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O DIREITO DE PROPRIEDADE À LUZ DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS AMBIENTAIS - O PROBLEMA DA COLISÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS


Autoria:

Régis Santiago De Carvalho


Advogado, sócio da banca CARVALHO & TON Advogados, Especialista em Direito Tributário e Pós Graduado em Direito Constitucional, ex Secr. Geral da Comissão de Ensino Jurídico da OAB-MS e atual Presidente da Comissão de Def. do Patr. Público da OAB/MS.

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Resumo:

O direito de propriedade, embora reconhecido como um direito fundamental previsto pela Constituição Federal de 1988, só será reconhecido pela ordem jurídica do Estado se for cumprida sua função social paralelamente ao proveito pessoal do proprietário

Texto enviado ao JurisWay em 07/01/2010.



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O DIREITO DE PROPRIEDADE À LUZ DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS AMBIENTAIS - O PROBLEMA DA COLISÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS

 

INTRODUÇÃO

 

O tema objeto desse breve ensaio foi escolhido por ser um assunto que, a nosso ver, mostra-se de grande relevância para sociedade, já que a Constituição Federal o trata em vários de seus dispositivos.

 

Como se sabe, a propriedade é o direito real por excelência que dá ao proprietário a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa.

 

Assim, a propriedade, estabelecida como direito fundamental na Constituição Federal de 1988, é instituição pertencente ao Direito Público, eis que é, ainda, princípio constitucional da ordem econômica.

 

Enquanto direito humano constitucionalmente reconhecido e garantido, o direito de propriedade dentro de uma evolução sócio-econômica contemporânea, estendeu o conceito constitucional de propriedade privada, bem como alargou funcionalmente tal instituto. Com isso, a proteção da liberdade individual e do direito de subsistência já não dependem, unicamente, da propriedade de bens materiais, mas abarcam outros bens de valor patrimonial para o homem.

 

É nesta seara que a doutrina da função social da propriedade não tem outro fim senão o de dar sentido mais amplo ao conceito econômico de propriedade encarando-o como uma riqueza que se destina à produção de bens que satisfaçam as necessidades sociais.

 

Nessa esteira, a questão central em torno da qual se constitui este estudo reside na forma de resolução dos conflitos entre os direitos humanos fundamentais da propriedade e da preservação ao meio ambiente.

Sem qualquer propósito de esgotar o tema, até porque trata-se de breve ensaio, buscar-se-á, ao final, demonstrar que embora o direito de propriedade seja um direito fundamental previsto pela Constituição Federal de 1988, este só é reconhecido pela ordem jurídica do Estado se for cumprida sua função social paralelamente ao proveito pessoal do proprietário.

 

Em suma, a propriedade só irá existir enquanto direito se respeitada a função social a que deve destinar-se, de modo que, uma vez desatendida esta, não existirá direito a ser amparado.

                       

DOS PRINCÍPIOS E REGRAS

 

Para o alcance de nosso propósito, faz-se necessário, de início, expor uma breve abordagem sobre a diferenciação existente entre os conceitos de princípios e regras, uma vez que, conforme Paul (2005, s.p.) “a compreensão do conteúdo dos direitos fundamentais, bem como da preponderância de um sobre outro na situação subjetiva configurada só pode ser efetivamente consagrada através do domínio dos princípios fornecidos pela hermenêutica constitucional”.

 

Com efeito, não obstante o fato de as regras e princípios serem espécies do gênero norma jurídica, há diferenças substanciais entre os dois.

 

Canotilho (apud PAUL, 2005, s.p.) sistematiza essa diferenciação em “critérios, a saber, quanto ao grau de abstração, quanto ao grau de determinabilidade na aplicação, quanto à fundamentalidade, quanto à proximidade da idéia de direito e quanto à natureza normogenética”.

 

Destarte, Paul (2005, s.p.) afirma que:

 

Os princípios, por possuírem um elevado grau de abstração e indeterminabildade, não estão suscetíveis à aplicação imediata, necessitando de atividades concretizadoras. Outrossim, desempenham papel estrutural de acentuada importância, pois conferem a coesão ao ordenamento jurídico, assumindo posição hierárquica superior às regras. Revelam em seu conteúdo o ideal de justiça e servem, por sua natureza normogenética, de substrato às regras.

