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A CONFERÊNCIA DE VIENA E A DISCRIMINAÇÃO RACIAL NO MERCADO DE TRABALHO.


Autoria:

Sérgio Luiz Da Silva De Abreu


Advogado, Graduação - UFRJ, Mestre em Ciências Jurídicas- PUC-Rio, Especialista em Advocacia Trabalhista - OAB/UFRJ, e em Direito Processual Civil - UNESA, Membro Efetivo do IAB, Associação dos Constitucionalistas Democratas, Prêmio Jubileu de Roma.

Endereço: R. Cel.josé Justino , 229
Bairro: Centro

São Lourenço - MG
37470-000


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Resumo:

A contribuição da Declaração e Programa de Ação da Conferência de Direitos Humanos de Viena no aperfeiçoamento dos mecanismos internacionais e nacionais de implementação do combate a discriminação racial no mercado de trabalho.

Texto enviado ao JurisWay em 29/10/2009.

Última edição/atualização em 03/11/2009.



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SUMÁRIO

 

1. Introdução 2. Os princípios dos direitos humanos 3. A convenção nº111 da OIT 4. O mapa da desigualdade racial no mercado de trabalho 5. As ações afirmativas e as políticas de inclusão no mercado de trabalho. 6. Marcos referências de estratégias jurídicas no direito comparado 7. Universalismo e protecionismo: O dilema jurídico-político brasileiro. Conclusão. Referências.

 

 

“Portanto, só os ciclos eram eternos. (Na prova oral de Aptidão à Faculdade de letras, em Lisboa o examinador fez uma pergunta ao futuro escritor. Este respondeu hesitantemente, iniciando com um portanto. De onde é o senhor?, perguntou o Professor, ao que o escritor respondeu de Angola. Logo vi que não sabia falar português; então desconhece que a palavra portanto só se utiliza como conclusão dum raciocínio?  Assim mesmo, para pôr o examinando à vontade. Daí a raiva do autor que jurou um dia havia de escrever um livro iniciando por essa palavra. Promessa cumprida. E depois deste parêntesis, revelador de saudável rancor de trinta anos, esconde-se definitiva e prudentemente o autor”.( PEPETELA, A Geração da Utopia).

 

INTRODUÇÃO.

 

O debate acerca do direito internacional dos direitos humanos no âmbito das relações de trabalho tem sido um tema inóspito, sobretudo quando se trata das relações raciais no mercado de trabalho. Em que pese, a grande produção acadêmica sobre as relações raciais no Brasil, minguada ainda é, a produção jurídica sobre o tema trabalho e relações raciais.

A Conferência de Viena insta os Estados a implementar políticas de remoção de obstáculos e a adoção de políticas públicas de promoção da igualdade. Os princípios da Declaração e Programa de Ação da Conferência de Viena foram reafirmados na III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata. A Declaração de Viena destacou a importância da campanha internacional contra o Apartheid num ambiente de político de repúdio que aplicou nas sanções ao governo de Pretória.  A África do Sul na mesma década realizou a III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata. O Programa de Ação da Conferência de Viena destacou incisivamente que a sociedade internacional não pode prescindir de políticas públicas de combate ao racismo e suas formas contemporâneas de manifestação. A indissociabilidade das características dos direitos humanos, indivisibilidade, universalidade e interdependência, a sua efetividade e justicialidade estão previstas na Declaração.

 

Restou ao Brasil, como o país de maior população negra fora do continente africano a adotar políticas de eliminação do apartheid social infligido à população afro-descendente.

As políticas de ação afirmativa ainda são vistas com muita resistência pelos setores mais conservadores da sociedade brasileira que insistem em deslegitimar instrumentos de remoção de obstáculos à promoção da igualdade, sob o argumento que tais instrumentos violam o princípio da igualdade. A retórica da liberdade dissociada da implementação da igualdade material, igualdade de oportunidade, igualdade de chances, não satisfaz ao conjunto da população afro-brasileira. 

Inegavelmente o histórico escravista no Brasil determina as condições do afro-brasileiro no mercado de trabalho. O passado nos acorrenta e nos atormenta em virtude da ausência de políticas públicas eficazes no que diz respeito às políticas compensatórias à comunidade afro-brasileira.

O paradigma liberal-burguês de igualdade – igualdade formal –é por demais retórico para dar conta das desigualdades raciais. O projeto de Democracia Inclusiva, preconizado em nosso Texto Constitucional, será somente possível na medida em que a Igualdade Material ou Substantiva alcance toda a diversidade étnico-racial que é composta a sociedade brasileira.

A discriminação de gênero e a discriminação racial, à semelhança do trabalho escravo, têm previsão normativa na esfera do Direito Internacional dos Direitos Humanos. É preciso relacionar dignidade da pessoa humana com relações laborais.  Aviltar os direitos fundamentais do trabalhador é violar normas de direito internacional.

A dinâmica do enfrentamento da violência estrutural através de políticas públicas de superação de desigualdades históricas afeta as elites que mantêm as estruturas arcaicas que obstaculizam o projeto Democrático Inclusivo.

Inquestionável a importância das relações raciais e os direitos humanos. O legado da luta dos direitos civis nos EUA e a luta contra o Apartheid são os quadros referências de grande importância para reflexão do último país a abolir a escravidão e o maior responsável pelo tráfico negreiro no atlântico. Por essas e outras razões, somos hoje os recordistas das disparidades étnico-raciais.

O núcleo central deste artigo é a implementação de políticas públicas de ação afirmativa no campo do direito do trabalho. Inauguramos o debate e a experiência no campo da educação com as leis de reserva de vagas ou cotas no ensino superior. O acalorado debate, com as resistências previsíveis, também não ocorrerão de outro modo quando da sua implementação no campo trabalho.

Importante sublinhar a importância da teoria geral dos direitos humanos, e a adoção dos princípios dos direitos humanos, em conformidade com a Declaração e Programa de Ação da Conferência de Viena (1993).

A Convenção n.º111 da Organização Internacional do Trabalho OIT que dispõe sobre a Discriminação no Trabalho e na Profissão e demais instrumentos jurídicos internacionais que compõem o arsenal jurídico anti-discriminatório e as suas cláusulas de políticas de ação afirmativa se ajustam de modo a enfeixar diversos mecanismos de combate e resistência ao racismo.

O diagnóstico das desigualdades raciais no mercado de trabalho será visto no mapa das desigualdades. As questões conceituais no campo das políticas de ação afirmativa traçarão os caminhos para a compreensão de sua aplicação na esfera jurídica. As políticas de ação afirmativa como remoção de obstáculos ao exercício dos direitos de cidadania tem sido adotada em diversos países.

 

A problemática da inclusão racial no Brasil através de políticas públicas tem início com a implementação da reserva de vagas ou cotas na universidade.

 Como foi tratada a idéia de igualdade material para viabilizar, concretizar a igualdade de oportunidade ou de chances? Como contornar o dilema políticas universalistas ou protecionistas?

 

2. Os princípios dos direitos humanos.

A Conferência de Direitos Humanos de Viena (1993) consagrou na Declaração e no Programa de Ação os princípios dos direitos humanos: efetividade, indivisibilidade e universalidade (Goutthes, 1999).

 Podemos dizer que a efetividade está diretamente relacionada com a idéia de prevenção e medidas de alerta rápida e de intervenção urgente em caso de graves violações. A indivisibilidade é no sentido de tratar os direitos humanos como um sistema de proteção, sendo assim, inadmissíveis sua fragmentação. Quanto à universalidade, trata-se de dimensionar os direitos humanos de forma indiscriminada dirigida a todos os seres humanos.

Tal ordem de princípios visa a trabalhar os direitos humanos considerando a pessoa humana concreta afastando a concepção de abstração da pessoa humana. É nesse sentido, que os instrumentos internacionais de direitos humanos têm efetividade e podem ser aplicados na sua universalidade compondo todo um sistema orgânico indivisível.

