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Resumo:
Em 11 de novembro de 2017, a CLT passou a regulamentar o programa de demissão voluntária - PDV, (dispensa individual e desligamento coletivo) automaticamente acarretando a plena e irrevogável quitação dos direitos decorrentes do contrato de trabalho.
Texto enviado ao JurisWay em 09/04/2018.
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REFORMA TRABALHISTA. ARTIGO 477-B DA CLT
PLANO DE DEMISSÃO VOLUNTÁRIA (PDV). QUITAÇÃO INTEGRAL DOS DIREITOS TRABALHISTAS.
A partir de 11 de novembro de 2017, a CLT passou a regulamentar o programa de demissão voluntária (PDV), mecanismo há muito adotado pelas empresas em momentos de crise gerados por retração de mercado, perda de clientes, baixa produção, readequação do quadro funcional etc., com a finalidade de estimular o desligamento de empregados mediante a concessão de vários benefícios econômicos e sociais, além daqueles previstos na lei e nos instrumentos normativos.
O novel artigo 477-B da CLT expressamente dispõe:
“Art. 477-B. Plano de Demissão Voluntária ou Incentivada, para dispensa individual, plúrima ou coletiva, previsto em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, enseja quitação plena e irrevogável dos direitos decorrentes da relação empregatícia, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes.” (Grifamos)
De forma objetiva o legislador determina que a instituição de PDV, quer para dispensa individual, quer para desligamento coletivo, quando celebrado mediante acordo coletivo de trabalho ou mesmo estipulado em convenção coletiva de trabalho, automaticamente acarreta a plena e irrevogável quitação dos direitos decorrentes da relação de emprego, ou seja, impede que o ex-empregado venha posteriormente reclamar qualquer outro direito na Justiça do Trabalho, ressalvada alguma exceção estipulada pelas partes.
Referido artigo, a priori, estimula e valoriza os princípios da boa-fé e da lealdade que devem imantar a relação negocial entre os atores sociais, responsáveis pela discussão, negociação e concretização de um PDV, em consonância com o disposto nos artigos 7º, XXVI, 8º, III e VI da Carta Constitucional.[1]
I. ANTECEDENTES HISTÓRICOS
Em 27 de setembro de 2002, o Tribunal Superior do Trabalho editou a Orientação Jurisprudencial nº 270 por meio de sua Seção Especializada de Dissídios Individuais, nos seguintes termos:
“270. PROGRAMA DE INCENTIVO À DEMISSÃO VOLUNTÁRIA. TRANSAÇÃO EXTRAJUDICIAL.
PARCELAS ORIUNDAS DO EXTINTO CONTRATO DE TRABALHO. EFEITOS (inserida em 27.09.2002)
A transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho ante a adesão do empregado a plano de demissão voluntária implica quitação exclusivamente das parcelas e valores constantes do recibo.” (Grifamos)
Esta tendência jurisprudencial adotada pela mais alta Corte Trabalhista foi fruto de 16 julgados que, de forma harmônica, entenderam, diante do particularismo inerente ao direito do trabalho, ser inviável aceitar-se a transação extrajudicial com efeitos amplos a tal ponto de obstaculizar eventual ação judicial pelo empregado, pois, antes de tudo o empregado seria a parte mais frágil na relação capital e trabalho, inclusive o próprio sindicato profissional que teria sua capacidade negocial reduzida ante a escassez de empregos.
A título ilustrativo transcreve-se trechos de 2 acórdãos que contribuíram para a criação da mencionada orientação jurisprudencial:
“RECURSO DE REVISTA. ADESÃO DO EMPREGADO AO PLANO DE DESLIGAMENTO VOLUNTÁRIO. TRANSAÇÃO EXTRAJUDICIAL. DIREITO DO TRABALHO. PRINCÍPIO DA IRRENUNCIABILIDADE OU DISPONIBILIDADE RELATIVA. "RES DUBIA" E OBJETO DETERMINADO. CONDIÇÕES ESPECÍFICAS DE VALIDADE DA TRANSAÇÃO DO ART. 477, §§ 1º E 2º, DA CLT. EFEITOS. ARTS. 9º DA CLT E 51 DO CDC
O Direito do Trabalho não cogita da quitação em caráter irrevogável em relação aos direitos do empregado, irrenunciáveis ou de disponibilidade relativa, consoante impõe o art. 9º consolidado, porquanto se admitir tal hipótese importaria obstar ou impedir a aplicação das normas imperativas de proteção ao trabalhador.
