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A Criminologia à Luz da Doutrina Espírita


Autoria:

Wladimir De Souza Miranda


Advogado, recém formado pela Universidade de Alfenas - MG.

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Resumo:

O artigo trata de como a Doutrina Espírita, tão desconhecida para muitos, pode colaborar com a Criminologia no que tange ao apontamento das causas dos crimes e os meios de combatâ-los.

Texto enviado ao JurisWay em 09/04/2010.



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A CRIMINOLOGIA À LUZ DA DOUTRINA ESPÍRITA

 

 

Wladimir de Souza Miranda*

 

 

1 INTRODUÇÃO

 

 

A Criminologia, que estuda as causas do crime e o meio de combatê-las, é uma ciência que depende de outras ciências, tais como a Medicina Legal, a Psicologia, a Sociologia, dentre outras, como meio de se atingir o seu escopo.

A Doutrina Espírita, ou Espiritismo, foi definida pelo seu codificador, Allan Kardec, como sendo ciência, filosofia e religião. Portanto, como ciência que é, tem a contribuir com os estudos criminológicos no que tange a descobrir e catalogar as causas dos crimes. Como filosofia e religião, sempre aliadas à razão e ao bom senso, a Doutrina dos Espíritos tem a oferecer hipóteses que possam contribuir para o combate às causas dos crimes.

Parte, portanto, questionando o porquê de certos indivíduos que, embora tivessem vivido em meio social de boa qualidade, tenham tido uma educação familiar dentro dos padrões aceitáveis pela sociedade e não apresentaram nenhum tipo de transtorno constatado pela ciência convencional, muitas das vezes incidiram na prática criminosa. Às vezes, praticam crimes dos mais hediondos, algo que não raro acontece, pois são muitos os casos que acabam por ser ventilados na mídia.

Portanto, assim como as demais ciências que funcionam como instrumentos da Criminologia para se investigar as causas e meios de combate ao crime, a Doutrina Espírita, no seu tríplice aspecto científico, filosófico e religioso, vem como mais um desses instrumentos para efetuar a sua colaboração.

Eis o que aqui se intenta: dar soluções racionais por meio do conhecimento espírita a problemas pertinentes à Criminologia.

 

 

2 CRIMINOLOGIA E ESPIRITISMO

 

 

Pode-se dizer que a Criminologia teve início no século XVII quando o médico alemão Franz Joseph Gall inventou a frenologia, teoria que propunha apontar qual o grau de criminalidade dos indivíduos, com base nos caracteres morfológicos da pessoa. Posteriormente, já no século XIX, César Lombroso, que é considerado o “pai da Criminologia”, traz à lume a Antropologia Criminal, que consistia num estudo minucioso das características físicas dos indivíduos, a fim de se determinar a propensão para esta ou aquela conduta criminosa (MOTA, 2008).

Desde então os estudos criminológicos vêm evoluindo, sendo que, de maneira sintética, podemos dividir as escolas criminológicas em três: a) Escola Clássica, a qual preconizava que o crime é produto do livre arbítrio do indivíduo, que assim procedeu por deliberação íntima sem qualquer tipo de influência exterior; b) Escola Antropológica, a qual afirmava que o crime é fruto de espécie de “acidente” biológico, visto que era inerente a quem nascesse portador desta ou daquela característica somática; c) por fim, a Escola Sociológica teorizava que o crime era oriundo da influência do meio social em que convivia ou conviveu o indivíduo que o praticara (AMORIM, 2006).

Atualmente, a Criminologia aproveita-se das ciências psicológicas e psiquiátricas como meio de colaborar com seus estudos.

O Espiritismo, em breve resumo, surgiu na França no ano de 1857, com a publicação de “O Livro dos Espíritos”, assinado por Allan Kardec, pseudônimo de Hippolyte Léon Denizard Rivail, polivante professor nascido em Lyon, que, ao ter contato com a sensação da época, as chamadas “mesas girantes”, passou a estudar o fenômeno, em que as mesas pareciam se movimentar sozinhas, descobrindo que quem acionava o fenômeno eram espíritos, isto é, seres humanos que haviam outrora ocupado um corpo de carne (KARDEC, 2002).