Alguns autores ampliam o leque principiológico acrescentando a justicialidade, a interdependência e a permeabilidade dos direitos humanos. É certo, que todos esses princípios visam superar a retórica iluminista de direitos humanos.

Não podemos esquecer que os preâmbulos dos documentos históricos revelam a índole das declarações de direitos. Hodiernamente, confere-se aos diplomas internacionais de direitos humanos um poder de coercibilidade no âmbito das relações internacionais. O século XX apesar das graves violações estruturais ou mesmo reais de direitos humanos foi o século da sua afirmação. Inúmeros Estados foram responsabilizados internacionalmente pela violação de normas internacionais de direitos humanos.

Quando se argumenta a justicialidade dos direitos humanos estamos considerando sua efetividade. Como garantirmos direitos humanos se estes quando violados ou mesmo ameaçados não sujeitam seus agentes ou protegem sua vítimas?(Cassese, 1999)

 A positivação dos direitos humanos, ou seja, sua incorporação na ordem jurídica dos Estados que ratificaram esses instrumentos jurídicos internacionais é um meio de justicializá-los.

Ainda hoje, alguns Estados colocam os direitos civis e políticos como os únicos ingredientes dos direitos humanos. Desconsiderando que a pessoa humana é sujeito de outros tantos direitos, v.g., econômicos, sociais e culturais. A indivisibilidade se destina a não encapsular o corpo dos direitos humanos em civis e políticos, mas sim, dilargar o espectro de direitos que integram a dignidade da pessoa humana.

Portanto, o Direito Internacional dos Direitos Humanos investe na Ordem Jurídica dos Estados trazendo “Nel paradigma costituzionale (“ postmoderno”) coniato dalla triade sicurezza/diversità/solidarietà si sviluppa pienamente la finalizzazione della costituzione”. (Denninger,1998).

Nesse passo, a questão racial transborda os limites da problemática da intolerância e do racismo na esfera Estatal e ganha foro internacional. A proteção à diversidade étnico-racial é matéria de direito internacional. Ocultar tais questões ou tratá-las como uma questão interna, sob o manto da idéia de soberania, não exime os Estados transgressores da responsabilidade internacional.

O Brasil tem sido denunciado nos fóruns internacionais pela ausência de políticas publicas promotoras da inclusão racial. O Núcleo de Pesquisa e Informação da Universidade Federal Fluminense -DATAUFF– efetuou pesquisa, encomendada pelo Centro de Articulação de Populações Marginalizadas-CEAP, financiada pela Fundação Ford, apontou, o percentual de 93% de racismo entre brasileiros. A referida pesquisa publicada pelo Jornal do Brasil do dia 12 de maio de 2000 (pág. 5), indica a dificuldade de convivência no trabalho, reconhecida por 77% dos entrevistados.

A discriminação racial aparece também na pátria da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. O periódico francês Le Monde Diplomatique (março de 2000, pág. 7) publicou matéria intitulada "Discrimination raciale à la française", na qual afirma que a comissão britânica CRE (Commission for Racial Equality) obteve mais de 2.000 condenações e reparações por discriminação  no emprego, enquanto na França, as condenações não ultrapassaram a três. A matéria enfoca três pontos fundamentais: a reparação dos danos as vitimas da discriminação, a sanção aos autores de praticas discriminatórias e a modernização dos textos legais. Em "Questionner le racisme", de Dominique Schnapper e Sylvain Allemand, apontam que a França foi um dos primeiros países a adotar dispositivos em matéria civil e penal em combate ao racismo atendendo a Convenção Internacional sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1966). É oportuno lembrar que a legislação antidiscriminatória em França remonta o século passado.

As aludidas matérias evidenciam que a intolerância racial no campo do trabalho se constitui numa "maladie hontese" (humilhação), ofensa ao principio da dignidade da pessoa humana. Os instrumentos internacionais de proteção particularizada às populações vulneráveis recomendam aos Estados-partes que adotem medidas, políticas públicas e legislação de combate as práticas discriminatórias que aviltam o princípio da igualdade.

 

3.      A CONVENÇÃO N° 111 DA OIT.

A Convenção n° 111 da Organização Internacional do Trabalho – OIT e a Recomendação n° 111 concernente a discriminação em matéria de emprego e de profissão, foi adotada na 42ª Sessão da Conferência , em Genebra(1958). Trata-se de instrumento prioritário da Organização e foi ratificado por mais de 100 Estados, inclusive o Brasil através do Decreto Legislativo n.º 42520, de 23 de setembro de 1959, ratificada em 30 de setembro de 1965 e efetuado o registro do instrumento respectivo pelo BIT em 26 de novembro de 1965, e foi promulgado pelo Decreto n.º 62.150, de 19 de janeiro de 1968, publicado no DOU de 23 de janeiro de 1968.

O instrumento convencional antidiscriminatório, à semelhança de outros, é de caráter pedagógico, já no primeiro artigo define, para efeitos da Convenção o que venha a ser discriminação. Senão vejamos: a) toda distinção exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão; b) qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão, que poderá ser especificada pelo membro interessado depois de consultadas as organizações representativas de empregadores e trabalhadores, quando estas existam, e outros organismos adequados.

A exceção prevista no item 2 do artigo 1º; excetua as “distinções, exclusões ou preferências fundadas em qualificações exigidas para um determinado emprego não são consideradas como discriminação”.  Reforçado o caráter pedagógico no item 3 do mesmo dispositivo quando defini que as expressões “emprego” e “profissão” incluem o acesso à formação profissional, ao emprego e às diferentes profissões, bem como as condições de emprego”.

“As palavras emprego” e “profissão” compreendem “o acesso à formação profissional, ao emprego e às diferentes profissões, bem como as distinções de emprego” (art. 1 § 3); mas, “as distinções, exclusões ou preferências fundadas em qualificações exigidas para um determinado emprego não são consideradas como discriminação” (art. 1 § 2).

O fundamento convencional das políticas de promoção de igualdade encontra-se no art. 5º: que assim dispõe:

“1- As medidas especiais de proteção ou de assistência previstas em outras convenções ou recomendações adotadas pela Conferência Internacional do Trabalho não são consideradas discriminação”.

Uma terceira categoria de medidas que não pode ser considerado como discriminações são “as medidas especiais de proteção ou de assistência previstas em outras convenções ou recomendações adotadas pela Conferência Internacional do Trabalho”. Esse dispositivo visa em particular às normas adotadas no que concerne ao trabalho das mulheres ou das populações indígenas. Podem-se relevar notadamente as preferências em favor de pessoas de certas raças ou origens, bem como de certa forma de representação de comunidades ou grupos existentes no país nos empregos públicos. Está igualmente previsto que todo Estado pode consultar as organizações representativas dos empregadores e trabalhadores “definir como não discriminação todas outras medidas especiais destinadas a salvaguardar as necessidades particulares de pessoas em relação às quais a atribuição de uma proteção ou assistência especial seja, de uma maneira geral, reconhecida como necessária, por razões tais como o sexo, a invalidez, aos encargos de família ou o nível social ou cultural”.

 “En realtion avec cette catégorie de mesures, la question s’est posée de savoir jusqu’á  quel point certaines distinctions ou préference étabiles dans des pays composés de groupes de population hétérogénes entrent dans le cadre d’une politique tendant à promouvoir l’égalité de chaces et de traitemente. Il s’agit par exemple de la réservation d’emplis aux membres de certaines catégories de la population, antérieurement placés dans une situation d’infériorité.” (VALTICOS, 1983).

