DOCUMENTÁRIO JUSTIÇA
Da Jurisdição Alienada à Justiça de Papel
Karla Santiago Silva
Acadêmica do 4º semestre em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO), MBA Marketing pela Universidade Salvador (UNIFACS), Bacharel em Comunicação Social – Relações Públicas (UNIFACS). Artigo desenvolvido em abril de 2003. E-mail: karlaspader@gmail.com.
1. CREDENCIAIS E OBJETIVOS DA AUTORIA
O documentário Justiça, da cineasta Maria Augusta Ramos, retrata de forma particular, a rotina do Judiciário e do sistema prisional brasileiro, que, através de imagens imperativas, revelam ao telespectador o retrato frio e cruel da realidade carcerária e processual do nosso sistema penal.
Neste universo, são focados aqueles que de algum modo, direta e indiretamente, compõe o arcabouço da Jurisdição do Brasil, mais precisamente, a jurisdição do Rio de Janeiro. Deste modo, os personagens trazidos pelo filme são as pessoas que trabalham diariamente com o poder judiciário, como promotores, defensores públicos, juízes, e aqueles que estão apenas de passagem, como os réus e seus familiares.
Justiça[1] foi lançado em 2004,recebeu o Prêmio de Melhor Filme no Festival Internacional de Documentário – ´Visions du Réel´em Nyon, Suiça, 2004 – e o Prêmio "La Vague d'Or" de Melhor Filme, no Festival Internacional de Cinema Feminino de Bordeaux, na França.
Maria Augusta Ramos[2], que atualmente vive na Holanda, nasceu em Brasília, em 1964, onde se graduou em música pela Universidade de Brasília. Mudou-se para Europa, onde continuou seus estudos no Groupe de Recherche Musicale, em Paris. Logo depois, estudou em Londres na City University. E na Holanda ingressou na The Netherlands Film and Television Academy, especializando-se em direção e edição.
No caminhar da carreira, participou de vários festivais internacionais, chegando a ganhar o prêmio mais importante do cinema holandês.
2. INTRODUÇÃO
Antes mesmo de iniciar as filmagens, a diretora conta que passou dois meses entrevistando possíveis personagens e conhecendo o cotidiano do Fórum Central. Maria Augusta Ramos, narra em entrevista no próprio documentário que quando fez sua seleção, abdicou de entrevistas diretas, narração em off, trilha sonora ou outros elementos que pudessem interferir no que é mostrado.
“(...) que colocou sua câmera como se fosse mira telescópica e atirou, certeira, no coração do problema. Com visão aguçada pela tranqüilidade em que vive na Europa, a cineasta mergulhou na vida dos principais personagens envolvidos nos delitos, desde a sua prática até o julgamento: o réu e sua família, a polícia, o promotor, o defensor público e o juiz; suas vidas cruzadas pelos aspectos humanos e a diferença das funções que cabe a cada um e a todos na sociedade.”[3]
A edição, em vários, momentos é marcada por oposições, como acontece na seqüência que salta do plano das paredes marmorizadas do Palácio da Justiça para o enfoque sobre as celas superlotadas da Casa de Custódia da Polinter.
No filme, Maria Augusta acompanha um pouco mais de perto uma defensora pública, um juiz que também é professor do curso de Direito e um réu. Primeiro, a câmera os flagra no tribunal de justiça; depois, fora dele, já na carceragem da Polinter e, em seguida, na intimidade de suas famílias. Este jogo imperativo de imagens é, segundo a própria cineasta, o prisma pelo qual objetiva traspassar o documentário:
“Em geral nosso olhar é formado pela visão do cinema americano, os ‘filmes de tribunal'. Justiça , sob esse aspecto, é um choque de realidade. O filme traz à tona um universo institucional extremamente fechado e que raras vezes é tratado pelo cinema ficcional brasileiro”.[4]
Justiça é um documentário da realidade do sistema judiciário, em especial da primeira instância do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
3.0 CONCLUSÃO E APRECIAÇÃO CRÍTICA
3.1 Da Jurisdição Alienada à Justiça de Papel
O documentário trás à tona várias lacunas existentes no Poder Judiciário: desde o retrato estereotipado do criminoso, passando pelas mazelas de um país que viveu o descaso de governos corruptos, até as vísceras mais profundas do caos, que é o sistema jurídico-carcerário.
