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Texto enviado ao JurisWay em 22/10/2008.
Última edição/atualização em 17/07/2009.
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Teoria do adimplemento substancial e Boa-fé objetiva – Necessária exegese conjunta dos institutos.
1- NOÇÕES INTRODUTÓRIAS
Como intróito, pode-se infirmar que a teoria do adimplemento substancial é proveniente do direito inglês que possui suas origens arraigadas no commom law.
Sendo assim, o primeiro questionamento que nos inquieta é: como tal teoria fora importada para um ordenamento jurídico fundamentalmente erigido sob o civil law e sua estreita ligação com a teoria da boa-fé objetiva?
Neste norte, mister se faz estabelecer o que vem a ser adimplemento substancial. Assim, recorre-se ao conteúdo semântico das palavras, e, o primeiro vocábulo segundo o dicionário eletrônico Houaiss significa: “ato, processo ou efeito de adimplir; cumprimento de uma obrigação”; enquanto substancial é “o que é considerado grande; considerável, avultado, vultoso”.
Sendo assim, unindo os dois significados e adaptando-os para o direito, culminamos com o cumprimento de uma obrigação (em seu componente objetivo ou material qual seja: a prestação) em nível considerável, grande ou vultoso. Ou seja, deve haver o pagamento, ao menos, na sua quase integralidade.
Desta feita, podemos exemplificar que em um contrato de seguro no qual o segurado vem pagando regularmente 10 de 12 parcelas do prêmio nas quais se obrigou, e no décimo mês venha a ocorrer um sinistro em seu automóvel, resta a indagação: poderá ele utilizar do seguro ou a seguradora escusando-se da responsabilidade valer-se-á do art. 763 do Código Civil?
Nas linhas seguintes restará estabelecido o liame entre a teoria do adimplemento substancial e a boa-fé objetiva, para conjuntamente, ao menos tentarem, solucionar a questão.
2 – teoria da boa-fé objetiva e deveres acessórios da conduta
Insta salientar neste tópico que a boa-fé objetiva é a viga mestra, o caminho seguro que deve ser perseguido em todas as relações negociais, inclusive como mandamentos do Código Civil e Código de Defesa do Consumidor. Este é o enunciado 167 da III Jornada de Direito Civil a saber:
167 – Com o advento do Código Civil de 2002, houve forte aproximação principiológica entre esse Código e o de Defesa do Consumidor, no que respeita à regulação contratual, uma vez que ambos são incorporadores de uma nova teoria geral dos contratos
Ademais, necessário se faz infirmar que o princípio da boa-fé objetiva está positivado no Código Civil, eis alguns exemplos:
Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
Como paradigma no Código de Defesa do Consumidor podemos elencar, até como um dos vetores interpretativos e executórios do referido diploma, o art. 4º, III, senão vejamos:
Art. 4º - A Política Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
III- harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (artigo 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; (grifamos)
A doutrina portuguesa denomina tal princípio como deveres acessórios da conduta. Inclusive, para o autor luso Menezes Cordeiro são deveres acessórios:
a) os deveres in contrahendo, impostos aos contraentes durante as negociações que antecedem o contrato, revelados pelos deveres de proteção, de esclarecimento e de lealdade; b)deveres de eficácia protetora a terceiros; c) deveres post pactum finitum, que subsistiram após a extinção da relação obrigacional; d) deveres que subsistem na nulidade.
Tais deveres adequados a nossa realidade, civil law, nada mais correspondem do que aos mandamentos espraiados pela boa-fé, que significam, entre outros sentidos principiológicos a transparência, lealdade, cooperação, informação, honestidade, lealdade entre outros.
Não podemos nos olvidar, nesta senda, também do venire contra factum proprium (ninguém pode agir em contradição a condutas anteriores), tu quoque (veda-se dois pesos e duas medidas), supressio (o fenômeno da supressão de determinadas faculdades jurídicas pelo decurso do tempo) e o surrecio (surgimento de uma prática de usos e costumes locais).
Não constitui demasia assinalar que o eminente Miguel Reale, na exposição de motivos do Novo Código Civil, elencou como uma das bases da ordem civilista o princípio da eticidade que está guardando perfeita similitude, por sua vez, com a boa-fé.
Explicitado isto, passa-se a conjugar ambos institutos a fim de, ao menos tentarmos, culminar em uma solução para as questões cotidianas que envolvem a seara civil.
3 – NECESSÁRIA CONJUGAÇÃO DE AMBOS INSTITUTOS – APLICAÇÃO PRÁTICA
Nesta senda urge mencionar, conforme explicitado anteriormente, o que deve ocorrer no caso do segurado que vem pagando, sem atraso nenhuma das doze parcelas as quais se obrigou, inobstante no momento em que no décimo segundo mês, ocorre um sinistro no seu veículo, sendo que justamente a última parcela ainda não havia sido quitada.
