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Resumo:
O presente artigo buscar analisar c crime de estupro vulnerável em relação ao sujeito ativo do delito e sua relação com a pedofilia relacionando o fato típico com o desvio sexual com base em uma análise que mescla o Direito Penal com a Medicina Legal
Texto enviado ao JurisWay em 09/03/2011.
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Marta Xavier de Lima Gouvêa
Defensora Pública do Estado de Minas Gerais. Professora universitária. Pós- graduada em Direito Civil e Direito Processual Civil. Mestranda em Direito Penal e Criminologia.
A mídia vem usando o termo pedofilia indiscriminadamente sem o discernimento de que no nosso ordenamento jurídico um fato para ser considerado típico deve estar previsto em lei e ainda não existe tipificação legal da pedofilia.
A Lei 12.015/09 remodelou os delitos contra os costumes que passaram a ser intitulados como “Crimes contra a dignidade sexual” tipificando um novo tipo penal denominado estupro de vulnerável in verbis:
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze anos):
Pena- reclusão, de oito (oito) a 15 (quinze) anos.
Com o novo tipo penal sob o nomem criminis de Estupro contra vulnerável procurou proteger a pessoa menor de 14 anos, entendida como aquela que não tem o discernimento necessário para a prática do ato, ou para oferecer resistência, portanto, são consideradas vulneráveis as pessoas menores de 14 anos e deixando de ser a presunção da violência ou a grave ameaça elementares do crime, não existindo a forma culposa, exigindo-se além do dolo, a voluntariedade, aí incluindo o conhecimento da condição de vulnerabilidade do ofendido. No dizer de Estefam “o desconhecimento acerca desta condição torna atípica a conduta por força do art. 20, caput, do Código Penal, in verbis:
Art. 20. O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.
No presente estudo não nos interessa o sujeito passivo do crime e as possíveis construções jurisprudenciais acerca da vulnerabilidade presumida ser caracterizada como júris tantum ou jure et de jure e sim o sujeito ativo do crime enquanto portador de uma psicossexualidade anômala na forma do desvio sexual denominado pedofilia. No dizer de Croce e Croce Júnior “o instinto sexual na natureza humana é expressão designativa da ação orgânica reflexa neuropsíquica, desencadeada por automatismos profundos filogenéticos, objetivando, primordialmente, a perpetuação da espécie e, secundariamente, nos seres mais evoluídos da escala zoológica, a satisfação da posse carnal”. Daí a manifestação mental do instinto sexual é a libido, que se caracteriza como uma forma de energia psíquica especificamente associada à vontade sexual. É sabido que o sexo mal orientado pode provocar desajustes, desvios de conduta capazes de provocar variadas frustrações e muitas das vezes levar o indivíduo ao cometimento de crimes, já que os desvios sexuais muitas das vezes são expressões de outras enfermidades mentais, ou apenas fundamentadas no transtorno do instinto e na confusão da definição inata do sentimento ético.
Conforme Croce “o aparecimento dos desvios sexuais pode ser determinado por situações ambientais como formas de reações, e também, por circunstâncias tóxicas (alcoolismo, entorpecentes), fisiológicos (puberdade e menopausa) ou patológicos (demência senil, paralisia geral progressiva, arteriosclerose generalizada)”. Quando ouvimos a palavra pedofilia nos meios de comunicação, pensamos se a pedofilia está sendo encarada em seu conceito médico legal ou está se buscando construir um conceito novo, em busca de forçar o legislador a tipificação de um desvio sexual como fato típico, já que para a medicina legal a pedofilia é considerada como sexualidade anômala, um desvio sexual, que tem como característica modificações qualitativas e quantitativas do instinto sexual no que concerne ao seu objeto e finalidade do ato sexual e que tem profundas raízes no desenvolvimento psicossexual do ser humano.
Para uma compreensão melhor acerca do tema é necessário conhecer sobre o desenvolvimento da psicossexualidade no ser humano, já que tal desenvolvimento é paulatino procede-se por fases desde o início da vida extrauterina. Com o nascimento a criança independente do sexo inicia a fase regida pelo “princípio do prazer” que faz com que busque realizar tudo que lhe possa causar satisfação, ao mesmo tempo que se afasta de tudo que lhe cause aborrecimento, frustração ou infelicidade. Passando por essa fase a criança substitui o “princípio do prazer” pelo “princípio da realidade” sendo que este último leva a criança a adiar a realização de sua satisfação momentânea visando gerar a estima e a aceitação na comunidade. Croce analisou didaticamente o desenvolvimento sexual do ser humano e agrupou em três grandes períodos, a saber:
1º - Pré-genital (compreende os seis primeiros anos de vida extrauterina) dividido em três fases: oral, anal e fálica.
2º - Latência (se estende dos sete aos doze anos);
3º - Genital (abrange a faixa etária dos onze ou doze anos até a idade adulta).
