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A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO - CONSIDERAÇÕES SOBRE A NECESSIDADE DA RATIFICAÇÃO DA CONVENÇÃO 158 DA OIT


Autoria:

Eduardo De Oliveira Campos


Eduardo de Oliveira Campos, analista judiciário do TRT da 15ª Região, na função de auxiliar de desembargador, professor universitário (UFG), especialista em Direito Privado pela FESURV/GO, graduado em Direito pela PUC/GO.

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Texto enviado ao JurisWay em 12/01/2011.



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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS

MESTRADO EM DIREITO E RELAÇÕES INTERNACIONAIS

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO – CONSIDERAÇÕES SOBRE A NECESSIDADE DA RATIFICAÇÃO DA CONVENÇÃO 158 DA OIT

 

 

 

 

 

 

Autor: EDUARDO DE OLIVEIRA CAMPOS

 

Artigo apresentado ao Mestrado em Direito e Relações Internacionais, como exigência para aprovação na disciplina “Contratos”, ministrada pelo Professor Dr. Luiz Carlos Falconi

 

 

 

 

 

 

GOIÂNIA – GOIÁS

2009

A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO – CONSIDERAÇÕES SOBRE A NECESSIDADE DA RATIFICAÇÃO DA CONVENÇÃO 158 DA OIT[1]

 

Eduardo de Oliveira Campos[2]

 

RESUMO

 

            O presente artigo trata da questão da função social do contrato individual de trabalho – pacto de natureza civil que consubstancia a relação de emprego –, tema ainda pouco explorado pela doutrina. Para melhor análise do assunto abordado, fez-se uso da pesquisa bibliográfica, por meio de doutrinas correlatas ao tema, o que deu à técnica empregada um caráter explicativo, mas ao mesmo tempo exploratório. Com relação ao método de pesquisa, utilizou-se o dedutivo, partindo-se de premissas maiores para se chegar a conclusões mais específicas. O objetivo do mesmo é mostrar, com base em estudo da natureza jurídica da do contrato de trabalho e dos princípios que norteiam o Direito do Trabalho, que a dignidade da pessoa humana, fundamento da Constituição, é onde reside a função social do pacto laboral, argumentando-se, para se chegar a tal conclusão, que o fim maior que o homem busca, pelo emprego, em sua existência, é o bem-estar e condições dignas de vida. Ao final, faz-se um breve comentário acerca da necessidade da ratificação, pelo Brasil, da Convenção n. 158 da Organização Internacional do Trabalho – OIT.

 

PALAVRAS-CHAVE: dignidade da pessoa humana, contrato individual de trabalho, função social, continuidade no emprego.

 

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

 

            A Constituição Federal da República de 1988 apregoa, em seu art. 5º, XXIII, que “a propriedade atenderá a sua função social”. Além disso, o Código Civil vigente impõe como norma de ordem pública, em seu art. 421, que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.

            Percebe-se que tanto o legislador constituinte, quanto o infraconstitucional, se preocupam com a idéia de função social para contratos e propriedade. Não se quer aqui dizer que contrato e propriedade são expressões ou institutos sinônimos, mas bastante similares. Especialmente no tocante à finalidade social a que se destinam.

            Emprestando palavras sábias do mestre SILVIO RODRIGUES[3]:

 

Quando me pergunto qual seria a função social do contrato, vejo no preceito, como fonte inspiradora, a idéia de função social da propriedade, mencionada no item XXIII o art. 5º da Constituição de 1988 e a que se referia o art. 160, III, da Constituição de 1969.

(...)

Parece-me que o legislador de 2002 quis divorciar a idéia do contrato daquela de liberalismo exagerado, que decerto inspirou o seu colega de 1916. Para este, segundo opinião muito difundida, a liberdade de contratar se apresentava como praticamente ilimitada, pois dizer contratual significava dizer justo, uma vez que o contrato derivava da vontade livre e consciente de pessoa capaz; não poderia esbarrar, assim, em outras limitações que não preceito de ordem pública.