Desde então, o professor Rivail, utilizando-se de médiuns[1] diversos, passou a ter contato com os espíritos e, formulando-lhes perguntas, obteve os ensinamentos contidos nos livros da codificação espírita, sendo o primeiro deles o retrocitado compêndio.

O próprio Codificador define o Espiritismo, em duas oportunidades:

 

O Espiritismo é, ao mesmo tempo, uma ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência prática ele consiste nas relações que se estabelecem entre nós e os espíritos; como filosofia, compreende todas as consequências morais que dimanam dessas mesmas relações.

Podemos defini-lo como “uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos espíritos, bem como das suas relações com o mundo corporal.” (KARDEC, 1944, p. 50).

 

Ainda, nas lições de Kardec:

 

O Espiritismo é a nova ciência que vem revelar aos homens, por provas irrecusáveis, a existência e a natureza do mundo espiritual, e suas relações com o mundo corporal; ele no-lo mostra, não mais como uma coisa sobrenatural, mas, ao contrário, como, como uma das forças vivas e incessantemente ativas da Natureza, como a fonte de uma multidão de fenômenos incompreendidos, até então atirados, por essa razão, ao domínio do fantástico e do maravilhoso. (KARDEC, 2009, p.27)

 

Vale dizer que o termo “espírita”, “espiritismo” e “kardecista” têm o mesmo significado, não há, como tão comumente se vê confundir, até mesmo no meio jurídico, distinções das do tipo “baixo-espiritismo”, “espírita kardecista”, pois Espiritismo é uma coisa só, ser espírita ou ser kardecista significa o mesmo; o que comumente se confunde com a Doutrina Espírita são as religiões de origem afro-brasileira (umbanda, candomblé e outras), que, embora dignas de respeito, nada têm a ver com o Espiritismo, cuja história aqui sumariamente se aduziu.

Ante o exposto, tem-se por meta do presente trabalho apontar como a Doutrina Espírita pode se mesclar com a Criminologia e com esta colaborar no que tange a apontar as causas dos crimes e um meio de combatê-las.

 

 

3 A OBSESSÃO E O CRIME

 

           

A obsessão é uma forma de constrangimento, causada por um espírito sobre uma pessoa, que varia muito de acordo com a resistência que o indivíduo possa oferecer ao espírito desencarnado (AMORIM, 2006). É um empecilho ao livre-arbítrio porque leva o indivíduo a ter reações que fogem do seu estado normal. (AMORIM, 2006).

Segundo definições de Kardec:

 

A obsessão é a ação persistente que um mau espírito exerce sobre um indivíduo. Apresenta caracteres muito diferentes, desde a simples influência moral, sem sinais exteriores sensíveis, até a perturbação completa do organismo e das faculdades mentais. (KARDEC, 2008, p.272)

[...] [a obsessão é] o império que alguns espíritos sabem tomar sobre certas pessoas. (KARDEC, 2005, p. 277)

 

Sendo assim, tem-se que a obsessão nada mais é que o domínio mental de um espírito maléfico sobre um indivíduo, sendo que este domínio pode ser em maior ou menor grau, conforme as particularidades do caso.

Porém, resta perguntar: Os espíritos realmente existem?

Em primeiro lugar, vale dizer que aqui se fala às pessoas que acreditam em Deus, ou seja, não aos materialistas que creem ser tudo obra do acaso, hipóteses em que as questões aqui levantadas seriam facilmente explicadas por este “acaso”.

Mas mesmo entre os não-materialistas, paira a dúvida acerca da sobrevivência da alma após o fenômeno físico da morte.

Acerca disso, ressaltam-se as experiências realizadas pelo físico inglês Willian Crooks, que no século XIX estudou os fenômenos mediúnicos, concluindo pela sua veracidade (DELANNE, 1987), além do próprio pai da Criminologia, César Lombroso, que também enveredou-se em desmistificar os fenômenos espíritas, acabando por constatar a veracidade destes. Ambos utilizavam-se de médiuns para realizar seus experimentos.

