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Resumo:
Monografia voltada para os ensinamentos e estudos do instituto da coisa julgada, bem como a sua relativização. Estudos sobre o conceito e história do instituto da coisa julgada.
Texto enviado ao JurisWay em 02/11/2018.
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CAPITULO 1. DA COISA JULGADA
1 DA COISA JULGADA
1.1 Conceito
Muitos doutrinadores divergem sobre a terminologia do instituto da coisa julgada ou caso julgado.
Isso porque os romanos não deduziam uma “coisa” em juízo, mas sim um “caso” em juízo, porém, no cotidiano forense, consagrou-se a expressão da coisa julgada.
“É com os romanos que a coisa julgada nasce. Os mesmos baseavam a coisa julgada como motivos práticos de utilidade social. Pregavam que, para que a vida em sociedade se desenvolvesse mais rapidamente, com segurança e paz, seria necessário ter uma garantia que o processo permaneceria com o resultado já prolatado.”[1]
Inclusive, os portugueses, e alguns poucos autores brasileiros, utilizam a expressão caso julgado, como os romanos utilizavam.
Todavia, no Brasil, a maioria dos doutrinadores utilizam a terminologia “coisa julgada”, conforme artigo 6º, §3ª da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.
A coisa julgada surgiu em decorrência de uma necessidade prática, qual seja, evitar a perpetuação de litígios, sendo imprescindível colocar-se um limite temporal às discussões e impugnações judiciárias, bem como para garantir a observância da segurança jurídica àquele beneficiado pela decisão proferida.
“A coisa julgada emerge de um imperativo político (...) é imprescindível colocar-se um limite temporal absoluto, um ponto final inarredável à permissibilidade da discussão e das impugnações.”[2]
Ou seja, formalmente, deve-se ser chamado de caso julgado, por se tratar de uma pretensão posta em juízo, visando uma resposta jurisdicional.
Do ponto de vista jurídico, diversas foram as teorias para justificar a existência de coisa julgada, raramente existindo consenso na doutrina.
Fato é que a coisa julgada é mencionada na CF/88 como um dos direitos e garantias fundamentais, representada pelo inciso XXXVI do artigo 5º, que estabelece que a lei não poderá retroagir, em prejuízo dela.
Portanto, essa garantia decorre da necessidade de que as decisões judiciais não possam mais ser alteradas, a partir de um determinado ponto, sendo que, do contrário, a segurança jurídica sofreria grave ameaça.
É função do Poder Judiciário solucionar os conflitos de interesse, visando à pacificação social.
Anote-se, ainda, que também é função do Poder Judiciário a missão de fazer prevalecer a Constituição Federal, não se podendo permitir a intangibilidade da coisa julgada em desrespeito à Constituição Federal.
De plano, podemos dizer que a função da coisa julgada é assegurar que os efeitos decorrentes das decisões judiciais não possam mais ser modificados, tornando-os definitivos, fenômeno este associado diretamente à segurança jurídica, quando o caso ou a controvérsia é definitivamente solucionado.
1.1.1 História
A 1ª corrente da coisa julgada interpreta como uma “presunção de verdade”, ou seja, a sentença irrevogável é absolutamente verdadeira nos fatos e no direito. Daí surgiu a exagerada afirmação de que a coisa julgada é capaz de fazer do preto, branco, e do quadrado, redondo.
Referida tese foi a dominante por muitos anos, tendo sido adotada na primeira legislação processual civil do Brasil, qual seja, Regulamento 737 de 1850, no artigo 185, que trata a coisa julgada como uma “presunção absoluta”, prevalecendo a decisão mesmo que haja prova em contrário.
Já no Código de Processo Civil de 1939 não havia dispositivo que especificamente definisse a coisa julgada, porém, pela redação do artigo 288 daquele Código, era possível assegurar que o legislador adotou a posição da coisa julgada como efeito da sentença, posto que referido artigo fazia menção às decisões que “não terão efeito de coisa julgada”, sendo por óbvio que a coisa julgada era um efeito em conjunto com o efeitos da sentença (declaratória, condenatório e constitutivo).
Por fim, o Código de Processo Civil de 1973, tratava a coisa julgada como qualidade de imutabilidade e indiscutibilidade dos efeitos da sentença apenas na sua parte dispositiva.
1.1.1.1 Código de Processo Civil de 2015
O Código de Processo Civil de 2015 manteve o conceito geral do seu antecessor (CPC de 1973), com algumas modificações.
De forma simplificada e em consonância com a CF/88, a coisa julgada ainda se mantém definida como a imutabilidade e indiscutibilidade da sentença, em virtude do trânsito em julgado da decisão.
Com relação à imutabilidade, significa a impossibilidade de rediscussão da lide “caso” já julgada, o que se dá com a proibição de propositura de ação idêntica àquela já decidida anteriormente.
Em breve comentário, entende-se como ação idêntica quando possuir as mesmas partes, causa de pedir (próxima ou remota) e pedido(s).
Já a indiscutibilidade tem o condão de fazer com que, em futuros processos (diferentes do anterior, pois se forem iguais, a imutabilidade impossibilita seu processamento), a conclusão a que se chegou no tocante à anteriormente ajuizada deve ser observada e respeitada.
Ou seja, o juiz do segundo processo fica obrigado a tomar como premissa de sua decisão a conclusão a que se chegou no primeiro processo.
A título de explanação, podemos dar como exemplo a seguinte hipótese:
“A” ingressa em juízo afirmando que a cláusula 10ª do contrato de compra e venda é nula.
“B” contesta alegando a legitimidade da referida tese.
Sentença julga procedente o pedido, afirmando que a cláusula 10ª é nula.
Do seguinte exemplo, podemos afirmar que:
- “B” não pode ingressar em juízo discutindo a validade da cláusula 10ª, em razão da imutabilidade;
- “B” não pode ingressar em juízo pleiteando a condenação ao pagamento de multa por força de inobservância da cláusula 10ª, posto que a primeira decisão do juiz deve ser respeitada.
Assim, dispõe o artigo 502 do CPC/15:
“Denomina-se coisa julga material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso”.
1.1.1.1.1 Requisitos
Proferida a sentença, e não mais sendo possível a interposição de recurso, ou seja, com o trânsito em julgado da decisão, surge a denominada coisa julgada formal.
Assim, se a decisão proferida for de mérito, haverá a coisa julgada material.
Para melhor explanação desse cenário é possível fazer a seguinte analogia:
O primeiro passo é o trânsito em julgado da decisão, o segundo é a coisa julgada formal e por último é a coisa julgada material.
Referida sequência não pode ser alterada e obedecem exatamente a ordem exposta. Importante acrescentar que o último passo (coisa julgada material) nem sempre existirá, posto que nem toda decisão analisará o mérito da demanda, o que, consequentemente, não dá espaço para a formação da coisa julgada material da decisão.
Para melhor entendimento passaremos a discorrer sobre cada instituto.
Com relação ao trânsito em julgado, nada mais é que a impossibilidade de interposição de recurso porque: a decisão é irrecorrível; esgotaram-se os recursos cabíveis; não houve a interposição do recurso no prazo legal ou houve aquiescência da parte.
Ainda, existem dois tipos de coisa julgada, sendo a formal e a material.
A coisa julgada formal é a imutabilidade da sentença/decisão no próprio processo em que foi prolatada (eficácia endoprocessual), não admitindo mais reforma (atinge qualquer sentença, inclusive as terminativas, as de mérito e sem mérito).
A coisa julgada material é a imutabilidade e indiscutibilidade da sentença não só no processo em que foi proferida, mas também para qualquer outro processo (eficácia extraprocessual ou panprocessual) – só atingindo as sentenças em que houve julgamento de mérito.
Do ponto de vista temporal, com o trânsito em julgado da sentença, imediatamente verifica-se a formação da coisa julgada formal e material (os três fenômenos verificam-se ao mesmo tempo) – isso se estiver diante de uma sentença definitiva.
Todavia, do ponto de vista lógico e didático, há inicialmente o trânsito em julgado, para então ocorrer a coisa julgada formal e, finalmente, a coisa julgada material.
Frisa-se, o trânsito em julgado de referida decisão se dá quando a decisão não é impugnada tempestivamente, não existir mais recursos cabíveis ou haver a concordância das partes acerca do quanto decidido.
Referidos temas serão tratados com mais profundidade no capítulo 2, que trata dos limites da coisa julgada.
Grandes juristas, escritores e pensadores, contribuíram para a evolução do instituto da coisa julgada, dentre eles, Chiovenda e Liebman.
“Chiovenda buscou distinguir a diferença entre eficácia da sentença e a autoridade da coisa julgada. Com esse pensamento nascia o entendimento de que a sentença existia e valia para todos, mas sem prejudicar terceiros, sendo que tais terceiros teriam que alegar o prejuízo em ação autônoma.”[3]
“Liebman considera o limite objetivo da coisa julgada. Liebman entendia que só o dispositivo da sentença prolatada pelo juiz é que se tornaria imutável, isto é, a coisa julgada não atingiria nem a lógica usada pelo juiz e nem mesmo sua justificação para tal decisão.”[4]
Estas questões tratadas por Chiovenda e Liebman serão pormenorizadamente estudadas.
Já Sidnei Amendoeira Jr., assim aduz:
“A coisa julgada é a qualidade que se adere aos efeitos da sentença de mérito, uma vez esgotados todos os recursos postos à disposição das partes pela lei, tornando o quanto ali decidido, mais especificamente o dispositivo dessa sentença, imutável, evitando-se, dessa forma, a possibilidade de questionamentos futuros.”[5]
Fux também expressa seu posicionamento no que tange a coisa julgada:
“O fundamento substancial da coisa julgada é eminentemente político, uma vez que o instituto visa à preservação da estabilidade e seguranças sociais. A imutabilidade da decisão é fator de equilíbrio social na medida em que os contendores obtêm a última e decisiva palavra do Judiciário acerca do conflito intersubjetivo. A imperatividade da decisão completa o ciclo necessário de atributos que permitem ao juiz conjurar a controvérsia pela obediência ao que foi decidido.”[6]
1.1.1.1.1.1 Coisa Julgada e a justiça da decisão
A coisa julgada e a justiça da decisão são coisa diferentes, embora ambas estejam relacionadas à imutabilidade daquilo que ficou definido na decisão.
A imutabilidade da coisa julgada fica no dispositivo da sentença, sendo que as partes afetadas não poderão mais rediscutir a decisão judicial em nenhum outro processo.
Já a imutabilidade da justiça da decisão fica na fundamentação da sentença, que não alcança as partes, conforme art. 504 do CPC.
A Justiça da Decisão está associada ao assistente simples, terceiro que ingressa no processo porque tem interesse jurídico em que a sentença seja favorável a uma das partes.
Este terceiro interessado não é, ao final, alcançado pela coisa julgada material, porque não é dele a relação jurídica que se discute o processo, mas nos termos do art. 123 do CPC não poderá mais rediscutir, em processos futuros, a justiça da decisão, aquela que o juiz tenha decidido na fundamentação da sentença, no processo em que ele interveio.
A justiça da decisão é um instituto muito importante na legislação processual, porque afasta a rediscussão de decisões por terceiros que participaram da lide e, principalmente, faz cumprir a decisão emanada pelo Poder Judiciário.
CAPITULO 2. LIMITES DA COISA JULGADA
2 LIMITES DA COISA JULGADA
2.1 Conceito
Para muitos doutrinadores a coisa julgada não deve ser considerada como um efeito da sentença, mas como uma especial qualidade que imuniza os efeitos substanciais desta, visando à garantia e à estabilidade da tutela jurisdicional.
Absolutamente, a sentença produz números efeitos, podendo condenar o réu, constituindo um título executivo, pode constituir ou desconstituir uma relação jurídica ou declarar algo, afastando uma incerteza que existia entre o litigantes, bem como produzir efeitos secundários. Todavia, para muitos estudiosos, a coisa julgada não é um efeito da sentença, e foi, a partir dos estudos de Liebman, que se delineou com maior clareza a distinção entre a eficácia da sentença e a imutabilidade de seus efeitos.
Os objetivos da coisa julgada pode-se entender como a parte da decisão que é efetivamente coberta pela coisa julgada (o que faz coisa julgada). A sentença é composta de relatório, fundamentação e dispositivo.
