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Breve refrexão sobre o princípio do Devido Processo Legal


Autoria:

Pedro Augusto Lisboa Heck


Estudante de Direito, cursando o 4º semestre pelo Centro Universitário COC.

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Resumo:

O presente trabalho terá como escopo conceituar o princípio do Devido Processo Legal bem como seus desdobramentos, situando-os no contexto histórico mundial e a partir de análise de direito comparado observar as origens e evolução deste princípio.

Texto enviado ao JurisWay em 07/06/2010.

Última edição/atualização em 08/06/2010.



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Introdução

 

            Princípios podem ser definidos como a verdade básica imutável de uma ciência, funcionando como pilares fundamentais da construção de todo o estudo doutrinário.

            Existem princípios onivalentes, assim chamados porque se aplicam a todas as ciências. São exemplos de princípios onivalentes o princípio da identidade (A é A), e o da não-contradição (A não pode ser não-A). Já outros princípios são de aplicação restrita a uma determinada ciência, como os "Princípios Gerais do Direito". A professora Lúcia Figueiredo, explica serem os Princípios Gerais do Direito "o conjunto de normas gerais, abstratas, não necessariamente positivadas expressamente, porém às quais todo ordenamento jurídico que se construa, com a finalidade de ser um Estado Democrático de Direito deve respeito".

            Dentre estes Princípios Gerais, o objeto de análise do presente trabalho será o Devido Processo Legal. É lícito conceituar, preliminarmente, este princípio a partir do pensamento do jurista Paulo Henrique dos Santos Lucon: "(...) a igualdade interage com o devido processo legal, pois o exercício do poder estatal só se legitima através de resultados justos e conformes com o ordenamento jurídico, por meio da plena observância da ordem estabelecida, com as oportunidades e garantias que assegurem o respeito ao tratamento paritário das partes. Tal é o direito ao processo justo, ou seja, o direito á efetividade das normas e garantias que as leis do processo e de direito material oferecem. A real consecução do acesso á justiça e do direito ao processo exige o respeito às normas processuais portadoras de garantias de tratamento isonômico dos sujeitos parciais do processo. Ao estabelecer a ordem de atos a serem praticados lógica e cronologicamente, com a observância de todos os requisitos inerentes a cada um deles e a exigência da realização de todos a lei pretende atingir um resultado de modo a tutelar quem tem razão. Isso significa atingir a ordem jurídica justa, que tem estreita relação com o devido processo legal, pois igualmente pode ser vista como meio e fim; se de um lado é a própria abertura de caminhos para a obtenção de uma solução justa, de outro constitui a própria solução justa que se espera – justa porque conforme com os padrões éticos e sociais eleitos pela nação. Daí porque o devido processo legal é uma cláusula de abertura do sistema na busca por resultados formal e substancialmente justos. Tal é a amplitude que se espera dessa garantia de meio e de resultado, que desenha o perfil democrático do processo brasileiro na obtenção da justiça substancial."

            A partir da explicação do jurista é possível extrair que o devido processo legal possui duas acepções: a) uma processual, pela qual o exercício da jurisdição deve ser efetuado por órgão competente, previamente estabelecido e com a observância de procedimentos formais, a fim de dar um tratamento justo às partes. b) e uma substancial, que nada mais é uma garantia de limitação do arbítrio estatal na construção e aplicação das leis, autorizando ao julgador questionar a razoabilidade e proporcionalidade de determinada lei.

 

Direito Processual e o Devido Processo Legal

 

            Em uma sociedade evoluída, com o estabelecimento de normas gerais de conduta, cuja observância é imposta a todos os cidadãos, inaceitável é a solução de conflitos por meio da sujeição do mais fraco pelo mais forte. Tal forma de composição de litígios era largamente aplicada em épocas em que o Estado se encontrava ausente, ou sem autoridade suficiente para se impor aos particulares, sendo substituída pela função estatal jurisdicional no decorrer da História.

            Entretanto, ao delegar aos agentes políticos a atividade jurisdicional, como forma de garantir a paz e a estabilidade social, a sociedade exige soluções para seus conflitos através da aplicação de um instrumento com regras previamente definidas pela lei, que regulem a relação jurídica que surgirá entre o Estado e aqueles que o procuram para resolver suas lides. Trata-se do Processo que, como foi dito, é o instrumento colocado à disposição dos cidadãos para a solução de seus conflitos de interesses e pelo qual o Estado exerce a jurisdição.