Pergunta-se: se suas obras e pesquisas nos campos científicos em que ambos atuaram (Crooks, por exemplo, é Prêmio Nobel em Física, descobridor de um elemento químico, criador do tubo de raios catódicos, dentre outras coisas) são aceitas mundialmente como sérias e respeitáveis, de cunho inegavelmente científico, por que as pesquisas que eles fizeram e que constataram a veracidade dos fenômenos espíritas, comprovando a existência dos espíritos, seriam dignas de menor credibilidade? Parece ser razoável que elas mereçam o mesmo tratamento por parte do pensamento científico.

No campo da obsessão, ou seja, da influência espiritual perniciosa sobre o ser humano, cabe incluir o trabalho do médico psiquiatra Inácio Ferreira (1995), diretor clínico do Sanatório Espírita de Uberaba, que se utilizava de terapêuticas espíritas para obter a cura ou atenuação dos transtornos mentais dos seus pacientes, tendo conseguido, em muitos deles, a cura do transtorno unicamente por meio da terapêutica espírita.

Tal terapia consistia em utilizar-se de médiuns confiáveis que, pelo fenômeno da incorporação, recebiam os espíritos que atormentavam aquelas pessoas, doutrinando-os e afastando-os do objeto de seus tormentos, além de oração e de leituras salutares, que davam base para os próprios doentes lutar contra a enfermidade psíquica.

Se Inácio Ferreira (1995) conseguia obter a cura de indivíduos que, aos olhos da medicina convencional, seriam catalogados como psicóticos, esquizofrênicos, dentre outros tipos de enfermidades psíquicas, sem, muitas das vezes, utilizar-se de medicamento algum, deduz-se que existe sim uma inteligência invisível atuando sobre estes indivíduos, como bem preconiza o Espiritismo, e se estes seres invisíveis podem levar um ser humano a sintomas típicos da loucura, não poderiam eles influenciar a prática de um crime?

Chico Xavier, que por conta das suas cartas psicografadas levou à absolvição, por mais de uma vez, pessoas suspeitas de terem cometido homicídios, teve essas mesmas cartas submetidas a exames grafoscópicos, ou seja, exames de cunho científico, concluindo-se, a nossa Justiça, pela veracidade das missivas.

São esses casos que se tem por subsídios científicos para atestar-se, no presente trabalho, a sobrevivência do homem após a morte e a influência que essas inteligências desencarnadas podem ter sobre os indivíduos.

Ante o exposto, o Espiritismo vem dizer que é possível um espírito ruim influenciar uma pessoa a praticar um delito.

Quantos casos há em que o criminoso não possui antecedentes, não vivia em um meio social que favorecia a incidência criminosa e tampouco teve uma criação que o corromperia, praticar um crime, às vezes do mais hediondo, alegando, ele mesmo, não saber o porquê de ter feito aquilo. A influência espiritual negativa varia, ela pode ser sutil ou até mesmo chegar a ponto de tolher o controle das ações humanas.

Diante disso, é de se pensar como, então, do ponto de vista jurídico, deve-se encarar a obsessão e sua ligação com o crime? Conforme pacífico entendimento doutrinário (GRECO, 2006), um dos elementos que compõem o crime é a conduta, que por sua vez pode ser dolosa, sendo que elemento indispensável para tanto seria a “vontade livre”. Pergunta-se: Nos casos em que o indivíduo tomado por uma obsessão comete um delito, ele agiu com vontade livre? A resposta mais sensata seria a negativa, afastando, com efeito, o dolo.

Subsistiria, no entanto, a culpa? Esta, conforme aduz o artigo 14 do Código Penal, se dá quando o agente age com imprudência, negligência ou imperícia, mas, além dessas, diz a doutrina (GRECO, 2006) que outros itens compõem a culpa, sendo um deles a “conduta humana voluntária”, a qual, por ora, é a que nos interessa. Nas palavras de Damásio de Jesus, esta conduta voluntária significa que “o agente não pretende praticar um crime nem quer expor interesses jurídicos de terceiros a perigo de dano” (JESUS, 1997, p.293).

No caso da obsessão que porventura leve alguém a cometer um crime, não há que se falar em conduta voluntária visando algo lícito ou irrelevante para o Direito, mas, sim, há uma intenção ilícita, mesmo que ela seja por parte da entidade desencarnada (o que não significa dizer que o encarnado obsediado não tenha a intenção em cometer o crime). Portanto, em obsessão não há culpa.