Apenas o dispositivo da sentença é que produz coisa julgada – não os fatos, motivação ou questão prejudicial.
Assim dispunha o artigo 469 do Código de Processo Civil de 1973:
Art. 469. Não fazem coisa julgada:
I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença;
Il - a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença;
III - a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo.
No Código de Processo de 2015 houve uma sensível e importante mudança, sendo que na exposição de motivos, item 4, assim trouxe: o novo sistema permite que cada processo tenha maior rendimento possível. Assim e, por isso, estendeu-se a autoridade da coisa julgada às questões prejudiciais.
Assim, transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento, quanto à rejeição do pedido.
Art. 503. A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida.
§ 1º O disposto no caput aplica-se à resolução de questão prejudicial, decidida expressa e incidentemente no processo, se:
I - dessa resolução depender o julgamento do mérito;
II - a seu respeito tiver havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia;
III - o juízo tiver competência em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la como questão principal.
As vantagens tidas com o novo CPC tem relação com a decisão do tema em uma única oportunidade e a impossibilidade de novos debates, ocasionando a celeridade processual.
As desvantagens podem ser elencadas quanto à dúvida e insegurança à extensão da coisa julgada.
Ou seja, algumas dúvidas surgem, como: só o que realmente consta no dispositivo ou também o que consta na fundamentação é abarcada pela coisa julgada?
É cabível o recurso de embargos de declaração para que isso seja esclarecido?
A abrangência da coisa julgada deve ser decidida pelo próprio juiz ou ficará a cargo de um próximo juiz?
Inúmeras são as perguntas quando se trata de limites da coisa julgada, porém vale lembrar que a coisa julgada material tem como característica a imutabilidade dos efeitos produzidos pela sentença no mesmo processo ou em qualquer outro processo. Já o trânsito em julgado está associado à impossibilidade de novos recursos contra a decisão, o que faz com que ela se torne definitiva, não podendo mais ser modificada. Há exceções onde a sentença, antes mesmo do trânsito em julgado, já produz efeitos, pois eventuais recursos ainda pendentes não são dotados de eficácia suspensiva.
Registra-se que a eficácia da decisão ou sentença não está necessariamente condicionada ao trânsito em julgado, mas à inexistência de recursos dotados de efeito suspensivo.
Ressalta-se que todas as sentenças ou acórdãos tornar-se-ão imutáveis nos processos em que foram proferidos quando não houver mais a possibilidade de recurso. Todos estão sujeitos à coisa julgada formal. No entanto, nem todas as decisões impedirão a renovação de idêntica ação, ou seja, nem todas estarão sujeitas à coisa julgada material. Este estudo será melhor explicado no tópico posterior.
Diante de tais fatos, pode-se concluir que a coisa julgada será abarcada apenas no dispositivo da decisão ou sentença, sendo que a fundamentação ou motivos expostos são conclusões do juiz para decidir de tal maneira.
Referidas conclusões poderão ter caráter de coisa julgada caso estejam dentro dos requisitos da coisa julgada incidental, que será estudada mais para frente.
É claro que em eventual ação proposta que tenha o objetivo de rediscussão de alguma parte da fundamentação do juiz de ação anteriormente decidida, não poderá ser alegada a coisa julgada, mas poderá ser usada em favor do demandante ou demandado o efeito da coisa julgada, que é a indiscutibilidade, que nada mais é que o condão de fazer com que, em futuros processos (diferentes do anterior, pois se forem iguais, a imutabilidade impossibilita seu processamento), a conclusão a que anteriormente ajuizada se chegou deve ser observada e respeitada.
2.2.2 Limites Subjetivos e Objetivos
Por limites subjetivos da coisa julgada pode-se entender a parte que é abrangida pela coisa julgada.
A regra básica do CPC de 1973 é que a coisa julgada não prejudica e nem beneficia terceiro, conforme seu artigo 472, sendo que neste próprio artigo previa uma exceção que dizia respeito às causas envolvendo o estado das pessoas, nas quais, citados os interessados em litisconsórcio necessário, a sentença produzirá coisa julgada em relação a terceiros.
No novo CPC, especificamente no artigo 506, dispõe que a sentença faz coisa julgada no tocante às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros.
As mudanças relevantes estão na exclusão da hipótese das causas relativas ao estado da pessoas e a menção quando a não beneficiação a terceiros.
Todavia, a coisa julgada deverá beneficiar a terceiro na hipótese de processo coletivo e nas causas que envolvam terceiros ligados à lide.
Alguns doutrinadores entendem que referida consequência da coisa julgada pode ser qualificada como formal, posto que produz apenas efeitos endoprocessuais, tornando a sentença insusceptível de reexame e imutável dentro do mesmo processo.
Conclui-se que não há dois institutos diversos ou autônomos (coisa julgada formal e material), porém trata-se de dois aspectos do mesmo fenômeno de imutabilidade, ambos responsáveis pela segurança nas relações jurídicas.
A coisa julgada material e a formal não são propriamente dois tipos de espécies de coisa julgada, mas duas formas de manifestação do mesmo fenômeno. Sendo que a formal é a imutabilidade dos efeitos da sentença no próprio processo em que foi proferida, e a material a imutabilidade dos efeitos da decisão de mérito em qualquer outro processo.
Registra-se que o aspecto formal da coisa julgada não esclarece sobre a possibilidade de repropositura de idêntica ação, porquanto se restringe ao processo em que a sentença ou acórdão foi proferido.
Por fim, a coisa julgada material consiste não na impossibilidade de modificação da decisão no processo em que foi proferida, mas na projeção externa dos seus efeitos, que impede que a mesma ação, já decidida em caráter definitivo, volte a ser discutida em outro processo.
É, sobretudo, essa manifestação da coisa julgada que se presta a trazer segurança jurídica aos litigantes, aos quais não basta apenas que o processo se encerre, mas que a questão litigiosa seja definitivamente dirimida, não podendo mais ser discutida em nenhum outro processo, assegurada a pacificação do conflito.
A vedação a que se rediscuta o objeto litigioso exige que tenha havido decisão judicial a respeito da pretensão posta em juízo, pois, se o juiz extinguiu o processo sem resolução de mérito, a renovação da demanda não implicará rediscussão do que foi decidido, mas nova tentativa de obter do Judiciário um exame do pedido. Ou seja, a coisa julgada material pressupõe decisão de mérito, que aprecie a pretensão posta em juízo, favorável ou desfavoravelmente ao autor.
Nas palavras de Didier, Braga e Oliveira:
“A coisa julgada material é a indiscutibilidade da decisão judicial no processo em que foi produzida e em qualquer outro. Imutabilidade que se opera dentro e fora do processo. A decisão judicial (em seu dispositivo) cristaliza-se, tornando-se inalterável. Trata-se de fenômeno com eficácia extraprocessual.”[7]
Já Marinoni e Arenhart expõem seu posicionamento:
“A indiscutibilidade da decisão judicial verificada dentro do processo remete à noção de coisa julgada formal. A coisa julgada formal, como se nota, é endoprocessual, e se vincula à impossibilidade de rediscutir o tema decidido dentro da relação jurídica processual em que a sentença foi prolatada.”[8]
Vale frisar que o exame do mérito pode ser feito na sentença, mas também em decisão interlocutória, por meio da qual o juiz promova ao julgamento antecipado parcial de mérito. Ambas as decisões terão força de coisa julgada material, depois de esgotados os recursos cabíveis.
A título de rápida explicação, o recurso de agravo de instrumento é cabível das decisões interlocutórias de mérito em rol taxativo previsto no art. 1.015 do CPC/15. Porém, caso a decisão interlocutória não esteja abarcada neste rol, o interessado poderá arguir no recurso de apelação com as demais matérias da sentença para rediscussão no Tribunal.
Conclui-se que a coisa julgada material impede que seja renovada a mesma ação que, por isso mesmo, precisa ser identificada. Nisso ela guarda estreita relação como fenômeno da litispendência, que também pressupõe duas ações idênticas, mas em curso, ao passo que, na coisa julgada, uma delas já foi julgada em caráter definitivo.
Os doutrinadores Wambier, Almeida e Talamini mencionam que:
“A coisa julgada material, a seu turno, só se produz quando se tratar de sentença de mérito. Faz nascer a imutabilidade daquilo que tenha sido decidido para além dos limites daquele processo em que se produziu, ou seja, quando sobre determinada decisão judicial passa a pesar autoridade de coisa julgada, não se pode mais discutir sobre aquilo que foi decidido em nenhum outro processo.”[9]
A compreensão do tema pressupõe que se conheça e se saiba identificar, com clareza, os elemento da ação (parte, causa de pedir e pedido). A coisa julgada material constitui óbice à nova ação, que tenha os mesmos três elementos que a anterior já julgada, sendo que a alteração de qualquer das partes, dos fatos em que se fundamenta o pedido e do objeto da ação, tanto o imediato, quanto o mediato, modifica a ação e a afasta.
Iremos discutir com exaustão a questão da validade e eficácia da sentença de mérito transitada em julgado em face de seu conteúdo intrínseco, se justo ou injusto, se constitucional ou legal, se inconstitucional ou ilegal.
Os constitucionalistas, processualistas e civilistas chegaram na conclusão praticamente estratificada na doutrina mundial de que a coisa julgada material tem força criada, tornando imutável e indiscutível a matéria por ela acobertada, independentemente da constitucionalidade, legalidade ou justiça do conteúdo intrínseco dessa mesma sentença.
Assim, eventuais vícios de validade e de eficácia devem ser discutidos com observância do due processo of law, vale dizer, em recurso ou, posteriormente, em ação autônoma de impugnação e embargos do devedor.
Ocorre que, somado à nova hipótese do CPC/15 (art. 525, §12º), alguns doutrinadores recentes entendem que a coisa julgada poderá ser relativizada.
O fundamento principal desta posição é sustentado pelo fato de que uma decisão que viole a Constituição Federal não pode prevalecer, uma vez que esta é a ordem suprema do ordenamento jurídico.
Ainda, a doutrina majoritária também advoga que o princípio da segurança jurídica não pode preponderar ante uma decisão inconstitucional, hipótese em que a coisa julgada estaria além da própria Constituição Federal, o que seria inadmissível.
2.2.2.2 Questão prejudicial no dispositivo
Antes do mérito, o juiz deve examinar duas ordens de questões antecedentes, chamadas prévias. São elas as preliminares e as prejudiciais.
As preliminares são as questões processuais, cujo acolhimento impede o exame do mérito. Já as questões prejudicais são os pontos controvertidos cujo deslinde repercutirá sobre o julgamento do mérito. Por exemplo: em ação de alimentos, de procedimento comum, a paternidade, desde que controvertida, é prejudicial. Se o juiz, na fundamentação da sentença, entender que o réu é pai do autor, a sentença possivelmente será de procedência; se entender que não, será certamente de improcedência.
O acolhimento de uma preliminar impede o julgamento de mérito, já o exame da questão prejudicial não impede, mas repercute sobre o teor da decisão, podendo levar ao acolhimento ou à rejeição dos pedidos formulados.
Assim, a questão prejudicial não constitui o mérito da demanda. No entanto, para que o juiz possa decidir o mérito, ele terá de, previamente, passar pela questão prejudicial, e o que concluir repercutirá no resultado. Ela é uma espécie de premissa sobre a qual assenta o julgamento, sendo apreciada incidentalmente no processo. No exemplo da ação de alimentos, de procedimento comum, para o juiz decidir no dispositivo se condena o réu ou não ao pagamento de pensão, terá de enfrentar na fundamentação a questão prejudicial da paternidade.
No novo CPC, precisamente no artigo 503, §1º, dispõe que deve o julgador enunciar expressamente no dispositivo quais questões prejudiciais serão acobertadas pela coisa julgada material, até por conta do disposto no inciso I do artigo 504.
Art. 503. A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida.
§1º O disposto no caput aplica-se à resolução de questão prejudicial, decidida expressa e incidentemente no processo, se:
I - dessa resolução depender o julgamento do mérito;
II - a seu respeito tiver havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia;
III - o juízo tiver competência em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la como questão principal.