O Artigo 3º arrola a metodologia que deve ser adota pelos Estados-partes, a fim de implementar a Convenção. A luta contra tal fenômeno social não deve comportar somente medidas de ordem legislativa, mas também uma ação sobre o plano prático, e notadamente uma ação educativa. Bem mais, desigualdade de chances e de tratamento decorre sobretudo de desigualdade de condições econômicas de diversos grupos étnicos ou tão simplesmente de diferenças de situações individuais tanto na instrução quanto na formação (...) implementar uma igualdade de chances de implica em adotar em larga envergadura, um plano de educação , de formação e de aperfeiçoamento profissional. (Valticos, 1983).

A partir da Declaração Universal dos Direitos do Homem temos um arsenal jurídico internacional como o Pacto Internacional relativo aos direitos econômicos, sociais e culturais, Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e a Convenção Relativa à Luta Contra a Discriminação no Campo do Ensino. Todas essas normas internacionais estão voltadas à promoção da igualdade e a superação de desigualdades e/ou barreiras étnico-raciais.

Como objeto desse trabalho está circunscrito a problemática da implementação das políticas de ação afirmativa, especificamente para os afro-descendentes será analisada - tout court - a discriminação racial no âmbito do instrumento convencional.

 

4.      O MAPA DA DESIGUALDADE  RACIAL NO MERCADO DE TRABALHO.

A invisibilidade estatística é uma das estratégias de ocultação das disparidades raciais no mercado de trabalho.

As raízes da desigualdade racial, sobretudo que diz respeito as relações de trabalho, podem ser encontradas nos 350 anos de escravidão. Com a abolição da escravatura mais de 700 mil pessoas foram coladas na rua o que representava 5% da população da época. Soluções genéricas, de caráter universalista , não dão conta da raiz etnoracial do problema. O Brasil é segmentado em um “Brasil afro-descendente” (exclusão) e um Brasil de “outros-descendentes”(incluídos). Projetos que não abordem a questão racial ratifica a desigualdade e promove um país sem perspectivas de desenvolvimento integral, um país racialmente apartado.

“Quando pesquisamos o tema das desigualdades raciais no mercado de trabalho, estamos em busca de uma compreensão dos mecanismos, sutis ou abertos, existentes no mercado deste fator que fariam com que negros e brancos tivessem desiguais oportunidades de acesso à formação pedagógico-profissional, aos postos de trabalho bem remunerados e prestigiados, às promoções e treinamento nas melhores empresas e, alternativamente, maiores possibilidades de serem desligados involuntariamente dos seus empregos ou, na falta de outras alternativas, de serem obrigados ao exercício de atividades profissionais através de vínculos precários, informais e tendentes a perceber uma remuneração de menor monta. Assim, em última instância elemento racial e étnico – portanto, inato às pessoas como sua origem familiar, cor da pele, formato do rosto e etc. – no processo de estratificação social e, por conseguinte, buscar políticas adequadas para o enfrentamento deste cenário.”(PAIXÃO, 2003).  O mesmo autor publicou trabalho sobre o IDH da população afro-descendente, demonstrando as disparidades dos índices entre brancos e negros. O IDH (Índice de Desenvolvimento Humano é construído a partir de parâmetros básicos: a) Renda (PIB por habitante); b) Educação (alfabetização e taxa de matrícula); c) Saúde(esperança de vida).

Segundo a ONU dentre os 174 países avaliados o Brasil ocupou a 74ª posição. Esse lugar no ranking colocou o país numa situação privilegiada segundo aquela metodologia. O Brasil está ao lado de Estados considerados medianos à exemplo da China e da África do Sul. Apenas a título de comparação os países que lideram o ranking são: Canadá, Noruega, Estados Unidos, Japão, Bélgica e Suécia.  A ONU distribuiu os países em três grupos: a) os de alto desenvolvimento; b) os de médio desenvolvimento; c) Os de baixo desenvolvimento.  Estudos feitos por Wania Santant’Anna e Marcelo Paixão diagnosticaram que cruzando os dados oficiais do IBGE com a metodologia da ONU o Brasil quando analisado seu IDH considerando o universo etnorracial ocupava a 63ª posição, lugar destacado no cenário internacional. Outrossim,quando considerado apenas a população negro-descendente o resultado era de um país com IDH semelhante ao do Zimbábue ou Lesoto, ou seja despencava de 63ª lugar para 120º lugar. [1]

O desemprego, enquanto patologia secular que afeta os afro-brasileiros, é fruto da discriminação e do racismo. Para efeitos de metodologia no campo das ciência das estatísticas  temos que : “O conceito de discriminação está intimamente relacionado ao de segmentação. Por isso, consideramos que existe discriminação no mercado de trabalho sempre que brancos e não-brancos, homens e mulheres, todos perfeitamente substituíveis na produção, não recebam a mesma remuneração, até mesmo quando empregados num mesmo segmento do mercado de trabalho. De acordo com esse conceito, há discriminação sempre que existam salários diferenciados entre os trabalhadores perfeitamente substituíveis num mesmo segmento do mercado de trabalho. Aqueles com remuneração abaixo da média são discriminados”. (RAMOS e VIEIRA, 2000).

Alguns itens são responsáveis pela discriminação: “discriminação estética”, racialização do processo de contratação” e “recursos, ambiente e herança de capital intelectual”. Tais ingredientes compõem a o quadro das desigualdades raciais no Brasil: a) hiperdesigualdade; b)  as barreiras discriminatórias invisíveis(“The glass ceiling”)[2]; c)  e uma cultura racista.

A noção popular de “raça” é transmitida através de estereótipos, da mídia, de piadas, das redes sociais , do sistema educacional, das práticas de consumo, dos negócios e das políticas de Estado. Logo raça tem grandes implicações materiais, para os brasileiros”.(TELLES, 20003).

Evidente, que o senso comum, consagrou no seu ideário racista a imagem do afro-brasileiro. Com certeza, está gravado na cultura racista brasileira, chamada de racismo cordial, o lugar do negro no mercado de trabalho. Editais de convocação, contratação, promoção e demissão passam por esses critérios racistas. Inegavelmente as barreiras são construídas a partir das representações que se tem de raça.[3]

O Supremo Tribunal Federal  em decisão histórica, no seu 175º ano de histórica, marcada pelo ingresso do primeiro negro na Suprema Corte Brasileira, denegou o pedido de habeas corpus ao editor Siegfried Ellwanger[4], condenado pelo crime de racismo.  A decisão por maioria de 7 votos a 1, merece a alusão a alguns votos se não  vejamos: O Ministro Gilmar Ferreira Mendes iniciou seu voto abordando o conceito de racismo. Autores como Kevin Boyle e Norberto Bobbio, dentre outros, os quais refletem sobre racismo e anti-semitismo, destacando que o Brasil é signatário de tratados internacionais “que não deixam dúvida sobre o claro compromisso  no combate ao racismo em todas as suas formas de manifestação, inclusive o anti-semitismo”.  A Constituição Brasileira, segundo o Ministro, compartilha desse sentido de que “o racismo configura conceito histórico e cultural assente em referências supostamente  raciais, aqui incluído o anti-semitismo”.  O Voto do Ministro Carlos Velloso destaca o parecer do jurista Celso Lafer ao conceituar o racismo, afirmando que “ele constitui-se no atribuir aos seres humanos características raciais para instaurar a desigualdade e a discriminação”. O Ministro Cezar Peluso afirma que “A discriminação é uma perversão moral, que põe em risco os fundamentos de uma sociedade livre”.

 

A análise da Jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho – TST – revela o comportamento da instância superior da jurisdição trabalhista acerca da discriminação no mercado de trabalho. O emblemático caso Vicente Francisco do Espírito Santo versus Centrais Elétricas do Sul do Brasil - Eletrosul. O Reclamante foi demitido da empresa em março de 1992 – onde trabalhava há 17 anos – porque o chefe da sua seção pretendia “clarear o ambiente”. O reclamante foi reintegrado ao quadro funcional da empresa em março de 1995 em decisão histórica e inédita no Judiciário Brasileiro.