 

            Por seu turno, JONES FIGUEIREDO ALVES, citado por WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO[4], ensina que:

 

A função social do contrato acentua a diretriz de sociabilidade do direito, de que nos fala, percucientemente, o eminente Professor Miguel Reale, como princípio a ser observado pelo intérprete na aplicação dos contratos. Por identidade dialética guarda intimidade com o princípio da função social da propriedade previsto na Constituição Federal.

 

            Como se vê, não é difícil concluir que até mesmo os mais célebres civilistas de nossa literatura jurídica não conseguem definir ao certo o que seria função social, especialmente dos contratos.

            O termo função social é amplo, aberto, e parece ser esse mesmo o intuito do constituinte – não defini-lo, nem delimitá-lo; o que propicia, ao certo, uma margem de interpretação maior pelo aplicador do direito, ao se discutir qual seria finalidade ou tarefa no campo social de um instituto tão particular e individualista, que é o contrato.

            Neste trabalho procurar-se-á se ater a um tipo de contrato em especial, analisando sua natureza jurídica e seus princípios, para se chegar a uma conclusão da sua função social – o contrato individual de trabalho.

 

2. O CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO

 

            Pode estar se perguntando o leitor o porquê de se estar aqui fazendo uma análise no campo do Direito Civil acerca do contrato de trabalho, quando este último consubstancia uma relação de emprego, portanto, objeto do Direito do Trabalho.

            Mostrar-se-á, contudo, que o Direito do Trabalho tem natureza de direito privado, o que o aproxima muito da linha civilista; mas, acima de tudo, restará abordado que a presente discussão transcende à da natureza jurídica do contrato de trabalho, repousando ao final em tema maior: os fundamentos constitucionais.

 

2.1 Das origens e da natureza jurídica do Direito do Trabalho

 

            O Direito do Trabalho tem suas origens fundadas na Revolução Industrial, movimento burguês que transformou a idéia de produção, com base na máquina a vapor, substituindo as manufaturas então existentes no século XVIII[5].

            Naquele quadro, via-se que uma das molas propulsoras da industrialização da produção residia na figura do operário. Todavia, ao mesmo tempo em que se desenvolvia a indústria, passava-se por um processo de “coisificação” do trabalhador, quando este nada mais era do que uma das peças que fazia funcionar a grande máquina.

            As péssimas condições de trabalho, a concentração do proletariado nos grandes centros, a exploração de um capitalismo egocêntrico, os falsos postulados da liberdade de comércio, indústria e trabalho – refletidos no campo jurídico na “liberdade de contratar” –, o largo emprego das chamadas “meias-forças” – o trabalho da mulher e do menor –, a idéia então vigorante do não-intervencionismo estatal, entre outras premissas, fizeram com que surgisse uma “consciência de classe”, o mais relevante fenômeno para a institucionalização jurídica do Direito do Trabalho.

            A ação direta do proletariado no quadro das condições adversas que lhe criou a Revolução Industrial foi, pois, o fator principal para a formação histórica do Direito do Trabalho; em primeiro lugar, a nível coletivo, para depois se estender ao campo das relações individuais.

            OCTAVIO BUENO MAGANO[6] define com precisão o Direito do Trabalho:

 

Direito do Trabalho é o conjunto de princípios, normas e instituições, aplicáveis à relação de trabalho e situações equiparáveis, tendo em vista a melhoria da condição social do trabalhador, através de medidas protetoras e das modificações das estruturas sociais.

           

            Muito se discutiu, desde a sua formação, qual seria a natureza jurídica do Direito do Trabalho. A sua noção de intervencionismo estatal nas relações particulares, impondo-se normas de ordem pública a uma relação entre indivíduos parecia lhe dar um caráter de Direito Público. Por outro lado, o fato de as partes terem liberdade de pactuar entre si os meios e os modos em que se configuraria a relação de emprego lhe daria uma conotação de Direito Privado.