Art. 504. Não fazem coisa julgada:
I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença;
O enunciado 438 do Fórum Permanente de Processualistas Civis aduz que é desnecessário que a resolução expressa da questão prejudicial incidental esteja no dispositivo da decisão para ter aptidão de fazer coisa julgada.
Todavia, o mínimo que o julgador deva fazer é fixar na fase instrutória a controvérsia sobre a questão prejudicial de modo a assegurar a efetividade do contraditório.
Ainda, fica de lição de que caso a questão principal for decidida a favor de uma parte, mas a questão prejudicial não, será necessário a parte vitoriosa recorrer da sentença que lhe foi favorável para evitar a formação da coisa julgada.
Podemos dar como exemplo a seguinte situação: “Autor pede multa por violação a cláusula contratual, réu alega nulidade da cláusula; juiz afirma que a cláusula é válida e não reconhece ser devida a multa à luz do caso concreto.”
Assim, podemos colocar que na prática do contencioso civil a mera existência de uma interpretação divergente deverá levar aos defensores da sociedade que analise a viabilidade do recurso da sentença cuja questão principal lhe foi favorável, até que o STJ finalmente pacifique a questão, por precaução.
Os requisitos para que a questão prejudicial seja decidida com força de coisa julgada é que a questão seja controvertida; que da resolução da questão prejudicial dependa o exame de mérito; que o juiz seja competente para conhecê-la; que a questão seja expressamente examinada e que não haja restrições probatórias ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da análise da questão prejudicial, todos cumulativamente.
2.2.2.2.2 Forma de impugnar a coisa julgada
Apesar da regra da coisa julgada, o próprio sistema processual admite a rediscussão do que restou decidido, por meio de ação rescisória e demais formas.
A ação rescisória, de competência originária dos Tribunais, é cabível apenas em algumas hipóteses específicas, numerus clausus, previstas na legislação, por um prazo de 2 (dois) anos do trânsito em julgado da decisão ora discutida.
Após o decurso deste prazo de 2 (dois) anos do trânsito em julgado da decisão, alguns doutrinadores chamam de coisa soberanamente julgada.
Referida ação não existe com o intuito de afrontar ou enfraquecer a coisa julgada, mas exatamente o contrário, visto que a finalidade é possibilitar a rescisão apenas se verificada determinadas situações previamente eleitas pelo legislador.
A ação rescisória torna possível a rescisão do julgado, se presente determinados vícios, e caso não houvesse tal instrumento, não seria possível afastar tais vícios, é provável que, do ponto de vista sociológico, a coisa julgada fosse indesejada caso não houve referida hipótese.
Vale ressaltar que tais vícios são de grande relevância, sendo imprescindível a discussão de algo já decidido pelo Estado.
Por óbvio, a coisa julgada não pode ser a qualquer tempo e em qualquer hipótese questionada, ou seja, existem regras claras e absolutas para que possa haver essa rediscussão.
Contudo, ganha força a corrente doutrinária que busca afastar a coisa julgada mesmo após o prazo para o ajuizamento da Ação Rescisória e até mesmo sem a necessidade de se utilizar de tal meio processual para desconstituir a coisa julgada.
Trata-se da teoria da “relativização da coisa julgada”, sendo que um de seus termos de maior destaque é a chamada “coisa julgada inconstitucional”.
CAPITULO 3. DA RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA
3 DA RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA
3.1 Conceito
A relativização da coisa julgada tem como um de seus fundamentos o princípio da relatividade (ou da convivência das liberdades públicas), segundo o qual, nenhum direito, por mais importante que seja, pode ser considerado absoluto, por encontrar limites decorrentes de outros direitos constitucionalmente consagrados.
Tal entendimento acima pode ser explicado pelo simples fato que nem mesmo a inviolabilidade do direito à vida é absoluta, o que dizer da coisa julgada que, assim como as demais garantias, não é um objetivo em si mesmo, mas um meio para se proteger determinados direitos e alcançar determinados valores.
A coisa julgada deve ser vista como garantia constitucional-processual e deve ser harmonizada com outros valores constitucionalmente protegidos, conceito esse chamado de princípio da concordância prática.
Inquestionável é que mais do que um simples instituto do direito processual, a coisa julgada pertence ao Direito Constitucional, inclusive, o seu efeito foi conferido pelo legislador conforme art. 457 do CPC, pois se assim não fosse, a ação rescisória seria incompatível com a ordem constitucional. Todavia, na CF/88 fora assegurado pelo princípio da não retroatividade a segurança jurídica e, para sua efetiva proteção, é indispensável a imutabilidade da coisa julgada, ainda que esta não seja absoluta e possa ser regulamentada por lei, desde que compatível com os valores constitucionais.
Aliás, podemos afirmar que a leitura clássica da coisa julgada como algo absoluto, fruto de uma preocupação apenas com a segurança jurídica em detrimento de outros valores igualmente consagrados na Lei Suprema, revela-se inconstitucional.
A relativização da coisa julgada é um gênero, do qual a coisa julgada inconstitucional é espécie.
A mais nova e recente teoria da “coisa julgada inconstitucional” prevê, que em algumas hipóteses excepcionais, em que há verdadeira repugnância caso a decisão permaneça no mundo jurídico, é de se admitir a revisão de tais julgados, mesmo que presente a coisa julgada e superado o lapso temporal para a utilização da rescisória, qual seja, após 2 (dois) anos do trânsito em julgado.
O conceito de repugnância ao caso decidido para referida hipótese deve estar em jogo os conceitos como moralidade e dignidade ou outros princípios constitucionais, sendo que as hipóteses mais relevantes apontadas pela doutrina são: a sentença que fixou, contra o Estado, indenização indevida ou em valor exorbitante ou a sentença que apreciou a questão da investigação da paternidade sem que se fizesse uso de exame de DNA.
Partindo desta premissa de que determinada decisão viola a Constituição, de maneira inequívoca deverão ser utilizados todos os recursos cabíveis, exatamente para evitar a formação da coisa julgada.
Assim, se determinada sentença violar a CF/88, poderá ser atacada por apelação ou, posteriormente, quando da prolação de acórdão, por recurso extraordinário, caso consiga mostrar um dos requisitos mais difíceis para o prosseguimento do Recurso Extraordinário, qual seja: repercussão geral.
Ou, após o trânsito em julgado, referida decisão pode também ser atacada via ação rescisória.
A inconstitucionalidade nada mais é que uma ilegalidade, seguramente, a mais grave delas. Assim, diante de uma decisão inconstitucional, cabem os recursos previstos em lei, ou, após o trânsito em julgado, cabe ainda a ação rescisória com base no artigo 966, V do NCPC, observado o prazo bienal.
A tese de relativização da coisa julgada ganhou contornos de vanguarda e muitos doutrinadores renomados são seus adeptos. Em rol não exaustivo podemos citar os seguintes autores: DINAMARCO, HUMBERTO THEODORO JR., JULIANA CORDEIRO DE FARIA, JOSÉ DELGADO e CARLOS VALDER DO NASCIMENTO, THEREZA ARRUADA ALVIM WAMBIER e JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA, EDUARDO TALAMINI e MARCUS VINICIUS RIOS GONÇALVES.
Contudo, outras vozes se levantam contra tal teoria, como é o exemplo: BOTELHO DE MESQUISA, BARBOSA MOREIRA e NELSON NERY JURY, sendo que inclusive este último (NERY) aponta que a tese é nazista.
Cândido Dinamarco ensina que não há uma garantia sequer, nem mesmo a coisa julgada, que conduza invariavelmente e de modo absoluto à renegação das demais ou dos valores que elas representam. Afirmar o valor da segurança jurídica (ou certeza) não pode implicar desprezo ao da unidade federativa, ao da dignidade humana e intangibilidade do corpo. É imperioso equilibrar com harmonia as duas exigências divergentes, transigindo razoavelmente quanto a certos valores em nome da segurança jurídica, mas abrindo-se mão desta sempre que sua prevalência seja capaz de sacrificar o insacrificável.
Dois exemplos podem ilustrar situação em que a coisa julgada deverá ser afastada, ainda que ultrapassado o prazo da ação rescisória:
- as ações de investigação de paternidade, quando posterior realização de exame cientifico de material genético comprova que o resultado do processo não retrata a verdade dos fatos. Se, de um lado, há o direito à segurança jurídica, de outro, há o direito individual das pessoas figurarem como filhos ou pais de quem efetivamente são. Nesse caso, mesmo que já ultrapassado o prazo da ação rescisória, será possível rediscutir a questão.
- o outro exemplo seria os das indenizações em que foi condenada a Fazenda Pública, em ralação aos imóveis desapropriados, tendo sido constatada a superestimação dos valores, do que decorria prejuízo ao cofres públicos.
São apenas alguns exemplos, havendo outros inúmeros casos que, tendo flagrante erro no julgamento, possam trazer prejuízos a valores constitucionalmente garantidos, de importância tão grande ou maior do que a segurança jurídica, o que deverá ser examinado em cada caso concreto.
Já na jurisprudência do STJ tem se destacado o posicionamento do Ministro José Augusto Delgado no sentido de “não reconhecer caráter absoluto à coisa julgada”.
O STF tem se posicionado no sentido de que a manutenção de soluções divergentes sobre um mesmo tema enfraqueceria a força normativa da Constituição, sendo contrária ao princípio da máxima efetividade. Portanto, se uma decisão judicial transitada em julgado conferiu uma interpretação à norma constitucional diversa daquela posteriormente adotada pela Corte Maior, esta decisão poderá ser objeto de ação rescisória.
Naturalmente, em se tratando de matéria constitucional, não se aplica a Súmula 343 do STF que aduz não caber ação rescisória por ofensa literal de dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.
Isso porque, a súmula 343 foi aprovada 1963, sendo que o seu entendimento é que o que Tribunal afirmou, naquela oportunidade, foi que a superveniente modificação da jurisprudência do STF não autoriza, sob esse fundamento, o ajuizamento de ação rescisória para desfazer acórdão que aplicara jurisprudência firme até então vigente no próprio STF.
Entretanto, referida súmula vai de encontro ao NCPC e a doutrina mais recente.
Situação essa muito polêmica e de difícil entendimento. Para os que admitem a tese da relativização da coisa julgada, existem diversas formas de impugná-la:
- Ação rescisória, mesmo após o prazo decadencial de dois anos;
- Embargos à execução/impugnação ou exceção de pré-executividade;
- Ação declaratória de inexistência de coisa julgada “querela nulitatis”;
- Simples petição nos autos.
O NCPC prevê algumas hipóteses de relativização da coisa julgada, sendo que no artigo 525 aponta a inexigibilidade do título executivo judicial proferida pelo STF, já no artigo 966 menciona a hipótese de que as partes desconheciam a existência de prova nova e no artigo 975 prevê as hipóteses de ação rescisória.
Assim, alguns doutrinadores diferenciam por espécie os tipos de relativização da coisa julgada.
Como conclusão, essa corrente propala que só em casos excepcionais será relativizada a coisa julgada. Os exemplos trazidos por essa tendência para justificar a desconsideração da intangibilidade constitucional da coisa julgada são casos de exceção que justificaria quebrar a regra do Estado Democrático de Direito, fundamento constitucional previsto no artigo 1º da CF.
Essa tendência se verifica por conta, principalmente, dos dois exemplos acima mencionados: investigação de paternidade julgada improcedente quando ainda não havia DNA e desapropriação de imóvel com avaliação supervalorizada, sendo que as principais alegações dessa tendência são as seguintes: a sentença deve ser justa; se injusta, não fez coisa julgada; a sentença deve ser dada secundum eventum probationis (segundo resultado da prova) – descoberta nova técnica probatória, pode-se repropor a mesma ação, porque a sentença de mérito anterior não teria sido acobertada pela coisa julgada.
Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria, assim aduzem:
“Há, com efeito, uma hipervalorização do papel do juiz que o torna supremo em relação aos demais Poderes do Estado, donde dever ser maior a preocupação com a constitucionalidade e legalidade de suas decisões, não se podendo mais deixá-las à margem de um controle efetivo.”[10]
A coisa julgada é regulada por lei ordinária e pode sofrer alterações por incidência de preceitos constitucionais e de outras leis ordinárias, sendo que a coisa julgada não pode sobrepor-se ao princípio da supremacia da Constituição.
