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ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA: a intimação para os leilões da Lei nº 9.514/97 alterada pela Lei nº 13.465/17 e a aplicação por analogia do CPC/15


Autoria:

Raquel Araújo De Freitas


Advogada Especialista em Direito Imobiliário e pós-graduanda em Direito de Empresa pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2017-2018).

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Resumo:

Trata-se de uma reflexão sobre a possibilidade da aplicação do CPC/15 às lacunas da Lei nº 9.514/97 que dispõe sobre a alienação fiduciária de bens imóveis, com o intuito de estabelecer fundamentos para decisões de casos análogos de forma equânime.

Texto enviado ao JurisWay em 18/11/2017.



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ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA: a intimação para os leilões da Lei nº 9.514/97 alterada pela Lei nº 13.465/17 e a aplicação por analogia do CPC/15

 

 Raquel Araújo de Freitas[1]

 

Deise Martins da Silva[2]

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

 A satisfação do credor não foi durante todo tempo garantida pelo patrimônio do devedor. Na sociedade romana, por exemplo, o próprio corpo do devedor garantia a dívida, conforme disposto na Lei das XII Tábuas: “Se não pagar e ninguém se apresentar como fiador, que o devedor seja levado pelo seu credor e amarrado pelo pescoço e pés com cadeias com peso máximo de 15 libras; ou menos, se assim o quiser o credor”.

 

Dessa forma, o credor romano detinha o direito de que o devedor inadimplente com sua prestação, respondesse com sua liberdade ou até mesmo com sua vida.

 

A Lex Poetelia Papiria na República Romana aboliu a “escravidão por dívida”, onde o devedor dava como garantia a escravidão de si próprio ou de um membro da família sob o qual tinha autoridade.

 

Com a evolução dos conceitos de garantia e com o surgimento do conceito de dignidade da pessoa humana, houve a transferência do ônus pelo não adimplemento de uma dívida para o patrimônio material do devedor, surgindo as figuras da fiducia cum amico, contrato de confiança semelhante ao depósito, onde o fiduciante alienava seus bens a um amigo com a condição de haver a restituição quando cessasse a circunstância aleatória previamente estabelecida, e a fiducia cum creditore, que, com caráter de garantia, era caracterizada pela transferência dos bens ao credor sob a condição de recuperá-los quando houvesse a quitação do débito.

 

Nessas duas hipóteses de fidúcia, conforme elucidado por Maria Helena Diniz (2002), era conferida excessiva vantagem ao credor, vez que este conservava a propriedade e posse dos bens com valor superior ao débito.

 

Com a Revolução Industrial e o surgimento de relações cada vez mais complexas, houve a necessidade de novas garantias que dessem aos credores uma segurança maior e que não importasse na perda da propriedade e da posse do bem.

 

Nos sistemas do Commom Law, surgiu o trust receipt, considerado como evolução da fiducia cum creditore, vez que o bem alienado não integrava o patrimônio ativo do credor, havendo apenas restrição quanto à sua disposição.

 

Inspirado no trust receipt, o negócio fiduciário no Brasil foi estruturado na Lei de Mercados de Capitais (Lei nº 4.726/1965), caracterizado, sobretudo, pela confiança entre as partes, onde o fiduciante acredita que terá seu bem restituído quando adimplida a obrigação e o credor, que seu crédito será satisfeito tendo, para tanto, a garantia da alienação.

 

Com a publicação da Lei nº 9.514/97, houve a previsão de uma nova forma de dar em garantia bens imóveis, além da já saturada hipoteca que não vinha atendendo os anseios dos credores: a alienação fiduciária.

 

A figura da alienação fiduciária está cada vez mais presente na sociedade atual, vez que, com o estabelecimento dessa garantia as pessoas conseguem adquirir seu imóvel ou obter financiamento a juros mais acessíveis.

 

 Ocorre que, apesar do surgimento de uma norma específica para o instituto em questão, alguns pontos quedaram-se omissos, de modo que a Lei nº 13.465/17, buscando evitar a aplicação inadequada do DL nº 70/66, realizou algumas alterações da Lei nº 9.514/97, incluindo a necessidade de intimação dos fiduciantes para os leilões, contudo, ainda deixou uma lacuna sobre o procedimento que este deverá ser feito.