            MAURICIO GODINHO DELGADO[7] retrata bem que a melhor classificação quanto à natureza jurídica do Direito do Trabalho repousa na teoria do Direito Privado, e explica:

 

É que a natureza jurídica de qualquer ramo do Direito não se mede em função da imperatividade ou dispositividade de suas regras componentes. Se tal critério fosse decisivo, o Direito de Família, formado notadamente por regras imperativas, jamais seria ramo componente do Direito Civil.

 

            E conclui:

 

Enfocada a substância nuclear do Direito do Trabalho (relação de emprego) e seu cotejo comparativo com a substância dos demais ramos jurídicos existentes, não há como escapar-se da conclusão de que o ramo justrabalhista situa-se no quadro componente do Direito Privado. À medida que a categoria nuclear do Direito do Trabalho é essencialmente uma relação entre particulares (a relação empregatícia), esse ramo jurídico, por sua essência, situa-se no grupo dos ramos do Direito Privado.

           

            Convém ponderar que o Direito do Trabalho, mesmo tendo natureza de Direito Privado, na medida em que foi evoluindo como ramo autônomo do Direito, fez refletir, no seu co-irmão Direito Civil, uma necessidade de se “frear” a liberdade de contratar, buscando-se relativizar a discrepância de força os contratantes, assim como o fizeram também o Direito Agrário e depois o Direito do Consumidor.

            Isto é, por inspiração justrabalhista, jus-agrarista e jus-consumerista, o Direito Civil ganhou princípios, no novel Código de 2002, os quais refletem uma notória supremacia do interesse público, estampados na função social, da probidade e da boa-fé presentes nos contratos.

 

2.2 O Princípio da Proteção no Direito do Trabalho

 

            O Direito do Trabalho tem por objeto a regulação do trabalho humano, repousam as suas bases na proteção e na promoção da dignidade da pessoa humana, nomeadamente o trabalhador, ligando-se umbilicalmente ao Direito Constitucional, que tem o mesmo objetivo precípuo.

            Os princípios tendem a incorporar as diretrizes centrais da própria noção do Direito, ou as diretrizes centrais do conjunto dos sistemas jurídicos contemporâneos ocidentais. Tendem a ser, portanto, princípios que se irradiam por todos os seguimentos da ordem jurídica, cumprindo o relevante papel de assegurar organicidade e coerência integrada à totalidade do universo normativo de uma sociedade política.

            Princípios, para MIGUEL REALE[8]:

 

São verdades fundantes de um sistema de conhecimentos, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis.

 

            Observe-se que os princípios têm uma tríplice função. Primeira, a função interpretativa, da qual é um elemento de apóio. Segunda, a função de elaboração do direito do trabalho, já que auxiliam o legislador. Terceira, a função de aplicação do direito, na medida em que serve de base para o juiz sentenciar.

            Tido pelo autor e jurista uruguaio AMÉRICO PLÁ RODRIGUEZ, como “a própria razão do Direito do Trabalho”, o Princípio da Proteção no Direito do Trabalho é de âmbito internacional, não vigorando apenas no Brasil, mas em outros países.

            Segundo RODRIGUEZ[9], define o princípio do seguinte modo:

 

O princípio da proteção se refere ao critério fundamental que orienta o Direito do Trabalho pois este, ao invés de inspirar-se num propósito de igualdade, responde ao objetivo de estabelecer um aparato preferencial a uma das partes: o trabalhador. Enquanto no direito comum uma constante preocupação parece assegurar a igualdade jurídica entre os contratantes, no Direito do Trabalho a preocupação central parece ser a de proteger uma das partes com o objetivo de, mediante essa proteção, alcançar-se uma igualdade substancial e verdadeira entre as partes.

 

            É necessário criar desigualdades jurídicas em favor do empregado para que ele, no plano da solução dos conflitos, possa ser tratado em pé de igualdade com seu empregador.