Por fim, deve-se ressaltar que quando o STF mudar o seu entendimento, deverá atribuir o efeito ex nunc para a sua decisão, tendo como finalidade uma maior segurança jurídica, e, apenas, em casos excepcionais, atribuir o efeito ex tunc e, por consequência, abrir as portas do judiciário para distribuição de inúmeras ações rescisórias.
3.3.3 Coisa Julgada Inconstitucional
Existe também uma corrente que traz a relativização da coisa julgada separada por inconstitucional e injusta inconstitucional.
Enquanto na primeira se pretende afastar a coisa julgada de sentenças de mérito transitadas em julgado que tenham como fundamento norma declarada inconstitucional pelo STF, na segunda o pretendido afastamento da imutabilidade própria da coisa julgada se aplicaria às sentenças que produzam extrema injustiça, em afronta clara e inaceitável aos valores constitucionais essenciais ao Estado Democrático de Direito.
Com relação à coisa julgada inconstitucional, ainda que a sentença já tenha transitado em julgado, ou seja, durante a sua execução definitiva, o executado ainda conseguirá se livrar da execução, afastando a imutabilidade da sentença, característica típica da coisa julgada.
Vale ressaltar que, sendo a decisão do STF que declara a norma inconstitucional proferida após o trânsito em julgado, a matéria não poderá ser alegada em defesa executiva, mas em ação rescisória, nos termos dos art. 525, §15º e 535, §8º do NCPC.
A declaração de inconstitucionalidade realizada pelo STF pode ocorrer, segundo os dispositivos acima mencionados, por três diferentes maneiras:
- Redução de texto, quando a lei é declarada inconstitucional para todos os fins e desaparece do ordenamento jurídico;
- Aplicação da norma à situação considerada inconstitucional quando ela será válida para certas situações e inválidas para outras;
- Interpretação conforme a Constituição, quando, havendo mais de uma interpretação possível, somente uma delas for considerada constitucional.
O Professor Marcelo Novelino ensina que a decisão proferida deve estar em consonância com os pontos elencados abaixo e, caso contrário, será totalmente cabível a relativização da coisa julgada. Vejamos:
- O princípio da razoabilidade e da proporcionalidade como condicionantes da imunização dos julgados pela autoridade da coisa julgada material;
- A moralidade administrativa como valor constitucionalmente proclamado e cuja efetivação é óbice a essa autoridade em relação a julgados absurdamente lesivos ao Estado;
- O imperativo constitucional do justo valor das indenizações em desapropriação imobiliária, o qual tanto é transgredido quando o ente público é chamado a pagar mais, como quando ele é autorizado a pagar menos que o correto;
- O zelo pela cidadania e direitos do homem, também residente na CF/88, como impedimento à perenização de decisões inaceitáveis em detrimento dos particulares;
- A fraude e o erro grosseiro como fatores que, contaminando o resultado do processo, autorizam a revisão da coisa julgada;
- A garantia constitucional do meio-ambiente ecologicamente equilibrado, que não deve ficar desconsiderada mesmo na presença de sentença passada em julgado;
- A garantia constitucional do acesso à ordem jurídica justa, que repela a perenização de julgados aberrantemente discrepantes dos ditames da justiça e da equidade;
- O caráter excepcional da disposição a flexibilizar a autoridade da coisa julgada, sem o qual o sistema processual perderia utilidade e confiabilidade, mercê da insegurança que isso geraria.
Existe doutrina que defende a inconstitucionalidade dos dispositivos acima comentados, com o argumento de que a coisa julgada é uma indispensável garantia fundamental, prestando-se a dotar o sistema da segurança jurídica indispensável à prestação da tutela jurisdicional.
A possibilidade da revisão da coisa julgada em razão de posterior decisão de inconstitucionalidade declarada pelo STF criará instabilidade insuportável ao sistema, afastando a promessa constitucional de inafastabilidade da tutela jurisdicional, considerando-se que a tutela jurisdicional não definitiva é o mesmo que sua ausência.
Ainda, destaca-se que os art. 525, §12 e 535, §5º do NCPC, expressamente apontam que a declaração deve ser realizada em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso, embora a determinação por lei seja saudável sob a ótica da segurança jurídica, o tema merecia um debate mais amplo, até porque envolve a atual discussão sobre eficácia intra partes e erga omnes das diferentes formas de controle de constitucionalidade.
Não obstante, nos termos do §13º do art. 525 e §6º do art. 535, ambos do NCPC, os efeitos da decisão do STF poderão ser modulados no tempo, de forma a favorecer a segurança jurídica, e aqui, caberá bom senso aos julgadores do STF.
Assim, quando o STF decidir a inconstitucionalidade nas hipóteses acima apontadas, deverá ter um enorme cuidado e juízo, posto que se for aplicado a todos os casos sem exceção, poderá causar uma enorme insegurança jurídica.
Por exemplo, há 30 (trinta) anos atrás houve o trânsito em julgado de uma sentença, bem como cumpridas as determinações lá lançadas e, agora, a parte vencida requer a rescisão/revisão do julgado, voltando ao status a quo, bem como a devolução de todos os valores corrigidos.
Registre-se que a forma processual dos embargos e da impugnação para a alegação da matéria ora discutida é simplesmente uma opção dada à parte para a sua alegação, sendo que admissíveis também a ação rescisória e a declaratória autônoma com a mesma finalidade.
Ação autônoma, inclusive, poderá ser proposta até mesmo após o encerramento da execução com a satisfação do exequente, sendo que neste caso, além do pedido de declaração de inconstitucionalidade da sentença que serviu de título executivo a execução, o autor poderá requerer a condenação do réu ao recebimento do valor obtido na execução, em típico pedido de repetição do indébito, conforme mencionado nos parágrafos anteriores.
3.3.3.3 Coisa Julgada Injusta Inconstitucional
Essa forma de relativização, diferentemente da anteriormente analisada, não tem uma expressa previsão legal, sendo criação doutrinária e jurisprudencial, ainda que já se tenha sugerido que, ao menos em termos procedimentais, seja possível a aplicação subsidiária dos arts. 525, §12 e 535, §5º do NCPC.
Também encontra adeptos e críticos calorosos, existindo espaço até mesmo para uma corrente intermediária, que aceita a proposta de relativização, desde que com tratamento legislativo específico, única forma de evitar abusos desmedidos e injustificáveis.
Trata-se da possibilidade de sentença de mérito transitada em julgado causar extrema injustiça, como ofensa clara e direta a preceitos e valores constitucionais fundamentais, reconhecendo ser a coisa julgada material instituto processual, responsável pela tutela da segurança jurídica, sendo esse também um importante direito fundamental previsto na CF/88. A doutrina defende que a sua relativização entende que a coisa julgada não pode ser um valor absoluto, que a priori e em qualquer situação se mostre mais importante do que outros valores constitucionais.
A proposta é que se realize no caso concreto uma ponderação entre a manutenção da segurança jurídica e a manutenção da ofensa a direito fundamental garantido constitucionalmente.
Assim, feito o juízo de proporcionalidade entre valores constitucionais, é legítimo o afastamento da coisa julgada quando se mostrar no caso concreto mais benéfico à proteção do valor constitucional afrontado pela sentença protegida pela coisa julgada material.
O mero erro na decisão transitada em julgado não dá ensejo à relativização da coisa julgada, porque nesse caso a segurança jurídica se sobrepõe à justiça da decisão.
A corrente que defende essa relativização se divide em dois grupos, que apesar de fundamentos bem diferentes, sempre chegam em um denominador comum, e que será discorrido abaixo.
Há doutrinadores que defendem a inexistência da coisa julgada material em determinadas hipóteses de extrema injustiça inconstitucional da sentença, de forma que o afastamento da decisão nem mesmo poderia ser tratado como uma espécie de relativização. Por outro lado, tem os que concordam que, mesmo diante dessa extrema injustiça, existe coisa julgada material, mas que o seu afastamento é necessário e justificável em razão da proteção de outros valores constitucionais.
Entre os defensores da ausência da coisa julgada nessas circunstâncias, é interessante notar que existem doutrinadores que situam o vício gerado pela sentença extremamente injusta no plano da eficácia, da validade e da existência jurídica.
Entende-se que é sempre a mesma, qual seja, a de que não havendo a coisa julgada no caso concreto não se trata propriamente de relativizá-la, mas somente de declarar sua ineficácia, nulidade ou inexistência, sempre com o objetivo de impedir a execução da decisão.
Considerando que a coisa julgada é a qualidade da sentença que torna os efeitos imutáveis e indiscutíveis, a incapacidade das sentenças que afrontam princípios constitucionais de produzirem efeitos é suficiente para não existir coisa julgada nesses casos.
Assim, entende-se que não havendo qualquer efeito para ser protegido pela coisa julgada material, o fenômeno processual simplesmente não existiria, visto que não é possível uma qualidade sem objeto, ou um manto protetor sem nada a ser resguardado.
Segue abaixo algumas hipóteses de sentenças que afrontam os princípios constitucionais:
- Afronta a razoabilidade e proporcionalidade;
- Ofensa à moralidade administrativa (absurda lesão ao Estado);
- Afronta ao valor justo da indenização por desapropriação;
- Afronta aos direitos fundamentais do homem;
- Afronta ao meio ambiente equilibrado.
Humberto Theodoro Jr. e Juliana Cordeiro de Faria aduzem que o vício causado pela extrema injustiça inconstitucional está no plano da validade, afirmando que a sentença que padece de tal vício é nula, não se sujeitando a prazos prescricionais ou decadenciais. Visivelmente, tratar-se-ia de nulidade absoluta de tamanha gravidade que não poderia se considerar a sentença imutável e indiscutível, o que criaria uma mera aparência de coisa julgada.
Ou seja, seria hipótese semelhante ao vício ou a inexistência de citação, que apesar de gerar uma nulidade absoluta, reveste de tamanha gravidade que não se convalida nem mesmo após o vencimento do prazo da ação rescisória.
O Superior Tribunal de Justiça entende que diante de uma nulidade absoluta insanável, causadora de prejuízos ao patrimônio público, há apenas uma aparência de coisa julgada. Neste caso a demanda tratava de desapropriação e, para demonstrar a absoluta incerteza quanto ao meio de relativizar a coisa julgada, o STJ aceitou um ação civil pública.
Já Tereza Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina situam o vício ora analisado no plano da existência, afirmando que a sentença nesse caso é juridicamente inexistente, e por essa razão não poderá falar no caso concreto de coisa julgada material. Entendem que as sentenças que Dinamarco chama de “juridicamente impossíveis”, na realidade são inexistentes porque proferidas em processos em que falta ao autor possibilidade jurídica do pedido, sendo que a ausência de condição da ação faz com que o autor não tenha exercido o direito de ação, e sim mero direito de petição, e não existindo direito de ação, não houve também efetivamente processo, devendo a sentença ser considerada juridicamente inexistente.
As críticas encontradas na doutrina a respeito da tese da relativização da coisa julgada em razão da coisa julgada injusta inconstitucional, coloca-se em primeiro plano a função primordial para o Estado de Direito da coisa julgada, tópico este que será aprofundado mais para frente.
Isso porque, a segurança jurídica advinda da coisa julgada é essencial para a estabilização das relações jurídicas, sem o que não se sobrevive em sociedade democrática. Não obstante, a segurança jurídica prometida pela coisa julgada é essencial à inafastabilidade da jurisdição, porque a tutela jurisdicional passível de revisão sem prazo, nem forma procedimental afasta a própria razão de ser desse princípio constitucional.
Não é aceita por parte da doutrina o argumento de que o afastamento da coisa julgada material reserva-se para situação excepcionais e que a segurança jurídica não seria afetada de forma significativa, podendo ser afastada somente em casos de rara ocorrência prática.
Dois pontos são afirmados para fundamentar o receio observado por essa parte da doutrina.
O primeiro é a constatação de que, aberta uma exceção, será incontrolável a busca pela relativização da coisa julgada, chegando até mesmo a se falar em vírus dos relativismos a contaminar todo o sistema jurídico. Nesse caso, a relativização seria na realidade o fim da coisa julgada material, fato este perigosíssimo ao Estado Democrático de Direito.