Como se vê, para o direito fundamental é particularmente importante a distinção feita entre regras e princípios.

 

Para Barcelos (apud PAUL, 2005, s.p.) “o esforço interpretativo dos princípios é superior ao das regras, haja vista a indeterminação de seus efeitos e multiplicidade de meios para atingi-los. Há que se destacar a reconhecida eficácia dos princípios constitucionais no que diz respeito à função interpretativa, negativa e vedativa de retrocesso”.

 

Paul (2005, s.p.) explica que:

 

Eficácia negativa é aquela que veda que atos normativos de hierarquia inferior se oponham ao conteúdo do princípio, autorizando sejam invalidados tais atos pelo Poder Público.

A eficácia vedativa de retrocesso é característica dos direitos fundamentais, partindo da premissa de que tais direitos, de sede constitucional, se concretizam através de normas infraconstitucionais. Isto implica que não é permitido ao Poder Público revogar normas que, regulamentando permissivos constitucionais, viabilizam ou ampliam direitos fundamentais, a menos que a revogação seja acompanhada medida substitutiva equivalente.

 

O fenômeno da colisão entre direitos fundamentais assemelha-se ao conflito entre princípios, eis que o conteúdo de um direito fundamental é abrangente e abstrato, informativo de toda a atuação do poder público, sendo possível capturá-lo apenas diante da situação subjetiva materializada (PAUL, 2005, s.p.).

 

A par da distinção entre regras e princípios, Paul (2005, s.p.) entende que:

 

Ambos como espécies do gênero norma jurídica, é certo que a colisão entre regras é solucionada no plano de validade da norma, em conformidade com os critérios cronológico (lex posterior derogat priori), hierárquico (lex superior derogat lex inferior) e da especialidade (lex specialis derogat generali). A aplicação das regras decorre da simples subsunção.

Por outro lado, a colisão de princípios está localizada em plano axiológico, não podendo haver preponderância de um sobre o outro, mas sim a ponderação dos interesses jurídicos em conflito no intuito de harmonizá-los para então alcançar solução, sendo garantida a menor constrição possível.

 

Para que reste caracterizada a colisão entre direitos fundamentais, deve-se partir de duas premissas, quais seja, o entendimento de que os mesmos permitem o indivíduo a formular pretensões negativas ou positivas perante o Estado, ou seja, "fazer reivindicações, reclamar condutas estatais" e a possibilidade de limitação (AMARAL apud PAUL, 2005, s.p.).

 

DO PAPEL CONSTITUCIONAL DOS PRINCÍPIOS

 

O estágio atual de compreensão dos princípios constitucionais converge para a teoria da normatividade dos princípios, em que estes são dotados de imperatividade e concebidos como fundamento de validade de todo o ordenamento jurídico, devendo as demais normas estarem em consonância com os mesmos. Luis Roberto Barroso (apud PAUL, 2005, s.p.) assevera que:

 

Os princípios constitucionais são o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Dito de forma sumária, os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui.

 

A doutrina italiana, no desenvolvimento da teoria da normatividade dos princípios, preconiza a idéia de que o princípio, seja expresso na ordem jurídica ou nela implícito, é norma aplicável como regra de determinados comportamentos públicos ou privados. (CRISAFULLI apud PAUL, 2005, s.p.).

 

Segundo Paul (2005, s.p.):

 

Os princípios conferem a harmonia necessária ao ordenamento jurídico, constituindo a síntese dos valores constitucionais mais relevantes. Podem ser fundamentais, quando concernentes à estrutura política do Estado, gerais, quando irradiados por toda a ordem jurídica, e setoriais ou especiais, quando referem-se a um determinado tema.

 

Em relação à função interpretativa, esta concede aos princípios constitucionais a qualidade de orientadores na interpretação das demais normas, de modo que todo o efeito pretendido pelo princípio esteja presente na solução tomada pelo intérprete (PAUL, 2005, s.p.).