            No dizer de MARTINS[10]:

 

O princípio protecionista mostra que as normas trabalhistas devem ser estabelecidas com o objetivo de proteger o trabalhador, que é o pólo mais fraco da relação trabalhista.

 

            Não é a Justiça do Trabalho que tem a missão paternalista de proteger o trabalhador, mas a lei que assim o determina. Protecionista é o sistema adotado pela lei, o sistema visa proteger o trabalhador, assegurando superioridade jurídica ao empregado em face de sua inferioridade econômica.

            Segundo MAURÍCIO GODINHO DELGADO[11]:

 

(...) informa este princípio que o Direito do Trabalho estrutura em seu interior, com suas regras, institutos, princípios e presunções próprias, uma teia de proteção à parte hipossuficiente na relação empregatícia – o obreiro - visando retificar (ou atenuar), no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho.

 

            Percebe-se, neste diapasão, que o Princípio da Proteção no Direito do Trabalho tem a notória finalidade de propiciar uma interpretação da relação de emprego segundo a qual se busca a melhoria de condição de vida para o empregado, face à sua desproporção econômica em relação ao empregador.

           

2.3 Princípio da Continuidade da Relação de Emprego

           

            Ensina o princípio da continuidade da relação de emprego que convém ao Direito do Trabalho a continuidade do vínculo empregatício. Por meio da permanência do vinculo empregatício é que a ordem justrabalhista pode cumprir seu objetivo de assegurar melhores condições de trabalho ao empregado.

            A importância deste princípio está intimamente ligada à realidade brasileira, uma vez que a maioria da população economicamente ativa constitui-se de pessoas que tem como única fonte de renda seu trabalho.

            Tal princípio sugere como regra geral o contrato trabalhista por tem indeterminado, e ainda favorece o empregado na distribuição do ônus da prova, conforme enunciado da súmula 272 TST, in verbis:

 

212 - Despedimento. Ônus da prova (Res. 14/1985, DJ 19.09.1985) ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado.

 

            Também visa à proteção e preservação do emprego, com o objetivo de dar garantia contra despedida arbitrária.

 

2.4 Aspectos gerais do contrato individual de trabalho

 

            Partindo das premissas anteriores, analisar-se-á, a seguir, o contrato de trabalho, pacto entre duas pessoas que se propõem a estabelecer uma relação de emprego, à luz do Direito do Trabalho, da sua natureza jurídica e do Princípio da Proteção.

            Na melhor leitura do art. 442 da CLT, o qual diz que “contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego”, não se pode vislumbrar o contrato de trabalho sem antes se analisar os requisitos da relação de emprego.

            Essa, por sua vez, por interpretação concomitante dos arts. 2º e 3º da Consolidação das Leis Trabalhistas, pressupõe espécie de relação de trabalho (cujo objeto é o labor humano), em que uma pessoa – o tomador dos serviços (empregador) – assume os riscos da atividade e admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço por outra (empregado), sendo que esta última o faz de maneira não eventual e subordinada.

            A partir daí, fácil é conceituar contrato individual de trabalho como acordo de vontades, tácito ou expresso, pelo qual uma pessoa física coloca seus serviços à disposição de outrem, a serem prestados com pessoalidade, não-eventualidade, onerosidade e subordinação ao tomador.

            Como todo contrato, o contrato individual de trabalho pode ser classificado diante das diversas espécies de classificação dos contratos.

            Assim é que se pode dizer que o contrato individual de trabalho tem natureza de direito privado; é sinalagmático, com obrigações recíprocas entre os sujeitos (empregado – prestar o serviço, sujeitar-se ao poder empregatício; empregador – pagar os salários, assumir os riscos do empreendimento); consensual, pactuando-se pela vontade individual das partes; intuito personae, o que dá o caráter da pessoalidade e da infungibilidade da pessoa do empregado; pacto sucessivo, que decorre do princípio da continuidade da relação de emprego, em que o contrato é durável, há um débito permanente entre as partes; oneroso, em que as obrigações são economicamente mensuráveis.