Então, no caso de um indivíduo obsediado praticar uma infração penal típica, como não há dolo e nem culpa, não haverá crime. Estaria o Direito pronto para encarar esta problemática? Posteriormente se dará uma resposta a isso.

 

 

4 A REENCARNAÇÃO E AS TENDÊNCIAS AO CRIME

 

 

Aqui se faz novamente a ressalva de que nesse trabalho fala-se àqueles que acreditam que o ser humano possui uma alma. Partindo desse princípio questiona-se: Existe a reencarnação? Ou seja, a alma ou espírito de um ser humano acometido pela morte pode, posteriormente, renascer num outro corpo?

A reencarnação é uma crença que sempre existiu em várias culturas (KARDEC, 2002), não tendo, a Doutrina Espírita, a intenção de proclamar a sua invenção.

Para se averiguar se a hipótese da existência da reencarnação é plausível, primeiramente abre-se espaço para o raciocínio do leitor.     

Partindo da premissa de que Deus é soberanamente justo, pois se não o fosse, Ele perderia seu principal atributo que é a perfeição absoluta. Em suma, ser injusto é uma imperfeição e Deus não possui imperfeições.

Seguindo essa linha de raciocínio lógico, pergunta-se: Por que se vê, comumente, pessoas com aptidões tão diferentes? Uns com aptidões e tendências notáveis no campo das ciências e das artes, enquanto que outros possuem uma inteligência que não passa da vulgar? Por que enquanto a maioria das crianças nascem perfeitas do ponto de vista da configuração morfológica, outras existem que nascem portadoras das mais diversas enfermidades congênitas? O que se pensar sobre os chamados “gênios”, que desde tenra idade parecem dotados de conhecimentos avançados não condizentes com a sua idade?

Diante de tais questionamentos, considerando-se que existe apenas uma vida, que a alma do ser humano é criada no momento da concepção ou do nascimento, por consequência tem-se que Deus é injusto, pois concede a uns aptidões e tendências elevadas, enquanto que a outros chega ao ponto de dar-lhes um corpo enfermo e deformado, sem, para isso, haver um motivo justo, apenas por simples parcialidade.

Por outro lado, considerando-se a existência da reencarnação, tais problemas são devidamente explicados e a esperada justiça de Deus é apresentada de maneira límpida. Existindo as vidas passadas, todo ser humano torna-se responsável por aquilo que fez de bom ou ruim, que adquiriu ou deixou de adquirir como bagagem intelecto-moral nas vidas pregressas. O indivíduo que nasce com alguma enfermidade ou deformidade, assim se encontra não por conta de um tratamento parcial por parte de Deus que lhe concedeu um corpo doente sem motivo algum, mas sim porque todos são responsáveis por aquilo que se fez em vida passada, sendo que os atos injustos, egóicos, que causaram sofrimento ao próximo, para seus autores retornam na forma de sofrimento educador, que é oportunidade de aprendizado para aquele espírito que, no decorrer de nova reencarnação, irá se aperfeiçoar. O mesmo se dá para as aptidões e tendências positivas, são bagagens adquiridas em vidas passadas, pois não poderia Deus conceder a uns e não para outros, numa demonstração clara de preferência injusta (KARDEC, 2002).

Sendo assim, parece não existir uma corrente de pensamento não-ateísta que seja mais lógica ao explicar tais questionamentos sem retirar o atributo da perfeição e justiça de Deus, sem ser o da hipótese da reencarnação.

Portanto, o raciocínio lógico leva a crer na existência das vidas sucessivas.

Aliado a esse, ressalta-se as pesquisas de cunho científico empreendidas no mundo todo, nas quais se catalogaram casos de pessoas que em estado normal de consciência dizem se lembrar de suas vidas passadas. Cita-se, por exemplo, as pesquisas do brasileiro Hernani Guimarães Andrade (1988), que fez em terras pátrias um estudo sério de casos que sugerem a reencarnação, ouvindo e estudando ocorrências de pessoas que diziam se lembrar de terem vivido uma existência precedente à atual, tendo relatado alguns desses casos no livro “Reencarnação no Brasil”.