DA RESOLUÇÃO DO CONFLITO ENTRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

 

Deveras, uma vez caracterizada a colisão entre direitos fundamentais (colisão stricto sensu), cabe ao aplicador da lei fazer uso do método concretista e, através da razoabilidade, ponderar os interesses, os bens jurídicos tutelados a fim de fornecer a melhor solução (PAUL, 2005, s.p.).

 

A ponderação de interesses ou bens, enquanto técnica de decisão que, de acordo com Daniel Sarmento (apud PAUL, 2005, s.p.), "atribui especial relevância às dimensões fáticas do problema", pressupondo uma coordenação e conjugação dos bens jurídicos conflitantes ou concorrentes de forma a harmonizá-los nas circunstâncias da situação material, e evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros.

 

No que concerne à jurisdição constitucional das liberdades, Paul (2005, s.p.) assevera que:

 

A ponderação de interesses, realizada com base na razoabilidade, é a técnica mais adequada para dirimir conflitos entre direitos fundamentais. Somente a ponderação entre os valores em questão pode resultar na escolha da melhor medida.

No entanto, para que seja procedida a ponderação, impende antes extrair, a partir do caso concreto, o denominado pela doutrina alemã de núcleo essencial da norma (Wesensgehalt).

 

O núcleo essencial, segundo Paul (2005, s.p.), é “o conteúdo mínimo e intangível do direito fundamental, que deve sempre ser protegido em quaisquer circunstâncias, sob pena de fulminar o próprio direito. Assim é que as restrições aos direitos fundamentais encontram sua constitucionalidade na preservação ao núcleo essencial do direito”.

 

Nesse diapasão, Otto Prado (apud MORAES, 2000, p. 65) expõe que o núcleo essencial, ou conteúdo essencial, "limita a possibilidade de limitar, isto é, estabelece um limite além do qual não é possível a atividade limitadora dos direitos fundamentais".

 

Logo, um direito fundamental só pode ser considerado ilegitimamente restringido se seu núcleo essencial for afetado. Assim, Paul (2005, s.p.) explica que:

 

A busca da essencialidade do direito fundamental pode ser feita de acordo com duas teorias, ambas desenvolvidas na Alemanha: a absoluta, para a qual o núcleo essencial é extraído de forma abstrata, independente de circunstâncias fáticas norteadoras, e a relativa, na qual o núcleo essencial só pode ser obtido a partir da situação concreta, ou seja, é mensurado somente em face do conflito.

A doutrina portuguesa é partidária da teoria absoluta do núcleo essencial do direito fundamental. Nada obstante, mais conducente com a lógica flexível e com o método concretista é a teoria relativa do núcleo essencial, que cede espaço à aplicação da técnica da ponderação de interesses.

O ordenamento constitucional brasileiro não menciona, ao contrário das Constituições de países como a Alemanha (art. 19. 2), Portugal (art. 18.3) e Espanha (art. 53.1), o núcleo essencial dos direitos fundamentais, mas não há dificuldade de deduzir que ele é inerente à própria natureza destes direitos, inexistindo motivo para que no exercício da jurisdição constitucional das liberdades seja declinada a aplicação da técnica da ponderação de interesses efetuada a partir do núcleo essencial, extraído com base no princípio da razoabilidade.

 

Para que a colisão entre direitos fundamentais seja dirimida, Paul (2005, s.p.) afirma que:

 

A doutrina alemã desenvolveu uma técnica, com fulcro no método concretista, que consiste em dois momentos: o Tatbestand e a ponderação de interesses.

No primeiro momento (tatbestand), ocorre a determinação do âmbito de proteção dos direitos fundamentais envolvidos de acordo com as situações fáticas que a situação subjetiva revela, configurando a efetiva colisão, de modo a eliminar a possibilidade de uma colisão apenas aparente.

Feito isso, o segundo momento caracteriza-se pela ponderação dos interesses jurídicos em conflito, levando ao aplicador a extrair o núcleo essencial dos mesmos de modo a causar o menor sacrifício possível, devendo, para tanto, utilizar-se dos princípios da unidade da Constituição e da razoabilidade. Somente dessa forma é que ocorre a máxima proteção e concretização dos direitos fundamentais.

A técnica da ponderação de interesses na seara da jurisdição constitucional das liberdades constitui área de resistência da jurisprudência constitucional pátria.