Recentemente, o TST julgou o Recurso de Revista n.º 381531/97, para reintegrar o reclamante na empresa. Ficou sublinhado naquela decisão que o “ordenamento jurídico pátrio, desde as constituições anteriores, repudia o tratamento discriminatório, seja pelos motivos, dentre outros, de raça, cor e religião. Destarte, os princípios constitucionais, associados aos preceitos legais e às disposições internacionais que regulam a matéria, autorizam o entendimento de que a despedida, quando flagrantemente discriminatória, deve ser considerada nula, sem do devida a reintegração  no emprego. Inteligência dos arts. 3º, inciso IV , 4º, inciso VIII, 5º, caput e incisos XLI e XLII, e 7º, inciso XXX, da Constituição

Federal, 8º e 9º da CLT e 1.521, inciso III do Código Civil [5] e das Convenções  n.º. 111/58 e 117/62 da OIT. As citadas decisões do STF e do TST são demonstrações de justiciabilidade dos direitos humanos.

A Lei da Boa Aparência é um exemplo de instrumento legal obstrutivo de práticas discriminatórias nas relações de trabalho, ou seja, uma política de ação afirmativa no direito do trabalho. As práticas discriminatórias nos editais de oferta de trabalho e nos processos seletivos são uma flagrante violação ao direito ao trabalho, direito fundamental, enquanto as demais discriminações,  processos “invisíveis” de obstáculo as oportunidades promocionais , nos critérios demissórios podem ensejar ao empregador responsabilidade civil por danos morais nas relações de trabalho, uma vez que tais práticas causam danos psicológicos que muitas das vezes torna impossível seu reingresso no mercado de trabalho.

Os indicadores raciais apresentados pelo DIEESE em pesquisa encomendada pelo INSPIR apontam que os jovens afro-brasileiros são obrigados a ingressar no mercado de trabalho em idade vedada pela legislação brasileira o que provoca nesses jovens a redução dos anos de estudos e sua permanência nas instituições de ensino.

O salário dos chefes de família (homens/mulheres) afro-descendentes é inferior ao dos brancos, fechando um círculo de disparidades, uma vez que afeta a qualidade de vida dos discriminados. Outro dado importante, é que negros têm uma jornada de trabalho maior que a dos brancos, não lhes restando tempo e hora para o exercício de outros direitos sociais e culturais. Embora trabalhem mais são menos remunerados. A análise destes dados levando em conta as regiões brasileiras verifica-se que nas regiões de maior desigualdade social  os negros são mais prejudicados.

Na década de 80, foram realizados estudos que comprovaram que negros com escolaridade igual à de brancos são menos remunerados.

No que diz respeito ao desemprego, este afeta com maior intensidade mais a negros que a brancos. Agravando a situação, o tempo de duração de desemprego para os negros é maior que para os brancos.

Quanto ao gênero, a mulher negra é duplamente marginalizada, na medida em que sofre a discriminação racial somada ao machismo. As profissões mais qualificadas são reservadas as mulheres brancas, enquanto as profissões subalternas relegadas ao conjunto das mulheres negras. As mulheres negras são mais vulneráveis nas relações de trabalho que as mulheres brancas.

Por todas essas constatações temos a certeza que diversos instrumentos jurídicos internacionais são violados pelo Brasil, tanto os que tratam da questão de gênero, de raça, proteção à infância e juventude. Vimos anteriormente que esses instrumentos jurídicos internacionais possuem cláusulas de promoção de igualdade, reconhecendo que as políticas públicas de superação de desigualdades são admitidas na ordem jurídica internacional, não sendo consideradas essas políticas violadoras do princípio da igualdade.

 

 

 

5.      AS AÇÕES AFIRMATIVAS E AS POLÍTICAS DE INCLUSÃO NO MERCADO DE TRABALHO.

 

A introdução do debate sobre as políticas de ação afirmativa no Brasil chegou tardiamente em relação aos países cujas determinadas populações sofreram e vêm sofrendo os resultados da desvantagem histórica.

Em primeiro lugar é preciso definir o que vem a ser ação afirmativa. Segundo o Ministro do Supremo Tribunal Federal (BARBOSA, 2001) “Atualmente, as ações afirmativas podem ser definidas como um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego. Diferentemente das políticas governamentais antidiscriminatórias baseadas em leis de conteúdo meramente proibitivo, que se singularizam por oferecerem instrumentos jurídicos de caráter reparatório e de intervenção ex post facto , as ações afirmativas têm natureza multifacetária, e visam a evitar que a discriminação se verifique nas formas usualmente conhecidas – isto é, formalmente, por meio de normas de aplicação geral ou específica através de mecanismos informais, difusos e estruturais enraizados nas práticas culturais e no imaginário coletivo. Em síntese, trata-se de políticas e de mecanismos de inclusão concebidas por entidades públicas, privadas e por órgãos dotados de competência jurisdicional ,com vistas à concretização de um objetivo  constitucional universalmente conhecido – o da efetiva igualdade de oportunidades a que todos os seres humanos têm direito”.

Na obra seminal sobre ação afirmativa, o autor enriquece o quadro conceitual, apresentando-nos o significado de ação afirmativa  segundo Robert Sedler .

“No domínio das relações de emprego, ação afirmativa significa o uso  deliberado pelos empregadores dos critérios de gênero nas decisões de contratar e promover (empregados), e, nesse  sentido, a concessão de preferência a minorias e mulheres sobre homens brancos no local de trabalho. A preferência pode se concretizar através da “atenção prestada aos números” nas decisões de contratação e de promoção, do uso da raça e do gênero como um “fator positivo” no processo de decisão ou através do estabelecimento de cotas para a representação de minorias e de mulheres na força de trabalho”. (BARBOSA, 2001).

 

É preciso insistir que é insuficiente o combate a discriminação no campo normativo. A mudança da cultura baseada no estereótipo racial só é possível na medida em que são criados mecanismos de promoção da igualdade.  A estratégia de promoção da igualdade exige uma atitude combativa da sociedade e do Estado. Combater a cultura do racismo é promover a diversidade através de políticas públicas de inclusão.

O objetivo da ação afirmativa no campo do trabalho é a remoção das barreiras invisíveis, a que os norte-americanos chamam de “telhado de vidro”.  A remoção desses obstáculos se deve a adoção de políticas públicas de promoção da igualdade. No caso brasileiro, a mitologia da democracia racial, impediu o reconhecimento das desigualdades raciais. Durante décadas da história brasileira foi negada a existência do racismo sob o argumento de que as relações raciais no Brasil são cordiais. Nesse sentido, o déficit de dignidade (PAIXÃO, 2003) do afro-brasileiro provoca a baixa auto-estima (TELLES,2003).

 

A Conferência Mundial de Direitos Humanos Contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e a Intolerância Correlata, realizada em Durban, África do Sul em setembro de 2001, destacou as políticas de ação afirmativa como um mecanismo legítimo e legal no combate ao racismo. Enfim, para a Conferência ação afirmativa, ação positiva ou discriminação positiva é uma “norma legal, uma decisão judicial, uma política ou uma diretriz oficial, cuja realização procura conseguir igualdade de oportunidades para as mulheres, os povos indígenas ou afro-descendentes ou outras populações socialmente discriminadas em relação às favorecidas socialmente”. (MOLINA e RODRÍGUEZ, 2001).