            Diz a professora Ada Pellegrini Grinover em sua obra sobre Teoria Geral do Processo: “No desempenho de sua função jurídica o Estado regula as relações intersubjetivas através de duas ordens de atividades, distintas, mas intimamente relacionadas. Com a primeira, que é a legislação, estabelece as normas que, segundo a consciência dominante, devem reger as mais variadas relações, dizendo o que é lícito e o que é ilícito, atribuindo direitos, poderes, faculdades, obrigações; são normas de caráter genérico e abstrato, ditadas aprioristicamente, sem destinação particular a nenhuma pessoa e a nenhuma situação concreta; são verdadeiros tipos, ou modelos de conduta (desejada ou reprovada), acompanhados ordinariamente dos efeitos que seguirão à ocorrência de fatos que se adaptem às previsões. Com a segunda ordem de atividades jurídicas, consistente na jurisdição, cuida o Estado de buscar a realização prática daquelas normas em caso de conflito entre pessoas declarando, segundo o modelo contido nelas, qual é o preceito pertinente ao caso concreto (processo de conhecimento) e desenvolvendo medidas para que esse preceito seja realmente efetivado (processo de execução). Nesse quadro, a jurisdição é considerada uma longa manus da legislação, no sentido de que ela tem, entre outras finalidades, a de assegurar a prevalência do direito positivo do país”. (p.44)

            Desprende-se a partir desse conceito que o escopo magno da função estatal (particularmente da Jurisdição) e, por conseqüência, de todo o sistema processual é a pacificação social.

            É o Direito Processual, portanto, o conjunto de normas e princípios que estuda essa atividade substitutiva do Estado e a relação jurídica que irá desenvolver-se entre as partes litigantes e o agente político (juiz) que exerce a função jurisdicional e não um mero estudo dos procedimentos do processo.

            A convergência e interligação harmônica dos princípios do Direito Processual dão origem ao objeto em análise deste trabalho, o Devido Processo Legal, visto que têm como escopo a efetiva aplicação da função jurisdicional, oferecendo às partes uma solução justa (dentro dos padrões esperados e exigidos pela sociedade), na medida em que oferece aos litigantes oportunidades equivalentes a fim de buscarem a satisfação de suas pretensões. Ou seja, a conjugação destes princípios culminará em um processo justo, em um “devido processo”. Os princípios fundamentais são:

 

  • Princípio da Isonomia

 

            De acordo com esse princípio constitucional, todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (artigo 5.º, caput, da Constituição Federal). Portanto, os iguais são tratados conforme seus pares e os desiguais conforme os seus, cada qual na medida de suas desigualdades.

 

  • Princípio do juiz natural (CF, art. 5º, XXXVII e LIII)

 

            Princípio derivado da garantia da imparcialidade do juiz. A imparcialidade do juiz é uma garantia de justiça para as partes. Assim de acordo com o Princípio do Juiz Natural, os litígios serão apreciados pelo juiz que integra o Poder Judiciário, investido de jurisdição (art. 5º, LIII, da Constituição Federal) e por tribunal formado anteriormente ao fato a ser apreciado (art. 5º, XXXVII, da Constituição Federal afirma que não haverá tribunal de exceção).

 

  • Princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV)

 

            É o princípio expresso no artigo 5.º, inc. XXXV, da Constituição, que garante a todos o acesso ao Poder Judiciário, não podendo este deixar de atender a quem busque solução para uma pretensão fundada no direito.

 

  • Princípios do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, LV)

 

            Pelo princípio do contraditório o órgão judicante não pode decidir uma questão ou pretensão sem que seja ouvida a parte contra a qual foi proposta, resguardando, dessa forma, a paridade dos litigantes nos atos processuais. Já o princípio da ampla defesa assegura a todos que estão implicados no processo que, conforme o contraditório, possam produzir provas de maneira ampla, por todos os meios lícitos conhecidos.

            Em decorrência destes princípios, é obrigatório que se dê ciência a cada litigante dos atos praticados pelo juiz e pelo adversário, para garantir a efetiva participação no processo, inclusive com possibilidade de influir na decisão do juiz.

 

  • Princípio da ação ou da demanda

 

            É a vontade da parte que instaura o processo, movimentando a máquina judiciária para apreciar determinado caso concreto. É relativo à propositura da ação. O princípio da demanda tem como decorrência o fato do juiz não poder agir de ofício, devendo aguardar a provocação das partes.

Exceção:

-execução trabalhista - Art. 878, CLT (pode ser iniciada ex officio)

 

  • Princípio do impulso oficial

 

            Uma vez instaurada a relação processual, cabe ao juiz mover o procedimento de fase em fase, visando a rápida solução das causas.