O segundo ponto, é que deve-se ponderar que a justiça é conceito subjetivo, sendo impossível determinar com precisão para todos e de maneira uníssona o que seja justo ou não. Assim, a relativização da coisa julgada presta para eternizar os conflitos, considerando-se que a alegação de extrema injustiça inconstitucional apta para afastar a coisa julgada também poderia ser apresentada novamente para afastar a coisa julgada da decisão que a afastou, e assim sucessivamente. Em busca de valor utópico e inalcançável – justiça – manter-se-ia aberta a porta do Poder Judiciário para intermináveis discussões a respeito da mesma lide, eternizando os conflitos de interesses levados a julgamento.
Ademais, na ausência de previsão legal, a relativização da coisa injusta inconstitucional incidentalmente em ação idêntica àquela já decidida com sentença de mérito com trânsito em julgado, ou ainda por meio de mera ação declaratória ou embargos à execução, gera grave incompatibilidade lógica.
Isso porque, o reconhecimento do vício pelo juiz de primeiro grau poderá no caso concreto afastar decisão que transitou em julgado em grau hierárquico superior, sendo flagrantemente ofensivo às regras de competência e à hierarquia jurisdicional que um juiz de primeiro grau de jurisdição afirme que a decisão proferida por tribunal é extremamente injusta e que por isso dever ser desconstituída.
Para destacar o absurdo da situação, basta imaginar uma demanda julgada em seu mérito em última instância pelo STF, tendo sua decisão desconstituída por juízo de primeiro grau.
Dentre os críticos da teoria da relativização da coisa julgada inconstitucional, encontram-se doutrinadores que percebem o descontrole com o que vem sendo aplicada a tese atualmente, passando a entender ser necessária uma modificação legislativa para que se determine com maior precisão os específicos casos em que seria realizada, bem como a forma procedimental mais adequada.
Por outro lado, os defensores desta relativização, arguem a aplicação da referida tese, por meio de lei, existente na tutela coletiva, chamada de coisa julgada secundum eventum probationis. Em apertada votação, a 2ª Seção do STJ se manifestou, no caso de investigação de paternidade decidida antes da existência do exame de DNA, que a flexibilização da coisa julgada depende da decisão transitada em julgado ser resultado da ausência ou insuficiência de provas, não sendo o suficiente para afastar a coisa julgada material o simples advento de nova técnica pericial, como o exame de DNA.
Outra parcela defende a ampliação do significado de documento novo para a propositura da ação rescisória, com prazo decadencial de dois anos a ser contado a partir do momento em que a parte obtenha o exame de DNA.
Ainda, existem propostas mais genéricas para modificação do art. 966 do NCPC, para inclusão de mais uma causa de cabimento da ação rescisória, justamente de sentença que ofenda normas ou valores constitucionais. Também cogita a mudança do prazo para a interposição da referida ação, ou ao menos do termo inicial de contagem de prazo em determinadas situações. Existem também propostas para que seja revisado o sistema de proteção à coisa julgada pela remodelação da ação rescisória e uma sistematização adequada da querela nullatatis.
Como arremate, em decisão inédita do STF, o qual se manifestou no sentido de admitir a relativização da coisa julgada em ação de investigação de paternidade em virtude de exame de DNA não realizado na primeira demanda, o Tribunal, por maioria de votos, no cotejo entre a coisa julgada e o princípio da dignidade da pessoa humana, consubstanciado no direito à informação genética, preferiu prestigiar o segundo valor envolvido.
3.3.3.3.3 Coisa Julgada “secundum eventum probationis”
No direito coletivo e difuso, a coisa julgada, na hipótese de julgamento de improcedência do pedido, tem uma especialidade que a diferencia da coisa julgada tradicional, prevista no Processo Civil.
Assim, enquanto no instituto tradicional, a imutabilidade e a indiscutibilidade geradas pela coisa julgada não dependem do fundamento da decisão, nos direitos difusos e coletivos, caso tenha a sentença como fundamento a ausência ou a insuficiência de provas, não se impedirá a propositura de novo processo com os mesmos elementos da ação – partes, causa de pedir e pedido - , de modo a possibilitar uma outra decisão, o que, naturalmente, afastará, ainda que de forma condicional, os efeitos de imutabilidade e indiscutibilidade da primeira decisão transitada em julgado.
Registra-se que exclui-se da análise os direitos individuais homogêneos porque, nestes, a coisa julgada opera-se “secundum eventum litis”; assim, qualquer fundamento que leve à improcedência não afetará os interesses dos indivíduos titulares do direito (art. 103, III do CDC).
A respeito dessa espécie atípica de coisa julgada diz à sua constitucionalidade. Uma corrente minoritária vê uma quebra da isonomia neste sistema e aponta para uma proteção exagerada dos autores das ações coletivas stricto sensu em desfavor dos demandados. Apesar de mais sentida nas ações que tenham como objeto os direitos individuais homogêneos, também nas que tratam de direitos difusos e coletivos, haveria uma disparidade de tratamento absolutamente desigual, o que feriria o princípio constitucional da isonomia.
Todavia, a corrente majoritária, entende pela constitucionalidade da coisa julgada secundum eventum probationis – como também da coisa julgada secundum eventum litis – afirmando que os sujeitos titulares do direito, ao não participarem efetivamente do processo, não poderão ser prejudicados por uma má condução procedimental do autor da demanda.
Assim, não seria justo ou legítimo impingir a toda uma coletividade, em decorrência de uma falha na condução do processo, a perda definitiva de seu direito material. A ausência da efetiva participação dos titulares do direito em um processo em contraditório é fundamento suficiente para defender essa espécie de coisa julgada material.
A coisa julgada secundum eventum probationis serve como medida de segurança dos titulares do direito que não participaram como partes no processo contra qualquer espécie de desvio de conduta do autor. A insuficiente ou a inexistência de provas poderá decorrer, logicamente, de uma inaptidão técnica dos que propuseram a demanda judicial, mas também não se poderá afastar, de antemão, algum ajuste entre as partes para que a prova necessária não seja produzida e com isso a sentença seja de improcedência.
Ressalta-se que os poderes instrutórios do juiz, aguçados nas ações coletivas em razão da natureza dos direitos envolvidos, poderiam também funcionar como forma de controle para que isso não ocorra, mas é inegável que a maneira mais eficaz de afastar, definitivamente, qualquer ajuste fraudulento nesse sentido é a adoção da coisa julgada secundum evetum probationis.
Outro assunto ter sido pacificado pela doutrina e jurisprudência diz respeito aos legitimados à propositura de um novo processo com a mesma causa de pedir e o mesmo pedido do primeiro; estaria legitimado o mesmo sujeito que propôs a primeira demanda que foi resolvida de forma negativa por ausência ou insuficiência de provas? A ausência de qualquer indicativo proibitivo para a repetição do polo ativo nas duas demandas parece afastar de forma definitiva a proibição. Todos os legitimados poderão, com base na prova nova, propor a “segunda” demanda, mesmo aquele que já havia participado no polo ativo da primeira.
Com relação à formação ou não de coisa julgada nas ações coletivas – direitos difusos e coletivos – julgadas improcedentes por ausência ou insuficiência de provas, a famosa secundum eventum probationes, fala-se em coisa julgada, mas há divergência a respeito de ser essa uma espécie atípica de coisa julgada ou se, nesse caso, a coisa julgada material estaria afastada, de modo a operar-se, no caso concreto, tão somente a coisa julgada formal.
A grande maioria da doutrina entende não se operar, nesse caso, a coisa julgada material, por afirmar que, sendo possível a propositura de um novo processo com os mesmos elementos da ação – parte, causa de pedir e pedido –, a imutabilidade e indiscutibilidade próprias da coisa julgada material não se fariam presentes.
Assim, a possibilidade de existência de um segundo processo, que, naturalmente, proporcionará uma segunda decisão, afetaria de forma irremediável a segurança jurídica advinda da coisa julgada material tradicional, de forma a estar afastando esse fenômeno processual quando os fundamentos que levaram à improcedência do pedido forem a insuficiência ou a inexistência de prova.
Ocorre que parece configurar-se a mesma confusão a respeito da formação ou não da coisa julgada nos processos que tenham como objeto as relações de trato continuado, regulado pelo art. 505, I do NCPC. Em razão da possibilidade de que a sentença determinativa seja alterada em virtude de circunstâncias supervenientes de fatos e de direito, parcela da doutrina apressou-se a afirmar que essa “instabilidade” da sentença seria incompatível com o fenômeno da coisa julgada material, que exige a imutabilidade e a indiscutibilidade do julgado.
Aos que entendem que não existe coisa julgada nas ações que tratam de direito difuso ou coletivo quando a improcedência decorrer da insuficiente ou ausência de provas, surge uma questão de difícil resposta: Como deverá o juiz proceder ao receber uma petição inicial de um processo idêntico a um processo anterior decidido nessas condições, em que o autor não indica qualquer prova nova para fundamentar sua pretensão, alegando somente não ser possível suportar a extrema injustiça da primeira decisão?
Resta claro que nesse caso o juiz deverá indeferir a petição, posto que não há maiores dúvidas a esse respeito. Temos que a dificuldade seria sob qual fundamento. Nesse sentido, o correto fundamento será o art. 485, V do NCPC, o qual aponta que, nesse caso, não se poderá afastar a segurança obtida pela coisa julgada material gerada pela primeira decisão. Essa é a prova maior de que existe coisa julgada material, independentemente do fundamento da decisão de mérito da primeira demanda que efetivamente ocorreu, embora sua imutabilidade e sua indiscutibilidade estejam, no caso da ausência ou insuficiente de provas, condicionadas à inexistência de prova nova que possa fundamentar a nova demanda.
Apesar da defesa da existência de coisa julgada material na hipótese ora analisada e da extinção do processo quando não houver prova nova em razão justamente do fenômeno da coisa julgada material, ainda que seja admitida a inexistência de coisa julgada material quando a mesma se verifica secundum eventum probationis, se não houver prova nova, o processo deverá ser extinto sem julgamento do mérito. Seja por falta de interesse de agir, como prefere a doutrina, seja por força da coisa julgada.
Outro interessante questionamento a respeito do tema que vem suscitando dúvidas na doutrina é que os dispositivos legais que tratam da coisa julgada secundum eventum probationis são omissos a respeito da exigência de que, expressa ou implicitamente, conste da sentença ter sido a improcedência gerada pela ausência ou insuficiência de provas ou se tal circunstância poderá ser estranha à decisão, de modo a ser demonstrada somente na segunda demanda. A tomada de uma ou de outra posição terá peso fundamental no próprio conceito de prova nova, que será fixado a seguir.
A tese restritiva exige que haja na motivação ou no dispositivo da decisão, expressa ou implicitamente, a circunstância da ausência ou insuficiência de provas. Afirma-se que, por ser uma exceção à regra da coisa julgada material prevista em nosso ordenamento processual, deverá o juiz indicar, ou ao menos se possível, deduzir de sua fundamentação, que sua decisão de improcedência decorre de uma insuficiência ou inexistência de matéria probatória. A ausência dessa circunstância proporcionaria, obrigatoriamente, a geração de coisa julgada material tradicional.
Como entendimento contrário, existe uma corrente doutrinária que não vê qualquer necessidade de constar, expressa ou implicitamente na sentença, que a improcedência do pedido decorreu de ausência ou insuficiência de provas.
Referente corrente defende uma tese mais ampla, pois afirma que não se deveria adotar um critério meramente formal do instituto, propondo-se um critério mais liberal, nomeado de critério substancial. Segundo essa visão, sempre que um legitimado propuser, com o mesmo fundamento, uma segunda demanda coletiva na qual fundamente sua pretensão em uma nova, estar-se-á diante da possibilidade de obter-se uma segunda decisão.
A segunda corrente defende que a adoção da tese restritiva limitaria indevidamente o conceito de prova nova. Ao exigir-se do juiz uma fundamentação referente à ausência ou à insuficiência de provas, será impossível o juiz se manifestar sobre o que não existia à época da decisão, o que retiraria a possibilidade de propositura de uma nova demanda fundada em meio de prova que não existia à época da prolação da decisão. Nesses, casos haveria um indevido e indesejável estreitamento do conceito de nova prova, que também, por não ser tranquilo na doutrina, passa-se a analisar.