Os adversários das políticas antidiscriminatórias em defesa da igualdade formal fazem tábula rasa da problemática racial e interpretam literalmente o conceito, mais que, conceito o princípio da igualdade no sentido literal. Interpretação literal é um contra-senso, se é literal não é interpretação, as normas jurídicas não devem ser interpretadas literalmente ao menos que se tenha por escopo o ensurdecimento e a invisibilidade  dos reclamos da comunidade desfavorecida. Portanto, para esses não há que se falar em políticas de ação afirmativa, pois a literalidade da lei, desconhece o mundo da realidade, naturaliza o racismo.  Assim é que a lógica da interpretação literal vem atender as necessidades ideológicas da manutenção das desigualdades étnico-raciais, por isso, o racismo está no campo das temerosas obviedades que ocultam e calam os debates mais importantes naturalizando as perversidades, “O obvio é tão óbvio que não precisa ser dito e, por não ser dito, não precisa ser pensado e, de tão obvio, torna-se invisível. Esta é a representação social do racismo brasileiro. A naturalização dos fenômenos culturais, retirando-os do mundo cultural para o mundo da natureza, implica a inquestionabilidade daquele, na medida de sua identificação com este” (LIMA BARRETO, 1997).

Ficou evidenciado naquela Conferência que a problemática racial se faz com a implementação sistemática de todo o arsenal normativa internacional de combate ao racismo.

Os adversários das políticas de inclusão negam a existência da dimensão racial da diversidade (BENTO, 2000).  Alegam que a questão deve ser enfrentada através de uma perspectiva econômica, ou seja, superados os índices de pobreza, estariam solucionados os problemas de inclusão racial. No próximo item desse artigo será mais acuradamente tratada a questão entre as perspectivas universalistas e as protecionistas, dando-se ênfase ao direito internacional dos direitos humanos.

A organização da sociedade civil tem sido, através do movimento negro, atuante e encorajadora, da implementação das políticas de ação afirmativa no direito brasileiro. É verdade que a aproximação do movimento negro com as organizações não governamentais internacionais vem provocando avanços no debate. Acresce-se, também a valorização do papel dessas organizações não governamentais nacionais, no aperfeiçoamento dos instrumentos jurídicos internos e no reconhecimento da prevalência das normas internacionais de direitos humanos sobre o direito interno[6]. Devo destacar, que as conseqüências dessa militância tem trazido importantes contribuições para o Direito brasileiro.

Representantes do sindicalismo brasileiro denunciaram a violação da Convenção n.º 111 da Organização Internacional do Trabalho o que exigiu do Estado Brasileiro a adoção de políticas de promoção da igualdade no mercado de trabalho..

Recentemente o Instituto da Advocacia Racial e Ambiental – IARA, ingressou com 28 representações junto ao Ministério Público do Trabalho, requerendo a instauração de inquérito civil público para responsabilizar as empresas que não adotarem um pacto de diversidade racial nas suas relações de trabalho. O efeito dessas representações já motivaram o Ministério Público à proceder um levantamento em suas regiões das desigualdades raciais no mercado de trabalho, suscitando um pacto de ajuste de conduta do empresariado. A conseqüência dessa advocacia de impacto, buscando mudanças estruturais, é o aperfeiçoamento das instituições jurídicas e políticas que em grande parte desconhecem ou não reconhecem as disparidades raciais no Brasil.

Trabalho relevante que representou um marco na produção acadêmica sobre a questão racial foi “O lugar do negro na força de trabalho” (OLIVEIRA, 1985), lá ficou constatada a remuneração extremamente baixa comparada a outros grupos e a concentração em determinados setores do mercado e em certas atividades cujos salários e condições de trabalho são inferiores.

Evidentemente que uma das razões da sub-representação dos afro-brasileiros no mercado de trabalho é a questão da escolaridade. Entretanto, para confirmar que o racismo é estrutural, os afro-brasileiros com os mesmos anos de estudos que as demais etnias, ainda permanecem sub-representados. O racismo tem, insisto, uma razão de ser, que impede e obstaculiza a mobilidade ascensional como estratégia de exclusão e manutenção de privilégios.

Tratando dos eixos adicionais de discriminação “O consenso governamental do projeto de declaração da Conferência Regional das Américas reconhece a realidade das múltiplas identidades e especialmente da necessidade de incorporar uma perspectiva de gênero a todos os programas de ação contra o racismo e a discriminação racial”. (MOLINA e RODRÍGUEZ, 2001). Não podemos esquecer que raça e gênero são componentes que reforçam o racismo e imobilizam a ascensão social da afro-descendente inclusive a mantém em estratos sociais subalternos. A perspectiva de gênero tem sido exaustivamente trabalhada tanto à nível de militância quanto de produção acadêmica.

 

6.     Marcos Referências de Estratégias Jurídicas no Direito Comparado.

 

A globalização, como dito antes, promove mudanças também no direito que  cada vez mais se internacionaliza, e, a necessidade de compreender outras tradições, outras culturas jurídicas, acarretam o estudo do direito comparado. É bem certo, que as políticas de ação afirmativa não nasceram no Brasil. A experiência norte-americana, sobretudo, a da era dos direitos civis, trouxe para nós e para o mundo, uma grande contribuição. Muitos alegam que o sistema jurídico romano-germânico, este adotado no Brasil, não comporta mecanismos de inclusão, porque haveria uma incompatibilidade sistêmica. Primeiro passo, não há contrariedade entre sistemas no que diz respeito a princípios, uma vez que eles são norteadores, se prestam a orientar o legislador. O princípio é um norte bussolar, uma estrela polar. Igualdade, enquanto princípio não está limitada a sistemas jurídicos, por se tratar do leito no qual transitam todas as ordens jurídicas centradas no princípio da dignidade da pessoa humana como princípio fim do Estado Democrático de Direito.

Roman Law e Common Law são sistemas jurídicos que foram construídos e que estão sendo reconstruídos. Como dito anteriormente, a globalização não permite que sejam traçadas barreiras sistêmicas intransponíveis.

Cabe ao legislador, promover a proteção dos grupamentos vulneráveis como fim a ser atingido pelo princípio do non discrímen. Proteger e promover são necessidades do legislador impostas constitucionalmente quando da produção de normas de caráter tuitivo como é o caso da norma trabalhista.

Parece-me que não há contradição entre os sistemas, uma vez que, as políticas de ação afirmativa são adotadas pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos, que por serem universais, efetivos e indivisíveis, são dotados de caráter de normas cogentes. Está assim, superada a questão sob o ponto de vista da dogmática do direito internacional.

A estrutura do Estado Brasileiro está assentada em princípios republicanos extraídos de outras tradições, inclusive da anglo-saxônica. Interessante, que a colonização intelectual só se aproveita daquilo que serve para manter privilégios, enquanto que a adoção de mecanismos de aperfeiçoamento da democracia, da distribuição racial da riqueza, da compensação de desvantagens históricas, é colocada como intervenção  indesejável e promotora de ódios e desavenças raciais. Esse tem sido o discurso da mídia brasileira no debate das políticas de reservas de vagas ou cotas na universidade.

O pressuposto de imperatividade da igualdade material, numa sociedade democrática inclusiva, é o núcleo duro de toda a problemática da efetividade do direito público subjetivo à educação superior. Por conseguinte, e ainda numa perspectiva global, a igualdade substancial representa em relação à igualdade formal uma clivagem essencial no entendimento do conceito de igualdade, o que , como é óbvio, está longe de ser indiferente para a apreciação e interpretação do sistema jurídico no seu conjunto, e das respectivas normas. Adotando a esposada linha de pensamento, o constitucionalista português Jorge Miranda (MIRANDA,1976), destaca que por analogia a materialidade ou substancialidade dos direitos sociais se integram a ordem cultural, garantindo aos denominados segmentos “débeis” da sociedade o direito ao acesso aos graus mais elevados do ensino, da investigação científica e da criação artística.

A insistência na questão da superação do paradoxo igualdade formal versus igualdade substancial ou material no plano do direito ao acesso a educação de nível superior, se faz necessária, na medida em que todo a discussão travada nos presentes autos, é contemporânea às questões submetidas a tantas outras Cortes Constitucionais.

