Altera as Leis n.9096, de 19 de setembro de 1995 – Lei dos Partidos Políticos, 9504, de 30 de setembro de 1997, que estabelece normas para as eleições, e 4737, de 15 de julho de 1965 – Código Eleitoral. Publicada no Diário Oficial da União de 30-9-2009.
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