 

  • Princípios da disponibilidade e da indisponibilidade

 

            No processo civil, é das partes o ônus de iniciar, determinar o objeto, produzir provas e impulsionar o processo, podendo dele dispor (desistir). No processo criminal, via de regra, não há disponibilidade. Tratando-se de direitos disponíveis prevalecerá a verdade formal (a verdade de acordo com as provas apresentadas no processo), já no caso de direitos indisponíveis deverá prevalecer a verdade real (o juiz deverá buscar a verdade além do que foi apresentado no processo se assim for necessário).

 

  • Princípio dispositivo e princípio da livre investigação das provas

 

            Na instrução da causa, o juiz depende da iniciativa das partes quanto às provas e às alegações em que se fundamentará a decisão. Não é nem função e nem ônus do juiz a produção de provas não requeridas pelas partes. É a regra da iniciativa probatória da parte.

 

  • Princípio da proibição da prova ilícita (CF, art. 5º, LVI)

 

            São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.

 

  • Princípio da persuasão racional do juiz

 

            O juiz forma livremente a sua convicção pela análise, apreciação e avaliação das provas produzidas nos autos. Porém, o convencimento deve ser motivado.

 

  • Motivação das decisões judiciais ou livre convencimento motivado

 

            De acordo com tal princípio, todas as decisões precisam ser fundamentadas sob pena de nulidade. A fundamentação é indispensável para que a parte tenha elementos para recorrer, para que a parte possa ter ciência do motivo da decisão e para garantir a observância do princípio da legalidade.

 

  • Princípio da publicidade dos atos processuais (CF, art. 5º, LX, e art. 93, IX)

 

            O princípio da publicidade é, sem dúvida, uma das maiores garantias do indivíduo no exercício da jurisdição. Visa assegurar a fiscalização popular sob o trabalho dos juízes, advogados e promotores públicos, tendo em vista a livre consulta dos autos por todos, bem como a presença pública em audiências. Obviamente que o princípio possui exceções, como por exemplo, nos casos em que o interesse social ou mesmo particular venham a exigir discrição e anonimato.

 

  • Princípio da lealdade processual, da probidade ou da moralidade processual

 

            É dever das partes que integram a relação processual agir com lealdade, boa-fé e urbanidade.

 

  • Princípio do duplo grau de jurisdição

 

            O princípio do duplo grau de jurisdição tem por objetivo possibilitar a reapreciação ou revisão da decisão judicial por outro órgão, de superior hierarquia, do Poder Judiciário, em grau de recurso, visando evitar decisões injustas e equivocadas do juízo de primeiro grau.

 

  • Princípio da economia processual e instrumentalidade das formas

 

            É dever dos juízes e das partes buscar a rápida solução da lide, com a prática do menor número de atos processuais possíveis, afastando-se as diligências inúteis e protelatórias.

 

  • Identidade física do juiz

 

            O mesmo julgador que inicie a instrução em audiência, deve concluí-la para julgar o caso concreto.

 

  • Celeridade processual (CF, art. 5º, LXXVIII)

 

            A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

 

 

Histórico do Devido Processo Legal

 

            A garantia do devido processo legal surgiu na Inglaterra do século XIII, sob o reinado de João I, conhecido como João sem terra. O rei foi obrigado a aceitar uma declaração de direitos imposta pelos barões ingleses, que ficou conhecida como Magna Carta (1215). O devido processo legal vem traduzido no parágrafo trinta e nove do documento:

 

            "Nenhum homem livre será detido ou sujeito a prisão, ou privado dos seus direitos ou seus bens, ou declarado fora da lei, ou exilado, ou reduzido em seu status de qualquer outra forma, nem procederemos nem mandaremos proceder contra ele senão mediante um julgamento legal pelos seus pares ou pelo costume da terra".

 

            No Direito norte-americano este princípio tem seu nascedouro graças aos ingleses protestantes que fugiram das perseguições religiosas, trazendo consigo os princípios do Common Law. O Devido Processo aparece já na Declaração de Direitos da Virgínia de 1776 em seu décimo artigo:

 

            “Em todos os processos por crimes capitais ou outros, todo indivíduo tem o direito de indagar da causa e da natureza da acusação que lhe é intentada, tem de ser acareado com os seus acusadores e com as testemunhas; de apresentar ou requerer a apresentação de testemunhas e de tudo que for a seu favor, de exigir processo rápido por um júri imparcial e de sua circunvizinhança, sem o consentimento unânime do qual ele não poderá ser declarado culpado. Não pode ser forçado a produzir provas contra si próprio; e nenhum indivíduo pode ser privado de sua liberdade, a não ser pôr um julgamento dos seus pares, em virtude da lei do país”.