Na Itália, a proteção contra as discriminações repete a delineada na normativa internacional objetivando impedir as práticas ilícitas no momento da conclusão e no curso do desenvolvimento das relações de trabalho. O art. 15 da lei n.º 300, de 20 de maio de 1970  (Estatuto dos Direitos dos Trabalhadores) retoma com ampla formulação, a proibição de atos discriminatórios por motivo de sexo, raça, língua ou religião e a proibição de discriminações baseadas na violação de direitos políticos, sindicais  e sociais.

A remoção dos obstáculos de fato ao exercício dos direitos fundamentais é a afirmação do princípio da igualdade concretizado através de critérios legais de tratamento diferenciador dos indivíduos em função de parâmetros definidores da sua situação concreta. Enfatizando esta questão (RAVÁ, 1969) leciona que tratamento desigual de situações que são desiguais é a via jurídica de qualquer direito que se atribua, e como todo direito está baseado na desigualdade, constata-se que, muito embora inexista a igualdade absoluta, esta poderá ser viabilizada, na medida em que se busque a recondução a padrões comuns de indivíduos que são desiguais, aproximando-os, através da lei, da igualdade real. Isto é, “que à intervenção estatal hão-de presidir critérios de justiça distributiva conformando-se aquela pela medida e natureza das reais desigualdades fácticas existentes” (PRATA,1982), “O princípio da igualdade contém diretiva essencial dirigida ao próprio legislador: tratar por igual aquilo que é essencialmente igual desigualmente àquilo que é essencialmente desigual. A qualificação das várias situações como iguais ou desiguais depende do caráter idêntico ou distinto dos seus elementos essenciais”. (CANOTILHO e MOREIRA, 1978).

O Direito Constitucional Comparado tem contribuído de forma substancial no aprimoramento da implementação das políticas de Ação Afirmativa ou na denominada Discriminação Positiva. “O princípio da discriminação positiva, assim como a ação afirmativa, não contrariam o princípio da igualdade. É o reconhecimento do direito à diferença, a pedra de toque da discriminação positiva”. (ABREU,1999).

            A guisa de contribuição, a Constituição da República da África do Sul de 1996, pós Apartheid, adotou as políticas de ação afirmativa: Bill of Rights(2) Equality includes the full and equal enjoyment of rights and freedoms. To promote the achievement of equality, legislative and other measures designed to protect or advance persons, or categories of persons disadvantaged by unfair discrimination in any be taken”,   A Constituição Canadense – 1982 – adotou a Affirmative action programs. (4) Subsections (2) and(3) do not any law, program or activity that has as its object the amelioration in a province of conditions of individuals in that province who are socially or economically disadvantaged if the rate or employment in that providence is below the rate of employment in Canada”.

  O Tribunal Constitucional Espanhol vem entendendo que cabe ao Estado promover condições reais e efetivas quanto a igualdade de indivíduos e grupos. ( “...ne peuvent pas être considérées comme contraires au príncipe d’égalité , alors même qu’elles impliquent um  traitement plus favorable, lês mesures qui ont pour objet de remédier aux situations désavantagueses dans lesquelles se trouvent certains groupes sociaux determines et, concrètement, de remédier à la situation traditionnelle d’infériorité de la femme dans  la vie sociale et sur le marché du travail”. (.SOUCRAMANIEN, 1997)

A Corte Constitucional Alemã declarou em 28 de janeiro de 1992 uma discriminação positiva favorável às mulheres proibindo o trabalho noturno com fundamento no artigo e, alínea 2 da Lei Fundamental: ” ... vise à l’égalisation des situations matérilles , ou seja, “... les désavantages factuels qui touchent en régle générale les femmes puissent être compenses par des normes qui leur accordent certains avantages. (SOUCRAMANIEN,1997)

No mesmo sentido decidiu o Conselho Constitucional Francês quando admitiu que; “le législateur souscrive à une conception réele de l’égalité, prenant en compte les inégalités sociales entre les indivius afin de les corriger par des discrimination positive”. (SOUCRAMANIEN,1979)

Acrescenta-se que: “A opinião prevalecente na doutrina alemã e na respectiva jurisprudência, bem como na doutrina italiana e nas jurisprudências suíça e americana, é de que a igualdade, constitucionalmente imposta significa proporcionalidade, isto é, reclama do legislador tratamento desigual de situações desiguais e tratamento homogêneo de situações idênticas. Igualdade é, pois, equivalente à proibição do arbítrio”. (PRATA, 1982). Prossegue autora na página seguinte: “Porém, a vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação do legislador, pois o legislador é fundamentalmente livre na determinação dos elementos de comparação que considera decisivos para operar a diferenciação, exigindo-se apenas que esses elementos adequados à prossecução da finalidade proposta. A demonstração de que também outros critérios poderiam ter sido escolhidos para melhor se conseguir a finalidade tida em vista pelo legislador não é suficiente para se produzir uma violação do princípio da igualdade”.

 

É importante destacar que a idéia de igualdade material sob a perspectiva esposada pela autora supramencionada alinha-se ao pensamento de Pietro Barcellona, quando ele afirma que os novos direitos: “São atribuídos pela lei ao sujeito já não individualmente considerado (como homem ou cidadão), mas na base da pertença a determinadas categorias e classes sociais. Ao lado do direito abstrato – igual para todos (aplicável, portanto, a toda a actividade humana) – viria assim a estabelecer-se toda uma série de direitos especiais atribuídos de modo desigual na base de particulares critérios de conexão (...).

Pressuposto para a referencia de tais direitos ao indivíduo seria o papel, a posição que lhe respeita no contexto social”. Continua: “A exigência de sociabilidade e de justiça realizar-se-ia assim – através da introdução de formas de tutela desiguais – reequilibrando a posição de inferioridade que impede algumas categorias de sujeitos de um efetivo exercício da liberdade garantida, através do direito abstrato, a todos os cidadãos. O status social – entendido, porém, em sentido não rígido (a mesma pessoa, de fato, pode pertencer a classes ou categorias diversas, de acordo com o tipo de relação) – seria, portanto, o ponto de atração das novas formas de” direito desigual “que caracteriza a sociedade contemporânea; o direito desigual exprime iria, pois, no plano do ordenamento as tensões e a conflitualidade que emergem das relações sociais e confirmaria a” ruptura” definitiva da categoria unificante do direito subjetivo e do sujeito jurídico. À abstrata unificação da subjetividade ir-se-ia contrapondo de forma cada vez mais visível uma pluralidade de regimes e estatutos correspondentes à estratificação social”. BARCELLONA ,1974)

É nesse sentido, que cabe ao Supremo Tribunal Federal, como é de costume, o compromisso com a justiça e o bem social e uma sensibilidade acentuada para a aflição dos outros, particularmente aqueles grupamentos historicamente silenciados, merecedores das políticas de preferência adotadas pelo legislador fluminense, quando adotou o critério da cota rígida numérica. 

Importante destacar a função legitimadora do Poder Judiciário diante das questões jurídicas de caráter socialmente relevantes. Senão vejamos: “A participação efetiva do Judiciário na construção da interpretação do direito é uma imposição das sociedades democráticas, até porque o legislador não pode ser o único intérprete da Constituição. Como adverte Häberle, “... A interpretação constitucional é, todavia, uma “ atividade” que, potencialmente, diz respeito a todos. Os grupos... e o próprio indivíduo podem ser  considerados intérpretes constitucionais indiretos  ou a longo prazo. A conformação da realidade da Constituição torna-se também parte da interpretação das normas constitucionais pertinentes a essa realidade” ( DE OLIVEIRA,2003).

