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PENAS ALTERNATIVAS AO CÁRCERE


Autoria:

Sandro De Oliveira Sousa


Sandro de Oliveira sousa é acadêmico do 9º período do Curso de Direito da FACED, em Divinópolis/MG, membro pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Direito da FACED.

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Resumo:

Análise das penas alternativas ao cárcere inseridas no Direito Penal brasileiro.

Texto enviado ao JurisWay em 17/12/2010.

Última edição/atualização em 22/12/2010.



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1. INTRODUÇÃO
Reza a teoria do contrato social que, cansados de uma liberdade cuja incerteza de sua manutenção a tornava inútil, os homens sacrificaram uma parte dela para usufruir do restante com mais segurança. Na lição de Cesare Beccaria (2002, p. 19) “a reunião de todas essas pequenas parcelas de liberdade constitui o fundamento do direito de punir”. Dessa forma, assume o Estado, a responsabilidade pela persecução penal, bem como pela punição daqueles que violarem as regras de conduta impostas a todos pela lei.
Com relação ao direito de punir do Estado, o ilustre professor italiano Beccaria (2002, p. 19) complementa, assinalando que “todo o exercício do poder que deste fundamento se afastar constitui abuso e não justiça”.
     Nessa ordem de idéias, uma das formas das quais o Estado se vale para punir os indivíduos infratores, que não se amoldam a um padrão aceitável de conduta, é a privação da liberdade.
     Tal sanção se mostra necessária e útil, tanto para disciplinar as condutas negativas quanto para privar do convívio social aqueles que representam uma ameaça à segurança da coletividade, maculando a convivência pacífica e harmônica entre os indivíduos. Portanto, somente ao Estado é dado o poder de interferir na liberdade dos cidadãos, limitando-a ou privando-a, mas em caráter temporário. Mesmo porque, nossa Constituição não contempla a possibilidade da prisão em caráter perpétuo (art. 5º, XLVII, b, CF/88).
     Depois da vida, é a liberdade o bem jurídico mais precioso que um indivíduo pode ter. Nesse passo, a sua privação ou restrição há de se dar com extrema prudência e parcimônia, com vistas a não desvirtuar o caráter retributivo, punitivo e ressocializador da pena privativa de liberdade.
     No desiderato de realizar a persecução penal e assegurar o efetivo cumprimento das penas impostas, o Estado não pode se descurar dos direitos inerentes à pessoa humana. Ressalta-se, no Brasil, expressiva importância outorgada ao princípio da dignidade da pessoa humana, a ponto de erigi-lo como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, CF/88).
     Na lição do douto constitucionalista José Afonso da Silva (2008, p. 105) a “dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos direitos fundamentais do homem”.
     Isso posto, é de visceral importância que o Estado, ao exercer o jus puniendi, não o faça sem atentar para o fato de que no Estado Democrático de Direito, a privação da liberdade deve ser a ultima ratio como medida punitiva. Isso porque se considera por demais cruel não poder ser livre para estar ao lado dos seus ou mesmo para contemplar as maravilhas que esse mundo pode proporcionar aos nossos olhos.
Nem sempre a restrição da liberdade constitui a melhor forma de punir, pois é cediço que nossas instituições prisionais mais deformam do que regeneram os agentes infratores.
 A pena a ser imposta ao condenado deve ser tal que proporcione a ressocialização sem deformação, o que exige a observância do princípio da proporcionalidade na aplicação da pena.
Com relação à proporcionalidade da pena a ser imposta ao agente infrator, Beccaria leciona que:
[...] para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser, de modo essencial, pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstâncias dadas, proporcionada ao delito e determinada pela lei. (Dos Delitos e das Penas, 2002, p. 107)    
 
2. PENAS NÃO PRIVATIVAS DE LIBERDADE NO DIREITO PENAL BRASILEIRO
     É com base na verdade universal de que o encarceramento não é o melhor meio de se corrigir alguém, bem como no incalculável valor da liberdade, é que tem se falado no moderno Direito Penal de medidas que busquem a reparação do crime com o mínimo de encarceramento possível. Seguindo os ventos dessa tendência, o legislador ordinário brasileiro, fulcrado no princípio da dignidade da pessoa humana, incluiu na legislação penal brasileira as chamadas medidas alternativas ao cárcere.
Tais medidas tem como característica e finalidade precípuas impedir que o agente, condenado, seja lançado ao cárcere, substituindo a privação da liberdade por outras medidas de caráter social e educativo, mediante a imposição de algumas condições que colocarão à prova a predisposição do agente em reatar coma sociedade o vínculo da paz, quebrado pela violação da lei penal.
     Sobre o tema, assinala Cézar Roberto Bitencourt
Nas alternativas inovadoras da estrutura clássica da privação de liberdade há um variado repertório de medidas, sendo que algumas representam somente um novo método de execução da pena de prisão, mas outras constituem verdadeiros substitutivos, (2009, p.513)
     As primeiras penas alternativas de que se tem notícia se deram na Rússia, em 1926, com a instituição da prestação de serviços à comunidade. De lá para cá, inúmeros foram os avanços no sentido de se evitar o encarceramento como forma de reeducação do condenado.
No sentido de manter a linha ideológica universal de valorização da dignidade da pessoa humana, a Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 5º, XLVII, enumera as sanções que não poderão ser aplicadas pelo Direito Penal brasileiro. Assim, não será permitida a imposição de pena de morte, salvo no caso de guerra declarada, de pena de prisão perpétua, de trabalhos forçados, de banimento e de penas cruéis.
No Brasil, o uso das penas alternativas à privação da liberdade teve seu início com a reforma do Código Penal de 1984. Assim, o juiz passou a dispor de opções e da discricionariedade para escolher a espécie de pena alternativa mais adequada ao delinqüente, em sendo possível sua aplicação.
O Direito Penal brasileiro alberga os seguintes tipos de penas: a privação da liberdade, a restrição de direitos e a multa (art. 32, CP).
Todavia, mediante a ocorrência de certas circunstâncias, as penas privativas de liberdade poderão ser substituídas pelas outras duas espécies de penas, ou seja, há a possibilidade de se substituir a pena de prisão por pena restritiva de direitos ou de multa (art. 44, CP).
     As penas restritivas de direito não afetam a liberdade do condenado, mas lhe impõe o ônus de fazer ou deixar de fazer alguma coisa ou de ter ou deixar de ter determinados comportamentos.
O Código Penal Brasileiro, em seu art. 43, relaciona as penas restritivas de direitos, que poderão substituir as penas privativas de liberdade em determinados casos. São elas:
a)prestação pecuniária, que consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou entidade pública ou privada com destinação social ,nos termos do § 1º do art. 45 do CP;
b)perda de bens e valores, que pertençam ao condenado, em favor do Fundo Penitenciário Nacional, tendo como teto, o que for maior: o montante do prejuízo causado pelo autor do fato ou o provento obtido pelo agente na prática do crime (art. 45, § 3º, CP);
c)prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas, que consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado, em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e em outros estabelecimentos congêneres, assim como em programas comunitários e estatais (art. 46, §§ 1º e 2º, CP). Tal medida é aplicável somente a condenações superiores a seis meses de privação de liberdade;
d)interdição temporária de direitos, que inclui a proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo; a proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público; suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo e a proibição de frequentar determinados lugares(art. 47, CP);
e)limitação de fim de semana, que consiste na obrigação de o apenado permanecer em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado, aos sábados e domingos, por cinco horas diárias (art. 48, CP).
A terceira forma de pena restritiva de direitos é a multa, que, pelo disposto no art. 49 do CP, consiste no pagamento, ao fundo penitenciário, da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa, podendo ser fixada em no mínimo de 10 e no máximo de 360 senta dias-multa. Cada dia-multa deverá ser fixado entre 1/30 do salário mínimo e 5 salários mínimos.
 