Neste trabalho, analisam-se os casos e levam-se em conta todas as hipóteses possíveis para explicar o fato de as pessoas, objeto de estudos passados, dizerem se lembrar de terem vivido em outro tempo, possuído outro nome, dentre outras coisas que eles alegavam, concluindo que apenas a hipótese da reencarnação responderia satisfatoriamente o fato verificado com aqueles indivíduos.

Sendo assim, também um trabalho de cunho científico, pois baseado na observação criteriosa com posterior constatação, atesta a existência da reencarnação.

Diante disto, resta-nos entender o que a consideração da reencarnação interessa à Criminologia. No entanto, vale dizer que em ciência devemos ter a mente aberta para novos conhecimentos e novas hipóteses, analisando-as racionalmente, pois isto sim é atitude científica. Enquanto negar veementemente algo, sobretudo algo sobre o qual não se tenha feito um estudo sério e racional, não é atitude científica, mas, sim, cientificismo.

Sendo, portanto, o espírito preexistente ao corpo e vivido não só uma vida, mas várias, ele traz consigo más ou boas inclinações, sendo o chamado “criminoso nato” o indivíduo que não conseguiu, ao longo das reencarnações, extirpar suas tendências inferiores, seja porque ele é renitente ao abandono dessas más paixões ou porque possui idade espiritual mais recente (pois Deus não criou ao mesmo tempo todos os espíritos que povoam a Terra) e, por isso mesmo, ainda não passou por estágios reencarnatórios suficientemente necessários para a sua depuração moral.

Por isso vemos pessoas oriundas de famílias estruturadas, vivendo num meio social estável e, não possuindo parentesco algum com agentes criminosos, incidirem na prática delituosa. Ou então, em uma mesma família, com vários filhos, tendo estes a mesma criação, apenas um deles devotar-se ao crime. Tais indivíduos são espíritos atrasados do ponto de vista do Espiritismo e por isso mesmo possuem a propensão ao crime, a qual eles trouxeram de outras vidas. Eis o que seria o criminoso nato para o Espiritismo (AMORIM, 2006).

A personalidade humana, então, é fruto de fatores atávicos (herança genética), da influência do meio social, do modo de criação e, também, assomado a esses, tudo o que a pessoa era em vida passada. Com efeito, pode-se dizer que a personalidade atual de um indivíduo não é apenas construída ao longo da vida presente, mas, sim, ao longo das vidas passadas.

Em suma, a consideração da reencarnação e suas consequências e o fato obsessão são as novas hipóteses que a Doutrina Espírita traz para colaborar com os estudos sobre as causas dos crimes.

Porém o Espiritismo aí não se detém.

 

 

5 O ESPIRITISMO E A INTEGRAÇÃO SOCIAL DO CONDENADO

 

 

O nosso país é detentor de uma avançada legislação penal, sendo a nossa Lei de Execução Penal totalmente voltada para que o indivíduo que praticou um crime se reintegre à sociedade, o que denota ser essa uma lei eivada dos princípios basilares de humanidade. Vale dizer, porém, que aqui não está a se analisar o modo como se opera na prática a aplicação dos ditames legais aduzidos.

Reza o artigo 11, da Lei 7.210(Lei de Execução Penal):

 

Art. 11. A assistência será:

I – material;

II – à saúde;

III – jurídica;

IV – educacional;

V – social

VI – religiosa.

 

Tal artigo trata das espécies de assistência que o condenado ou internado tem direito a receber do Estado, sendo que aqui irá se tratar da do tipo “religiosa”, que é o campo no qual a Doutrina Espírita pode atuar.

A faceta religião do Espiritismo tem um sentido diverso do que comumente se entende por religião, pois em Doutrina Espírita não há rituais (ou qualquer outra forma de culto exterior), não há uma hierarquia eclesiástica e tampouco dízimos. Com efeito, o Espiritismo como religião é um conjunto de ensinamentos morais que se traduzem mais como uma filosofia de vida, cuja finalidade é conduzir o ser humano à melhora íntima, o que, conseqüentemente, reflete na sociedade.