Encontramos a proteção particularizada as populações vulneráveis nos seguintes textos Constitucionais Europeus:

a)     Finlândia : art. 50, in fine; b) Suécia: cap.1 art. 2 in  fine e cpa 2; arts. 14 e 15, in fine; c) Alemanha: arts. 6 (5); 20 (1); d) Bulgária: arts. 35(4), 65; e) Polônia : arts. 67(2) , 81; f) Romênia; art. 17; g) Tchecoslováquia : art. 20(2); h) Áustria: art. 8º, Lei Fundamental 21.12.1867; art. 19; Tratado de Saint Germain; arts. 62 a 68; Tratado Internacional de 15.5. 1955; arts. 7, 26 ; j) Iugoslávia: Princípios Fundamentais inc. VII, parágrafo 2º(4º item), arts. 170, 171,245 a 248.

A Constituição da República Federativa do Brasil preconiza que nas relações internacionais rege-se pelo princípio da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, destacando que o Estado Brasileiro buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.  A Constituição da Nação Argentina de 22 de agosto de 1994 no capítulo quarto – Atribuições do Congresso – dispõe no art. 23: “Legislar e promover medidas de ação positiva que garantam a igualdade real de oportunidades e de trato e pleno gozo e exercício dos direitos reconhecidos por esta Constituição e por tratados internacionais vigentes sobre direitos humanos, em particular das crianças, mulheres anciãos e pessoas com incapacidade.”

Na França a discriminação positiva também ocorre na negociação coletiva.

Seguindo o mesmo princípio adotou a Constituição da República do Paraguai de 1992 o princípio da igualdade das pessoas no art. 46 com a seguinte redação: “Todos os habitantes da República do Paraguai são iguais em dignidade e direitos. Não se admite discriminações. O Estado removerá os obstáculos e impedirá os fatores que os mantêm ou propiciam”.

O Estado argentino proíbe as práticas discriminatórias tanto no texto maior quanto na legislação trabalhista , como de exemplo colhem-se os arts. 17 e 18 da lei de contrato de Trabalho, e art. 16 da Constituição, in verbis: La Nación Argentina no admite prerrogativas de sangue, ni de nascimiento:Ç no hay en ella fueros personales ni títulos de nobleza. Todos sus habitantes son iguales ante la ley, y admisibles en los empleos sin outra condición que la idoneidad. La igualdad es la bse del impuesto y de las cargas públicas.

No Chile, o Código del Trabajo (Ley nº 18.620, art. 2º), expressamente assegura a proibição das práticas pejadas de “non discrimen, verbis: Son contrarias a los principios de las leyes laborales las discriminaciones, exclusiones o preferencias basadas en motivos de raza, color, sexo, sindicación, religión, opinión política, nacionalidad u origen social. Enm consecuencia, ningun empleador podrá condicionar la contratación de trabajadores a edsas circunstancias”.

O México país do Constitucionalismo Social (1917), tem no art. 123, nitidamente de caráter protecionista, ressalta a dignidade do trabalhador e a não discriminação reafirmada no art. 3º  da Lei Federal do Trabalho de 1970.

No Panamá a lei autoriza o rompimento do vinculo trabalhista quando verificadas práticas discriminatórias.

 

7.      Universalismo e Protecionismo: O dilema jurídico-político brasileiro.

A discussão a qual versará esse item envolve a universalidade e a particularidade dos direitos humanos.  Ao longo do tempo essa questão vem formalmente e gradualmente ocupando sede Constitucional.  A universalidade tem início em 21 de junho de 1776, a “Declaração dos direitos feita pelo bom povo da Virgínia reunido em convenção plena e livre” tornou-se a primeira declaração de direitos humanos. Na Europa em 16 de agosto de 1789, os direitos humanos inauguram sua história constitucional quando proclamado pela Assembléia francesa a “Declaração universal dos direitos do homem e do cidadão”. Em 10 de dezembro de 1948 foi proclamada em Assembléia Geral das Nações Unidas a Declaração Universal dos Direitos Humanos. A universalidade dos direitos humanos paulatinamente vai assumindo outros contornos multiculturais e pluriétnicos. O esforço de validade dos direitos humanos tem se intensificado a partir do momento que a sua historização fornece um instrumento estratégico competente para superar as contradições entre universalismo e a particularidade cultural. O reconhecimento de outras culturas tem sido fundamental para criação de instrumentos internacionais de caráter protetivo em função da diversidade.

Alguns autores vêm contribuindo para momentoso debate, Michel Wieviorka, trabalha com o paradoxo universalismo x particularismo de modo que, temos de um lado o paradigma universalista, cujo conceito-chave é humanidade e de outro, por alguns definido pós-moderno, diferencialista ou comunitarista, cujo conceito –chave é o da identidade, ou seja, identidade racial, étnica , de gênero. Para os universalistas as políticas públicas devem se inscrever em praticas de teor social abrangente que garantam a igualdade de direitos de todos os cidadãos. Já os diferencialistas exigem o reconhecimento destas particularidades ou diferenças raciais no espaço público. As medidas anti-racistas devem estar assentadas em políticas de teor racialista que garantam a igualdade de oportunidades, ou a igualdade de resultados para cada um dos grupos estigmatizados em ralação aos demais cidadãos. Enfim, estas políticas introduzem o critério racial – diferencialista – em lugar do critério de mérito[7] – universalista – para assegurar a estes grupos discriminados a igualdade de oportunidades no acesso aos empregos e à educação superior.

Diante desses pressupostos, temos assistido no cenário jurídico nacional o debate acerca das políticas públicas de promoção de igualdade. O campo ideológico não é suficiente para se identificar os que defendem políticas universalistas e os que defendem políticas particularistas/protecionistas. Certo é que, no campo do direito internacional dos direitos humanos ficou consagrado que as denominadas populações vulneráveis, ou seja, aquelas mais sujeitas às violações dos direitos humanos, necessitam de políticas de proteção particularizada. Não cabe dúvida, como já dito anteriormente, que cabe ao legislador, na aplicação dos princípios a proteção aos destinatários da norma e ao órgão judicante à sujeição tanto aos princípios quanto a proteção contida na norma. Ora, negar a existência da diversidade, assoalhando a pessoa humana, como um ser abstrato é negar a condição humana.

O arsenal jurídico normativo internacional, sobretudo aquele construído após a Segunda Grande Guerra Mundial, é nitidamente de caráter protecionista/particularista, a exemplo das Convenções de Gênero e de Raça.

A hipossuficiência nas relações de trabalho determinou a criação de uma série de direitos consagrados em Declarações, Convenções e Constituições. Quando se atenta para as garantias mínimas do trabalhador, estamos falando em proteção, p.ex.,  salário mínimo, garantias trabalhistas de gênero, vantagens aos portadores de necessidades especiais. As disparidades raciais fragilizam as relações de trabalho, interferem na igualdade de oportunidades, eis que, aí estão os indicadores sociais para não restar dúvidas sobre as desigualdades raciais.

Em palestra proferida pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Marco Aurélio, no Seminário “Discriminação e Sistema Legal Brasileiro”, promovido pelo Tribunal Superior do Trabalho em 20/11/2001, defende a Constitucionalidade das políticas de ação afirmativa. “Do artigo 3º  vem-nos luz suficiente ao agasalho de uma ação afirmativa, a percepção de que o único modo de se corrigir desigualdades é colocar o peso na lei, com a imperatividade que ela deve ter em um mercado desequilibrado, a favor daquele que é discriminado, que é tratado de forma desigual. Nesse preceito são considerados como objetivos fundamentais de nossa República: primeiro, construir  - prestem atenção a esse verbo – uma sociedade livre, justa e solidária; segundo, garantir desenvolvimento nacional – novamente temos aqui o verbo a conduzir, não a uma atitude simplesmente estática , mas a uma posição ativa; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e , por último, no que nos interessa, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Posso asseverar, sem receio de equívoco, que se passou de uma igualização estática meramente negativa, no que se proibia a discriminação, para uma igualização eficaz, dinâmica, já que os verbos “construir”, “garantir”,, “erradicar” e “promover” implicam, em si, mudança óptica, ao denotar “ação”. Não basta não discriminar. É preciso viabilizar – e encontramos, na Carta da República, base para fazê-lo – as mesmas oportunidades. Há de ter-se como página virada o sistema simplesmente principiológico. A postura deve ser, acima de tudo, afirmativa. E, é necessário que essa seja a posição adotada pelos nossos legisladores”... Consoante o § 2º  desse mesmo artigo 5º, os direitos e garantias expressos  na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios  por ela adotados, e , aqui, passou-se a contar com os denominados direitos e garantias implícitos ou insertos nos tratados internacionais que a República Federativa do Brasil seja parte”.  O arcabouço jurídico-constitucional das ações afirmativas está concisamente apresentado pelo então Presidente do Supremo Tribunal Federal.