            Além do que, como todo contrato, o contrato individual de trabalho pressupõe partes capazes, objeto lícito determinado ou determinável, e manifestação da vontade dos contratantes. Não possui forma prescrita em lei, haja vista que pode ser firmado tacitamente, inclusive.

            No entanto, a característica do contrato individual de trabalho que o difere substancialmente dos demais contratos oriundos da relação de trabalho, do grande ramo do Direito Privado, tais como a empreitada, a prestação de serviços em sentido amplo, o mandato, a sociedade, a parceria rural, etc., é a subordinação do prestador ao tomador dos serviços.

            Entende-se por subordinação jurídica, segundo objetiva análise de SERGIO PINTO MARTINS[12], a “situação verificada na relação contratual pela qual o empregado deve obedecer às ordens do empregador”.

            Aprofundando no aspecto conceitual, mas com as mesmas perspicácia e lucidez, MAURICIO GODINHO DELGADO[13], tem-se que a subordinação jurídica

 

(...) classifica-se, inquestionavelmente, como um fenômeno jurídico, derivado do contrato estabelecido entre trabalhador e tomador de serviços, pelo qual o primeiro acolhe o direcionamento objetivo do segundo sobre a forma de efetuação da prestação do trabalho.

 

            Pertinente é a visão de ORLANDO GOMES[14], diferenciando, para efeitos não só acadêmicos, mas também práticos, a subordinação jurídica da dependência meramente técnica ou econômica:

 

A subordinação jurídica se trata de um direito geral de fiscalizar a atividade de outrem, de interrompê-la ou suscitá-la à vontade, de lhe traçar limites sem que seja necessário controlar continuamente o valor técnico dos trabalhos efetuados, (...) sendo que a direção e a fiscalização são os dois pólos da subordinação. O que importa, portanto, para a configuração do contrato de trabalho é a existência desse vínculo de subordinação hierárquica. A prestação de serviços não será objeto de tal contrato se não for realizada com a dependência pessoal do trabalhador. Nenhuma importância tem a natureza do trabalho, a forma de sua remuneração, a situação econômica do trabalhador. Para haver contrato de trabalho basta que aquele que presta o serviço seja um trabalhador juridicamente subordinado, que seu trabalho seja dirigido.

 

            E é essa subordinação entre o empregado e o empregador que faz surgir a reflexão acerca da função social do contrato individual do trabalho. De que adianta uma pessoa expor seu trabalho a outra, sob direção e dependência hierárquica desta, se desta relação não resultar alguma finalidade de âmbito social? Será que a vontade do Direito do Trabalho, ao regulamentar e disciplinar o contrato individual do trabalho, a relação de emprego, é de fomentar o comércio, a indústria, a economia do país, permitindo ao empregador usar da força de trabalho de seus empregados como mais uma “peça” da “máquina” de seu empreendimento, ou propiciar uma vida digna ao trabalhador, fazendo do seu trabalho um meio honroso de sustento seu e de sua família, caracterizando o emprego como uma questão eminentemente de cunho social de sobrevivência no mundo capitalista?

            São essas questões que serão objetos de estudo do próximo tópico.

 

3. DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO

 

            Como se verificou alhures, o contrato, à luz da Constituição Federal e do novel Código Civil, assume um papel importante na construção da sociedade de um país. Por esse motivo é que se pode afirmar que o contrato não mais “faz lei” somente entre as partes; pelo contrário, tem uma função social, que transcende ao objeto principal pactuado.

            A máxima da pacta sund servanda encontra óbice na supremacia do interesse público e no interesse social.