 

Destarte, analisando o contexto histórico e legislativo sobre a alienação fiduciária, bem como o texto normativo que rege este instituto, surge a seguinte indagação: a lacuna normativa pode ser preenchida pela aplicação analógica do CPC/15?

 

 

 

2. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BENS IMÓVEIS

 

   Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona definem o instituto da alienação fiduciária em garantia da seguinte forma:

 

                                            (...) trata-se de negócio jurídico bilateral, no qual se pretende a transferência da propriedade de uma coisa ao credor, com a finalidade de garantir um pagamento. Vale dizer, o devedor (fiduciante) permanece como possuidor direto, ao passo que o credor (fiduciário) detém a posse indireta e a propriedade resolúvel da coisa, até o adimplemento da dívida. (GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2003, pág.335).

 

 Com a Lei nº 9.514 publicada em 20 de novembro de 1997, foi criado o SFI – Sistema de Financiamento Imobiliário – e a alienação fiduciária em garantia de bens imóveis, a fim de facilitar o acesso ao crédito para aquisição de imóvel. A intenção do legislador foi de aplicar um mecanismo que já vinha tendo êxito no financiamento de bens móveis duráveis aos imóveis, buscando maior efetividade à satisfação da dívida.

 

No art. 22 da lei supracitada, temos como conceito de alienação fiduciária o “negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel”.

 

De acordo com Melhim Namem Chalhub, a alienação fiduciária em garantia de bens imóveis surgiu visando restabelecer o capital investido em financiamentos imobiliários nos casos em que o devedor fosse constituído em mora, com prazos e custos compatíveis com as necessidades da economia moderna.

 

            Dessa forma, em síntese, pode-se caracterizar este instituto pela constituição da propriedade resolúvel do imóvel em favor do credor com o intuito de garantir a obrigação assumida pelo devedor.

 

 

 

 3. PROCEDIMENTO DE EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL

 

             Um dos principais deveres do devedor consiste no pontual pagamento das prestações devidas em razão da obrigação assumida junto ao fiduciário.

 

Assim, a fim de resguardar os direitos do devedor, bem como, regulamentar a forma que ocorrerá a satisfação da dívida, temos descrito nos artigos 26 e 27 da Lei nº 9.514/97 o procedimento que deve ser seguido em caso de inadimplência do fiduciante.

 

 

 

3.1 Aspectos gerais dos procedimentos expropriatórios

 

             Inicialmente, nos termos do §2º do art. 26 da Lei nº 9.514/97, na escritura pública ou no instrumento particular com força de escritura pública celebrado entre as partes estabelecendo a alienação fiduciária em garantia de bens imóveis, deverá constar o chamado prazo de carência.

 

Esse prazo é entendido pelo lapso temporal em que o fiduciário poderá requerer a intimação do fiduciante para o pagamento da dívida a partir do vencimento de qualquer prestação.

 

Sendo a intimação para purga da mora realizada nos termos do art. 26, §3º da Lei nº 9.514/97, ultrapassados quinze dias sem que haja pagamento, poderá o credor requerer a consolidação da propriedade do imóvel em seu nome. Salienta-se que a Lei nº 13.465/17 incluiu o art. 26-A à Lei nº 9.514/97, onde, para os casos de financiamento habitacional, a consolidação da propriedade poderá ser averbada somente após o decurso do prazo de 30 (trinta) dias contados do término do prazo para purga da mora.

 

Após a consolidação, o fiduciário deve promover primeiro leilão pelo maior valor, seja aquele convencionado pelas partes como avaliação do imóvel ou aquele utilizado como base de cálculo para apuração do ITBI, e, não havendo êxito nesta praça, realizar segundo leilão pelo valor da dívida, das despesas, prêmios de seguro, encargos legais, incluindo tributos e contribuições condominiais.

 

            Realizada a venda do imóvel em primeiro ou segundo leilão por valor superior ao da dívida, despesas e encargos, o credor devolverá ao devedor a quantia que sobejar. Não havendo arrematação, nos termos do § 5º do art. 27, o imóvel é adjudicado pelo credor que passa a deter a propriedade plena do imóvel, podendo, por conseguinte, realizar a venda direta do bem para ter satisfeito seu crédito.