A criança durante a fase oral que dura aproximadamente dezoito meses tem prazer em mamar, chupar os dedos, utilizando os lábios e as gengivas como uma primeira zona erógena. Durante os doze a trinta e seis meses de vida a criança passa pela fase anal, na qual o prazer consiste em reter as fezes e urina inclusive brincando com as excretas. Após os doze meses a criança passa a ter certo controle sobre os esfíncteres troca o “princípio do prazer” pelo “princípio da realidade” de forma a iniciar a sua adaptação a sociedade.
Dos três aos seis anos a criança passa pela fase fálica, manipulando as zonas erógenas, o menino sente inclinação afetiva pela mãe, rivalizando e hostilizando o pai, mas admirando-lhe a figura masculina é o chamado “complexo da castração” já que manipula os órgãos sexuais teme a mutilação destes e para aliviar a “ansiedade de castração” reprime a hostilidade pelo progenitor procurando identificar-se com este, assumindo a sua função masculina no grupo social. A menina por sua vez descobre a diferença entre seus órgãos genitais e o do menino sente-se castrada, responsabilizando a mãe pela castração, voltando-se para o pai que lhe inspira inveja por não possuir falo e tal processo é chamado de “protesto viril” de Adler, que no dizer de Croce “cria a situação de “romance familiar” em que a menina ama e admira o pai, tomando-o como padrão masculino ou rejeitando-o como esse modelo na adolescência”.
Durante o desenvolvimento psicossexual se a criança for educada em atmofesra hostil e sem amor, aprende a dissimular seus desejos e opiniões muitas das vezes por temor ou desaprovação dos próprios pais, buscando a aceitação aprende a levar uma vida artificial, desagradável, muitas vezes neurótica, o que gera conflito psíquico que a princípio é inconsciente, mas com o passar do tempo se manifesta por depressão, sintomas físicos, distúrbios da psicossexualidade. Sabemos que toda atividade sexual da criança é desenvolvida na fase pré-genital, se a libido, por interferências de barreiras pisicológicas criadas externamente, fixar-se numa destas fases, ou se o indivíduo a uma delas retorna na idade adulta, diz- se ter ocorrido uma fixação da libido que pode gerar na idade adulta um desvio sexual que tem origem na fixação ou regressão a níveis infantis de sexualidade.
No período da latência inicia-se a solução do “Complexo de Édipo” surgindo, outras manifestações da atividade sexual que naturalmente serão controladas pelo recalque e pela educação familiar ou social. Ocorrem manifestações mixoscopistas (desvio sexual caracterizado pelo prazer erótico despertado pela atitude de observar, espiar pessoas se despindo, ou nuas, ou praticando atos libidinosos, ou mantendo relações sexuais) e exibicionismo, sendo correto afirmar que nesta fase tais manifestações não podem ser confundidas com desvios sexuais.
No período genital surgem os caracteres sexuais secundários, é o momento da transição da infância para a fase adulta surgindo o amor próprio e o prazer inconsciente pela dor que se equilibram de modo que um não predomine sobre o outro e nem iniba permanentemente o impulso sexual gerando o masoquismo.
Com esse breve estudo sobre o desenvolvimento da psicossexualidade humana devemos agora portadores deste instrumental teórico nos ater a tentar entender a tênue linha que separa o criminoso daquele que por possuir um desvio sexual derivado de sua psicossexualidade anômala é incapaz de entender o caráter ilícito do fato nos detendo na famosa modalidade denominada pedofilia.
A pergunta que não quer calar “quem faz sexo com criança responde por estupro de vulnerável e deve cumprir pena ou deve ser visto como um portador de um desvio sexual devendo ser submetido a tratamento?” Em primeiro lugar cumpre conceituar o que é pedofilia- desvio sexual caracterizado pela atração por crianças ou adolescentes sexualmente imaturos, com os quais os portadores dão vazão ao erotismo pela prática de obscenidades ou de atos libidinosos – a pedofilia é o regresso do indivíduo adulto a curiosidade sexual e ao comportamento de exploração da criança. No dizer de Croce “uma intensa ansiedade de castração, promotora de incapacidade de assumir uma relação heterossexual normal, afasta o pedófilo do parceiro sexual adulto”. A pedofilia tanto pode se manifestar por relações heterossexuais quanto homossexuais dependendo no caso concreto do sexo da vítima, já a prática sexual por homens e menores com faixa etária entre 10 e 16 anos é conhecida por hebefilia sendo que os hebéfilos são indivíduos com características de violadores e com distúrbios de juízo , tanto a pedofilia quanto a hebefilia são modalidades de desvio sexual que necessitam de tratamento psicanalítico ou psicoterápico com orientação analítica. Ao analisar a personalidade do pedófilo revelam como traço comum sentimento de inferioridade e baixa autoestima, são pessoas isoladas e solitárias, observa-se imaturidade emocional bem como dificuldade para se relacionar com pessoas de sua idade ou maduras, sinais de raiva e hostilidade e apresentam outros transtornos mentais associados. A literatura psiquiátrica forense nos traz igualmente como causas da pedofilia fatores ambientais sociais e psicológicos, bem como abuso sexual durante a infância e quando se trata da pedofilia incestuosa o alcoolismo é traço comum entre eles.