Todos os regramentos legais que tratam da coisa julgada secundum eventum provationis são omissos quanto ao conceito de “nova prova”, missão legada à doutrina. Parcela majoritária da doutrina entende que não se deve confundir nova prova com prova superveniente, surgida após o término da ação coletiva.
Todavia, deve-se considerar que há nova prova, mesmo que preexistente ou contemporânea à ação coletiva, desde que na ação não tenha sido considerada.
Assim, o que interessa não é se a prova existia ou não à época da demanda coletiva, mas se foi ou não apresentada durante seu trâmite procedimental. Será nova porque, no tocante à pretensão do autor, é uma novidade, mesmo que, em termos temporais, não seja algo recente.
Esse entendimento muito se assemelha ao conceito dado, pela doutrina, ao “fato novo” como fundamento da liquidação de sentença por artigos. Também nesse caso, o adjetivo “novo” não é utilizado para designar um fato ocorrido após o término do processo em que se formou o título executivo, mas sim como novidade ao Poder Judiciário, por não ter sido objeto de apreciação em tal processo. O fato, portanto, assim como a “nova prova” nas ações coletivas, poderá ser anterior, concomitante ou posterior a demanda judicial; para ser adjetivado de novo, basta que não tenha sido objeto de apresentação pelas partes e de apreciação pelo juiz.
A ideia restritiva de conceito de “nova prova” sugerida pelos processualistas não parece ser a mais adequada ao fenômeno da proteção dos direitos transindividuais em juízo.
Já foi devidamente exposto que uma das razões para adotar-se a coisa julgada secundum eventum probationis nas demandas que tenham como objeto direitos difusos ou coletivos é evitar que, por meio de conluio fraudulento entre as partes processuais, obtenha-se uma decisão de improcedência. Considerando a relevância do direito material debatido e a ausência dos legitimados no processo, ao menos essa proteção lhes deve ser concedida, o que não ocorreria se fosse adotada a visão de que somente provas que não existiam à época da demanda coletiva permitiram uma nova demanda judicial.
Conclui-se que o pensamento ao menos se mostra bastante correto quando sedimenta a ideia de que, ao surgir uma prova que não existia ou que era impossível de obter-se à época da ação coletiva, sua apresentação será o suficiente para permitir a propositura de um novo processo com os mesmos elementos da ação anterior. Nesse caso, não será possível defender a doutrina que exige do juiz a indicação, expressa ou implícita, de ter o julgamento de improcedência decorrido da ausência ou insuficiência de provas. Não sabendo da existência da prova porque não era possível sua obtenção, o que só veio a ser possibilitado, por exemplo, pelo avanço tecnológico, não haveria possibilidade lógica de o juiz considerar tal circunstância em sua decisão.
3.3.3.3.3.3 Coisa Julgada Secundum Eventum Litis
Neste caso, a coisa julgada surgirá ou não de acordo com o resultado da demanda.
Com a nova redação criada pelo art. 506, NCPC o estudo da coisa julgada secundum evetum litis deixa de ser característica quase exclusiva, não se esquecendo do art. 274 do CC, tutela coletiva, passando também a ser uma realidade no processo individual.
No sistema tradicional da coisa julgada, a mesma se operava com a simples resolução de mérito, independentemente de qual tivesse sido o resultado no caso concreto.
Dessa forma, era irrelevante saber se o pedido do autor fora acolhido ou rejeitado, se houve sentença homologatória ou se o juiz reconheceu a prescrição ou decadência; sendo sentença prevista no art. 269 do CPC/73 faria coisa julgada material.
Entretanto, essa regra continua a ser aplicável às partes, mas com relação a terceiros o art. 506 do NCPC parece ter passado a adotar a espécie de coisa julgada ora analisada.
Por meio da coisa julgada secundum eventum litis nem toda sentença de mérito faz coisa julgada material, tudo dependendo do resultado concreto da sentença definitiva transitada em julgado. Por vontade do legislador, é possível que o sistema crie exceções pontuais a relação à sentença de mérito com cognição exauriente e a coisa julgada material.
O sistema poderia passar a prever que toda sentença de mérito fundada em prescrição não fará coisa julgada em ações nas quais figure como parte um idoso, ou ainda que a sentença que homologa transação não fará coisa julgada material quando o acordo tiver como objeto real. Óbvia a irrazoabilidade dos exemplos fornecidos, servem para deixar claro que afastar a coisa julgada material de sentença de mérito, que em regra se tornaria imutável e indiscutível com o trânsito em julgado, em fenômeno conhecido como coisa julgada secundum eventum litis, é feito de uma opção política e legislativa.
Na tutela individual, a técnica da coisa julgada secundum eventum litis já foi devidamente analisada, restando apenas a análise no processo coletivo.
A previsão do art. 103, §1º do CDC, os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II do mesmo dispositivo legal não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo classe ou categoria, em regra também aplicável ao inciso III. Isso quer dizer que, decorrendo de uma mesma situação fática jurídica consequências no plano do direito coletivo e individual e sendo julgado improcedente o pedido formulado em demanda coletiva, independentemente da fundamentação, os indivíduos não estarão vinculados a esse resultado, podendo ingressar livremente com as suas ações individuais. A única sentença que os vincula é a de procedência, porque essa os beneficia, permitindo-se que o indivíduo se valha dessa sentença coletiva, liquidando-a no foro de seu domicílio e posteriormente executando-a, o que o dispensará do processo de conhecimento.
A doutrina aduz em coisa julgada secundum eventum litis in utilibus, porque somente a decisão que seja útil ao indivíduo será capaz de vinculá-lo a sua coisa julgada material.
Uma empresa petrolífera causa grande vazamento de óleo numa determinada baia, o que naturalmente agride o meio ambiente saudável, mas também prejudica os pescadores do local, que tem danos individuais por não mais poderem exercer seu ofício. Havendo uma ação coletiva fundada no direito difuso a um meio ambiente equilibrado e sendo essa ação julgada improcedente, os pescadores poderão ingressar e vencer ações individuais de indenização contra a empresa petrolífera. Ocorre que, com a sentença de procedência, os pescadores poderão se valer desse título executivo judicial, liquidando seus danos individuas e executando o valor do prejuízo.
Consigna-se que esse benefício da coisa julgada material da ação coletiva pode ser excepcionado em duas circunstâncias:
- Na hipótese do indivíduo ser informado na ação individual da existência da ação coletiva, e num prazo de 30 dias preferir continuar com a ação individual, não será beneficiado pela sentença coletiva de procedência, conforme artigo 104 do CDC.
- Nas ações coletivas de direito individual homogêneo o art. 94 do CDC admite a intervenção dos indivíduos como litisconsorte do autor, sendo que nesse caso os indivíduos se vinculam a qualquer resultado do processo coletivo, mesmo no caso de sentença de improcedência.
Desta forma, discorremos de mais uma hipótese de coisa julgada prevista no NCPC que beneficia os que realmente possuem seus direitos, bem como por meio da via reflexiva atinge a relativização da coisa julgada.
3.3.3.3.3.3.3 Coisa julgada e Estado Democrático de Direito
A doutrina mundial reconhece o instituto da coisa julgada material como elemento de existência do Estado Democrático de Direito.
A supremacia da Constituição está na própria coisa julgada, enquanto manifestação do Estado Democrático de Direito, fundamento da República, não sendo princípio que possa opor-se à coisa julgada como se esta estivesse abaixo de qualquer outro instituto constitucional.
Quando se fala na intangibilidade da coisa julgada, não se deve dar ao instituto tratamento jurídico inferior, de mera figura de processo civil, regulada por lei ordinária, mas, ao contrário, impõe-se o reconhecimento da coisa julgada com a magnitude constitucional que lhe é própria, ou seja, de elemento formador do Estado Democrático de Direito, que não pode ser apequenado por conta de algumas situações, velhas conhecidas da doutrina e jurisprudência.
Neste momento iremos ressaltar a parte contrária da doutrina quanto à relativização da coisa julgada.
Com a devida vênia das teses defendidas acima, o sistema jurídico convive com a sentença injusta.
Isso porque quem será o juiz posterior da justiça da sentença que fora impugnável por recurso e, depois de transitada em julgado, fora impugnável por ação rescisória, bem como com a sentença proferida aparentemente contra a Constituição ou a lei (norma, que é abstrata, deve ceder sempre à sentença, que regula e dirige uma situação concreta), poderá atribuir a sua decisão justa e anterior injusta.
O risco político de haver sentença injusta ou inconstitucional no caso concreto parece ser menos grave do que o risco político de instaurar-se a insegurança geral com a relativização da coisa julgada.
No entanto, parece pouco provável que as vantagens da justiça do caso concreto se sobreponha à desvantagem da insegurança geral.
A mitigação da coisa julgada pelos mecanismos constitucionais e legais, em homenagem à incidência do princípio da proporcionalidade existente no sistema constitucional brasileiro, estabelecido em numerus clausus, como são os casos da ação rescisória, revisão criminal e coisa julgada secundum eventum litis, já são mais que suficientes para combater as decisões inconstitucionais e injustas.
Assim, referidas formas de impugnação estão perfeitamente justificadas no sistema, ou seja, admite-se a tangibilidade da coisa julgada, mas pelos mecanismos autorizados pela CF e pelas leis e não por obra do juiz (ope iudicis), em ação futura ajuizada contra a coisa julgada – que não a rescisória ou revisão criminal –, de interpretação do que seria justo ou constitucional, do que teria feito ou não coisa julgada.
3.3.3.3.3.3.3.3 Ação Anulatória
A ação anulatória serve para anular ato praticado pela parte e não o pronunciamento judicial, ainda que, como consequência, a sentença homologatória venha a ser anulada.
No artigo 966, §4º do NCPC determina que os atos de disposição de direito praticados pelas partes ou terceiros, desde que homologados pelo juiz ou atos homologatórios praticados no curso da execução, podem ser anulados, nos termos da lei.
Assim, se a parte alegar algum tipo de vício interno do ato é cabível a ação anulatória do artigo 966 do NCPC. Se, no entanto, a alegação da parte é a de que o ato negocial das partes não poderia ter sido homologado por lhe faltar algum requisito, então, o que se está a atacar não é o ato das partes, mas a própria sentença homologatória que passou em julgado e, portanto, nesta hipótese, cabível a ação rescisória.
CAPITULO 4. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
4 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
4.4 Conceito
Os atos jurisdicionais do Poder Judiciário ficam sujeitos ao controle de sua constitucionalidade, como todos os atos de todos os poderes. Assim, o due of process of law desse controle tem de ser observado.
Há três formas para fazer-se o controle interno, jurisdicional, da constitucionalidade dos atos jurisdicionais do Poder Judiciário, sendo eles: a) por recurso ordinário; b) por recurso extraordinário; c) por ações autônomas de impugnação.
Na primeira hipótese, tendo sido proferida decisão contra a CF, pode ser impugnada por recurso ordinário (agravo, apelação, recurso ordinário constitucional) no qual se pedirá a anulação ou a reforma da decisão inconstitucional.
O segundo caso é de decisão de única ou última instância que ofenda a CF, que poderá ser impugnada por RE para o STF (CF 102, III, “a”).
A terceira e última oportunidade para controlar-se a constitucionalidade dos atos jurisdicionais do Poder Judiciário ocorre quando a decisão de mérito já tiver transitado em julgado, situação em que poderá ser impugnada por ação rescisória ou revisão criminal. Passado o prazo de dois anos que lei estipula para exercer-se o direito de rescisão de decisão de mérito transitada em julgado, não é mais possível fazer-se o controle judicial da constitucionalidade de sentença transitado em julgado.
Alguns poucos doutrinadores defendem que no século XXI não mais se justifica prestigiar e dar-se aplicação a institutos como os da querela nullitatis insanabilis e da praescriptio immemoriabilidades. Não se permite a reabertura, a qualquer tempo, da discussão de lide acobertada por sentença transitada em julgado, ainda que sob pretexto de que a sentença seria inconstitucional, uma vez que o controle da constitucionalidade dos atos jurisdicionais do Poder Judiciário existe, mas deve ser feito de acordo com o devido processo legal.