 

            E novamente aparece na 5ª Emenda à Constituição Americana, proposta em 1791:

 

            “No person shall be held to answer for a capital, or otherwise infamous crime, unless on a presentment or indictment of a Grand Jury, except in cases arising in the land or naval forces, or in the Militia, when in actual service in time of War or public danger; nor shall any person be subject for the same offense to be twice put in jeopardy of life or limb; nor shall be compelled in any criminal case to be a witness against himself, nor be deprived of life, liberty, or property, without due process of law; nor shall private property be taken for public use, without just compensation”.

 

            Através dessa emenda foi introduzido no mundo jurídico o termo “Due Process of Law”, estabelecendo que "nenhuma pessoa pode ser privada da vida, liberdade ou propriedade, sem o devido processo legal". Entretanto essa cláusula só se referia, no momento em que foi criada, ao processo na acepção procedimental (Procedural Due Process). Só em 1890, graças às construções jurisprudências da Suprema Corte Americana, foi incorporado a esta cláusula o sentido substancial, com o escopo de proteger os direitos assegurados pela Bill of Rights. Protegendo assim os direitos fundamentais contra ações arbitrárias do Estado.

 

            Citando outro exemplo de forma mais sucinta, é possível também observar o Devido Processo na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em seus artigos sétimo e oitavo:

 

            Art. 7.º Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei e de acordo com as formas por esta prescrita. Os que solicitam, expedem, executam ou mandam executar ordens arbitrárias devem ser punidos; mas qualquer cidadão convocado ou detido em virtude da lei deve obedecer imediatamente, caso contrário torna-se culpado de resistência.

            Art. 8.º A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada.

            No Brasil, o princípio do Devido Processo aparece vagamente na área criminal e na forma procedimental já na Constituição de 1824:

 

            Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.

       

            VIII. Ninguem poderá ser preso sem culpa formada, excepto nos casos declarados na Lei; e nestes dentro de vinte e quatro horas contadas da entrada na prisão, sendo em Cidades, Villas, ou outras Povoações proximas aos logares da residencia do Juiz; e nos logares remotos dentro de um prazo razoavel, que a Lei marcará, attenta a extensão do territorio, o Juiz por uma Nota, por elle assignada, fará constar ao Réo o motivo da prisão, os nomes do seu accusador, e os das testermunhas, havendo-as.

 

            Após a Proclamação da República veio a Constituição de 1891, com clara inspiração na Constituição Americana. Da mesma forma que a Constituição anterior, a de 1891 não trouxe de maneira expressa o Devido Processo Legal, mas já trazia a garantia da ampla defesa:

 

            Art. 72 A Constituição assegura a brazileiros e a estrangeiros residentes no paíz a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á propriedade nos termos seguintes:

 

            § 16 – Aos accusados se assegurará na lei a mais plena defesa, com todos os recursos e meios essenciaes a ella, desde a nota de culpa, entregue em vinte e quatro horas ao preso e assignada pela autoridade competente, com os nomes do accusador e das testemunhas."

 

Na Constituição de 1934:

 

            Art. 113 A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á subsistencia, á segurança individual e á propriedade, nos termos seguintes:

 

            24) A lei assegurará aos accusados ampla defesa, com meio e recursos essenciaes a esta.

 

Na Constituição de 1937:

 

            Art. 122 A Constituição assegura aos brasileiros, estrangeiros residentes no país o direitos à liberdade, à segurança individual e á propriedade, nos termos seguintes:

 

            11) À exceção do flagrante delito, a prisão não poderá efetuar-se senão depois de pronúncia do indiciado, salvo os casos determinados em lei e mediante ordem escrita da autoridade competente. Ninguém poderá ser conservado em prisão sem culpa formada, senão pela autoridade competente, em virtude de lei e na forma por ela regulada; a instrução criminal será contraditória, asseguradas, antes e depois da formação da culpa, as necessárias garantias de defesa.

 

            A Constituição de 1946, elaborada com bases democráticas trouxe em seu texto:

 

            Art. 141 A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos têrmos seguintes:

 

            § 4º - A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual.