 

Com efeito, ainda que as colisões entre direitos fundamentais estejam na ordem do dia, a técnica jurídica brasileira ainda não se encontra no mesmo nível em que estão os países europeus, mormente Alemanha, Portugal e Espanha (PAUL, 2005, s.p.).

 

Em assim sendo, Paul (2005, s.p.) ensina que “as decisões proferidas na solução de colisão entre direitos fundamentais não aborda com clareza o tema, muito menos utiliza os métodos e técnicas específicos, o que provoca uma sub proteção aos direitos fundamentais consagrados em nossa Constituição”.

 

 

DA RESOLUÇÃO DO CONFLITO ENTRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA PROPRIEDADE E DE PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE

 

De conclusão lógica, após todo o exposto neste trabalho, que cumpre a essência do nosso sistema, que o direito de propriedade só é reconhecido pela ordem jurídica do Estado se for cumprida a função social da propriedade, paralelamente com o proveito pessoal do detentor do domínio. Mesmo porque, nos dias atuais, o direito de propriedade não mais possui aquele cunho absoluto de outrora.

 

Assim, a propriedade só irá existir enquanto direito se respeitada a função social a que deve destinar-se, de sorte que, uma vez desatendida esta, não existirá direito a ser amparado, ou seja, não existe direito de propriedade amparado pela Constituição. Em suma, o cumprimento da função social é condição sine qua non para o reconhecimento do direito de propriedade.

 

Essa interpretação sistemática e lógica decorre do disposto na Constituição Federal (Art. 5º, XXII, da C F; Art. 5º, XXIII, da CF; Art. 170, II, III, VI, da CF; Art. 186, I, II, da CF; Art. 225, caput , § 1º , incisos III, VII, e § 3º da CF), sendo que tais dispositivos merecem especial atenção do leitor para melhor compreensão da matéria.

 

A função social da propriedade foi reconhecida expressamente pela Constituição de 1988, nos arts. 5º, XXIII, 170, III e 186, I, como bem pode ser observado, e quando se diz que a propriedade privada tem uma função social, na verdade está se afirmando que ao proprietário se impõe o dever de exercer o seu direito de propriedade, não mais unicamente em seu próprio e exclusivo interesse, mas em benefício da coletividade, sendo precisamente o cumprimento da função social que legitima o exercício do direito de propriedade pelo seu titular.

No plano jurídico, como analisa Grau (apud DECASTRO, 2004, s.p.):

 

(...) a admissão do princípio da função social (e ambiental) da propriedade tem como conseqüência básica fazer com que a propriedade seja efetivamente exercida para beneficiar a coletividade e o meio ambiente (aspecto positivo), não bastando apenas que não seja exercida em prejuízo de terceiros ou da qualidade ambiental (aspecto negativo). Por outras palavras, a função social e ambiental não constitui um simples limite ao exercício do direito de propriedade, como aquela restrição tradicional, por meio da qual se permite ao proprietário, no exercício do seu direito, fazer tudo o que não prejudique a coletividade e o meio ambiente. Diversamente, a função social e ambiental vai mais longe e autoriza até que se imponha ao proprietário comportamentos positivos, no exercício do seu direito, para que a sua propriedade concretamente se adeqúe à preservação do meio ambiente.

 

O direito à propriedade e seu uso ficou constitucionalmente condicionado à sua função social, e, portanto, disposição específica na Constituição estabelecendo condições limitantes ao seu uso.

 

Segundo essa nova concepção, a propriedade não possui caráter absoluto e intangível. Ao contrário, esse direito só existe como tal se atendida a função social, porque só existirá efetiva propriedade no mundo jurídico se atendida, exatamente, sua função sócio ambiental.

 

Amenizando esse poder, a função social da propriedade impõe ao titular o uso do bem de produção para fins sociais. Os dispositivos constitucionais que regulam o meio ambiente introduzem uma nova perspectiva e determinam o não uso econômico do bem quando em risco o direito ao meio ambiente equilibrado. Essa impossibilidade do uso intolerável do meio encarta-se no amplo e generoso conceito do direito à vida digna. Nesse quadro o meio ambiente é um direito fundamental.