Em
Justiça, as imagens se tornam pertinentes a cada cena. De tal modo, que num lapso de lembrança, retorno ao Contrato Social de
Rousseau[5]Como explicar a legitimidade do jus puniendi? quando diz que "O homem nasceu livre e por toda a parte encontra-se a ferros". É neste momento, que se aperta o pause do controle remoto e congela-se a imagem do DVD, porque a indagação é latejante:
Cezar Roberto Bitencourt
[6] ensina que, oDireito Penal, surge para proteger bens jurídicos, delimitando as condutas proibitivas e garantindo que não haja uma ultra-soberania do Estado sobre seus tutelados. Logo, se entendi o Direito Penal como a garantia de ordem social, e que sem ele, a sociedade teria seus os princípios basilares e fundamentais infectados pela barbárie.
Todavia, Direito Penal e liberdade são inversamente proporcionais: à medida que um cresce, o outro diminui. Assim, o pensamento contratualista significa conhecer alguns fundamentos do Direito Penal e do Estado de Direito que estão intimamente relacionados.
Corolário ao entendimento doutrinário, o Poder Judiciário retratado pelo filme faz astanhar a poeira acumulada no volume constante de processos, impulsiona a mensurar o baixo número de magistrados em face à alta burocratização do judiciário e, não obstante, provoca um
brado bárbaroshakespeariano: de que tudo isso contribui para o abarrotamento do sistema prisional, tornando
“o homem lobo de si mesmo”[7].
Neste caminhar, o Poder Judiciário deverá ser extinto, já que é a causa das doenças do Brasil? – é a primeira impressão que se tem devido à morosidade com que os depoimentos, os fatos e as decisões são narrados nas cenas do filme. Mas num segundo momento, o espectador é estimulado também a lembrar que o federalismo brasileiro se originou de forma centrífuga – de dentro para fora – e três são os poderes que respondem por esta nação.
Deste modo, é passível da responsabilidade o Poder Executivo e o Poder Legislativo pelos problemas levantados pelo documentário. Até porque, uma vez que autônomos e harmoniosos entre si, estes poderes podem construir novas cadeias, penitenciárias, estudar possibilidades e criar penas alternativas que possibilitem ao encarcerado um pouco mais de dignidade.
Mas é sabido que a solução não está centrada nas melhorias dos sistemas prisionais, somente. De modo tripartite, também é possível ampliar condições de trabalho, financiar a modernização, celerizar e informatizar o próprio Judiciário, para que, os operadores do Direito, não sejam estereotipados como: os alienados que operam uma Justiça de Papel.
5.0 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal – parte 1, capitulo I, 13ºed. Ed. Saraiva, São Paulo: 2008.
SITE OFICIAL. Documentário Justiça, retirado do endereço eletrônico: http://www.justicaofilme.com/, às 14:32, em 27 de maio de 2008.
[1] Ficha Técnica:Título Original: Justiça; Gênero: Documentário; Tempo de Duração: 100 minutos; Direção e Roteiro: Maria Augusta Ramos; Produção: Luís Vidal, Niek Koppen, Jan de Ruiter e Renée Van der Grinten; Fotografia: Flávio Zangrandi; Desenho de Produção: Martha Ferraris; Edição: Virgínia Flores, Maria Augusta Ramos e Joana Collier. Elenco: Carlos Eduardo, Elma Lusitano, Alan Wagner, Geraldo Luiz Mascarenhas Prado, Fátima Maria Clemente e Maria Ignez Kato.
[2] Informações da cineasta que foram retiradas do Site Oficial do Documentário Justiça, no endereço eletrônico: http://www.justicaofilme.com/, às 14:32, em 27 de maio de 2008.
[3] Retirado do site: http://www.criticos.com.br/new/quem_somos/quem_somos.asp, ás 16:20, em 27 de maio de 2008 – citado pelo critico Marcelo Moutinho.
[4] Comentário da cineasta sobre os objetivos e enquadramento de câmera em entrevista no próprio documentário, DVD n.02.
[5] ROUSSEAU, Jean Jacques. Do contrato social. Livro I, Caps. IV e VII e Livro II, Cap. IV.
[6] Cezar Roberto Bitencourt, em Tratado de Direito Penal – parte 1, capitulo I.
[7] ROUSSEAU, Jean Jacques. Do contrato social. Livro I, Caps. IV e VII e Livro II, Cap. IV.