Admitir-se a transação extrajudicial com efeitos amplos sem obediência às normas específicas do Direito do Trabalho que tratam do tema é tornar inócua a letra da lei e o particularismo que envolve e norteia a disciplina, pena de tornar o contrato de trabalho modalidade de contrato civil, a dispensar, inclusive, a necessidade de uma intervenção da Justiça Especial para dirimir os litígios que lhe são pertinentes.
Além disso, desde que admitida a incidência dos artigos 1.025 e 1.030 do Código Civil, não se há de perder de vista o estado de sujeição em que se encontra o empregado perante o empregador, mesmo nesta atual quadra social, antes, durante e após a extinção do contrato de trabalho, sobretudo em um contexto em que a escassez do emprego impõe um rigoroso enfraquecimento da capacidade negocial não só dos empregados mas dos próprios sindicatos, e de que a boa-fé nos ajustes de vontade é elemento acessório do contrato, quando inserido na temática do direito do trabalho. Quanto ao último, a eficácia é limitada ou mitigada em face dos requisitos indispensáveis para a sua celebração (art. 477, §§ 1º e 2º, da CLT), além da imprescindibilidade da assistência como condição de validade do ato.
Por conta de todos esses fundamentos e afastando, por igual, a violação dos arts. 477, § 2º, da CLT, 1.025 e 1.030 do Código Civil e a contrariedade ao Enunciado nº 330 do TST, ante a disciplina peculiar do Direito do Trabalho, nego provimento ao recurso de revista.
ISTO POSTO. ACORDAM os Ministros da Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, à unanimidade, conhecer do recurso de revista, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, negar-lhe provimento.”
(Brasília, 18 de setembro de 2002. Luiz Philippe Vieira De Mello Filho Juiz Convocado Relator, Acórdão, 5ª Turma, Processo RR nº 485724, ano 1998, Publicação DJ 11/10/2002, Proc. nº TST-RR-485.724/98.6). (Grifamos)
“PLANO DE DEMISSÃO INCENTIVADA - TRANSAÇÃO - VALIDADE - VIOLAÇÃO DO ART. 896 DA CLT.
A transação extrajudicial, através da rescisão do contrato de emprego em virtude de o empregado aderir a Plano de Demissão Voluntária, implica quitação exclusivamente das parcelas recebidas e discriminadas a título de indenização, não importando em quitação total de prestações outras do contrato de emprego, estranhas ao instrumento de rescisão contratual.
Inequivocamente, não repugna ao Direito do Trabalho a transação consumada na pendência de processo judicial em que se supõe litigiosa a pretensão jurídica ali deduzida. Pelo contrário, a lei estimula a conciliação com efeito de transação em diversos preceitos (arts. 764, § 3º, 846 e 850 da CLT).
Compreende-se tal estímulo como mecanismo de restabelecimento da paz social violada. Ademais, há troca de um direito litigioso ou duvidoso por um benefício concreto e certo. Em síntese, se é fato que o empregado transator sacrifica, no todo ou em parte, um direito ou uma vantagem, não menos exato que, em contrapartida, obtém alguma vantagem ou benefício.
Assim, entendo que, na pendência de processo judicial as partes são inteiramente livres na autocomposição da lide trabalhista, em princípio.
Em se tratando de transação extrajudicial para prevenir litígio, impõe-se encarar com naturais reservas a validade da avença no plano do Direito do Trabalho, máxime se firmada na vigência do contrato de emprego. Por outro, no âmbito das relações de trabalho, disciplinadas por legislação própria, a quitação é sempre relativa, valendo, apenas, quanto aos valores e parcelas constantes do recibo de quitação, a teor das disposições contidas no parágrafo 1º, do artigo 477, da CLT. A rigor, a pretensão do Recorrente de obter reconhecimento de quitação plena, abarcando inclusive parcelas não referidas e discriminadas no instrumento de rescisão, esbarra frontalmente no que dispõe o referido art. 477, § 2º, da CLT". Ante o exposto, incólume o art. 896 da CLT. Não conheço do Recurso de Embargos. ISTO POSTO. ACORDAM os Ministros da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, não conhecer dos Embargos.”
