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VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE DO JUIZ QUANDO ESTE DECRETA DE OFÍCIO A PRODUÇÃO DE PROVA


Autoria:

Rick Ferreira Ramos Mazzinchy


Funcionário do Público. Curso de Direito, faculdade Izabela Hendrix.

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Resumo:

Esta monografia tem por escopo analisar os problemas jurídicos, decorrentes dos poderes conferidos ao magistrado, no que diz respeito a produção de provas de ofício dentro do processo penal.

Texto enviado ao JurisWay em 11/11/2017.



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SUMÁRIO

 

INTRODUÇÃO

CAPÍTULO I – Princípios Processuais Penais Relativos ao Tema

1.1. Estado Democrático de Direito

1.2. Conceitos e Noções Gerais

1.3. Princípio do Devido Processo Legal

1.4. Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa

1.5. Princípio da Paridade de Armas

1.6. Princípio da Presunção de Inocência

1.7. Princípio do In Dubio Pro Reo

1.8. Princípio da Verdade Real

1.9. Princípio da Imparcialidade do Juiz

 CAPÍTULO II – Sistemas Processuais Penais Existentes

2.1. Acusatório

2.2. Inquisitório

2.3. Misto

2.4. Sistema Processual Penal Adotado Pelo Ordenamento Jurídico Brasileiro

 CAPÍTULO III – Juiz Imparcial no Sistema Processual Penal Brasileiro e a Falsa “Verdade Real”

 CAPÍTULO IV – A Problemática do Art. 156, I do CPP em Relação ao Ônus da Prova e a Violação de Certos Princípios

CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


INTRODUÇÃO

 

 

 

O ordenamento jurídico brasileiro é composto por diversas normas e princípios, além da aplicação de doutrinas e jurisprudências que buscam salvaguardar os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.

 

No que diz respeito ao direito processual penal brasileiro, cada princípio que é aplicado visa proteger o indivíduo contra possíveis abusos por parte do Estado, uma vez que, este, em tese, é a parte com maiores recursos e poderes em confronto com o particular.

 

Buscando essa proteção, quando o tema se refere a garantia e a aplicabilidade do sistema processual penal adotado no Brasil, um importante princípio praticado é o da imparcialidade do juiz. Isso sobrevém da necessária separação entre a acusação, defesa e o órgão julgador.

 

A Constituição da República de 1988, ao prever o dever do juiz de ser imparcial dentro do processo, deixou claro que não há o que se falar em ação do magistrado como parte no processo. Contudo, há algumas normas dentro do Direito que acabam por contrariar a obrigação apenas julgadora do magistrado, dando lhe poderes que deveriam ser conferidos apenas as partes litigantes.

 

No momento em que se concede ao magistrado a capacidade de agir de ofício na produção de prova dentro do processo penal, poderão ser gerados infortúnios decorrentes da falta de imparcialidade, ocasionando o evidente desequilibro da balança, pois dar-se-á maior poder ao Estado, que, por natureza, já possui meios mais expressivos do que o indivíduo.

 

O primeiro capítulo foi eleborado com o objetivo de demonstrar, de forma clara e objetiva, alguns dos principais princípios relativos ao tema apresentado, que iram facilitar no processo de entendimento do presente trabalho. Além disso, foi feito um breve apontamento referente ao Estado democrático de direito, demonstrando um pouco de sua evolução histórica e a importância que ele possui atualmente na sociedade.

 

Em sequência, foi essencial adentrar no estudo dos sistemas processuais penais existentes, quais sejam: acusatório, inquisitório e misto. São estes sistemas que demonstrarão a forma pela qual o processo penal será aplicado e se haverá separação ou não das funções de acusação, defesa e julgamento.

 

Após estudo dos sistemas processuais apresentados, além da Constituição da República de 1988 e o Código de Processo Penal, foi possível realizar uma análise de qual desses sistemas processuais seria o recepcionado pela Carta Magna e pela doutrina majoritária.

 

No terceiro capítulo, verificou-se a importância de salientar a relevância da preservação do princípio da imparcialidade do juiz para que o sistema processual penal adotado pelo ordenamento jurídico pátrio, fosse preservado. Não obstante, foram apresentados apontamentos críticos, através de levantamentos bibliograficos, com relação a “busca pela verdade real”.

 

E por fim, no quarto capítulo, foi apresentada uma discursão doutrinaria, foco do presente trabalho, por conta da alteração no art. 156 do Código de Processo Penal, através da lei nº 11.690, de 2008, que veio inserir incisos que proporcionam poderes característico do sistema inquisitório, contrariando o sistema que foi recepcionado pela CR/88. Isso porque, como poderá ser observado, essa inclusão poderá acarretar em violações de certos princípios além da própria Carta Magna.