3. MEDIDAS ALTERNATIVAS AO CÁRCERE NO DIREITO PENAL BRASILEIRO
Buscando garantir o mínimo de encarceramento ao indivíduo que sofrer condenação à pena privativa de liberdade, o Direito Penal brasileiro alberga três tipos de medidas alternativas ou substitutivas ao encarceramento. São eles, a transação penal, prevista no art. 76 da Lei 9.099/95; a conversão das penas privativas de liberdade em penas restritivas de direitos, prevista no art. 44 do Código Penal e nos art. 180 da Lei nº 7.210/84 (LEP - Lei de Execuções Penais) e a suspensão condicional da pena, prevista no art. 77 do Código Penal e nos arts. 156 a 163 da LEP.
Passemos, então, à análise de casa um desses institutos.
 
3.1. Transação penal (art. 76 da Lei 9.099/95)
     A lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais) foi criada no intuito de tornar mais célere a resolução de questões judiciais menores, mas não menos importantes.
No âmbito das questões penais, o Juizado Especial Criminal tem competência para a conciliação, processo e julgamento das infrações penais consideradas de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência (art. 60). Tais infrações penais tem sua conceituação no art. 61 da Lei 9.099/95, e são definidas como as contravenções penais e os crimes que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.
Com vistas a tornar mais rápida e eficiente a prestação jurisdicional no caso das infrações em questão, os feitos orientar-se-ão pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação, pelo autor do fato, dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade (art. 62), evitado, assim, o acautelamento do acusado.
     Em sede de procedimento, tendo a autoridade policial tomado conhecimento da infração, lavrar-se-á o Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), encaminhando ao juizado o autor do fato e a vítima (art. 69).
     Tomadas todas as providências referentes às requisições e exames periciais necessários, será realizada audiência preliminar que, se não puder ser realizada de imediato, o juiz designará data posterior, intimando os interessados da mesma (art. 70).
Num primeiro momento, na tentativa de evitar o prosseguimento do processo, que se daria pelo rito sumaríssimo, realiza-se uma audiência de conciliação onde, estando presentes as partes e seus defensores, o juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade (art. 72).
Caso se firme acordo para a composição dos danos civis, o mesmo será reduzido a escrito e homologado pelo juiz mediante sentença irrecorrível, com eficácia de título judicial que poderá ser executado no juízo cível competente (art. 74).
Caso se trate de ação penal de iniciativa privativa do ofendido ou de ação penal condicionada a representação, a aceitação, pelo ofendido, da composição dos danos pelo autor do fato, implica renúncia ao direito de posterior oferecimento de queixa ou representação, repercutindo em extinção da punibilidade (art. 74).
Com relação à renúncia do direito de queixa ou representação no caos de concurso de agentes, Mougenot observa que
Sendo a infração praticada por mais de um autor, havendo composição civil em relação a apenas um ou alguns deles, só em relação a estes ocorrerá a renúncia e a extinção da punibilidade, salvo se a reparação do dano civil for integral. Em havendo mais de uma vítima, o acordo civil somente acarretará a renúncia do direito de queixa ou de representação em relação àquela que transacionou. (MOUGENOT, p. 566)
Caso a tentativa de composição não logre êxito, será dado ao ofendido o direito de oferecer representação verbal, que será reduzida a escrito, não precisando ser apresentada na mesma audiência, podendo ser oferecida em oportunidade futura (art. 75).
Se não for caso de arquivamento, assim que feita a representação pelo ofendido ou oferecida a denúncia pelo Ministério Público, o próprio parquet poderá propor a aplicação imediata da pena restritiva de direitos ou de multa, como alternativa a eventual pena de privação da liberdade, especificando-se a forma da transação na proposta feita pelo órgão ministerial (art. 76).
Em sede de natureza jurídica, deve se observar que o caráter alternativo da medida prevista na Lei 9.099/95, ora abordada, não se confunde com o caráter substitutivo da medida prevista no art. 44 do Código Penal, que trataremos adiante.
Questão sem resposta apresentada pela Lei 9.099/95 é a da possibilidade do oferecimento da proposta da transação penal pelo ofendido, quando se tratar de ação penal privada. Nessa senda, Mougenot (2009, p. 568) apresenta duas correntes de pensamento sobre o tema.
O primeiro entendimento é no sentido de não ser cabível a medida em sede de ação penal privada, pois a lei faz menção exclusivamente ao representante do parquet, para os casos de ação penal pública, condicionada ou não. Outra vertente de entendimento é no sentido de que figura a possibilidade e a legitimidade do querelante para propor a transação penal, por aplicação analógica do dispositivo.
Pacelli (2009, p.630) e Tourinho Filho (2008, p. 688) entendem ser possível a proposta de transação penal, pelo querelante, em crimes que comportam ação penal privada, por se tratar de instituto benéfico ao réu. No mesmo sentido temos a seguinte jurisprudência do STJ:
HABEAS CORPUS. LEI 9.279/96. CRIME DE CONCORRÊNCIA DESLEAL. AÇÃO PENAL PRIVADA. TRANSAÇÃO PENAL. CABIMENTO. ORDEM CONCEDIDA. 1. Enquanto resposta penal, a transação penal disciplinada no artigo 76 da Lei 9.099/95 não encontra óbice de incidência no artigo 61 do mesmo Diploma, devendo, como de fato deve, aplicar-se aos crimes apurados mediante procedimento especial, e ainda que mediante ação penal exclusivamente privada (Precedente da Corte). 2. Ordem concedida para assegurar a aplicação da transação penal no processo em que se apura crime de concorrência desleal. (HC 17601/SP, 6ª TURMA, STJ, JULGADO EM 07/08/2001, MIN. HAMILTON CARVALHIDO)