            Reflexiva e oportuna é a visão de SILVIO DE SALVO VENOSA[15] sobre a discussão:

 

É certo de que se trata de um contrato sob novas roupagens, distante daquele modelo clássico (...). Por conseguinte, neste momento histórico, não podemos afirmar que o contrato esteja em crise, estritamente, nem que a crise seja do direito privado. A crise situa-se na própria evolução da sociedade, nas transformações sociais que exigem do jurista respostas mais rápidas. O sectarismo do direito das obrigações tradicional é colocado em choque. O novo direito privado exige do jurista e do juiz soluções prontas e adequadas aos novos desafios da sociedade. Daí por que se torna importante a referência ao interesse social no contrato. E o direito das obrigações, e em especial o direito dos contratos, que durante séculos se manteve avesso a modificações de seus princípios está a exigir reflexões que refogem aos dogmas clássicos. Nesse cenário, o presente Código procura inserir o contrato como mais um elemento de eficácia social, trazendo a idéia básica de que o contrato deve ser cumprido não unicamente em prol do credor, mas como benefício da sociedade. De fato, qualquer obrigação descumprida representa uma moléstia social e não prejudica unicamente o credor ou o contratante isolado, mas toda uma comunidade.

 

            Assim é que, quando o Código Civil enuncia em seu art. 421 que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”, quer dizer que o controle judicial não se manifestará apenas no exame das cláusulas contratuais, mas desde a raiz do negócio jurídico. O contrato não é mais visto pelo prisma individualista de utilidade para os contratantes, mas no sentido social de utilidade para a comunidade.

            Também no Direito do Trabalho, ramo do Direito Privado como bem observado em tópicos anteriores, a análise do contrato individual de trabalho, que consubstancia e concretiza a relação de emprego, merece atenção no tocante à função social do pacto juslaborativo.

            Isto porque muito se discute – mas pouco se escreve – sobre qual seria ou em que repousaria a função social do contrato individual do trabalho. Tal dúvida instigou o presente trabalho, sendo que uma tese eminentemente social e humanitária será apresentada a seguir.

            O contrato individual de trabalho, como se falou anteriormente, é um contrato tipicamente de interesse social, e não individualista, como pode parecer. Possui característica de contrato de adesão, sendo que daí já surgem dúvidas quanto à real autonomia da vontade de ambas as partes.

            O empregador, ao pactuar com seu empregado um contrato individual de trabalho, já lhe apresenta todas as condições pelas quais se dará a prestação dos serviços: onde trabalhar, com quem, de que hora a que hora, quantos dias por semana, quanto será o salário, que função exercerá na empresa, etc.

            O empregado, por sua vez, acolhe as determinações do empregador e se sujeita à subordinação imposta por este, haja vista que necessita do emprego para seu sustento e de sua família. Até aí, bem parece que o contrato de trabalho teria mesmo um caráter eminentemente econômico, oneroso para ambas as partes, visando à melhoria do setor empresarial, buscando-se o progresso da nação.

            Ocorre que não é esta a real intenção do Direito do Trabalho, como se quer aqui defender, quando lança mão do Princípio da Proteção ao empregado, o qual deve ser observado na contratação, na execução e até mesmo na extinção do contrato individual do trabalho.

            Sabe-se que, por causa da sua inferioridade econômica, o empregado não tem muita margem de escolha, e por isso se subordina à empresa ou ao seu superior hierárquico, servindo, à luz do Direito Econômico, como mais uma peça da engenharia empresarial.

            Todavia, se existe um ramo especializado para cuidar dos interesses do trabalhador, ou melhor, do empregado, não se pode conceber que a finalidade essencial do contrato de trabalho seja visar à melhoria do setor econômico do país. Ora, para isso existem as políticas de investimento, as variações de taxas de juros, o fomento à indústria e ao comércio, etc.

            A função social do contrato individual de trabalho, à luz das origens, da natureza jurídica e do Princípio da Proteção atinentes ao Direito do Trabalho, parece repousar em um fundamento mais profundo do que a mera melhoria da economia de um país. A função social do contrato individual de trabalho parece repousar, sim, no fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana.