 

 

 

 3.2 A necessidade de comunicação para os leilões da Lei nº 9.514/97

 

               A Lei nº 9.514/97, mais especificamente, seu art. 27, não exigia intimação pessoal do devedor sobre as datas do leilão público.         

 

            O devedor que devidamente intimado para purgar a mora e não manifestava nenhuma intenção em realizar o pagamento, estava ciente da possibilidade de consolidação da propriedade do imóvel em favor do fiduciário, não subsistindo qualquer irregularidade nos leilões realizados sem intimação, em razão do princípio da legalidade disposto no art. 5º, II da CR/88.

 

            Ocorre que, entendimentos surgiram sobre a necessidade da intimação para os leilões, utilizando como fundamento o art. 39, II da Lei nº 9.514/97 que dispõe sobre a aplicação dos artigos 29 a 41 do Decreto-Lei nº 70/66 que instituiu a cédula hipotecária.

 

            O referido Decreto determina que o devedor tenha conhecimento dos leilões, conforme disposto no art. 36:

 

Art 36. Os públicos leilões regulados pelo artigo 32 serão anunciados e realizados, no que este decreto-lei não prever, de acordo com o que estabelecer o contrato de hipoteca, ou, quando se tratar do Sistema Financeiro da Habitação, o que o Conselho de Administração do Banco Nacional da Habitação estabelecer.

 

Parágrafo único. Considera-se não escrita a cláusula contratual que sob qualquer pretexto preveja condições que subtraiam ao devedor o conhecimento dos públicos leilões de imóvel hipotecado, ou que autorizem sua promoção e realização sem publicidade pelo menos igual à usualmente adotada pelos leiloeiros públicos em sua atividade corrente.

 

             Neste contexto, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no âmbito do Decreto-Lei nº 70/66 é pela necessidade de intimação do devedor acerca da data da realização do leilão extrajudicial, devendo, por conseguinte, para aqueles que aplicam subsidiariamente o Decreto às lacunas da Lei nº 9.514/97, também ser aplicado à alienação fiduciária, permitindo à parte devedora que realize o pagamento integral do débito até a assinatura da ata de arrematação.

 

            Com a recente alteração da Lei nº 9.514/97, foi esclarecida a intenção do legislador ao se aplicar o Decreto-Lei nº 70/66 apenas para os contratos que tivessem garantia hipotecária, não se aplicando o mesmo àqueles garantidos por alienação fiduciária.

 

            A Lei nº 13.465/17 também estabeleceu expressamente a necessidade de se realizar a comunicação dos devedores fiduciantes, incluindo o §2º-A ao art. 27 da Lei nº 9.514/97:

 

§ 2º-A.  Para os fins do disposto nos §§ 1o e 2o deste artigo, as datas, horários e locais dos leilões serão comunicados ao devedor mediante correspondência dirigida aos endereços constantes do contrato, inclusive ao endereço eletrônico. 

 

 

            Dessa forma, a lei prevê a necessidade de envio de correspondência informando os dados do leilão ao endereço dos devedores que conste no contrato, podendo inclusive ser enviada referida comunicação ao endereço eletrônico de modo a oportunizar a recompra do imóvel, conforme disposto no art. 27, §2º-B.

 

            Contudo, ainda temos algumas lacunas, como por exemplo, se será necessário recebimento pessoal e como se dará a comprovação da comunicação.

 

 

 

 

4. UTILIZAÇÃO DO PROCESSO JUDICIAL COMO MEIO PROTELATÓRIO AO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES DOS DEVEDORES FIDUCIANTES

 

              Como dito alhures, a Lei nº 9.514/97 não previa que os devedores fiduciantes deviam ser intimados quando da realização do leilão.

 

Entretanto, diante da ausência de recursos financeiros para cumprir as obrigações contratuais decorrentes de um empréstimo com garantia imobiliária, boa parte dos fiduciantes optam por ingressar em juízo, objetivando a sustação ou suspensão dos leilões extrajudiciais previstos na Lei nº 9.514/97, sustentando, dentre outros argumentos, a nulidade do procedimento decorrente da ausência de tal intimação.