Vencidas as questões polêmicas nesse ponto, continuamos. Feita, então, a proposta de transação pelo Ministério Público e aceita pelo autor da infração e seu advogado, será a mesma levada à apreciação do juiz (art. 76, § 3º).
Contudo, não será admitida a proposta se ficar comprovado que o autor da infração já foi condenado pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva (art. 76, § 2º, I). Entretanto, a condenação anterior por contravenção penal não impede que o autor seja beneficiado com a transação.
Também não se admitirá a proposta caso o autor do fato já tenha se beneficiado, nos últimos cinco anos, com a transação penal em questão (art. 76, § 2º, II).
Da mesma forma, não será admitida a proposta de transação se o juiz entender que os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias que orbitam em torno da questão não justificam, como necessária e suficiente, a adoção da medida (art. 76, § 2º, III).
Pode o juiz formular a proposta caso o Ministério Público não o faça? Considerando que a transação é ato bilateral entre as partes e que o juiz, em sua posição na relação processual se coloca acima e eqüidistante das partes, não seria de bom termo que o magistrado propusesse a transação, pois ele não é parte. Caso assim fizesse, estaria usurpando a posição de dominus litis conferida ao órgão do Ministério Público.
Na hipótese de o Ministério Público não fazer a proposta de transação, mas o juiz entender ser a mesma cabível e necessária, a inteligência predominante é no sentido de que o juiz deverá remeter os autos para o Procurador-Geral, cumprindo o disposto no art. 28 do CPP, conforme enunciado 696 da Súmula do STF, que dispõe
Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o Promotor de Justiça a propô-la, o Juiz, dissentindo, remeterá a questão ao Procurador‑Geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal.
Entretanto, o STJ tem entendido ser da competência do juiz a análise jurídica dos motivos de recusa do MP em fazer a análise jurídica da proposta. Vejamos:
HABEAS CORPUS. DESACATO. PROPOSTA DE TRANSAÇÃO PENAL. ART. 76 DA LEI 9.099/95. NEGATIVA POR PARTE DO ÓRGÃO MINISTERIAL. MOTIVAÇÃO. POSSIBILIDADE DE ANÁLISE PELO PODER JUDICIÁRIO. 1. Tratando-se a transação penal de um meio conciliatório para a resolução de conflitos no âmbito da Justiça Criminal, mostrando-se como uma alternativa à persecução penal estatal, fica evidenciado o interesse público na aplicação do aludido instituto. 2. Embora o órgão ministerial, na qualidade de titular da ação penal pública, seja ordinariamente legitimado a propor a transação penal prevista no artigo 76 da Lei n. 9.099/95, os fundamentos da recusa da proposta podem e devem ser submetidos ao juízo de legalidade por parte do Poder Judiciário. Precedentes. (HC 125691/SP, 5ª TURMA, STJ, JULGADO EM 18/05/2010, MIN. JORGE MUSSI)
Caso o juiz acolha a proposta, feita pelo parquet e aceita pelo réu, será a este imposta pena restritiva de direitos ou pena de multa, ambas previstas e conceituadas, respectivamente, nos arts. 43 e 49 do Código Penal.
A aplicação das referidas penas não será considerada para fins de reincidência, mas serão registradas apenas para que se impeça a concessão do mesmo benefício dentro do prazo de cinco anos (art. 76, § 4º). A sanção aplicada nos termos do § 4º alhures mencionado também não constará de certidão de antecedentes criminais e não terá efeitos civis, cabendo aos interessados propor ação cabível no juízo cível (art. 76, § 6º).
Da sentença que impuser a pena de multa ou restritiva de direitos, caso o Ministério Público ou o autor do fato não estejam com ela satisfeitos, poderá ser interposto recurso de apelação para a turma recursal do mesmo Juizado (art. 76, § 5º).
Quanto ao possível indeferimento, pelo juiz, da proposta feita pelo Ministério Público e aceita pelo autor do delito, Eugênio Pacelli de Oliveira entende ser o habeas corpus a solução cabível, e justifica
[...] embora a questão se localize no âmbito dos juizados, nos quais, em tese, não se pretende impor sanção privativa da liberdade, o instrumento do habeas corpus é perfeitamente adequado, já que o indeferimento da transação dá lugar ao processo de natureza condenatória, com o oferecimento da denúncia. Assim, caberia, em tese a imposição e a posterior conversão da pena privativa de liberdade. 2008, p. 632)
E se o réu, depois de aceita a transação, não cumpre a pena restritiva de direitos imposta? Nesse caso, Tourinho Filho (2008, p. 688) entende que a pena substitutiva não cumprida deverá ser transformada em multa, a ser executada no juízo cível.
Por seu turno Mougenot (2009) destaca três posições diferentes quanto ao não cumprimento, pelo réu, do pactuado na transação penal. A primeira entende que o descumprimento da transação implica o prosseguimento do procedimento, dando-se oportunidade ao Ministério Público para vir requerer providências necessárias ou a propositura da ação penal. É bem de ver que tal possibilidade não vem sendo contemplada pelos tribunais.
Uma segunda vertente, que encontra mais adeptos nos pretórios entende que a sentença homologatória da transação tem eficácia de coisa julgada material e formal, não permitindo sua alteração em caso de descumprimento. Assim, somente poderá ser executada a sentença nos termos da transação homologada. Nesse sentido, o STJ já julgou:
PENAL E PROCESSUAL. CRIME DE MENOR POTENCIAL LESIVO. LEI 9.099/95. TRANSAÇÃO PENAL HOMOLOGADA. DESCUMPRIMENTO. DENÚNCIA. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. 1. O descumprimento da transação penal, em razão dos efeitos da coisa julgada material e formal do acordo, não permite o oferecimento de denúncia por parte do ministério público e, muito menos, rende ensejo ao crime de desobediência. 2. Não sendo possível deflagrar persecutio penal em caso de descumprimento, resolve-se pela inscrição da pena (pecuniária) não paga em dívida ativa da União, nos termos do art. 85 da Lei nº 9.099/95 combinado com o art. 51 do Código Penal, com redação dada pela Lei nº 9.286/96. 3. Ordem concedida para, tornando sem efeito a condenação pelo crime de desobediência, trancar a ação penal. (HC 97642/ES, 6ª TURMA, STJ, JULGADO EM 05/08/2010, MIN. MARIA TEREZA DE ASSIS MOURA)
