Assistência
Embora a assistência tenha ficado de fora do capítulo em que o CPC trata da intervenção de terceiros, indigitado instituto pode ser tratado como uma das espécies de intervenção, conforme advertido por Arruda Alvim:
Na assistência, ocorre o ingresso de um terceiro em processo alheio – embora venha a assistência disciplinada fora do capítulo atinente à intervenção de terceiros – com a finalidade de colaborar vistas a melhorar o resultado a ser dado nesse litígio, tenho em vista a parte a que passa a assistir, seja porque tenha interesse próprio (art. 50), ou seja porque o seu próprio direito possa ser afetado (art. 54).
Nos termos do art. 50, ocorrerá quando o terceiro, pendendo uma causa entre duas ou mais pessoas, tiver interesse jurídico em que a sentença seja favorável a uma delas, intervir no processo para assisti-la.
Nesta hipótese o terceiro não defende direito próprio, mas sim o da parte a que assiste, coadjuvando-a. Porém, indiretamente estará protegendo um interesse, ou direito, próprio. É a chamada assistência simples.
No entanto, quando a intervenção se der com fundamento no art. 54, teremos a chamada assistência litisconsorcial, eis que, nos termos do Código, “considera-se litisconsorte da parte principal o assistente, toda vez que a sentença houver de influir na relação jurídica entre ele e o adversário do assistido”.
O assistente litisconsorcial em sentido estrito é aquele que ingressa no processo respeitante a lide alheia, não estando sua possível afirmação de direito, com a parte contrária ao assistido (conflito de interesses), no objeto do processo, apesar de a decisão, a ser aí proferida, atingi-la no seu teor, prejudicialmente, ao grau máximo.
Exemplo habitual de assistência litisconsorcial é o caso do herdeiro que intervém na ação em que o espólio é representado pelo inventariante, eis que a sentença proferida para o espólio terá efeito direto e imediato sobre o direito do herdeiro na herança. Segundo Humberto Theodoro Júnior, o assistente “não será apenas equiparado a litisconsorte, será efetivamente um litisconsorte facultativo do espólio, na defesa de direito próprio”.
Nesse ponto reside a grande diferença entre o assistente coadjuvante (art. 50) e o considerado litisconsorte (art. 54): aquele não pode assumir, em face do pedido, posição diversa da do assistido; esse, o assistente litisconsorcial, de que trata este artigo, pode fazê-lo. A assistência simples cessa nos casos em que o processo termina por vontade do assistido (art. 53); a litisconsorcial permite que o interveniente prossiga para defender o seu direito, ainda que a parte originária haja desistido da ação, haja reconhecido a procedência do pedido ou haja transacionado com a outra parte.
O CPC, no art. 50, parágrafo único, autoriza a intervenção do assistente a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, sendo certo que receberá o processo no estado em que o encontrar, razão pela qual não poderá renovar os atos já efetivados e nem praticar atos já preclusos.
Não obstante a legislação autorizar a intervenção assistencial em todos os procedimentos, esta não terá lugar na execução, conforme nos esclarece Humberto Theodoro Júnior:
No processo de conhecimento, qualquer tipo de procedimento admite a assistência. O mesmo ocorre com o processo cautelar. Mas no processo de execução propriamente dito não há lugar para a assistência, porque a execução forçada não se destina a uma sentença, mas apenas à realização do direito do credor. Assim, não haveria, na realidade, como coadjuvar a parte a obter sentença favorável (art. 50).
Quando, porém, a execução for embargada, pelo devedor ou por terceiro, aí, sim, será admissível a assistência, porque os embargos são ação incidental de cognição, que se desenvolve em busca de uma sentença.
O terceiro apresentará o pedido de assistência diretamente nos autos principais. Não havendo impugnação no prazo de cinco dias por nenhuma das partes o pedido será deferido (art. 51 do CPC).
Havendo impugnação, o pedido de assistência será desentranhado e autuado juntamente com a impugnação, em apenso aos autos principais, para que haja produção de provas e, então, decorridos cinco dias do encerramento da instrução, o juiz decidirá o incidente (incisos I a III do art. 51).
Admitida a assistência, o terceiro “atuará como auxiliar da parte principal, exercerá os mesmos poderes e sujeitar-se-á aos mesmos ônus processuais que o assistido” (art. 52).
A atividade processual do assistente simples, insistimos, não pode estar em oposição ou em incompatibilidade com a da parte assistida enquanto estiver em curso o processo em que ocorreu a sua intervenção assistencial. Não deve o assistente simples praticar ato processual algum contrário a outro já levado a efeito pelo assistido. Por isto se chegar a praticá-lo, tal ato carece de validade, à luz do regime jurídico do instituto.
Assim, o assistente poderá atuar amplamente no processo, podendo praticar quase todos os atos como se parte principal fosse, cabendo-lhe sempre observar os prazos de que dispõe a parte principal.
No entanto, quando a assistência ocorrer em favor de demandado revel, “o assistente será considerado seu gestor de negócios”, nos termos do art. 52, parágrafo único, sendo certo que, nesta hipótese, ao assistente deverá ser dada ciência pessoal, mediante intimação, de todos os atos processuais, conforme esclarece Ubiratan de Couto Maurício:
Para que o assistente, que foi admitido na demanda, possa exercer o seu direito processual de auxiliar a uma das partes, necessário se faz, como condição de exercício de sua função, que ele tenha ciência do que está ocorrendo no processo. E este conhecimento dar-se através de intimação.
A equiparação ao gestor de negócios será restrita apenas ao campo processual, ou seja, poderá o assistente desempenhar todas as atividades processuais, mas referida condição “não lhe atribui o poder de dispor do direito substancial em litígio, de que o revel continua a ser titular. Assim, não pode reconhecer a procedência do pedido nem transigir”, conforme assinala Moacyr Lobo da Costa.
Importa salientar, ainda, que justamente por ser a intervenção do assistente acessória à atuação da parte principal, o assistido poderá, independentemente da vontade do assistente, com fundamento no art. 53, (i) reconhecer a procedência do pedido, (ii) desistir da ação ou (iii) transigir acerca dos direitos controvertidos.
Depois de transitada em julgado a sentença, na causa em que houver intervenção assistencial, o assistente não poderá, em processo posterior, discutir a justiça da decisão, a não ser que prove ter sido impedido de produzir provas que influiriam na decisão ou então prove que desconhecia alegações e provas que o assistido, por dolo ou culpa, não se valeu (art. 55, I e II).
Os comentários de Nelson Nery Junior e Rosa Maria Nery nos fornecem valiosa lição sobre o significado do termo “justiça de decisão” empregado pelo legislador, bem como os efeitos que decorrem da regra do art. 55:
São os fundamentos de fato e de direito da sentença. Normalmente, os motivos e a fundamentação da sentença não são acobertados pela autoridade da coisa julgada (CPC 469 I e II). Todavia, em ação na qual interveio o assistente, estes motivos são atingidos pela imutabilidade da sentença, de forma reflexa. Poderíamos dizer, mais tecnicamente, que a justiça da decisão (fundamentos de fato e de direito do dispositivo da sentença) não é atingida pelos limites objetivos da coisa julgada (CPC 469), mas se tornam indiscutíveis em processo futuro pela eficácia preclusiva da coisa julgada. Na prática, isto significa que o assistente não poderá, em processo futuro, rediscutir os motivos de fato e de direito da sentença proferida entre assistido e parte contrária. Salvo, é claro, se alegar e provar a exceção de má gestão processual (exceptio male gesti processus), cujas hipóteses de incidência são apontadas nos incisos da norma ora comentada.