(Brasília, 27 de agosto de 2001. Carlos Alberto Reis de Paula Relator. Acórdão, SBDI-1, Processo E-RR nº 496494, ano 1998, Publicação DJ 06/09/2001). (Grifos nossos)
Como se extrai dos fundamentos de referidos acórdãos, o entendimento do TST tinha como lastro a premissa de que o empregado não teria liberdade para decidir o melhor para si e que o próprio sindicato se veria coagido diante da crise de empregos. Enfim, o foro adequado para transacionar direitos seria diante de um juiz.
Portanto, as rescisões contratuais decorrentes da adesão de empregados a programas de demissão voluntaria somente importavam em quitação quanto às parcelas e valores discriminados no recibo, o que sujeitava a empresa a responder judicialmente por eventual ação trabalhista proposta pelo ex-empregado, não obstante os benefícios extralegais concedidos.
II. DA JURISPRUDÊNCIA
Nesta linha de raciocínio, assim o TST passou a decidir conforme se extrai exemplificativamente das ementas abaixo:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – PROVIMENTO – DIFERENÇAS DA MULTA DO FGTS – EXPURGOS INFLACIONÁRIOS – ADESÃO A PROGRAMA DE DEMISSÃO VOLUNTÁRIA – DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL E CONTRARIEDADE À OJSBDI1 DE Nº 270 DO TST – Empresta-se provimento ao agravo de instrumento quando o eg. Regional pronúncia-se no sentido de que a adesão a PDV implica quitação geral não sendo devidas as diferenças decorrentes dos expurgos inflacionários e a parte consegue demonstrar dissenso jurisprudencial e contrariedade a entendimento jurisprudencial compendiado no TST. Agravo de instrumento a que se empresta provimento, ordenando-se o prosseguimento na forma regimental. RECURSO DE REVISTA – ADESÃO A PDV – EFEITOS – MULTA DE 40% – DIFERENÇAS DECORRENTES DOS EXPURGOS – RESPONSABILIDADE – "A transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho ante a adesão do empregado a plano de demissão voluntária implica quitação exclusivamente das parcelas e valores constantes do recibo" (OJSBDI1 de nº 270). Recurso de Revista conhecido e provido para, em decorrência do estabelecido na OJSBDI1 de nº 341 quanto à responsabilidade, condenar a reclamada ao pagamento das diferenças decorrentes dos expurgos inflacionários, como pedido.” (TST – RR 881/2003-002-10-40.2 – 3ª T. – Rel. Juiz Conv. Ricardo Machado – DJU 01.07.2005)
“TRANSAÇÃO EXTRAJUDICIAL – PDV – DIFERENÇAS DE EXPURGOS INFLACIONÁRIOS – EFEITOS – "Recurso de embargos. Plano de demissão voluntária. Transação extrajudicial. Efeitos. Diferenças da multa de 40% do FGTS. Expurgos inflacionários. Quitação. Ausência de ato jurídico perfeito. Aplicação da Orientação Jurisprudencial nº 270 da col. SDI. Não demonstrada violação literal de dispositivo constitucional ou legal nem contrariedade à súmula desta col. Corte, deve ser confirmada a decisão da col. Turma que aplicou a Orientação Jurisprudencial 270 da col. SDI. A transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho, ante a adesão do empregado a plano de demissão voluntária, implica quitação exclusivamente das parcelas e valores constantes do recibo e, portanto, não impossibilita que o empregado venha ao Poder Judiciário buscar as diferenças da multa de 40% do FGTS decorrentes dos expurgos inflacionários. Os efeitos da quitação realizada extrajudicialmente devem ser examinados nos limites dos seus pressupostos, isto é, da res dubia e do objeto determinado. Recurso de embargos não conhecido.” (TST – E-EDcl-RR 286/2004-012-10-00.0-4ª R. – SBDI-1 – Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga – DJU 1 20.04.2007)
“PRESCRIÇÃO – Ajuizamento de reclamação trabalhista após a apresentação do protesto judicial. Inaplicabilidade do Código Civil quando a interrupção anterior tenha ocorrido antes de sua vigência. Inaplicável a regra limitadora a um único evento interruptivo do fluxo prescricional (Código Civil, art. 202) quando o evento considerado for anterior à vigência da nova regra, pela irretroatividade das leis ordinárias. Prescrição afastada. MULTA DE 40% – Crédito de expurgos inflacionários na conta do FGTS. Transação em programa de demissão incentivada (PDV). Eficácia liberatória limitada. Inexistindo, nos atos normativos e negociais alusivos à adesão do ex-empregado ao PDV, menção ou intenção de abranger outras verbas além das liquidadas no instrumento rescisório, não se pode falar na adoção da diretriz do Enunciado nº 330/TST e sim da Orientação Jurisprudencial nº 270/SDI-1/TST. Recursos conhecidos e desprovidos.” (TRT 10ª R. – RO 00285.2004.011.10.00.0 – 3ª T. – Rel. p/o Ac. Juiz Antonio Umberto de Souza Júnior – DJU 14.01.2005)
“TRANSAÇÃO – PDV – EFEITOS – Ao reafirmar que a quitação deve especificar as parcelas pagas, tendo eficácia liberatória estritamente quanto a elas, o Regional decidiu em harmonia com a atual redação da Súmula 330 do TST e da OJ 270 da SBDI-1 do TST. Recurso de revista não conhecido.” (TST-RR-969500-75.2005.5.15.0143, Rel. Min. Augusto César Leite de Carvalho – DJe 15.04.2014).
III. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF)
VALORIZAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA AUTONOMIA PRIVADA COLETIVA E DA BOA-FÉ
O STF ao julgar em 30.4.2015 o recurso extraordinário (RE) 590415/SC[2], por unanimidade, conheceu e deu-lhe provimento, fixando em repercussão geral a seguinte tese:
“A transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho, em razão de adesão voluntária do empregado a plano de dispensa incentivada, enseja quitação ampla e irrestrita de todas as parcelas objeto do contrato de emprego, caso essa condição tenha constado expressamente do acordo coletivo que aprovou o plano, bem como dos demais instrumentos celebrados com o empregado”.
O ministro relator Roberto Barroso com maestria ímpar por meio de razões doutrinárias substanciais demonstrou o quão equivocado é transpor os limites da autonomia individual para o campo coletivo na tentativa de também limitar o princípio da autonomia coletiva da vontade, vez que, em regra, as situações são absolutamente assimétricas na medida em que o poder de barganha dos sindicatos se encontra no mesmo nível do empregador, quer pela força da pressão social, quer pela força da greve.
No caso concreto, a reclamante concordou em aderir, no ano de 2001, ao Plano de Demissão Incentivada proposto pelo seu empregador, assessorada pelo seu sindicato, sendo que o termo de rescisão contratual foi homologado no Ministério do Trabalho, sem qualquer ressalva, à época, recebendo o valor líquido de R$ 133.636,24 o que correspondia a 78 vezes o valor de sua maior remuneração mensal (equivalente a R$ 1.707,42).
Como anota o voto do Ministro Barroso, a decisão de primeiro grau ao decidir pela improcedência o fez com os seguintes argumentos:
“i) os instrumentos assinados pela reclamante, desde o momento da manifestação de interesse em aderir ao PDI até a celebração da rescisão contratual, previam expressamente que a rescisão ensejaria a quitação plena de toda e qualquer verba trabalhista; ii) o PDI baseou-se em acordo coletivo concebido após ampla discussão, com a participação dos trabalhadores e do sindicato profissional, tendo havido pressão dos próprios funcionários do BESC pela formalização do plano, mesmo contra a orientação da entidade de classe; iii) o montante pago à reclamante superou, e muito, o valor correspondente às verbas rescisórias: a autora recebeu o total bruto de R$ 134.811,72, sendo que R$ 129.329,01 a título indenizatório e o restante pelas verbas rescisórias de praxe; iv) é viável a quitação plena na hipótese, quer porque a reclamante – assim como os demais empregados do Banco – tinha plena ciência das consequências da quitação plena, quer porque a adesão ao PDI corresponderia a verdadeiro pedido de demissão por parte da reclamante.” (Grifos nossos)
O TRT da 12ª Região manteve a improcedência da ação, entretanto, o TST decidiu por reformá-la sob o seguinte enfoque:
“i) a quitação somente libera o empregador das parcelas estritamente lançadas no termo de rescisão, a teor do art. 477, § 2º, CLT; ii) todos os termos de rescisão de contratos de trabalho com o BESC mencionavam as mesmas parcelas como quitadas, nos mesmos percentuais indenizatórios, o que demonstraria que não foram precisadas as verbas rescisórias efetivamente devidas a cada trabalhador e seus valores, tendo-se elaborado mero documento pro forma, com a inclusão de todas as possíveis parcelas trabalhistas e percentuais hipotéticos; iii) a transação pressupõe concessões recíprocas a respeito de res dubia, elemento que inexistia no caso; iv) a transação interpreta-se restritivamente; v) os direitos trabalhistas são indisponíveis e, portanto, irrenunciáveis; vi) deve-se tratar “com naturais reservas” a transação extrajudicial no plano do Direito do Trabalho, “máxime se firmada na vigência do contrato de emprego”.