Lado outro, caso a transação não tenha sido homologada, seria possível, então, o prosseguimento do feito com o oferecimento da denúncia. Nesse sentido
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. LESÃO CORPORAL E PORTE ILEGAL DE ARMA. TRANSAÇÃOPENAL. ACORDO NÃO HOMOLOGADO. DESCUMPRIMENTO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. INEXISTÊNCIA. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. CABIMENTO. ORDEM DENEGADA. 1. Admite-se o oferecimento de denúncia contra o autor do fato, pelo descumprimento da transaçãopenal, quando não existir, como na hipótese, sentença homologatória. 2. Precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal. 3. Ordem denegada. (HC 115556/SP, 5ª TURMA, STJ, JULGADO EM 04/05/2010, MIN. LAURITA VAZ)
CRIMINAL. HC. NULIDADE. LEI 9.099/95. DESCUMPRIMENTO DE ACORDO FIRMADO E HOMOLOGADO EM TRANSAÇÃO PENAL. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA. COISA JULGADA MATERIAL E FORMAL. EXECUÇÃO DA MULTA PELAS VIAS PRÓPRIAS. RECURSO PROVIDO. I - A sentença homologatória da transação penal, prevista no art. 76 da Lei nº 9.099/95, tem natureza condenatória e gera eficácia de coisa julgada material e formal, obstando a instauração de ação penal contra o autor do fato, se descumprido o acordo homologado. II - No caso de descumprimento da pena de multa, conjuga-se o art. 85 da Lei nº 9.099/95 e o 51 do CP, com a nova redação dada pela Lei nº 9.286/96, com a inscrição da pena não paga em dívida ativa da União para ser executada. III - Ordem concedida para determinar o trancamento da ação penal. (HC 33487/SP, 5ª TURMA, STJ, JULGADO EM 25/05/2004, MIN. GILSON DIPP)
     Nesse caso, o juiz poderia, no ato da propositura da transação, condicionar a homologação ao cumprimento dos termos da medida.
Por final, o terceiro entendimento sobe o tema é no sentido de que deve haver a conversão da pena restritiva de direitos imposta na transação em pena privativa de liberdade. Entendimento que encontra guarida no STJ:
PENAL. TRANSAÇÃO. LEI Nº 9.099/95, ART. 76. IMPOSIÇÃO DE PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. DESCUMPRIMENTO. CONVERSÃO EM PRIVATIVA DELIBERDADE. POSSIBILIDADE. 1 - Não fere o devido processo legal a conversão de pena restritiva de direitos, imposta no bojo de transação penal (art. 76, da Lei nº 9.099/95), por privativa de liberdade. Precedente desta Corte. 2 - Ordem denegada. (HC 14666/SP, 6ª TURMA, STJ, JULGADO EM 13/03/2001, MIN. FERNANDO GOLÇALVES)
     Outra questão complexa refere-se a como proceder no caso de crimes de menor potencial ofensivo conexos ou continentes com outros que não o são? Na tentativa de solucionar tal impasse, Tourinho Filho assinala que
O entendimento que tem prevalecido é pela disjunção dos processos em virtude das infrações penais de menor potencial ofensivo serem da competência do Juizado Especial Criminal, por força do art. 98 da Constituição. Assim, sendo sua competência fixada ratione materiae, é absoluta, sendo-o, só pode ser julgada pelo seu juiz natural, salvo nos casos de foro por prerrogativa de função, até porque a Constituição pode excepcionar a si própria. (2008, p. 691)
Ressalte-se também que, além da previsão constitucional em relação à competência dos Juizados Especiais Criminais, o art. 60 da lei que os regulamentou também traz a fixação da competência para a conciliação, julgamento e execução específicos dos crimes de menor potencial ofensivo, definidos pelo art. 61 da mesma lei.
No que toca a possíveis causas de aumento de pena para a apuração do quantum da condenação, Tourinho Filho (2008, p. 691) obtempera que, se para o crime cometido existir causa de aumento de pena, fazendo com que a pena cominada no máximo ultrapasse os dois anos, a competência deve ser deslocada para a justiça comum. Não se considera, nesse caso, crime cometido, mas sim a pena, pois, se o crime cometido prevê pena máxima abstrata de dois anos, em caso de aumento de pena o delito já não é o mesmo, pois passa a se tratar de crime qualificado pelo resultado. De outra forma, se o crime cuja pena máxima prevista ultrapassa os dois anos de prisão e o autor é beneficiado por causa de diminuição de pena, a competência do Juizado Especial Criminal restará fixada.
Os art. 69 e 70 do Código Penal capitulam sobre o concurso material e concurso formal de crimes, dispondo que as penas no concurso de crimes devem ser aplicadas cumulativamente. No caso do art. 70 (concurso formal), a cumulação somente ocorre se houver dolo ou se os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos. Nos casos de concurso material ou formal de crimes, em que a soma das penas máximas dos crimes cometidos ultrapasse o limite que determina a competência dos Juizados Especiais Criminais, apesar de o número maior de decisões ser no sentido de unificar as penas, impedindo a aplicação do benefício, há entendimento no sentido de que a redação do art. 60 da lei 9.099/95 combinada com a redação do art. 119 do Código Penal, permite que as penas cominadas sejam consideradas separadamente, a fim de se aplicar a transação para os crimes de menor potencial ofensivo eventualmente cometidos em concurso material ou formal.
Tourinho Filho (2008, p. 694) menciona, nesse sentido, o enunciado nº 4/96 da Procuradoria de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, dispondo que “no concurso de crimes as penas cominadas serão consideradas isoladamente, para os fins dos arts. 61 e 89 da Lei 9.099/95”.
Segundo lição de Mougenot (2009, p. 567), analisando as características da medida, a transação penal configura ato bilateral, personalíssimo, formal, voluntário e tecnicamente assistido.
 