 

Segundo Decastro (2004, s.p.):

 

O não uso do bem em decorrência de motivos ambientais, não o transforma em propriedade improdutiva e por conseqüência, também não é suscetível de desapropriação para fins de reforma agrária. É relevante considerar que o fato do não uso em dadas circunstâncias liga-se à preservação da vida e funciona como garantia para as gerações presentes e futuras.

A ordem jurídica brasileira contém normas sancionadoras ao proprietário que não exerce a função social.

(...)

A dogmática infra-constitucional regulou e. g., a questão das florestas nativas na lei 8.629/1993. As áreas cobertas por florestas essenciais ao equilíbrio ambiental são áreas que integram os critérios de utilização e eficiência consignados na lei.

(...)

É de se destacar por fim que o não uso do bem objeto de apropriação é a determinante constitucional apenas nos casos em que se põe em risco o equilíbrio ambiental.

O meio ambiente equilibrado projeto de uma civilidade não de todo descartado se encontra inelutavelmente ligado à garantia de uma vida digna. É necessário compartilhar. A ética da solidariedade sócio-ambiental deve ser implementada, pois a pressão é imensa e o planeta não suporta o grau de consumo atual.

 

O direito de propriedade em sua concepção clássica tem-se mostrado muitas vezes inoperante para os anseios da sociedade atual. Com a evolução dos direitos e a emergência de categorias como os direitos coletivos e difusos, os interesses da sociedade e da coletividade como um todo, mesmo que seus titulares não possam ser individualizados, devem prevalecer sobre os interesses dos particulares que, desta maneira, precisam ser adaptados às características do momento atual.

 

A propriedade é um dos institutos jurídicos que mais claramente é afetado pela novidade da legislação ambiental, estando seu conceito clássico necessitando de sofrer alterações para que o exercício deste direito seja compatível com a garantia de proteção ao meio ambiente.

 

Como, nos dias de hoje, as discussões ambientais tem chamado bastante atenção, em decorrência nos problemas ecológicos que mundo enfrenta e a especial atenção que o meio ambiente tem reclamado da sociedade moderna, embora em voga, muitos doutrinadores e principalmente a jurisprudência ainda não têm claro quais são as características do direito de propriedade incompatíveis com a proteção do meio ambiente.

 

Há, contudo, uma consciência sobre a inadequação do exercício do direito de propriedade como está disposto no Código Civil Brasileiro, mas os doutrinadores e magistrados não se sentem seguros sobre o que e como redefinir para atender ao interesse difuso de proteção ambiental.

A instituição da função ambiental provocou alterações nas funções do Estado, passando a repartir as responsabilidades pela proteção ao meio ambiente, excluindo a função ambiental do âmbito essencialmente público, e conseqüentemente os deveres passaram a ser também do particular, como da coletividade como um todo.

 

Uma parte da doutrina, posição adotada por Silva (apud DECASTRO, 2004, s.p.), afirma que “entende ser o patrimônio ambiental um bem de interesse público, categoria que sofre variações, mas que surge também para superar a bipartição entre bem público e bem particular, teorização que permite uma maior proteção ao bem ambiental no sentido de que seu gozo seja ampliado para toda a sociedade”.

 

O que se depreende da temática, é que o patrimônio ambiental é concebido como um bem de interesse público pertence a todos e a ninguém individualmente. E este ninguém, compreende até mesmo próprio Estado.

 

Assim, o meio ambiente não se constitui patrimônio público, enquanto compreendido como a propriedade estatal. Patrimônio ambiental e Patrimônio público não se confundem. O meio ambiente não é propriedade estatal, mas sim uma propriedade da humanidade.

 

Diante desta questão, é necessário esclarecer que o conteúdo clássico do direito de propriedade e sua inadequação para a atual sociedade vêm sendo afetados pela evolução da sociedade, pois é preciso, urgentemente, apontar como a legislação ambiental determina que o exercício do direito de propriedade atenda aos requisitos de proteção ao meio ambiente, sob pena, inclusive, de a propriedade não merecer proteção.