            Presente no rol de fundamentos constitucionais da Carta Magna, em seu art. 1º, III, a dignidade da pessoa humana acolhe, numa só expressão, toda a necessidade de o Estado propiciar, não só ao empregado, mas a todos os homens e mulheres, uma vida sã, honrosa e pacífica.

            Não se pode pensar diferente, à luz do Direito do Trabalho, que visa à proteção da parte hipossuficiente da relação de emprego – o empregado. O contrato individual de trabalho, pois, ao submeter o empregado à subordinação ao tomador de serviços, não lhe dando liberdade para contratar, na acepção correta da expressão, tem que ter como função social melhoria de vida do empregado, dignificando sua existência e daqueles que o cercam – sua família.

            JOSÉ CRETELLA JÚNIOR[16] afirma que “labor cum dignitate vitae deveria ser o tema de todo governante”, isto é, ensina o autor que o Poder Público deve assegurar a todos os trabalhadores uma existência digna.

            Partindo do mesmo pressuposto, PAULO BONAVIDES[17] ensina que:

 

a vinculação essencial dos direitos fundamentais à liberdade e à dignidade da pessoa humana, enquanto valores históricos e filosóficos, nos conduzirá sem óbices ao significado da universalidade inerente a esses direitos como ideal da pessoa humana.

 

            Sem medo, se pode afirmar que o Direito do Trabalho existe para limitar o poder do empregador, buscando diminuir as aflições dos trabalhadores, muito mais do que simplesmente contribuir para a organização da economia.

            O contrato individual de trabalho, à luz do Direito do Trabalho, há que trazer consigo, portanto, uma função social repousada na dignidade da pessoa humana. Age-se, pelos princípios trabalhistas, de forma direta em favor de melhores condições de trabalho e de vida. Assim, se explica a dificuldade de alguns setores da sociedade em compreender a sua finalidade.

            A função social do contrato de trabalho é, portanto, propiciar que o empregado tenha um meio ambiente de trabalho salubre, jornada de trabalho compatível com os limites físicos de um ser humano, salário adequado, valorização profissional, qualificação permanente e, como se verá a seguir, garantia de permanência no emprego, salvo se houver um motivo ou causa relevante para a rescisão.

            A dignidade da pessoa humana é o fundamento dos fundamentos da Constituição. É o fim maior a ser buscado. Especialmente à luz do Direito do Trabalho, é o objetivo e a finalidade que justifica todo o caráter protecionista deste ramo do Direito, especificadamente no tocante à pactuação dos contratos individuais de trabalho.

           

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS – DA NECESSIDADE DA RATIFICAÇÃO DA CONVENÇÃO 158 DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO

 

            A convenção n. 158 da OIT garante aos trabalhadores o direito de não serem dispensados por razões injustificadas, discriminatórias e intoleráveis socialmente, tais como raça, sexo, religião, preferências sexuais, estado civil, ou questões políticas ascendência nacional ou a origem social.

            O trabalhador assim protegido dispõe de sua força de trabalho com maior tranqüilidade, pois passa a ver no empregador mais do que uma fonte de seu sustento, mas um verdadeiro aliado na sua realização profissional e na sua concretização de uma vida digna.

            Ora, trabalhador confiante é trabalhador produtivo! Na medida em que o empregado aumenta a confiança na manutenção de seu posto de trabalho, diminui sua incerteza quanto à dispensa arbitrária por parte do empregador, coloca muito mais do que sua força de trabalho à disposição da empresa.

            Ambas as partes são beneficiadas. A garantia de permanência no emprego traz aumento nos investimentos na qualificação, que, aliado à qualidade de trabalho, aumenta a produtividade.

            Ademais, a ratificação da Convenção, ao contrário do que muitos pensam[18], não cria sistema de garantia de emprego, nem tampouco uma vitaliciedade, pois se presentes as causas justificadoras do término do pacto laboral, este será legitimamente rescindido. A Convenção somente proíbe arbitrariedades na ruptura do contrato, como acontece às dezenas de milhares de vezes no país todos os dias.