Merece destaque a exclusão da violência doméstica, nos termos da Lei 11.340/06, da esfera de competência dos Juizados Especiais Criminais. A última parte do art. 69 da Lei 9.099/95que dispunha que “em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, o afastamento do réu do lar ou do local de convivência com a vítima”. Tal dispositivo restou revogado pelo advento do art. 41 da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), dispondo que “aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995”.
 
 
3.2. Substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direito ou multa (art. 44 do CP e arts. 180 da LEP)
     Outra medida não encarceradora prevista no Direito Penal brasileiro é a substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos ou multa. A aplicação do benefício pressupõe uma condenação por sentença irrecorrível.
Nesse sentido, a primeira circunstância que autoriza a referida medida, se dá quando o réu for condenado a pena privativa de liberdade não superior a quatro anos. Mas não é só isso. Concomitantemente a essa quantidade de pena máxima cominada, somente será feita a substituição se o crime penalizado não tenha sido cometido com violência ou grave ameaça a pessoa (art. 44, I, CP).
     Se o agente foi condenado à pena de privação de liberdade por crime culposo, independente do quantum da pena imposta, o condenado será beneficiado com a medida em questão (art. 44, I, CP). Cumpre lembrar que crime culposo ocorre quando o autor deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia (art. 18, II, CP). Nessa esteira, tal medida se mostra louvável, pois conforme aduz Bitencourt
Os autores desses comportamentos descuidados que, às vezes, causam um resultado típico, de regra, não necessitam ser ressocializados, e a imposição de uma pena privativa de liberdade torna-se absolutamente desnecessária, sem qualquer sentido preventivo especial. (BITENCOURT, 2009, p.)
     Reunidas as condições acima, passa-se a observar se há reincidência em crime doloso por parte do agente, ou seja, se o agente estiver sendo condenado por crime doloso, tendo já cometido, anteriormente, outro da mesma espécie, o benefício da substituição não poderá ser aplicado (art. 44, II, CP). Entretanto, com base no previsto no § 3º do aludido artigo, o juiz poderá aplicar a substituição mesmo em face de reincidência, contanto que não seja específica e a aplicação da medida seja socialmente recomendável.
     Finalmente, no que concerne aos requisitos exigidos para a substituição em tela, passa-se a avaliar se é ou não suficiente a aplicação da medida ao condenado, tendo como objeto da análise a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade, os motivos e as circunstâncias que ensejam a aplicação do benefício (art. 44, III, CP).
     Na exata dicção do § 2º do art. 44 do CP, se a condenação imposta ao agente não ultrapassar um ano, a substituição poderá ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos. Segundo Bitencourt (2009, p. 521) a escolha de qual pena aplicar cabe ao juiz pela análise do disposto no inciso III do mesmo artigo. Na mesma ordem de idéias, Bitencourt também assinala que
A previsão que permite aplicar a multa substitutiva para pena não superior a um ano não impede, contudo, a possibilidade, abstratamente considerada, de efetuar-se a substituição por pena restritiva de direitos, isto é, a possibilidade de substituir por multa não exclui ipso facto a possibilidade de substituir-se por pena restritiva de direitos. (BITENCOURT, 2009, p. 525)
Caso a condenação ultrapasse um ano, o juiz poderá substituir a pena privativa de liberdade por uma multa e uma pena restritiva de direitos ou por duas penas restritivas de direitos (art. 44, § 2º, CP).
     Feita a substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos e não sendo essa cumprida pelo agente, a pena restritiva de direitos se converte em pena privativa de liberdade, impondo-se ao condenado o seu encarceramento (art. 44, § 4º, CP). Todavia, o prazo de substituição já cumprido será descontado do prazo da pena privativa de liberdade a ser executada, respeitando-se o saldo mínimo de trinta dias de pena privativa de liberdade.
     Dessa forma, se, por descumprimento da pena restritiva de direitos, houve sua conversão em pena privativa de liberdade restando apenas dez dias para o fim da condenação, deverá o agente ser encarcerado por trinta dias.
     Damásio de Jesus (2003, p.536) conceitua como injusta a imposição de saldo mínimo de 30 dias no caso de descumprimento da pena restritiva de direitos, pois se o condenado a 9 meses de reclusão que já cumpriu 8 meses e 20 dias de pena substitutiva vier a descumprir a medida imposta, mesmo lhe faltando somente 10 dias para a extinção da punibilidade, deverá ficar encarcerado por 30 dias.
     Nos termos do § 5º do art. 44 do CP, caso sobrevenha condenação a pena privativa de liberdade ao agente beneficiado com a conversão à pena restritiva de direitos, o juiz poderá não revogar o benefício da primeira condenação se o agente puder cumprir a pena substitutiva anterior juntamente com a pena privativa de liberdade posteriormente aplicada.
 