É necessário que se faça uma avaliação rigorosa daqueles que se encontram classificados como “pedófilos” pela mídia, já que do ponto de vista psiquiátrico- forense a pedofilia é considerada uma perturbação da saúde mental e conseqüente semi imputabilidade nos moldes do parágrafo único do artigo 26 do Código Penal, in verbis :
Art. 26 (...)
Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação da saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
A perícia médico-legal deve detectar se a pedofilia está relacionada ao alcoolismo, demência senil ou psicose, nestes casos estaremos diante de um quadro de inimputabilidade previsto no art. 26 caput do Código Penal, in verbis:
Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Concluímos que a comunidade jurídica não pode simplesmente fechar os olhos para os casos de abuso sexual cometidos contra criança ou adolescente e juntar-se ao coro dos que clamam por linchamento e privação da liberdade sem uma análise do caso concreto, visto que, se continuarmos acompanhando o coro da multidão desinformada, não conseguiremos erradicar o problema que constitui um fator medo no seio da nação brasileira que teme pelo seu bem mais precioso, ou seja, nossas crianças e adolescentes, já o pedófilo que não for submetido a uma perícia séria e sem preconceitos será submetido a uma pena privativa de liberdade e com o tempo de prisão cumprido voltará às ruas tão ou mais doentes de que quando entrou no sistema carcerário e nós continuaremos a expor as nossas crianças, devemos ser razoáveis e entender que diante do caso concreto, por mais asco que sentirmos, como já ocorre em países como EUA e Canadá, necessário se faz a perícia médico- legal e diante do resultado seja o pedófilo submetido à medida de segurança detentiva ou restritiva, por tempo indeterminado , passando por tratamento farmacológico consistente na castração química e de psicoterapia cognitivo-comportamental , visto que, o tratamento atuará como forma de prevenção social, já que é desnecessário ter o título de psiquiatra para diagnosticar como comportamento anormal um adulto que se relaciona sexualmente com crianças , urge que busquemos a história do desenvolvimento psicossexual do indivíduo , para buscar as causas desse desvio sexual que tanto choca a população quando vem a público e precipuamente buscar proteger nossas crianças para que não se transformem em pedófilos de amanhã.
REFERÊNCIAS:
CROCE, CROCE JÚNIOR. Delton. Manual de Medicina Legal. São Paulo: Saraiva, 2010.
ESTEFAM, André. Direito Penal: Parte Especial. São Paulo: Saraiva, 2011.
MOSCATELLO, Roberto. Artigo: Pedofilia é doença passível de inimputabilidade – disponível no IPEB – Instituto Paulista de Estudos Bioéticos e Jurídicos. 2010.
Comentários e Opiniões
1) Ronald (05/04/2011 às 23:40:59) Parabéns, Dra. Marta Como sempre, é muito bom ler os seus artigos, pois através deles sempre estou a ampliar meus conhecimentos. Conhecimento é tudo em nossa vida, a partir dele chegaremos onde nós almejamos. Realmente, é bom lembrar que antes de se posicionar perante a um fato ocorrido, primeiramente devemos conhecer do que se trata e, não deixar ser influenciado por terceiros (mídia). 10 com louvor. | |
2) Wendel (10/04/2011 às 01:03:06) Parabéns, Marta. É motivo de muito orgulho conhecer alguém que tenha acumulado tanto conhecimento assim e que tenha o dom de ensinar com tanta naturalidade, sendo tão jovem. Todos nós que estamos começando a trilhar o caminho do Direito temos uma imensa sorte em poder contar com você. Obrigado. Você é um mega-espetáculo. Wendel. | |
3) Ethieny (07/09/2011 às 13:47:38) Tive a oportunidade de assitir uma grande palestra, ministrada pela Dra. Marta, sobre o grande tema abordado, e agora o imenso prazer de ler seu artigo. É assustador, como alguém que não tem ideia do fato típico e que desconhece o pedófilo como doente, divulgam nos noticiários que o mesmo tem que ser condenado, não relatando a realidade, que o pedófilo é doente e precisa de ajuda, para tal recuperação. Parabéns Professora e Amiga, sem você, realmente, não seríamos nada!!! | |
4) Paulo (25/09/2013 às 08:33:04) Há um mal uso da palavra pedofilia. Pedofilia é a atração sexual primária por pré-púberes, ou seja, em geral garotas com menos de 9-10 anos e garotos com menos de 10-11 anos. Uma palavra melhor para designar a prática sexual seria pedossexualismo. | |
5) Maria (21/03/2014 às 13:51:55) Me sinto honrada em tê-la como minha professora e principalmente como orientadora. Amei demais esse artigo, sou completamente apaixonada por esse tema. Parabéns Doutora, você é um verdadeiro espetáculo! Nanda | |
6) Renata (30/09/2016 às 14:56:11) Um grande artigo, Prof.Dra.Marta. Me sinto lisonjeada em tê-la como Professora. O sistemático comportamento do pedófilo requer uma amplitude de estudos de artigos tão bons como esse! Parabéns!!! | |
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