 

Fato é que a finalidade da intimação da parte devedora acerca da designação do leilão cinge-se no sentido de permitir que essa efetue a quitação do débito que culminou na consolidação da propriedade do bem em nome do credor fiduciário, e neste ato, assegure o direito de reaver a propriedade do imóvel em questão.

 

Não obstante, o que se verifica em algumas situações processuais é que os devedores vêm utilizando-se do Poder Judiciário como forma de protelar o cumprimento de suas obrigações, bem como dificultar o exercício da retomada de crédito por parte do credor fiduciário, ante a ausência efetiva de recursos para saldar o débito, mesmo estes sendo sabedores da data de realização de tais leilões, sob o argumento de que não foram intimados previamente.

 

Assim, considerando que os devedores fiduciantes acionam o Poder Judiciário objetivando a aplicação em analogia ao previsto no Decreto-Lei nº 70/66, alegando a necessidade da intimação pessoal desses para a realização dos leilões extrajudiciais previsto pela Lei nº 9.514/97; equânime seria que o Judiciário também aplicasse, analogicamente, as disposições do CPC/15 ao processo de intimação dos leilões da Lei nº 9.514/97.

 

 

 

 5. APLICAÇÃO DO CPC/15 NAS LACUNAS DA LEI Nº 9.514/97

 

             A legislação aplicável à alienação fiduciária de bens imóveis em garantia não deve ser interpretada isoladamente, tendo sempre que observar os princípios balizadores do nosso ordenamento jurídico.

 

            Nas palavras de Marcus Vinicius Rios Gonçalves (2011, p. 52), “o juiz deve partir do texto legal, mas não deve ficar restrito a ele, antes, deve compreendê-lo à luz do sistema jurídico, buscando alcançar a finalidade com que a norma foi editada”.

 

Como bem adverte Karl Engisch:

 

Na minha opinião, na determinação das ‘lacunas’ não nos podemos efetivamente ater apenas à vontade do legislador histórico. A mudança das concepções de vida pode fazer surgir lacunas que anteriormente não havido sido notadas e que temos de considerar como ‘lacunas jurídico-políticas. (ENGISCH, 1999, p. 95)

 

 

Dessa forma, em decorrência da omissão dos dispositivos, faz-se necessária a aplicação de outras normas contextualizadas ao caso específico, sendo que, in casu, a lei processual civil, sobretudo as suas inovações quanto à forma de intimação dos leilões judiciais, adéqua-se às omissões apresentadas pela lei que regulamenta a alienação fiduciária de bens imóveis.

 

 

 

 

5.1. Da lacuna normativa quanto ao procedimento de intimação na Lei nº 9.514/97

 

 

            Conforme já tratado anteriormente, a Lei nº 9.514/97 foi alterada por meio da Lei nº 13.465 de 11 de julho de 2017 para prever que os devedores devem ser comunicados por meio de correspondência postal ou eletrônica sobre as datas, horários e locais que serão realizados os leilões.

 

             Contudo, mesmo diante da recente alteração, ainda restou sem definição a forma que será realizada esta intimação, vez que, estabelecida uma relação processual, se fará necessária sua comprovação, não obstante a lei aplicável dispor que basta a comunicação da realização das hastas.

 

Dessa forma, estamos diante de uma lacuna normativa, conceituada por Maria Helena Diniz (2002, p. 70) como “faltas ou falhas de conteúdos de regulamentação jurídico-positiva para determinadas situações fáticas, que admitem sua remoção por uma decisão judicial jurídico-integradora”.

 

Destarte, a lacuna relaciona-se diretamente ao fato do sistema não ser completo, não explicar todos os fenômenos que recaem sobre a sociedade.

 

 

 

 

5.2. Do preenchimento da lacuna por analogia

 

 

Ante a lacuna, o ordenamento jurídico determina que o que juiz irá decidir baseando-se na analogia, costumes e princípios gerais do direito, conforme disposto no art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

 

Dessa forma, ao deparar-se com uma situação não regulada por lei, deve o magistrado, primeiramente, recorrer à analogia, ou seja, aplicar ao caso, uma norma incidente em caso semelhante.