3.3. Suspensão condicional da pena (arts. 77 a 82 do CP e arts. 156 a 163 da LEP)
     Segundo Zaffaroni & Peirangeli (2008, p. 725), o primeiro e mais elementar substitutivo das penas curtas foi a suspensão das penas e sujeição à prova ou condição. Assim, em tempos remotos, surgiram dois sistemas: o anglo-saxão e o franco-belga.
De acordo com o sistema anglo-saxão de prova (probation system), o juiz suspende a prolação da sentença condenatória, sujeitando o condenado a um sistema de prova que, se satisfatório, impede a prolação da sentença.
Pelo sistema belgo-francês, o juiz prolata a sentença de maneira condicional. Se o condenado cumpre, durante certo tempo, as condições impostas na sentença, a condenação desaparece.
No Brasil, aplica-se uma vertente dessa segunda corrente, em que o que se suspende por determinado tempo, na verdade, não é a condenação, que de fato existe e permanece, mas sim a sua execução.
Conforme leciona Cézar Roberto Bitencourt (2009, p.689), “a maioria dos doutrinadores atribui a origem moderna da suspensão condicional ao projeto apresentado por Berenger em 1884, no Parlamento Francês”. A Bélgica, entretanto, adiantou-se na questão, e com uma lei de 31 de maio de 1888, adotou o novo instituto. Três anos depois, a França adotou o mesmo procedimento, que passaria a ser conhecido como belgo-francês ou franco-belga.
     Há os que preferem chamar o instituto de sursis. Fernando Capez apud Basileu Garcia (2007, p. 468) leciona que a palavra sursis é um substantivo masculino, que significa suspensão, sendo correlato do verbo surseoir – suspender, e complementa: “sendo de inspiração belgo-francesa o sistema da legislação brasileira, a própria palavra sursis integrou-se aos hábitos forenses, com pronúncia já um tanto nacionalizada”.
Consequentemente, sursis passou a ser a denominação do instituto da suspensão condicional da execução da pena, com previsão no art. 77 e seguintes do Código Penal e nos art. 156 e seguintes da Lei 7.210/84 (Lei de Execuções Penais). O prazo da suspensão condicional da execução é chamado de período de prova.
     Tanto o Código Penal quanto a Lei de Execuções Penais tratam da suspensão condicional da execução da pena como forma de, mediante imposição de algumas condições, evitar o encarceramento do indivíduo condenado em sentença irrecorrível. A Lei de Execuções Penais, de 1984, por ser lei especial que regula a execução penal, trata da suspensão condicional da pena de uma forma mais abrangente, sendo fonte mais abundante para a análise do respectivo benefício.
     No sentido de consolidar a aplicação do moderno Direito Penal não-encarcerador, a medida se aplica ao réu condenado a pena privativa de liberdade não superior a dois anos, que poderá ter a execução de sua pena privativa de liberdade suspensa pelo prazo de dois a quatro anos (art. 77, CP e art. 156, LEP), evitando, assim, que seja lançado ao cárcere, mediante o compromisso de ficar sob observação e cumprir determinadas condições impostas pelo juiz na própria sentença condenatória (art. 78, CP e art. 158, LEP). O benefício, nesse caso, é chamado sursis simples. Entretanto, caso a condenação seja à pena de multa ou a pena restritiva de direitos, o juiz não poderá suspender sua execução por caber somente às penas privativas de liberdade (at. 80, CP).
Aos condenados a até quatro anos de prisão, maiores de setenta anos e em condições de saúde que justifiquem a suspensão da execução da pena privativa de liberdade, poderá ser concedida suspensão condicional pelo prazo de quatro a seis anos (art. 77, § 2º, CP). O primeiro caso é chamado sursis etário e o segundo de sursis humanitário.
Releva observar que se o implemento das condições que permitem a concessão do sursis etário ou humanitário se der após o início da execução da pena, o juiz da execução poderá concedê-lo ao apenado, nos temos do art. 66, III, “d” da LEP.
Uma observação pertinente diz respeito ao fato de que o período da suspensão pode ser até dois anos maior do que a pena imposta ao réu. O que sinaliza uma inconstitucionalidade, pois cada dia de período de prova que exceda à pena imposta na sentença é um dia a mais que o apenado ficaria sob a vigilância do Estado. O pior é que em caso de revogação, mesmo já tendo sido cumprido o período de prova em sua quase totalidade, sendo ele dois anos maior que a pena, o réu teria sua pena executada na totalidade. Assim sendo, se um réu é condenado a dois anos, tem a pena suspensa por quatro anos e, quase no final desse período tem seu sursis revogado, deverá cumprir os dois anos da condenação. Resultado: condenado a dois anos, terá ficado quase quatro anos sob controle do Estado e ainda terá de ficar mais dois anos recluso.
Voltando à suspensão, o referido benefício será analisado na própria sentença que condenar o réu, devendo o juiz, pronunciar-se, motivadamente sobre a suspensão condicional da execução da pena, quer a conceda, quer a denegue (art. 157, LEP). Em sendo o sursis concedido por meio de acórdão em sede de recurso, deverá o Tribunal estabelecer as condições a serem impostas ao réu ou modificar as impostas na sentença. Todavia, poderá o Tribunal, ao deferir a concessão da suspensão, conferir ao Juízo da Execução a incumbência de realizar a audiência admonitória e estabelecer as condições do benefício (art. 159, LEP)
Sendo concedido ao condenado o benefício do sursis, o juiz intimará o réu para que compareça à audiência posterior chamada admonitória, onde lerá a sentença transitada em julgado ao condenado e o advertirá das conseqüências do cometimento de nova infração penal e do descumprimento das condições impostas (art. 160, LEP). Caso o condenado, intimado da audiência, pessoalmente ou por edital com prazo de vinte dias, não compareça à mesma, a suspensão ficará sem efeito e será determinada imediatamente a execução da pena privativa de liberdade (art. 161, LEP).
Conforme regra do § 1º do art. 158 da LEP, as condições impostas pelo juiz, na sentença, deverão se adequados ao fato e à situação pessoal do condenado (art. 79, CP), devendo incluir entre as mesmas a prestação de serviços à comunidade ou a limitação de fim de semana, que deverão ser cumpridas no primeiro ano da suspensão (art. 78, § 1º, CP). Caso o condenado repare o dano, salvo impossibilidade de fazê-lo e as condições previstas no art. 59 do CP lhe sejam favoráveis, o juiz poderá, ao invés de condenar à prestação de serviços à comunidade ou limitação de fim de semana, impor as seguintes condições: a) proibição de frequentar determinados lugares; b) proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz; c) comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades (art. 78, § 2º, CP).