            A ratificação da Convenção 158 da OIT vem ao encontro da tese de que a dignidade da pessoa humana do empregado é o fim maior que deve ser buscado pelo Estado na sua intervenção nos contratos individuais de trabalho.

            Um empregado com boas condições de trabalho, salário que atenda ao mínimo necessário à existência sã, e garantia de que não será dispensado sem uma justa causa, possui amplas condições de ter uma vida digna, propiciar à sua família uma assistência de padrão bom, e investir em sua qualificação, o que reflete inclusive no melhoramento do setor econômico do país.

            Conclui-se, ao fim, que o emprego assume vital importância para os trabalhadores que dele sobrevivem, constituindo-se, por derradeiro, condição para o gozo de uma cidadania política e social, ao lado de uma existência digna para si e para os seus dependentes ou familiares.

 

5. REFERÊNCIAS

 

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

 

CRETELLA JR., José. Elementos de Direito Constitucional. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

 

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2006.

 

GOMES, Orlando e Élson Gottschalk. Curso de Direito do Trabalho. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

 

MAGANO, Octavio Bueno. Manual de Direito do Trabalho. 4. ed. São Paulo: Ltr, 1991.

 

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 17. ed. São Paulo: Altas, 2003.

 

MARTINS, Sergio Pinto. Flexibilização das condições de trabalho. 3. ed. São Paulo: Atlas. 2004.

 

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: direito das obrigações 2ª parte: dos contratos em geral, das várias espécies de contrato, dos atos unilaterais, da responsabilidade civil. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 5.

 

MORAES, Suzana Maria Paletta Guedes. Artigo: Pela não ratificação da Convenção n. 158 da OIT. São Paulo, Revista LTr, ano 73, 2009.

 

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. São Paulo: Saraiva, 1980.

 

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil 3: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

 

RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. Tradução de Wagner D. Giglio. 3. ed. atual. São Paulo: LTr, 2000.

 

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

 

SOUZA, Fernanda Amabile Martinho de. Artigo: Temores e importância da aprovação da Convenção da OIT sobre o término da relação de trabalho. São Paulo, Revista LTr, ano 73, 2009.

 

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

 

 

           



[1] Artigo apresentado para fins de avaliação final na disciplina “Contratos”, do Mestrado em Direito e Relações Internacionais da Universidade Católica de Goiás – UCG, em 15 de junho de 2009.

[2] Advogado militante, nas áreas trabalhista e cível, Professor Universitário (Universidade Federal de Goiás - UFG, de 2007 a 2009; Universidade Católica de Goiás – UCG, desde 2007), Especialista em Direito Privado pela Fundação de Ensino Superior de Rio Verde – FESURV (2006), Mestrando em Direito e Relações Internacionais pela Universidade Católica de Goiás – UCG.

[3] RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, p. 61.

[4] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil – direito das obrigações 2ª parte, p. 10.

[5] GOMES, Orlando e Élson Gottschalk. Curso de Direito do Trabalho, p. 1.

[6] MAGANO, Octavio Bueno. Manual de Direito do Trabalho, p. 59.

[7] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, p. 72 a 74.

[8] REALE, Miguel. Lições preliminares de direito, p. 299.

[9] RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho, p.83.

[10] MARTINS, Sergio Pinto. Flexibilização das condições de trabalho, p. 121.

[11] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho,p.197-198.

[12] MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho, p. 107.

[13] DELGADO, Mauricio Godinho Delgado. Curso de Direito do Trabalho, p. 303.

[14] GOMES, Orlando e Élson Gottschalk. Curso de Direito do Trabalho, p. 134.

[15] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil – teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 363.

[16] CRETELLA JR., José. Elementos de Direito Constitucional, p. 249.

[17] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 562.

[18] MORAES, Suzana Maria Palleta Guedes. Pela não ratificação da Convenção n. 158 da OIT.

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