 

Conforme lembra Maria Helena Diniz, a aplicação da analogia já ocorria no direito romano e explica que:

 

O processo analógico consiste em aplicar uma disposição legal a um caso não qualificado normativamente, mas que possui algo semelhante com o fato-tipo por ela previsto. Porém, para que tal se dê deve-se considerar como relevante alguma propriedade que seja comum a ambos (DINIZ, 2002, p. 142).

 

 

            Destarte, o magistrado estende um preceito legal aos casos não abrangidos diretamente pelo mesmo, mas que são semelhantes.

 


 

5.3. Da aplicação por analogia do CPC/15 no processo de intimação dos leilões da Lei nº 9.514/97

 

 

            Verificada a existência da lacuna, passa-se a analisar os demais requisitos para aplicação da analogia, quais sejam: (i) existência de elementos semelhantes entre o caso previsto e aquele não previsto em lei e (ii) identidade de fundamentos lógico/jurídico no ponto comum às duas situações.

 

            Como amplamente exposto alhures, não há qualquer dispositivo legal que determine o procedimento de intimação do devedor fiduciante devidamente constituído em mora para o leilão extrajudicial, sendo prevista apenas a necessidade da comunicação por correspondência direcionada ao endereço residencial declarado no instrumento contratual ou endereço eletrônico acerca da data, horário e local dos leilões, fato que possibilita a aplicação dos dispositivos do Novo Código de Processo Civil pertinentes ao leilão judicial.

 

            Como elementos semelhantes às situações, temos a existência do leilão como meio de satisfação do débito de um credor, onde, não havendo pagamento voluntário do devedor em caso de execução, seja extrajudicial ou judicial, será determinada a alienação em hasta pública.

 

            Assim como na execução extrajudicial disciplinada pela Lei nº 9.514/97, o NCPC traz as regras que deverão reger a execução judicial, cabendo ao juiz, determinar o prazo, a forma de publicidade dos leilões, as condições de pagamento, as garantias e a comissão de corretagem, conforme disposto no §1º do art. 880.

 

            Ainda como semelhança, tem-se a ocorrência dos leilões em decorrência da existência de ônus reais, quais sejam, alienação fiduciária e penhora.

 

Quanto à identidade de fundamentos, vale ressaltar que temos em ambos os casos, leilões que serão realizados em decorrência de um débito, regularmente constituído, tendo, anteriormente, sido disponibilizadas outras formas de pagamento. Assim, estamos diante de situações semelhantes, onde deve ser aplicado o art. 889 do CPC/15 que determina as formas de cientificação do devedor acerca da alienação.

 

Como primeira hipótese a ser utilizada por analogia, temos que, havendo demanda judicial que envolva a discussão do contrato firmado no âmbito do SFI, ou de qualquer procedimento realizado em decorrência do mesmo, nos termos do inciso I do art. 889 do NCPC, é perfeitamente possível a intimação do devedor sobre as datas e valores dos leilões através de seu advogado constituído nos autos. Isso em razão da celeridade e economia processual, princípios norteadores do direito processual brasileiro.

 

Caso o devedor não tenha advogado constituído nos autos e não seja encontrado no endereço constante do processo para que se efetive a comunicação exigida pela lei, certa é a possibilidade de considerar que a intimação estará efetivada pelo próprio edital de leilão, conforme disposto no parágrafo único do art. 889 do NCPC, abaixo transcrito:

 

Parágrafo único. Se o executado for revel e não tiver advogado constituído, não constando dos autos seu endereço atual ou, ainda, não sendo ele encontrado no endereço constante do processo, a intimação considerar-se-á feita por meio do próprio edital de leilão. (grifou-se)

 

 

            Certo ainda, é que a Lei nº 13.105/15 (CPC) trouxe como base, a instituição dos meios eletrônicos como forma de efetivar o princípio da celeridade processual. Em decorrência da informatização promovida em caráter incisivo desde meados de 2000, com a instituição do processo eletrônico e da informatização dos cartórios, não é mais possível obstar que procedimentos eletrônicos sejam incorporados a fim de agilizar os trâmites necessários para obtenção de direitos ou cumprimento de obrigações.