Em que pese o caráter atenuador da suspensão condicional da execução da pena, entende-se que a imposição de prestação serviços à comunidade ou limitação de fim de semana no primeiro ano da suspensão, corresponde à substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos.
O juiz da execução poderá, a qualquer tempo, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante proposta do Conselho Penitenciário, modificar as condições e regras estabelecidas na sentença, ouvido o condenado (art. 158, § 2º, LEP).
O art. 77 do Código Penal lista, em seus incisos, os casos que obstam a concessão do sursis. Portanto, não poderão se beneficiar da suspensão condicional da pena o condenado que seja reincidente em crime doloso (inciso I), o que não inclui, naturalmente, os crimes culposos e as contravenções penais.
Não poderá, da mesma forma, se beneficiar com o sursis, o condenado cuja culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade não justifiquem a imposição da medida, assim como não se aplicará, também, a medida se o juiz entender que os motivos e as circunstâncias não o autorizam a conceder o benefício (inciso II).
O juiz também não concederá a suspensão se for cabível, primeiramente, a substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos, prevista no art. 44 do CP (inciso III). Nesse sentido, Zaffaroni & Pierangeli observam que
O inciso III do art. 77 indica que a suspensão condicional da execução possui caráter residual, isto é, concede-se sempre que não seja conveniente ou cabível alguma substituição das penas previstas no art. 44. (2008, p. 726)
     A substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos pressupõe condenação de até quatro anos. Mas caso o réu condenado a até dois anos de privação da liberdade, não puder ter sua pena de prisão substituída por restritiva de direitos, passar-se-á a análise da possibilidade de suspensão condicional da execução da pena. 
A condenação anterior por pena de multa não obstará a aplicação da medida suspensiva (art. 77, § 1º, CP).
     Concedida suspensão condicional da execução da pena privativa de liberdade, o condenado sofrerá fiscalização por parte do Estado ou a quem este delegar, devendo comparecer periodicamente para comprovar a observância das condições impostas, comunicando sua ocupação e seus rendimentos. A entidade fiscalizadora se incumbirá de comunicar ao órgão de inspeção qualquer fato que possa acarretar modificação na situação do condenado (art. 158, §§ 3º, 4º e 5º, LEP).
     O Código Penal, em seu art. 81, prevê os casos que ensejarão a revogação da suspensão condicional da pena. Tal revogação poderá ser obrigatória ou legal, nos casos previstos em lei ou facultativa ou judicial, a critério do juiz.
Dessa forma, a suspensão deverá ser revogada obrigatoriamente, pelo juiz, quando o beneficiado é condenado, durante o período de prova, por crime doloso, em sentença irrecorrível (inciso I). Para tanto deverá ser juntada ao processo a certidão de trânsito em julgado da sentença.
     Também será obrigatoriamente revogada a suspensão da execução da pena privativa liberdade se o agente, tendo sido também condenado a pena de multa, não a paga, mesmo tendo condições patrimoniais para tanto ou se, sem nenhum motivo justificável, deixa de reparar o dano causado ao ofendido (inciso II).
     Também ocorrerá a revogação obrigatória do sursis se o condenado não cumprir a determinação do § 1º do art. 78 do CP, ou seja, caso não preste os serviços à comunidade ou não observe as limitações de fim de semana impostas, a suspensão estará automaticamente revogada.
     Quanto à revogação facultativa, fica a cargo da discricionariedade do juiz revogar a suspensão se o agente descumprir qualquer outra condição imposta na sentença, além das já previstas nos incisos I a III do art. 81 do CP ou for condenado, em sentença irrecorrível, por crime culposo ou por contravenção, à pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos (art. 81, § 1º, CP).
     Situação curiosa suscitada por Bitencourt (2009, p. 704) diz respeito ao agente, beneficiado com a suspensão, que sofre condenação por crime culposo. E se o juiz entender por bem não revogar o benefício e a segunda pena também tiver sua execução suspensa, caso seja privativa de liberdade? É possível cumprir as duas suspensões simultaneamente ou deverão ser cumpridas sucessivamente? E se a segunda pena não for suspensa? Espera-se o término da suspensão da primeira para se executar a segunda? Segundo Bitencourt (2009, p. 704) nem a lei, nem a doutrina e tampouco a jurisprudência respondem a essas questões.
     Se durante o prazo da suspensão o condenado estiver sendo processado por outro crime ou contravenção, enquanto não houver o julgamento definitivo do caso, considera-se prorrogado o período de prova imposto ao agente (art. 81, § 2º, CP).
     Quando a revogação da suspensão for de caráter facultativo, ao juiz é permitido, ao invés de revogar a suspensão, prorrogar o período de prova até ao máximo, caso o prazo fixado para a suspensão não tenha sido aplicado em seu máximo (art. 81, § 3º, CP).
     Expirado o prazo de prova sem ter havido a revogação do mesmo, considera-se extinta a pena privativa de liberdade, nos termos do art. 82 do Código Penal.
Importa ressaltar que a maioria da doutrina entende que se a suspensão for revogada, seja pela via obrigatória ou facultativa, o condenado deve cumprir integralmente a pena de privação da liberdade até então suspensa, não se permitindo descontar da execução o prazo de prova cumprido.      Contudo, ao analisarmos a questão pela lente dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, entendemos que não deve ser assim.
Considerando que quem se beneficia com o sursis são indivíduos condenados a até dois anos de prisão, geralmente por crimes de menor potencial ofensivo, que não sejam reincidentes em crimes dolosos e que se submetem à condições impostas para a suspensão, não é razoável que por uma condenação posterior, por crime culposo ou contravenção, deva o réu se recolher ao cárcere e cumprir a pena na sua totalidade, tendo já cumprido parte do tempo da suspensão e se submetido às suas condições.
Que benefício ou que incentivo haveria para a ressocialização de um apenado se por um ato de negligência, imprudência ou imperícia, viesse a ser condenado por uma pena de multa e tivesse que cumprir a pena anteriormente suspensa integralmente?
Dessa forma entendemos que a pena a ser cumprida em caso de revogação facultativa do sursis deve ser correspondente a apenas ao restante do período de prova, caso o período da suspensão seja o mesmo da pena imposta.
 