 

Essa normatização é base indispensável para que os direitos fundamentais que norteiam o direito de propriedade façam-se adequados sob o aspecto primordial de proteção ao meio ambiente, visando que a função social da propriedade atinja, inclusive, a preservação do meio ambiente com um direito fundamental coletivo.

 

Essa tem sido, aliás, a orientação do Colendo STF:

 

A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA. - O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações. O ART. 4º DO CÓDIGO FLORESTAL E A MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.166-67/2001: UM AVANÇO EXPRESSIVO NA TUTELA DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. - A Medida Provisória nº 2.166-67, de 24/08/2001, na parte em que introduziu significativas alterações no art. 4o do Código Florestal, longe de comprometer os valores constitucionais consagrados no art. 225 da Lei Fundamental, estabeleceu, ao contrário, mecanismos que permitem um real controle, pelo Estado, das atividades desenvolvidas no âmbito das áreas de preservação permanente, em ordem a impedir ações predatórias e lesivas ao patrimônio ambiental, cuja situação de maior vulnerabilidade reclama proteção mais intensa, agora propiciada, de modo adequado e compatível com o texto constitucional, pelo diploma normativo em questão. - Somente a alteração e a supressão do regime jurídico pertinente aos espaços territoriais especialmente protegidos qualificam-se, por efeito da cláusula inscrita no art. 225, § 1º, III, da Constituição, como matérias sujeitas ao princípio da reserva legal. - É lícito ao Poder Público - qualquer que seja a dimensão institucional em que se posicione na estrutura federativa (União, Estados-membros, Distrit o Federal e Municípios) - autorizar, licenciar ou permitir a execução de obras e/ou a realização de serviços no âmbito dos espaços territoriais especialmente protegidos, desde que, além de observadas as restrições, limitações e exigências abstratamente estabelecidas em lei, não resulte comprometida a integridade dos atributos que justificaram, quanto a tais territórios, a instituição de regime jurídico de proteção especial (CF, art. 225, § 1º, III). (ADI 3540 MC / DF - DISTRITO FEDERAL - Relator Min. CELSO DE MELLO).

 

CONCLUSÃO

 

Os direitos fundamentais são as matrizes de todos os demais direitos, pois são entendidos como direitos que emanam fundamentalidade sobre os demais, devido à sua natureza constitucional.

De tal modo, ao conceito de propriedade hoje, se integra a garantia constitucional de propriedade não só dos bens móveis e imóveis, mas também, todos os demais valores patrimoniais, sejam eles privados, ou públicos. Pode-se concluir assim, que o Estado deve zelar pelo bem comum, pelo bem da comunidade, e diante disso, focalizando tal objetivo, ainda, não deve jamais sacrificar nenhum dos direitos considerados fundamentais do ser humano.

 

A Constituição atual, diferentemente das anteriores, inova ao garantir à propriedade, como direito fundamental que é, funções sociais específicas. A propriedade deve, portanto, obrigatoriamente atender à sua função social, sendo que o seu descumprimento motiva a inexistência do direito sobre ela. Ou seja, o direito de propriedade da terra só poderá ser garantido e tutelado pelo Estado quando a mesma cumprir sua função social.

 

O direito à propriedade e seu uso ficou constitucionalmente condicionado à sua função social, e, portanto, disposição específica na Constituição estabelecendo condições limitantes ao seu uso.

 

Assim, o meio ambiente não se constitui patrimônio público, enquanto compreendido como a propriedade estatal. Patrimônio ambiental e Patrimônio público não se confundem. O meio ambiente não é propriedade estatal, mas sim uma propriedade da humanidade que, como tal, merece especial atenção do Estado e da sociedade como um todo, garantindo uma sadia qualidade de vida para presentes e futuras gerações.

 

 

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WAQUIM, Bruna Barbieri. Sobre as restrições ao direito de propriedade. [s.l.:s.n.], 2007. Disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3779/Sobre-as-restricoes-ao-direito-de-propriedade Acesso em: 25jan.2009.

 

 

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Comentários e Opiniões

1) Alexandre Alcântara (02/02/2010 às 18:28:31) IP: 189.59.113.162
Muito esclarecedor e atual o artigo escrito pelo Ilustre Advogado Régis Santiago de Carvalho. Parabéns e continue nos brindando Dr.


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