4.4.4 Desconsideração da coisa julgada e Estado Democrático de Direito
A falta de fundamentação da decisão judicial acarreta sua nulidade (CF 93, IX). Como a motivação das decisões judiciais é corolário do Estado Democrático de Direito, ainda que não haja previsão expressa de nulidade da sentença não fundamentada, essa nulidade existiria e deveria ser proclamada quando suscitada.
O subprincípio da segurança jurídica, do qual a coisa julgada material é elemento de existência, é manifestação do princípio do Estado Democrático de Direito, conforme reconhece a doutrina mundial.
O processo civil é instrumento de realização do regime democrático e dos direitos e garantias fundamentais, razão pela qual reclama o comprometimento dos processualistas com esses preceitos fundamentais. Sem a democracia e sem Estado Democrático de Direito o processo não pode garantir a proteção dos direitos humanos e dos direitos fundamentais.
Desconsiderar a coisa julgada pode ser considerada eufemismo para esconder-se a instalação de ditadura, de esquerda ou de direita, que faria desaparecer a democracia que dever ser respeitada, buscada e praticada pelo processo.
Por tais razões é que a desconsideração de uma decisão judicial (sentença, acórdão ou outro meio) deve estar prevista na legislação ou em casos muitos específicos para que não possa haver abusividades, devendo ser observada sempre a segurança jurídica da justiça, e não dos interesses alheios e obscuros.
4.4.4.4 Desconsideração da coisa julgada e segurança jurídica
Os doutrinadores que não defendem a desconsideração da coisa julgada dão como exemplo uma lei assinada por Adolf Hitler, em 15.07.1941.
Referida lei dava poderes ao Ministério Público no Processo Civil para dizer se a sentença seria justa ou não, dava ao parquet o poder de verificar se a sentença atendia aos fundamentos do Reich alemão e aos anseios do povo alemão.
Assim, se o MP alemão dissesse que a sentença era injusta, poderia propor ação rescisória (wiederaufnahme des verfahrens) para que isso fosse reconhecido. A injustiça da sentença era, pois, uma das causas de sua rescindibilidade pela ação rescisória alemã nazista.
Para alguns, interpretar a coisa julgada, se justa ou injusta, se ocorreu ou não, é instrumento do totalitarismo, tanto de esquerda quanto da direita, nada tendo a ver com democracia, como o Estado Democrático de Direito.
Não obstante, desconsiderar a coisa julgada sem previsões legais e constitucionais, por óbvio é ofender a Carta Magna, deixando de dar aplicação ao princípio fundamental do Estado Democrático de Direito.
Todavia, de nada adianta a doutrina que defende essa tese pregar que seria aplicação excepcional, pois, uma vez aceita, a cultura jurídica brasileira possivelmente irá alargar os seus espectros, como exemplo, a impetração do Mandado de Segurança para dar efeito suspensivo a recurso que legalmente não o tinha, que, de medida excepcional, se tornou regra, como demonstra o passado recente da história do processo civil brasileiro.
Nessa linha de raciocínio, poderemos ter como regra a não existência da coisa julgada e como exceção, para os pobres e não poderosos, a intangibilidade da coisa julgada. A inversão de valores, em detrimento do Estado Democrático de Direito, não é providência que se deve prestigiar.
Anote-se, por oportuno, que, mesmo com a ditadura totalitária no nacional-socialismo alemão, que não era fundada no Estado Democrático de Direito, os nazistas não ousaram “desconsiderar” a coisa julgada, porém criaram uma nova causa de rescindibilidade da sentença de mérito para atacar a coisa julgada. Mas, repita-se, respeitaram-na e não a desconsideraram.
No Direito Processual do Brasil, há determinados institutos, de natureza material (decadência, prescrição) ou processual (preclusão), criados para propiciar segurança nas relações sociais e jurídicas.
A coisa julgada é um desses institutos e tem natureza constitucional, elemento que forma a própria existência do Estado Democrático de Direito, também considerado como uma garantia fundamental.
A coisa julgada está protegida não só apenas no art. 5º, XXXVI da CF, mas principalmente no texto normativo que descreve os fundamentos da República, por isso considerada uma garantia fundamental.
Assim, a coisa julgada trata-se de cláusula pétrea em nosso sistema constitucional, de modo que tais cláusulas não podem ser modificadas, reduzidas ou abolidas nem por emenda constitucional, porquanto bases fundamentais da República Federativa do Brasil.
Por consequência, e com muito maior razão, não podem ser modificadas ou abolidas por lei ordinária ou por decisão judicial posterior, atendendo-se ao princípio da supremacia da Constituição, se houver respeito à intangibilidade da coisa julgada.
O direito constitucional de ação (art. 5º, XXXVI da CF), busca-se pelo processo a tutela jurisdicional adequada e justa. A sentença justa é o ideal – utópico – maior do processo. Outro valor não menos importante pra essa busca é a segurança das relações sociais e jurídicas, e havendo choque entre esses dois valores (justiça da sentença e segurança das relações sociais e jurídicas), o sistema constitucional brasileiro resolve o choque, optando pelo valor segurança (coisa julgada), que deve prevalecer em relação a justiça, que será sacrificada.
A opção é política: o Estado brasileiro, como dito acima, é Democrático de Direito, fundado no respeito à segurança jurídica pela observância da coisa julgada. Poderíamos ter optado politicamente por outro sistema, que prevaleceria a sentença justa em detrimento da segurança jurídica.
A má utilização do instituto da coisa julgada pode servir de instrumento de totalitarismo e de abuso de poder pelos governantes do momento (juízes, parlamentares e administradores), em detrimento do Estado Democrático de Direito.
A tese da desconsideração da coisa julgada não é nova, matéria esta já discutida no direito mundial. Os temas da injustiça da sentença e da sentença ilegal ou inconstitucional são velhos conhecidos da dogmática constitucionalista e processualista mundial.
Mencionamos algumas opiniões doutrinárias sobre essas vetustas teses da relativização radical da coisa julgada, de há muito ultrapassadas e outras não.
O sistema jurídico brasileiro prevê algumas situações de abrandamento da coisa julgada que, dada a sua excepcionalidade, somente nos casos expressos taxativamente na lei, portanto, enunciados em numerus clausus, é que poderiam mitigar a coisa julgada, sendo eles: ação rescisória, impugnação da Fazenda Pública ao cumprimento de sentença, impugnação ao cumprimento de sentença, revisão criminal e coisa julgada segundo o resultado da lide.
4.4.4.4.4 Princípio constitucional da proporcionalidade e coisa julgada e ofensa literal disposição de lei.
A coisa julgada até pode ser modificada, conforme discorrido nos tópicos anteriores, porém deve ser ressalvado que a CF é clara ao dispor que a coisa julgada não pode ser reduzida ou abolida nem por emenda constitucional (arts. 1º, caput e 60, §4º, I e IV).
Assim, a partir dessa premissa final, dá-se a entender que a norma da lei ordinária que autoriza a modificação da coisa julgada pela ação rescisória seria, aparentemente, inconstitucional. Entretanto, a previsão legal da ação rescisória como consequência da incidência do princípio constitucional da proporcionalidade, em face da extrema gravidade de que se reveste a sentença com os vícios arrolados em numerus clausus pelos artigos 966 do CPC/15.
A regra processualista abre para o interessado mais dois anos, para que possa pedir ao Poder Judiciário a modificação da coisa julgada que se formará anteriormente. Passados os dois anos do prazo para ao exercício da pretensão rescisória, dá-se o fenômeno da coisa soberamente julgada, não mais modificável, qualquer que seja o motivo alegado pelo interessado.
A ação rescisória – destinada a modificar a coisa julgada protegida constitucionalmente, é constitucional, desde que exercida nos limites das suas hipóteses e no prazo de dois anos.
Trata-se aqui, de interpretação do artigo 966 CPC,conforme a Constituição, técnica pela qual não se deve declarar a lei ou ato normativo inconstitucional, se puder dar-se ao texto normativo interpretação que se coadune com o sistema constitucional. A CF é o contexto necessário de todas as normas.
Muitos doutrinadores afirmam que é necessário que haja prévia e expressa disposição normativa no sistema autorizando a aplicação desses institutos de exceção. Permitir que o magistrado, no caso futuro, profira decisão sobre o que fez e o que não fez coisa julgada, a pretexto de que estaria aplicando o princípio da proporcionalidade, não é profligar-se tese de vanguarda, como à primeira vista poderia parecer, mas, ao contrário, é admitir-se a incidência do totalitarismo no brasil.
Inclusive, estes doutrinadores, também afirmam que a sentença de mérito transitada em julgado que tiver sido prolatada contra texto da CF e da lei pode ser desconstituída pela ação rescisória, sendo que a sentença de mérito transitada em julgado que seja injusta faz, inexoravelmente, coisa julgada material, sendo insuscetível de impugnação por ação rescisória, por mais grave que possa ter sido a injustiça.
Isto porque, sendo a ação rescisória meio excepcional de impugnação das decisões judiciais de mérito transitadas em julgado, e levando-se em consideração o preceito hermenêutico de que as hipóteses de exceção, isto é, de cabimento da rescisória previstas, devem ser interpretadas de maneira estrita, doutrina e jurisprudência tem entendido não ser possível rescindir-se essa sentença sob o fundamento de sua injustiça. Somente a sentença inconstitucional ou ilegal, tendo sido acobertada pela coisa julgada material, pode ser desconstituída pela via da ação rescisória, e não a injusta.
Pedro Lenza ao expor sobre o princípio da proporcionalidade que dispõe:
“Ao expor a doutrina de Karl Larenz, Coelho esclarece: “utilizado, de ordinário, para aferir a legitimidade das restrições de direitos – muito embora possa aplicar-se, também, pra dizer do equilíbrio na concessão de poderes, privilégios ou benefícios -, o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, em essência, consubstancia uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das idéias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins; precede e condiciona a positivação jurídica, inclusive de âmbito constitucional; e, ainda, enquanto princípio geral de direito, serve de regra de interpretação para todo o ordenamento jurídico”[11]
Contudo, Vinhas e Santos fazem menção à diferença entre o Princípio da Proporcionalidade, de origem germânica, e o Princípio da Razoabilidade, de origem norte-americana, tendo em vista que muitas vezes são confundidos:
“Conforme exposto, utiliza-se a razoabilidade quando se depara com um caso que requeira a aplicação do Princípio da Proporcionalidade, visto que a justa medida serve-se praticamente do mesmo raciocínio do Princípio da Razoabilidade, razão pelo qual ao lançar-se mão do Princípio da Proporcionalidade não há motivo para falar-se no da razoabilidade, uma vez que o razoável já foi aproveitado para se chegar à solução do caso concreto.”[12]
Nesse contexto, Jaldemiro esclarece:
“Não há como se deixar de conferir relevância constitucional à coisa julgada, estando ela – como está – tutelada em dispositivo constitucional. [...]
A afirmação de que não é dado à lei suprimir a coisa julgada que já se tenha formado implica também o princípio geral de que o aplicar da lei não pode, ele mesmo, desrespeitar a coisa julgada. Ainda que não mediante fórmula explícita, o inciso XXXVI, do art. 5º, da CF consagra como garantia constitucional o próprio instituto da coisa julgada, que sequer pode ser suprimido por emenda constitucional (art. 60, § 4º, IV, CF) [...]
Mas o legislador infraconstitucional não pode vir a abolir integralmente a coisa julgada, consagrando a possibilidade de revisão de todo e qualquer pronunciamento da jurisdição. Ainda que remetendo ao legislador infraconstitucional, dentro de certas condições, a liberdade de definição dos atos que serão revestidos da coisa julgada, a Constituição impõe a premissa de que o modelo processual jurisdicional contemplará a coisa julgada.
O legislador infraconstitucional está adstrito a critérios constitucionais para atribuição da coisa julgada, não gozando, pois, de irrestrita liberdade para a essa escolha. Com efeito, apenas é constitucionalmente deferível a coisa julgada à decisão proferida em processo desenvolvido em regime de contraditório entre as partes e em causa de cognição exauriente (distinguir cognição sumária horizontal da vertical, só com relação a esta é que não se permite a coisa julgada).”[13]
Por fim, destaca-se que o juiz está impossibilitado de decidir com base em medida provisória, pois não se pode sentenciar com base em norma jurídica pendente de condição resolutiva. Todavia, pode ser deferida a tutela antecipada, pois pode ser revogada ou modificada a qualquer a tempo, e se o juiz caso venha sentenciar, a decisão pode ser rescindida.