4. CONCLUSÃO
Pelo exposto, fica clara a inclinação do Direito Penal brasileiro, no sentido de observar a prevalência da dignidade da pessoa humana, quando caminha no sentido de punir, mas de forma menos rígida, observando o princípio da proporcionalidade na aplicação da pena.
A máxima socrática de tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, na medida de sua desigualdade a fim de igualá-los, é perfeitamente aplicável na seara do Direito Penal, mormente no que se refere à imposição de penas.
Não se pode cogitar de privar a liberdade de alguém que goza de bons antecedentes, tem trabalho lícito e família constituída, sem considerar que penas mais brandas podem ter efeito mais positivo do que penas severas, que poderão, ao contrário do que se espera, deformar a personalidade e o caráter do agente.
Nessa esteira, observa-se a grande importância dada à não reincidência como condição a ser observada para que o agente se beneficie dos institutos alhures analisados.
É bem de ver, também, que de nada adianta a previsão de penas alternativas ou substitutivas ao cárcere, se sua aplicação se dá de forma tímida ou ao bel prazer dos julgadores, configurando abuso na discricionariedade.
É justamente com base nesse tipo de preocupação que tem se elevado tais institutos à categoria de direito subjetivo do réu. Nesse passo, vale registrar a posição de alguns doutrinadores a respeito dessa assertiva.
No que tange à transação prevista na Lei 9.099/95, Pacelli (2009, pag. 622) obtempera que tal benefício constitui verdadeiro direito subjetivo do réu. Corrobora o entendimento do mestre o seguinte julgado do STJ:
HABEAS CORPUS. REVISÃO CRIMINAL. FASE DE EXECUÇÃO DA PENA. TRANSAÇÃO PENAL. JUSTIFICATIVA DO ÓRGÃO DE ACUSAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE QUALQUER CONTESTAÇÃO DA DEFESA. MATÉRIA VENCIDA PELO TEMPO. Apesar de ser direitosubjetivo do acusado, a transação penal deve obedecer aos limites do tempo e à discussão no processo, de forma a evitar-se seja sedimentada a decisão indeferitória pelo transcurso do tempo. In casu, o Ministério Público bem ou mal justificou a não proposta da transação penal, sendo que a defesa não intentou contra o indeferimento qualquer espécie de contestação nas fases posteriores, mas apenas em sede revisional e quando já em curso o procedimento executório, o que torna inviável a retroação para novo exame. Ordem denegada. 9HC 37888/SP, 5ª TURMA, STJ, JULGADO EM 07/10/2004, MIN. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA)
No entanto, tal direito não assistirá ao acusado que injustificadamente não comparecer à audiência preliminar ou de instrução e julgamento. Entendimento esse firmado pelo STJ no seguinte julgado:
HABEAS CORPUS. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. AUSÊNCIA DE PROPOSTA DE TRANSAÇÃO PENAL. FALTA INJUSTIFICADA DO INDICIADO NAS AUDIÊNCIAS. ORDEM DENEGADA. 1. Inexiste ilegalidade na falta de oferecimento do benefício der transação penal quando o indiciado, regularmente intimado, deixa de comparecer à Audiência Especial e à Audiência de Instrução e Julgamento, inviabilizando a  proposta dos benefícios da Lei 9.099/95. 2. Ordem denegada. (HC 97304/RJ, 5ª TURMA, STJ, JULGADO EM 14/04/2009, MIN. LAURITA VAZ)
Por sua vez, Damásio de Jesus (2003, p.532), quando trata da substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direito, o faz considerando como obrigatória sua realização por parte do Estado-juiz.
     Já no caso da suspensão condicional da execução da pena, na lição de Capez (2007, p. 468), o sursis é “direito público subjetivo do réu de, preenchidos todos os requisitos legais, ter suspensa a execução da pena imposta, durante certo prazo e mediante determinadas condições”, conceito esse acompanhado por grande parte da doutrina brasileira.
     Nesse diapasão, diante da não aplicação das referidas medidas alternativas ao cárcere, restaria cabível a impetração de Mandado de Segurança ou Habeas Corpus.
     Finalmente, é de se observar que a primeira medida analisada se dá com intuito de abortar a persecução penal na fase processual. Com relação aos outros dois tipos de benefícios alternativos ao cárcere, registra-se a já prolação da sentença penal condenatória, ou seja, tais são aplicáveis na fase de execução da pena.
     Certo é que o uso mais frequente de tais medidas tende a desafogar o sistema penitenciário brasileiro, gerando economia aos cofres públicos e menos criminosos pós-graduados em criminalidade.
 
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Martins Claret, 2002. 128 p.
BITENCOURT, Cézar Roberto. Tratado de Direito Penal. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. V. 1.
BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. V. 1
FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Manual de Processo Penal. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 11 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. 822 p.
PIERANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de Direito Penal Brasileiro. 7 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. V. 1.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30 ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
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