Mas esses ensinos moralizadores nada trazem de novo, pois que são os mesmos ensinos de Jesus Cristo, restaurados na sua pureza primitiva, como eram nos tempos apostólicos. Por isso diz-se que a Doutrina Espírita é o Cristianismo restaurado. Para o Espiritismo, religião é a vivência dos postulados cristãos como meio de se melhorar moralmente. Na Doutrina Espírita, religião é ser cristão, é ter um estilo de vida pautado nos ensinos morais contidos no Evangelho, tendo Jesus de Nazaré como Mestre, Modelo e Guia, para isso trazendo seus ensinos evangélicos explicados e interpretados com clareza, a fim de que se possa colocá-los em prática e com isso efetuar, não em curto prazo, é óbvio, o melhoramento moral e psicológico do ser humano. Isto é o “religar o ser humano a Deus”, isto é, na acepção adequada, religião. Este é, com efeito, o aspecto religioso da Doutrina Espírita sobre a qual Kardec disserta:

 

O Espiritismo vem, no tempo marcado, cumprir a promessa do Cristo: o Espírito de Verdade preside à sua instituição, chama os homens à observância da lei e ensina todas as coisas em fazendo compreender o que o Cristo não disse senão por parábolas. [...] o Espiritismo vem abrir os olhos e os ouvidos, porque fala sem figuras e sem alegorias; ele ergue o véu deixado propositadamente sobre certos mistérios, vem, enfim, trazer uma suprema consolação aos deserdados da Terra e a todos aqueles que sofrem, dando uma causa justa e um fim útil a todas as dores (KARDEC, 2009, p. 74).

 

E continua afirmando que: “O Espiritismo não criou nenhuma moral nova; facilita aos homens a inteligência e a prática da moral do Cristo, dando uma fé sólida e esclarecida àqueles que duvidam ou vacilam” (KARDEC, 2009, p.170).

Embora o seu caráter próprio de religião, a Doutrina Espírita não intenta converter pessoas às suas crenças, tampouco afrontar consciências. Ela visa apenas a pura e simplesmente passar os ensinos cristãos da forma clara e precisa, qual aos tempos apostólicos, a fim de que, compreendidos, possam produzir os efeitos moralizadores a que vieram.

Quanto ao criminoso e sua reeducação moral, ou ressocialização, primeiro deve-se entender que todo indivíduo que delinque e causa algum mal a terceiros, independentemente das causas que o levaram a ser um criminoso, é alguém portador de espécie de patologia da alma, ou doença moral que precisa ser sanada, e seus atos delituosos, mesmo que inconscientemente, causam-lhe culpa, que é uma autoflagelação da qual o indivíduo sente necessidade de se ver livre (FRANCO, ÂNGELIS, 2001).

A grande questão é trazer à tona essa vontade inconsciente de se ver livre da culpa, para só assim acontecer a mudança, a tão almejada ressocialização. É uma questão de amadurecimento psicológico-moral do indivíduo, que, atingindo-o, irá aproveitar as oportunidades de melhoramento moral e de fato empreendê-la. Mas, então, haveria algum modo de colaborar com o amadurecimento psíquico da pessoa?

Antes de responder a esta pergunta, convida-se o leitor ao raciocínio: Por que existem indivíduos que mesmo vivendo num meio social que incentiva o crime e tendo uma criação familiar fora dos padrões de educação não se entregam à prática delituosa? Mesmo considerando a influência obsessiva sobre certas pessoas, elas não cedem à prática criminosa. O que faz com que essas pessoas, que vivem sob essas circunstâncias, resistam, diga-se, à “tentação” de cometer um crime?

Buscando a razão disso no íntimo do ser humano, depreende-se que as pessoas que assim procedem são aquelas cuja moralidade encontra-se em estágio um pouco acima do vulgar. Em outras palavras, elas já alcançaram progresso moral em desenvolver o altruísmo (ou amor ao próximo) em detrimento do egoísmo, embora este progresso não seja absoluto.

Por isso vê-se frequentemente pessoas dizendo que, diante de tal situação adversa causada por um terceiro em prejuízo daquele, ela teve “vontade” de fazer algo contra esse terceiro que a prejudicara, mas que ela não tem “coragem” de assim proceder. Ou seja, é justamente o sentimento de altruísmo, amor, ou fraternidade, que fez esta pessoa pensar no bem-estar desse terceiro que a prejudicou. O egoísmo nesta pessoa não foi maior do que os sentimentos nobres já mais desenvolvidos. Daí a importância de se combater esse sentimento inferior.