Diante deste posicionamento, para dizer o menos, exacerbadamente protecionista, que não levou em consideração a atuação do sindicato e mormente a manifestação dos trabalhadores, a Suprema Corte, de forma objetiva, engendrou análise constitucional a demonstrar o quão equivocada foi a decisão do TST, conforme se extrai ao longo do acórdão de 58 laudas.
Duas passagens do voto elaborado pelo Ministro Barroso sacramentam a valorização do papel dos sindicatos em sintonia com os princípios constitucionais que norteiam a atuação de referidos entes sindicais, in verbis:
“27. O reverso também parece ser procedente. A concepção paternalista que recusa à categoria dos trabalhadores a possibilidade de tomar as suas próprias decisões, de aprender com seus próprios erros, contribui para a permanente atrofia de suas capacidades cívicas e, por consequência, para a exclusão de parcela considerável da população do debate público. Em consonância com essa visão, destaque-se decisão proferida pelo TRT da 3ª Região, cuja ementa se transcreve a seguir:
‘PLANO DE INCENTIVO À DEMISSÃO - ADESÃO - TRANSAÇÃO EXTRAJUDICIAL VÁLIDA. Declaração de vontade válida e expressa sem vícios, externada conscientemente por pessoa física capaz, é instrumento jurídico válido para criar, modificar ou extinguir obrigações. Deixar de considerá-la em sua eficácia desestabiliza a ordem jurídica e retira do Direito a segurança e seriedade que deve imprimir às relações sociais. O trabalhador maior e capaz é cidadão como outro qualquer que tem responsabilidade pela vontade que emite nos negócios jurídicos de que participa, só podendo o Direito invalidá-la quando se desnatura por vício, temor reverencial ou excessiva subordinação econômica. No caso da reclamada, trata-se de trabalhadores esclarecidos que participam de plano voluntário de demissão, cuja aderência provém de livre opção, seguida de obrigatórias ponderações e reflexões que a natureza do ato exige. A proteção que o Processo do Trabalho defere ao trabalhador não pode chegar ao ponto de assemelhar-se à tutela ou curatela, em que a vontade do representado se faz pelo representante. Se assim se agir, nunca haverá maturidade do trabalhador nem respeito e seriedade às suas declarações, pois ficará submetido a um processo de alienação permanente que não lhe permitirá jamais transformar-se num cidadão consciente e plenamente capaz. (grifou-se)’ (DJMG, 12/05/2001, TRT-3-RO-2394/01, rel. des. Antônio Alvares da Silva)”
E mais a frente o Ministro Barroso com propriedade ao se referir às razões de decidir do TST, conclui:
“48. Não socorre a causa dos trabalhadores a afirmação, constante do acórdão do TST que uniformizou o entendimento sobre a matéria, de que “o empregado merece proteção, inclusive, contra a sua própria necessidade ou ganância”. Não se pode tratar como absolutamente incapaz e inimputável para a vida civil toda uma categoria profissional, em detrimento do explícito reconhecimento constitucional de sua autonomia coletiva (art. 7º, XXVI, CF). As normas paternalistas, que podem ter seu valor no âmbito do direito individual, são as mesmas que atrofiam a capacidade participativa do trabalhador no âmbito coletivo e que amesquinham a sua contribuição para a solução dos problemas que o afligem. É através do respeito aos acordos negociados coletivamente que os trabalhadores poderão compreender e aperfeiçoar a sua capacidade de mobilização e de conquista, inclusive de forma a defender a plena liberdade sindical. Para isso é preciso, antes de tudo, respeitar a sua voz.” (Grifos nossos)
IV. CONSIDERAÇÕES
Não obstante o clamor contrário de parte dos atores sociais concernente ao advento da Lei nº 13.467/2017, inegável que as alterações propostas em sua grande maioria irão contribuir para o fortalecimento das relações trabalhistas e sindicais, antes, porém, sinalizando fortemente para a observância dos princípios da boa-fé e da transparência que devem nortear os instrumentos normativos e consequentemente para a valorização dos sindicatos profissionais, enquanto legítimos representantes das classes trabalhadoras, destarte, concretizando o disposto na Carta Magna, em especial artigo 7º, XXVI e artigo 8º, III e VI.