 

            § 25 – É assegurada aos acusados plena defesa, com todos os meio e recursos essenciais a ela, desde a nota de culpa, que, assinada, pela autoridade competente, com os nomes do acusador e das testemunhas, será entregue ao preso dentro de vinte e quatro horas. A instrução criminal será contraditória.

 

            A Constituição de 1967 por estar inserida em um contexto ditatorial e repressor trouxe em seu texto as garantias fundamentais, entretanto, estas obviamente não foram respeitadas.

 

            Art. 150 A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos têrmos seguintes:

 

            § 15 – A lei assegurará aos acusados amplos defesa, com os recursos a ela inerentes. Não haverá fôro privilegiado nem tribunais de exceção.

 

            Finalmente, a Constituição de 1988, também chamada de Constituição Cidadã que pela primeira vez trouxe, de forma expressa, em seu texto o princípio do Devido Processo Legal em seu artigo quinto.

 

            Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

 

            XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

 

            LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

 

            LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

 

 

Jurisprudência

 

            Por mais absurdo que possa parecer, em um Estado Democrático de Direito ainda ocorrem afrontas ao princípio do Devido Processo Legal como é possível observar nos seguintes acórdãos:

 

 

Apelação Cível n.: 994.02.096152-1 - Pacaembu (289.384.5/9-00)

 

EMENTA:

 

Apelação Cível. Mandado de segurança. Reintegração em cargo público. Servidora pública admitida em concurso público para o cargo de faxineira. Exoneração do cargo durante o estágio probatório, justificando-se o ato no limite de gastos com pessoal estabelecido na Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/2000). Pretensão da autora de ser reconduzida ao cargo. Alegação de ofensa ao contraditório e à ampla defesa. Ordem denegada. Recurso provido. - "Nos termos das Súmulas n.°s 20 e 21 do Supremo Tribunal Federal, a Administração Pública não pode exonerar servidores em estágio probatório, sem o procedimento administrativo, ou seja, sem as garantias do devido processo legal, conferindo ao Servidor oportunidade ao contraditório e à ampla defesa".

 

            No caso acima, apreciado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, a funcionária fora exonerada de cargo público durante o estágio probatório sem ter direito ao contraditório e à ampla defesa. E a fundamentação do Apelado baseou-se em uma lei que afronta o princípio do Devido Processo, mais especificamente o princípio do Contraditório e da Ampla Defesa. O artigo 169, § 3°, inciso II, incluídos pela Emenda Constitucional n.° 19/98, prescreve:

 

            Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar.

 

            § 3º Para o cumprimento dos limites estabelecidos com base neste artigo, durante o prazo fixado na lei complementar referida no caput, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios adotarão as seguintes providências:

 

            II - exoneração dos servidores não estáveis.

 

            O artigo 23, caput, da Lei Complementar n.° 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) preceitua:

 

            Art. 23. Se a despesa total com pessoal, do Poder ou órgão referido no art. 20, ultrapassar os limites definidos no mesmo artigo, sem prejuízo das medidas previstas no art. 22, o percentual excedente terá de ser eliminado nos dois quadrimestres seguintes, sendo pelo menos um terço no primeiro, adotando-se, entre outras, as providências previstas nos §§ 3º e 4º do art. 169 da Constituição.

 

            Entretanto as Súmulas n.°s 20 e 21, do Supremo Tribunal Federal estabelecem:

 

            Súmula n.° 20: É necessário processo administrativo, com ampla defesa, para demissão de funcionário admitido por concurso.

 

            Súmula n.º 21: Funcionário em estágio probatório não pode ser exonerado nem demitido sem inquérito ou sem as formalidades legais de apuração de sua capacidade.

 

 

Agravo de Instrumento n° 990.10.150886-9

 

EMENTA:

 

EXECUÇÃO FISCAL - VALOR INFERIOR A 50 ORTN - APELAÇÃO – CABIMENTO - INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 34 DA LEI Nº 6.830/80 - AGRAVO PROVIDO. "É INCONSTITUCIONAL O ART. 34 DA LEI N° 6.830/80, QUE OFENDE O PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO, UM DOS PILARES DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, CONSAGRADO NA CARTA MAGNA. ALÉM DISSO, A ORTN FOI EXTINTA, INEXISTENTE, PORTANTO, A BASE DE CÁLCULO DO VALOR DE ALÇADA".

 

            Nos termos do art. 34, da Lei 6.830/80, nas causas de valor igual ou inferior a 50 ORTNs (Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - era uma modalidade de título público federal que foi emitida entre 1964 e 1986 com a característica de pagar uma remuneração corrigida), serão admitidos apenas embargos declaratórios ou infringentes, dirigidos ao próprio magistrado prolator da decisão.