O egoísmo parece ser a fonte de todas as condutas criminosas, mesmo aquelas perpetradas sob a influência de agentes espirituais perniciosos têm o seu fundo egóico. Subtraia-se de todos os atos criminosos e violentos o fator “egoísmo” de quem o pratica e estes não seriam praticados. Tal patologia da alma, da qual ninguém se vê isento, é uma forma atrasada de amor, é o amor em seus rudimentos, que tem como objeto apenas a si mesmo, sem o devido amadurecimento psíquico, como afirma Joanna de Ângelis: “Os arremedos precipitados, em seu nome [do amor], podem ser considerados como tentativas não exitosas de vivenciá-lo, faltando a indispensável maturidade emocional para senti-lo” (FRANCO, ÂNGELIS, 2007, p.64).

A violência, então, tem sua origem primitiva no egoísmo, ainda muito ligado aos instintos primitivos, presentes em todos os animais. Contra essa “úlcera” da alma, o remédio mais eficaz é o altruísmo, ou caridade, ou, ainda, amor. O indivíduo que alimenta o altruísmo tem o seu inerente egoísmo consequente e progressivamente retraído e desenvolvido o seu sentimento de fraternidade. É esta a resposta quando se questiona se há meio de acelerar o amadurecimento sentimental-psicológico do ser humano.

Jesus sabia disso, porquanto quando questionado sobre como se alcançar “o Reino de Deus”, ele propõe o “amar ao próximo como a si mesmo”, isto é, incita o ser humano a sair da esfera do “eu” (egoísmo), do amor a si mesmo, para considerar fraternalmente o próximo. Para o fácil entendimento de como se atinge esse patamar de elevação moral, ele conta a Parábola do Bom Samaritano, em que um homem oriundo da região da Samaria encontra um anônimo que fora roubado e sofrera a violência de seus algozes, tendo sido abandonado à margem da estrada. Passara um levita e depois um sacerdote que ignoraram o miserável surrado, tendo por fim esse samaritano, tido pelos judeus daquele tempo como herege e impuro, auxiliado-o fraternalmente. Eis a fórmula para atingir-se a sublimação moral do ser, eis a terapia da caridade.

Essa terapia é o meio mais eficaz de extirpar o egoísmo e consequentemente a violência do íntimo dos seres humanos, desenvolvendo os sentimentos de fraternidade e justiça, elevando a moralidade do indivíduo (FRANCO, ÂNGELIS, 2007).

Portanto, ao indivíduo que cumpre pena não deve faltar a caridade-terapia, ou seja, uma oportunidade, dentro do estabelecimento prisional, de exercer algum trabalho de cunho assistencial, para alguma comunidade carente, algum grupo familiar necessitado, ou mesmo, para uma pessoa em necessidade, o importante é inserir a oportunidade de o preso trabalhar em auxílio a alguém e inteirar o recuperando dessa realidade, de que ele está sendo útil para o bem do próximo, para que esse processo ajude no amadurecimento psicológico-moral do indivíduo, de modo que a ressocialização seja, aos poucos, alcançada.

Não seria distante se conceber, dentro de um estabelecimento prisional, uma oficina de artesanato cuja parte da renda fosse doada para alguma pessoa ou grupo necessitado, ou uma horta em que parte das hortaliças fosse destinada a suprir pessoas em necessidade. As possibilidades variam ao infinito e conforme a situação de cada presídio. O importante é se conceder a chance de trabalhar no bem.

Isso não significa que o trabalho para fins de remição de pena seja desaconselhável, pois só o fato de trabalhar, de se ocupar a mente, já é de grande valia, mas não se deve parar nesse ponto.

Em suma, se se intenta que os condenados saiam dos presídios ressocializados, ou seja, moralmente melhores, deve-se acima de tudo estimular concretamente o sentimento de amor ao próximo em detrimento do egoísmo. Mesmo que este seja trabalho para várias reencarnações, como bem o Espiritismo encara a problemática, os resultados são eficazes, desde que esperados com paciência.