 

            A realização da intimação por meio eletrônico em nada prejudica o fiduciante, ao contrário, vez que o mesmo consegue obter a referida informação de modo mais célere, possibilitando a obtenção de recursos para poder participar das hastas públicas, exercendo seu direito de preferência na recompra do imóvel, caso seja de seu interesse. Ademais, certo ainda é que há a redução das despesas que incidirão no valor do 2º leilão, nos termos do art. 27, §2º da Lei nº 9.514/97, o que representa mais um benefício ao fiduciante com a referida prática. Tanto é esse o entendimento, que a Lei nº 13.465/17, reconheceu a possibilidade de se realizar a comunicação sobre os leilões por meio de correspondência enviada ao endereço eletrônico do fiduciante.

 

            O art. 319, II do NCPC determina como requisito da inicial a indicação do endereço eletrônico do autor para que as intimações processuais possam ser realizadas, nos termos do art. 270 do CPC, fato que legitima o envio de comunicações pela parte adversa.

 

            Assim, certo é que, comprovado o envio de e-mail com as informações dispostas no art. 27, §2º-A da Lei nº 9.514/97, para o mesmo endereço eletrônico que os fiduciantes recebiam os boletos e/ou comunicações de cobrança, ou para o e-mail disposto na inicial em caso de haver uma demanda judicial, não há falar-se em qualquer nulidade do procedimento, sendo integralmente cumpridas as exigências legais.

 

 

 

 

6. CONCLUSÃO

 

 

É importante destacar que há quase vinte anos o instituto da Alienação Fiduciária tem contribuído de maneira sistemática para evolução e sustentação do Crédito Imobiliário no país.

 

Neste sentido, o presente artigo objetiva trazer a todos, uma reflexão inicial acerca das práticas, entendimentos doutrinários e jurisprudenciais que podem ensejar a inviabilização ou, até mesmo, a aniquilação do instituto associado a um possível retrocesso ao Sistema de Financiamento Imobiliário, diante do eventual engessamento do procedimento.

 

Tendo em vista que a finalidade precípua da intimação prévia acerca da realização dos leilões possui o fim exclusivo de cientificar os devedores do ato de alienação extrajudicial, e, uma vez que o devedor distribui determinada demanda questionando a repisada intimação, não se pode olvidar que este não tenha ciência de tal ato ou, ainda, que não lhe tenha sido oportunizada a faculdade de exercer o direito de quitação integral do débito após a consolidação da propriedade.

 

Nessa linha de ideias, tem-se que até mesmo em homenagem ao princípio da economia processual, uma vez que haja demanda judicial arguindo a nulidade ou objetivando a sustação dos leilões extrajudiciais designados nos termos do art. 27 da Lei nº 9.514/97 ou a revisão de cláusulas de contratos firmados no âmbito do SFI, analogicamente, e com fincas no art. 889 do NCPC, deve restar autorizado pelo juízo a intimação do devedor sobre as datas dos leilões através do respectivo advogado constituído nos autos; e, na hipótese de o devedor não ter advogado constituído nos autos e/ou não seja encontrado no endereço constante da inicial, que este reste intimado através da publicação do próprio edital de leilão, o qual deverá ser acostado ao processo judicial; por fim, em conformidade com os preceitos norteadores do NCPC, que a comprovação do envio de comunicação ao e-mail constante nos autos ou àquele que o fiduciante declarou, de maneira expressa, como meio adequado e válido para o recebimento de comunicações diversas, seja considerada suficiente para reconhecer a validade da intimação.

 

 

 

 

7. REFERÊNCIAS

 

 

CHALHUB, Melhim Namem. Negócio Fiduciário. 4. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.

 

DINIZ, Maria Helena. As lacunas no direito. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

 

 

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002.

 

 

ENGISCH, Karl. As lacunas do direito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

 

 

GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

 

 

GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2011.

 

 

NEGRATO, Gustavo Scudeler. Alienação fiduciária em garantia de bem imóvel: uma análise comparada. Dissertação Mestrado em Direito. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010.

 

 

 


[1] Advogada Especialista em Direito Imobiliário e pós-graduanda em Direito de Empresa pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2017).

[2] 2 Advogada Especialista em Direito Imobiliário.

 

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