            Nesse caso observa-se uma violação do princípio do Duplo Grau de Jurisdição, visto que, este princípio pressupõe reexame por órgão jurisdicional distinto do que proferiu a decisão primitiva, o que não se dá com os embargos do art. 34 da Lei nº 6830/80.

           

 

Apelação Cível Nº 70032816597, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS

 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. INTERMEDIAÇÃO NA VENDA DE AÇÕES. RESSARCIMENTO DE AÇÕES. CITAÇÃO POR EDITAL. DESCABIMENTO. NÃO ESGOTADAS AS MEDIDAS NECESSÁRIAS À LICALIZAÇÃO DA EMPRESA RÉ. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO, AMPLA DEFESA E DEVIDO PROCESSO LEGAL. PRECEDENTES. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. UNÂNIME.

 

            Neste caso não foram esgotados os meios necessários no sentido de localizar a empresa demandada, não tendo sido postulado o encaminhamento de ofício à Junta Comercial e à Fazenda Pública Federal, Estadual e Municipal. Portanto, entendeu o Tribunal que deve ser declarada a nulidade do ato citatório, de modo a preservar os princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa e devido processo legal.

 

 

TJMG: 101450846617530011

APELAÇÃO CIVIL - BUSCA E APREENSÃO - CONEXÃO DE AÇÕES - REVISIONAL DE CONTRATO - CLÁUSULAS ABUSIVAS - OPORTUNIZAÇÃO PARA PURGAÇÃO DE MORA - VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA - NULIDADE DA SENTEÇA - RECURSO PROVIDO.

 

            O art. 105, do CPC, estabelece que havendo conexão ou continência, o juiz, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, poderá ordenar a reunião de ações propostas em separado, a fim de que sejam decididas simultaneamente, e sem contradições. Configura violação ao devido processo legal, constitucionalmente garantido às partes.

 

 

Conclusões

 

            A partir do exposto observa-se que o Devido Processo possui duas acepções: uma processual, que institui uma série de procedimentos estabelecidos pela lei e anteriores ao fato a ser julgado. E uma substancial, que é uma ferramenta a ser utilizada como garantia da proteção da coletividade contra arbítrios estatais, constitui limite ao Legislativo no sentido de que as leis devem ser elaboradas com justiça, devem ser dotadas de razoabilidade.

            Ficou constatado também, que sua criação e evolução não se constituíram em um ato isolado, e sim, de um lento processo que acompanhou as necessidades sociais. E consagrou-se no decorrer dessa trajetória, indubitavelmente, como um dos Princípios Gerais de Direito, aplicado em quase todos os agrupamentos humanos.

            Ainda, foi colocado que o Princípio analisado por este ensaio é composto pela conjugação de diversos outros “sub-princípios” (denominação esta que não tem como escopo rebaixar ou atribuir menos importância aos demais princípios, e sim, colocá-los como elementos constitutivos do Devido Processo Legal), dessa forma aumentando sua abrangência e dando mais segurança aos litigantes em geral.

            Em suma, é licito dizer que consagração expressa do Devido Processo no texto da Carta Política de 1988 ainda não afastou algumas tentativas de arbítrios estatais, como foi observado nos julgados supracitados, e com isso, torna-se cada vez mais evidente e necessário a aplicação do Devido Processo em sua acepção substancial, buscando a razoabilidade e racionalidade na edição de leis futuras, entretanto, não menos importante é o seu papel na adaptação ou eventual revogação de dispositivos da legislação anterior à promulgação da Constituição Cidadã. E não apenas isso, é necessário buscar o aprimoramento do Devido Processo em sua acepção processual, visando soluções justas, com uma duração de tempo razoável do litígio, a fim, de evitar a angústia individual, oferecer assistência jurídica efetiva àqueles que não possuem condições de custear o processo (e determinados procedimentos que o integram). Permitindo assim o acesso à justiça a todos que busquem a defesa de suas pretensões pela da atividade jurisdicional.

 

 

 

 

Bibliografia

 

GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 26ª Ed. São Paulo: RT, 2010

 

NERY Júnior, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 6ª Ed. São Paulo: RT, 2000

 

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 9ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2000

 

 

Fontes

 

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4749

 

http://campus.fortunecity.com/clemson/493/jus/m09-015.htm

 

www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/Pdf/pdf_170/R170-14.pdf

 

http://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/747/Principio-do-devido-processo-legal

 

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