Fora isso, levando-se em consideração a influência de espíritos perniciosos sobre o indivíduo, a chamada terapia da caridade também colabora para extirpar esse mal (uma vez que ela estimula a moralização da pessoa e esta mesma constitui uma resistência contra a influência espiritual negativa), mas, em conjunto a ela, a prece, a elevação de pensamentos, as leituras salutares e tudo aquilo que possa modificar a atitude mental do indivíduo é forte agente no combate à obsessão (KARDEC, 2002).

Em “O Evangelho Segundo o Espiritismo” tem-se a explicação da ação da prece, ou oração. Ela é pensamento que se propaga e a pessoa que a realiza chama a si o concurso dos bons espíritos a auxiliarem-na, além de alterar o estado mental para melhor, neutralizando pensamentos insidiosos e perturbadores (KARDEC, 2003). Sendo que assim ela afasta o fator obsessão que pode levar o indivíduo a delinquir.

 

 

6 CONCLUSÃO

 

 

Em síntese há então duas espécies de causas dos crimes: as exógenas e as endógenas. Como causas exógenas, ou seja, externas, podemos apontar: meio social; a criação e a obsessão. Já as causas endógenas, internas, são: herança atávica ou genética; tendências cujas causas se encontram na vida atual (traumas de infância, transtornos gerais da personalidade, dentre outras) e as tendências advindas de reencarnações passadas;

Todas essas causas aqui elencadas podem incidir em maior ou menor grau, várias ou uma delas, na formação da pessoa propensa ao crime.

A Doutrina Espírita, apontando a obsessão e as tendências de vidas passadas, vem dar nova luz à Criminologia, ainda mais quando aquela aponta novos meios de extirpar estas e também outras causas.

Quanto à averiguação da existência ou não da influência obsessiva sobre a pessoa, há de se admitir que hoje isto não seja viável, uma vez que o único meio de se atingir tal mister seria por meio de médiuns que pudessem perceber a presença obsessiva. Admitindo-se tal ocorrência, abria-se vasto campo para a mistificação, para o engodo de má-fé e o equívoco de boa-fé por parte do médium. De inviável não se deve entender impossível, pois é perfeitamente possível que um médium constatasse tal ocorrência, mas, para tanto, haveria de se levar em consideração a experiência do médium, a sua credibilidade, a sua sinceridade e conduta moral. E aí está a dificuldade, ante o subjetivismo que envolve a questão.

Portanto, entende-se que no que tange à averiguação da presença obsessiva para fins de despenalização da conduta de um indivíduo, há de se deixar para o futuro e para a ciência esta constatação. O que não significa dizer que a obsessão como fator criminológico deixará de ser combatida, pois existem os meios de se fazê-lo (tratados no presente trabalho) e que não prejudicam em nada a ressocialização do indivíduo, ao contrário, contribuem para a realização desta.

Eis o que, sumariamente, a Doutrina Espírita tem para contribuir com a Criminologia.

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

AMORIM, Deolindo. Espiritismo e Criminologia. 3. ed. Rio de Janeiro: Edições Léon Denis, 2006.

 

 

ANDRADE, Hernani Guimarães. Reencarnação no Brasil. Matão: Casa Editora O Clarim, 1988.

 

 

DELANNE, Gabriel. A alma é imortal. Rio de Janeiro: FEB, 1987.

 

 

FERREIRA, Inácio. Novos rumos à medicina. 2. ed. São Paulo: FEESP, 1995, v. 2.

 

 

FRANCO, Divaldo Pereira/ ÂNGELIS, Joanna de. Jesus e atualidade. 5. ed. São Paulo: Pensamento, 2001.

 

 

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GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 7. ed. Niterói: Impetus, 2006, v. 1.

 

 

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MOTA, Juliana. A Evolução da Criminologia. Disponível em: http://www.webartigos.com/articles/4308/1/a-evolucao-da-criminologia/pagina1.html. Acesso em:12 jul. 2009.

 

 

 

 



* Advogado e bacharel em Direito pela Universidade José do Rosário Vellano – UNIFENAS.

[1] Segundo a literatura espírita (O Livro dos Médiuns), médium é a pessoa que possui a faculdade de entrar em contato com os espíritos.

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