Neste exemplo hipotético, o segurado, de boa-fé, tem o direito de receber o que foi acordado contratualmente, haja vista que adimpliu substancialmente sua obrigação, honrando o negócio jurídico quase que na sua integralidade, não podendo a seguradora negar a indenização.
Desta feita, não se pode chancelar a interpretação literal do art. 763 do Código Civil e aniquilar os institutos civilistas já urdidos, sob pena, esquivando-se de uma interpretação sistemática, cometer equívocos que fogem do bom senso, razoabilidade e da hermenêutica.
No mesmo sentido, insta colacionar julgado do Superior Tribunal de Justiça, da Lavra do Ministro em uma questão que envolvia alienação fiduciária e restava tão somente a ultima prestação do veículo a ser adimplida, senão vejamos:
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. Busca e apreensão. Falta da última prestação. Adimplemento substancial. O cumprimento do contrato de financiamento, com a falta apenas da última prestação, não autoriza o credor a lançar mão da ação de busca e apreensão, em lugar da cobrança da parcela faltante. O adimplemento substancial do contrato pelo devedor não autoriza ao credor a propositura de ação para a extinção do contrato, salvo se demonstrada a perda do interesse na continuidade da execução, que não é o caso. Na espécie, ainda houve a consignação judicial do valor da última parcela.
Não atende à exigência da boa-fé objetiva a atitude do credor que desconhece esses fatos e promove a busca e apreensão, com pedido liminar de reintegração de posse. Recurso não conhecido. (RESP 272739/MG, in DJU de 02/04/2001, p. 299, Relator Min. RUY ROSADO DE AGUIAR).
Outrossim este também é o entendimento dos Tribunais de Justiça do Distrito Federal e do Rio Grande do Norte, a saber:
PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. ARRENDAMENTO MERCANTIL. FALTA DE PAGAMENTO DE APENAS 03 PARCELAS DAS 36 CONTRATADAS. APLICAÇÃO DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. DEVE O AUTOR EXIGIR O CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE FORMA MENOS GRAVOSA AO ARRENDATÁRIO.
1 – Na linha dos precedentes desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça, a falta do pagamento de parcela mínima do financiamento atrai a aplicação da teoria do adimplemento substancial, vez que a parcela não paga não induz o desequilíbrio entre as partes e representa parcela ínfima do objeto contratual, devendo o autor buscar forma diversa para exigir o cumprimento da obrigação, que não seja tão gravosa quanto a devolução do bem.
2 – Apelo improvido, por maioria. (TJDFT – 4ª Turma Cível, Apelação nº 2004.01.1025119-0, Relator Des. CRUZ MACEDO, julgado em 09/05/2005). (grifos acrescidos).
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL À PRESTAÇÃO. INADIMPLEMENTO. PEDIDO DE RESCISÃO DO CONTRATO E REINTEGRAÇÃO NA POSSE DO BEM. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO
(APELAÇÃO CÍVEL N° 2006.002779-8 - NATAL/RN
Apelante: FBF EMPREENDIMENTOS LTDA Advogados: Ricardo José Maia Marques e outro Apelado: SONHO DE CRIANÇA BUFFET INFANTIL LTDA Advogado: Idácio Lima da Silva
Relatora: Desembargadora CÉLIA SMITH)
Logo, ante o esposado e os julgados insertos, não resta outra interpretação que aquela privilegiadora da conjugação da boa-fé objetiva e eticidade em uma banda, e, na outra a substancialidade do adimplemento das prestações.
Ademais, impende ressaltar que os princípios elencados devem ser observados pelas partes, seja na fase preliminar ou após a execução do contrato, conforme enunciado 170 da III Jornada de Direito Civil, ou seja, a eticidade deve ser um fundamento incrustado em todos os momentos da obrigação.
4 – SÍNTESE CONCLUSIVA
Tendo em conta os argumentos expostos, há que se reconhecer a estreita e necessária ligação entre a boa-fé objetiva e o adimplemento substancial das obrigações, sendo forma – se preenchidos ambos requisitos no caso concreto – de utilizar o direito como meio de pacificação social e principalmente fazer valer outros vetores tão importantes, porém nem sempre colocados em prática: bom senso, razoabilidade e proporcionalidade entre fins almejados pela norma civil e os meios de alcançá-la.
Fernando Augusto Chacha de Rezende. Advogado. Especialista
CORDEIRO, Antônio Manuel da Rocha Menezes. Da boa-fé no direito civil. Coimbra: Alameda, 1997, p. 603
Art. 422: A boa-fé objetiva deve ser observada pelas partes na fase de negociações preliminares e após a execução do contrato, quando tal exigência decorrer da natureza do contrato.
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