Outra hipótese a ser destacada é quanto à decisão que declara indevida a cobrança do imposto em determinado exercício não faz coisa julgada em relação aos posteriores à luz da súmula 329 do STF.
Quanto aos direitos disponíveis, nada obsta que as partes estabeleçam convenção entre si, dispondo diversamente sobre o que está contido em sentença transitada em julgado.
Ressalta-se que a sentença passa em julgado a partir do trânsito em julgado do último recurso interposto, irrelevante que tenha sido conhecido, pois o juízo de admissibilidade dos recursos tem eficácia ex nunc.
Diferentemente do que ocorre que no Código de Processo Civil Alemão, vejamos:
“O BGH Alemão, por seu órgão GmSOGB, entendendo que quando o recurso não é conhecido por intempestivo, essa decisão retroage à data em que restou ultrapassado o prazo recursal (eficácia ex tunc do não conhecimento).” [14]
Destaca-se que a parte não decidida na sentença, ou seja, não acobertada pela autoridade da coisa julgada, pode ser objeto da propositura de outra ação.
Assim, a coisa julgada se forma nos limites do pedido, não podendo, pois, atribuir-lhe autoridade que vá além dos limites da lide posta e decidida, ou seja, que vá além do objeto do processo por ela definido.
Registra-se que se a sentença prolatada numa ação se omite sobre um dos capítulos do pedido constante da inicial, transitado em julgado sobre ele, pode, portanto, o autor propor outra ação para obter a prestação jurisdicional pretendida.
Assim, a coisa julgada é a conclusão do raciocínio do juiz, expressa no dispositivo da sentença, ou seja, só o dispositivo faz coisa julgada. Os motivos expostos pelo juiz, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença, não fazem coisa julgada. As razões de decidir prepara, em operação lógica, a conclusão que vai chegar o juiz no ato de declarar a vontade da lei.
As decisões proferidas na fase cognitiva e que não comportem agravo, isto é, não estejam contidas no rol do artigo 1.015 do CPC como recorríveis por agravo, não ficam cobertas pela preclusão, e podem ser alegadas novamente em preliminar de apelação ou de contrarrazões. Caso a parte não exerça essa faculdade prevista no artigo 1.015, §1º do CPC ocorrerá a preclusão e a matéria dispositiva contida na decisão interlocutória não poderá ser revista pelo tribunal.
4.4.4.4.4. Coisa julgada e a matéria de ordem pública.
Se a decisão recorrível versar sobre matéria de direito disponível, se a parte não interpuser recurso, a questão estará inexoravelmente preclusa, a teor do artigo 505 do CPC.
Todavia, se a decisão recorrível tiver objeto matéria de ordem pública ou de direito indisponível e dela não se interpuser recurso, ou não fora ela alegada em preliminar de apelação ou de contrarrazões, não haverá a incidência de preclusão, conforme art. 485, §3º e 505, II do CPC.
O limite final para apreciação de questões de ordem pública e de direitos indisponíveis é a preclusão máxima, denominada impropriamente de “coisa julgada nas instâncias ordinárias” ou, em se tratando do juiz de primeiro grau, a prolação da sentença de mérito.
Desta feita, nestes casos não se opera a preclusão, sendo possível as partes reiterar a questão caso não seja ela impugnada, ficando a critério da parte prejudicada optar por apresentar petição simples contendo pedido de reconsideração ao mesmo juiz prolator da decisão.
CAPITULO 5. CONCLUSÃO
Concluímos que a coisa julgada tem sido estudada e aplicada desde o direito romano, sendo que referido tema tem evoluído com o passar do tempo, considerando que nos dias atuais como um dos mais relevantes temas jurídicos, permeando diversos ramos do direito, tais como o direito processual, direito penal, direito constitucional e direito civil.
Certo é que com o advento do Código de Processo Civil de 2015, abriram algumas novas hipóteses de relativização da coisa julgada, instituto este aplicado já aos novos Códigos de Processo Civil anteriores, por meio da ação rescisória e impugnação à execução.
A justiça da decisão não pode ser confundida com a coisa julgada, porém a sua aplicação também se torna imprescindível por se tratar de uma matéria que não está acobertada pelo manto da coisa julgada, mas que tem sua relevância em razão da fundamentação da decisão ter validade para terceiros interessados.
A justiça da decisão deve ser compreendida como verdade dos motivos da decisão do Estado, porém discutível em outra demanda que tem como pretensão os fatos lá narrados e expostos.
A definição dos limites da coisa julgada é de suma importância, tendo em vista que existem 2 (duas) possibilidades da decisão ser julgada com mérito e sem mérito, e, portanto, cada qual tem seu efeito que distinguimos de coisa julgada formal e coisa julgada material.
De forma sucinta, a coisa julgada formal se diz quando naquele processo não poderá mais ser debatida a pretensão do autor, já a coisa julgada material, trata-se de decisão cuja a pretensão não poderá ser mais discutida em qualquer outro processo.
Vale registrar que a justiça da decisão está intimamente ligada com a questão prejudicial, isto posto, que quando houver uma matéria que será imprescindível para o julgamento da pretensão autoral, e, desde que, o juízo seja competente (territorial, funcional e material) e haja controvérsia, será então abarcada pela coisa julgada.
Para que não haja discussões e dúvidas, a questão prejudicial deverá ser delimitada quando da prolação da decisão pelo juízo, para que então, efetivamente esteja acobertada pela coisa julgada.
Como discorrido no trabalho, a coisa julgada não é absoluta, tanto no CPC de 1973, quanto neste Novo Código de Processo Civil.
Isso porque nas duas legislações processuais eram previstas as ações rescisórias, as impugnações à execução e os embargos do devedor, porém com o novo advento do CPC 15, outras novas hipóteses surgiram, sendo elas, o artigo 525 que aponta a inexigibilidade do título executivo judicial proferido pelo STF e no artigo 966 que menciona a hipótese de que as partes desconheciam a existência de prova nova.
Ademais, o instituto da relativização também já era previsto nas hipóteses da coisa julgada inconstitucional “secundum eventum probationis” e “secundum eventum litis”.
A coisa julgada inconstitucional “secundum eventum probationis” é previsto na legislação consumerista e trata-se de direitos difusos e coletivos, sendo de suma importância sua aplicação para afastar decisões de improcedência com caráter e finalidade fraudulentos.
A coisa julgada inconstitucional “secundum eventum litis”, também é de suma importância, posto que tem previsão no direito individual homogêneo quando há o ajuizamento da ação coletiva.
Entretanto, as mais atuais doutrinas, também preveem a hipótese da relativização da coisa julgada quando se tratar de decisões inconstitucionais ou decisões injustas inconstitucionais.
Isso porque em certas hipóteses excepcionais, apesar de todo trâmite processual, due process of law, pode ter decisões inconstitucionais ou injustas que deverão ser reformadas, uma vez que a garantia da coisa julgada não pode ser desrespeitada pela decisão inconstitucional ou injusta.
É claro que nas hipóteses das decisões injustas deve ser estudado caso a caso, posto que o significado e conceito de decisão injusta ou inconstitucional é de extrema complexibilidade, ressaltando que as decisões não poderão ser consideradas apenas injustas, mas também inconstitucionais, ou seja, injustas constitucionais.
Como discorrido neste trabalho, o significado de justiça é diferente aos olhos de cada indivíduo, sendo que, o que é justo para uma pessoa pode ser injusto para outro, e assim, vice-versa.
Ressaltamos que a decisão deverá ser injusta inconstitucional aos olhos da CF/88, portanto, as hipóteses serão bem mais restritivas, porém existentes e os defensores do direito tem que estudar estas hipóteses para que seja combatida com veemência, e não deixada de lado sem amparo algum e sem questionamento. As injustiças deverão ser combatidas nas hipóteses mais absolutas possíveis para que possamos chegar mais perto da utopia da justiça.
Ressalta-se que deverá ser aplicada a relativização apenas nas hipóteses restritivas, uma vez que, caso contrário, poderá, e com certeza haverá, uma abusividade de ações, posto que existirá enorme divergência sobre o conceito e o significado da decisão injusta inconstitucional.
Diante de tais apontamentos, deve ser ressaltado que a garantia do Estado Democrático de Direito tem como cláusula pétrea a coisa julgada e como princípio da segurança jurídica.
É certo que referidas garantias e consequências são vigiadas pelas formas de controle constitucional. Ou seja, há inúmeros procedimentos que evitam a decisão inconstitucional injusta.
Registra-se que o controle constitucional é feito pelo princípio constitucional da proporcionalidade. Todavia, as decisões justas em certa época, poderão se tornar injustas com o passar do tempo.
Portanto, a relativização da coisa julgada inconstitucional injusta deverá ser aplicada nos casos em que a decisão quando da sua prolação era justa, porém passado certo tempo se tornou injusta inconstitucional.
Tais hipóteses deverão ser reguladas por prazos prescricionais, tendo como exemplo a hipótese do STF entender ser inconstitucional referida lei, de modo que a partir do trânsito em julgado desta decisão caberá os interessados o ajuizamento da “querela nulitatis” em determinado prazo.
Assim, a melhor maneira de determinar o prazo para desconstituir a coisa julgada será verificada caso a caso, devendo ser de responsabilidade da Corte Suprema.
Com relação à coisa julgada, matéria de ordem pública, esta é a única hipótese que há um consenso na doutrina. Porém, ao meu ver, é contraditória, uma vez que a inconstitucionalidade de uma decisão objetivamente é matéria de ordem pública.
Desta feita, imperativo é a garantia prevista na CF/88 com relação à coisa julgada e à segurança jurídica, porém não pode ser absoluta, uma vez que nada no direito é absoluto, nem mesmo o direito à vida. Portanto, havendo a hipótese de decisão inconstitucional, imprescindível a sua relativização, sob pena do desvirtuamento do real objetivo do instituto da coisa julgada.
[1] ATAÍDE Jr., Jaldemiro Rodrigues de. Reflexões sobre a coisa julgada e sua relativização. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 80, set 2010. Disponível em: . Acesso em 11/06/2014.
[2] Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil, Editora: Forense, 1980 Repro 62.
[3]Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, t.5, p.157 apud MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento: Curso de Processo Civil. vol. 2. 3 tir. 7ª ed. rev e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p.648.
[4] Eurico TuliloLiebman. Eficácia e autoridade da sentença. 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1981 apud SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de Processo Civil: Processo de Conhecimento. vol. I. Tomo I. 8ª ed. rev e atualizada. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p.381.
[5]AMENDOEIRA Jr. Sidnei. Manual de Direito Processual Civil – vol. 02. Mídia Digital.
[6] FUX, Luiz. Curso de direito processual civil. vol. I. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p.650/651.
[7] DIDIER Jr., Fredie. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Teoria do Precedente, Decisão Judicial, Coisa Julgada e Antecipação dos Efeitos da Tutela. vol. 2. 7ª ed. Bahia: JusPodivm, 2012. p.419.Novelino, Marcelo, Curso de Direito Constitucional, 12ª ed (2017), Editora Juspodivm p. 419
[8] MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento: Curso de Processo Civil. vol. 2. 3 tir. 7ª ed. rev e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p.642.
[9] WAMBIER, Luiz Rodrigues. ALMEIDA, Flávio Renato Correia de. TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. vol. I. 9ª ed. rev, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006/2007. p.520.
[10] JÚNIOR, Humberto Theodoro. FARIA, Juliana Cordeiro. A coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle. Primeira Seção. vol. 795. RT/Fasc. Civ, 2002. p.24.
[11] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15ª ed. rev., atual. eampl. São Paulo: Saraiva, 2011. p.150.
[12] VINHAS, Renato Braga; SANTOS, Filipe Loureiro. A competência absoluta e o princípio da proporcionalidade. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, VIII, n. 21, maio 2005.
[13] TAÍDE Jr., Jaldemiro Rodrigues de. Reflexões sobre a coisa julgada e sua relativização. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 80, set 2010.
[14] Nery Jr, Nelson, Código de Processo Civil Comentado, 2016, p. 1.206
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