Como visto, o reconhecimento do racismo impõe a adoção de políticas de ação afirmativa.  A perspectiva universalista, não leva em cota as diferenças e as necessidades específicas dos segmentos étnico-raciais. Estratégias de enfrentamento das desigualdades raciais desconhecendo as necessidades específicas decorrentes das desvantagens históricas servem para agudizar as disparidades raciais. Nessa linha de pensamento universalista, como manifestação da invisibilidade racial, à qual é submetida às populações afro-descendentes, podem ser traduzidas em discriminação e omissões na formulação das leis e políticas públicas.

O Estado brasileiro reconheceu oficialmente e publicamente a desigualdade racial, fato ocorrido por força das reivindicações do movimento negro organizado. Documentos e discursos produzidos na última década apontam na direção das políticas de ação afirmativa, a exemplo do Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorização da População Negra (GTI).Tal grupo elaborou um conceito de “ação afirmativa:” As ações afirmativas são medidas especiais e temporárias, tomadas ou determinadas pelo Estado, espontânea ou compulsoriamente, com o objetivo de eliminar desigualdades historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidades e tratamento, bem como de compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização, decorrentes de motivos raciais, étnicos, religiosos, de gênero e outros. Portanto, as ações afirmativas visam combater efeitos acumulados em virtude das discriminações ocorridas  no passado.”(GTI,1977).

Os espaços ocupados pelos afro-brasileiros nas instâncias de poder, como a escolha do primeiro ministro negro no Supremo Tribunal Federal, Joaquim Benedito Barbosa Gomes, a eleição do Senador Paim como Vice-Presidente do Senado são marcos referenciais da história política brasileira.

É incontornável o processo de mudanças, Executivo, Legislativo e Judiciário estão envolvidos nessa massa de consciência crítica racial que apontam para mudanças estruturais na sociedade brasileira.

 

CONCLUSÃO.

As grandes tensões que afligem a sociedade brasileira estão na relação capital/trabalho marcada historicamente pelo escravismo e pela ausência de compromissos do Estado Brasileiro em implementar políticas de superação de desvantagens históricas.

Todo esse conjunto de problemas tem reflexos na política internacional. A disparidade étnico-racial, a concentração racial da riqueza, as disparidades raciais de instrução, ferem o ideal de democracia inclusiva.  O descumprimento dos instrumentos internacionais de direitos humanos tem sido denunciado por intermédio da sociedade civil organizada aos comitês de monitoramento das Convenções Internacionais. O apartheid social brasileiro inviabiliza relações internacionais mais seguras.

Nesse cenário as políticas de ação afirmativa no campo do trabalho configuram o amplo arsenal normativo de direitos humanos no âmbito global e regional. Não há que se questionar a Constitucionalidade dessas medidas. As medidas de promoção da igualdade, mais que provimentos legais, são uma exigência ética do Estado Democrático de Direito nas suas relações internas e internacionais. Destacando também a eletricidade que envolve o tema educação e mercado de trabalho. A ponte existente entre esses dois direitos fundamentais constroem o caminho entre Viena e Durban . A análise e reflexão sobre o postulados de Viena e a realidade dos afro-brasileiros na última década reforçam a idéia de que o ativismo fermenta a discussão política e jurídica que nos levam as mudanças inadiáveis exigidas pela comunidade.   É nesse sentido que “declarar direitos é fazê-los nascer, enquanto eram somente concebidos. E esse ato criador procede por sua vez do sentido que damos á nossa presença no mundo.

            E decerto também ao próprio mundo”.[8]

 

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[1] Ver Carta Capital. Ano IX n.º 216. 2002. “O Brasil em preto-e-branco”.

[2] Relatório publicado nos Estados Unidos definiu the glass ceiling”, como:”Barreiras artificiais baseadas em queixas referentes à atitude ou à organização , que previnem indivíduos  qualificados de se promoverem em sua instituição, impedindo que eles cheguem a posições de nível gerencial”.

[3] Lei nº 2406/1995 Data 07/07/95 Texto da Lei [ Em Vigor ]LEI Nº 2406 DE 07 DE JUNHO DE 1995DISPÕE SOBRE A PROIBIÇÃO DA EXPRESSÃO "BOA APARÊNCIA" NOS ANÚNCIOS DE RECRUTAMENTO E SELEÇÃO DE PESSOAL E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS CORRELATAS O Governador do Estado do Rio de Janeiro,Faço saber que a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro decreta e eu sanciono a seguinte Lei:Art. 1º - Fica proibido o uso da expressão "BOA APARÊNCIA" ou outras similares, nos veículos de divulgação de anúncios visando o concurso, recrutamento e seleção de pessoal.Parágrafo Único - O disposto neste artigo aplica-se às empresas públicas, de economia mista, privadas, firmas individuais, entidades beneficentes, fundações e pessoas físicas instaladas ou domiciliadas no Estado do Rio de Janeiro, que solicitarem a divulgação de anúncios que contenham a expressão objeto desta Lei.Art. 2º - É obrigatório constar dos anúncios referidos no "caput" do Art. 1º, o número exato de vagas disponíveis para cada função, bem como todas as qualificações exigidas para seu preenchimento.Art. 3º - A não observância do disposto na presente Lei importará ao infrator a multa de 100 (cem) UFERJs, cobrada em dobro no caso de reincidência.Art. 4º - O Poder Executivo Estadual, na forma da Lei, determinará o órgão aplicador da multa estabelecida no artigo anterior.Art. 5º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.Rio de Janeiro, 07 de junho de 1995.MARCELLO ALENCAR Governador Ficha Técnica Projeto de Lei nº  140/95 Autoria RENATO DE JESUS Mensagem nº  Data de publicação 08/06/95 Data Publ. partes vetadas  OBS: Tipo de Revogação Em Vigor Texto da Revogação : 

[4] Habeas Corpus 82.424-2 Rio Grande  do Sul. Rel. Originário: Min.  Moreira Alves. Rel. para o Acórdão: Ministro Presidente. Paciente: Siegfried Ellwanger. Impetrantes: Werner Cantalício João Becker e Outra. Coator: Sperior Tribunal de Justiça. EMENTA: HABEAS CORPUS. PUBLICAÇÃO DE LIVROS: ANTI-SEMITISMO. RACISMO. CRIME IMPRESCRITÍVEL. CONCEITUAÇÃO. ABRANGÊNCIA CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIMITES. ORDEM DENEGADA. (Coord. De Análise de Jurisprudência D.J. 19.03.2004. Ementário nº 2144-3 . Supremo Tribunal Federal. 17/09/2003. Tribunal Pleno).

[5] O dispositivo foi revogado pelo Código Civil de 2002 sendo seu correspondente no Código em vigor o art. 932.

[6] Verifica-se que a resistência a adoção da teoria monista com prevalência do direito internacional resulta da insipiente tradição de prevalência dos direitos humanos. Tais argumentos contrários estão repousados na idéia de soberania.

[7]O conceito de mérito significa competência específica para determinada ação ou posição, de acordo com parâmetros preestabelecidos por algo ou alguém.(BARRETO, 1997).

[8] Rouland, Norbert. Nos Confins do Direito).

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