Especificamente quanto ao novo artigo 477-B, o legislador consolidou interpretação constitucional consentânea com a realidade do mercado de trabalho que até então era ignorada pela mais alta Corte Trabalhista sob o fundamento de que o trabalhador não teria condições de optar pelo melhor para si, ainda que assessorado e orientado pelo seu sindicato e que este também não teria plena capacidade de agir, vez que tolhido pelas circunstâncias das crises de desemprego.
Com a devida vênia é preciso romper com o falso dogma de que os entes sindicais não se encontram preparados para negociar, que não sabem negociar, à exceção de algumas categorias tradicionais (ex.: metalúrgicos, químicos, entre outras).
Ora, desde o advento da CLT, os sindicatos estão aí negociando, uns com lealdade à categoria profissional e uns poucos corrompidos pelo numerário das contribuições compulsórias e normativas em detrimento de sua verdadeira missão. Entretanto para estes últimos existe todo um arcabouço jurídico à disposição de quem se sentir prejudicado, mormente com o advento da Constituição de 1988.
Neste sentido, não é demais lembrar as palavras do eminente Prof. Arion Sayão Romita[3] que, com muita propriedade, já advertia na década de 90, in verbis:
“Fala-se em proteção do trabalhador! O princípio de favor encontra-se nitidamente em declínio no mundo. Quem defende essa tese arcaica, ultrapassada, está em descompasso com a realidade, com a exigência econômica do mundo em que vivemos. Supor que o Direito do Trabalho tem por função proteger o empregado conduz a um grave equívoco: os fatos provam justamente o contrário. A lei de greve dá ao Tribunal do Trabalho o direito de declarar a greve abusiva. Então, onde está a proteção? Que proteção é esta? Não é exatamente o oposto? Que proteção é esta, que permite seja o empregado despedido da noite para o dia, sem justificativa? Falta, parece, atentar para a realidade. Abrir os olhos! Somos todos engabelados pro um discurso ideológico – ideologia no pior sentido da palavra de ocultação da realidade – com a finalidade de obter a reprodução e a perpetuação da ordem social injusta: isto que aí está é bom. Deve-se preservar o status quo: com poder normativo, sindicato único, presença do Estado entre os interlocutores sociais, outorga de cada vez maiores benefícios? Enquanto isto, o trabalhador está cada vez mais desprotegido, porque está empobrecendo. Devemos libertarmo-nos da idéia de depender da proteção que o Estado nos dispensa. Os ‘pobrezinhos, fracos, coitadinhos’ (os trabalhadores) não precisam do paternalismo dispensado pela lei ou pela Justiça do Trabalho. Há, hoje, sindicatos muito atuantes, cientes do papel social que desempenham. É necessário dar-lhes o poder que devem exercer e romper com a tradição da linguagem ideológica, de dizer que eles são fracos, que não têm capacidade, que precisam continuar a ser protegidos.” (Grifamos)
Em conclusão, a nosso sentir o novo artigo 477-B da CLT contribuirá para fortalecer a negociação coletiva e, acima de tudo, sinalizar aos trabalhadores beneficiados para a importância de participarem, refletirem e decidirem de forma consciente e ética, lastreados na boa-fé, sobre o que lhes é mais interessante, assumindo as consequências de sua decisão, via de consequência evitando bater às portas do Judiciário para reclamar contra o seu antigo empregador.
Elaborado por:
Carlos Eduardo Príncipe
Doutorando e Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pós-graduado, em nível de Especialização Lato sensu, em Direito Processual Civil e Direito do Trabalho. Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior. Advogado e consultor trabalhista-sindical
[1]Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(...)
XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;
Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:
(...)
III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;
VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho;
[2]Recurso Extraordinário 590.415 Santa Catarina, Relator: Min. Roberto Barroso, Recte.(S): Banco do Brasil S/A (Sucessor do Banco do Estado de Santa Catarina S/A - Besc), Recdo.(a/s): Claudia Maira Leite Eberhardt, Am. Curiae.: Volkswagen do Brasil Indústria de Veículos Automotores ltda.
[3] Sindicalismo economia estado democrático estudos, São Paulo: Editora LTr, 1993, pp. 30-31.
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