 

Diante do apresentado, o estudo busca demonstrar os problemas acarretados pela parcialidade do magistrado no momento em que este age de ofício, decretando a produção de provas dentro do processo penal, além de analisar os sistemas processuais penais, bem como alguns princípios adotados como forma de garantir a capacidade do acusado de se defender em face de quaisquer crime que lhe possa ser de imputado.

 


I - PRINCÍPIOS PROCESSUAIS PENAIS RELATIVOS AO TEMA

 

 

 

1.1. Estado Democrático de Direito

 

 

 

Antes de entrar na definição de Estado Democrático de Direito, é fundamental a apresentação de um breve apontamento histórico.

 

Anteriormente à criação do Estado de Direito ou do Estado Democrático de Direito, as decisões relativas ao Estado eram tomadas pelo governante da maneira como esse bem entendesse, de forma que não havia qualquer controle, aplicando sua vontade arbitrariamente.

 

Posteriormente a esta fase, houve o surgimento do chamado Estado de Direito, onde Sylvio Motta (2012, p. 115) palestou que:

 

 

 

Com o Estado de Direito, instala-se o império da lei. O poder do governante não é extinto, mas sua discricionariedade, agora, verga-se ao princípio da legalidade, pelo qual é a lei o único instrumento legítimo para instituir direitos e obrigações, vinculando a todos, inclusive e principalmente os governantes.

 

 

 

Desse modo, observa-se que o Estado de Direito tinha por base a aplicação do princípio da legalidade, ou seja, mesmo o governante sendo detentor do poder, todas as suas decisões deveriam ser pautadas na legalidade.

 

Sobrevém que, no decorrer do tempo, o Estado de Direito tornou-se obsoleto, dando origem ao Estado Democrático de Direito.

 

Em relação ao Estado Democrático de Direito, Sylvio Motta (2012, p. 115) exprimiu que:

 

 

 

[...] se considera a lei não só pelo ângulo formal, mas também pelo material, reconhecendo-se a legalidade tão somente daquelas que apresentarem conteúdo democrático, em conformidade com os interesses e as aspirações do povo.

 

 

 

À vista disso, constata-se que o Estado Democrático de Direito, como próprio nome sujere, tem por pilar a democrácia, por conseguinte sua finalidade garantir os interesses e necessidades oriundas da nação.

 

 

 

 

 

1.2. Conceitos e noções gerais

 

 

 

Os princípios são entendidos como “diretrizes imprescindíveis à configuração do Estado, determinam-lhe o modo e a forma de ser.” (LAMMÊGO BULOS, 2014, p. 506).

 

Vale salientar que, “princípio jurídico é um valor, uma diretriz que orienta a aplicação do Direito.”. Nessa acepção, observa-se que os princípios tem por objetivo dar direcionamento no sentido da aplicação da norma, tendo por característica uma “linguagem mais genérica, abstrata, o que possibilita sua aplicação a uma infinidade de situações” (SYLVIO MOTTA, 2012, p. 105).

 

Assim, princípio possui grande abrangência dentro do direito, se diferenciando das normas por possuirem características geais e abstratas. Vale salientar a capacidade de aplicação de mais de um princípio dentro do mesmo caso ou evento

 

Na pesperctiva do direito processual penal, os princípio são aplicados da mesma forma que em matéria constitucional. Isto pois, sua caractéristicas basicas se mantém, quais sejam a amplitude, abrangência e aplicabilidade em diversos casos.

 

Em relação aos princípios do processo penal, os autores Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar (2014, p. 60) em sua obra, explicam que:

 

 

 

[...] os princípios que irrigam a nossa disciplina são fundamentais, muitos deles encontrando respaldo expresso na própria Constituição da República. Os princípios não estão no sistema em um rol taxativo. Em verdade, diante da atividade do jurista para a construção da norma jurídica, serão possíveis aplicações que evidenciem tanto princípios constitucionais expressos como princípios constitucionais decorrentes do sistema constitucional.

 

 

 

Portanto, a observância e o respeito à aplicação dos princípios, principalmente em matéria penal, é de suma relevância, uma vez que tornam-se meios essenciais para garantir que não haja arbitrariedades por parte do Estado, contudo mantendo a capacidade correcional e punitiva.

 

 Isto posto, é de evidente importância a análise de alguns dos princípios que são aplicados ao processo penal, como segue.

 

 

1.3. Princípio do Devido Processo Legal

 

 

 

O princípio do devido processo legal está descrito na Constituição da República de 1988, mais especificamente em seu artigo 5º, inciso LIV, cuja redação expõe que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;”.

 

Conforme Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar (2014, p. 75),

 

 

 

[...] é necessário que a reprimenda pretendida seja submetida ao crivo do Poder Judiciário, pois nulla poena sine judicio. Mas não é só. A pretensão punitiva deve perfazer-se dentro de um procediemtno regular, perante a autoridade competente, tendo por alicerce provas validamente colhidas, respeitando-se o contraditório e a ampla defesa.

 

 

 

Desse modo, Tourinho Filho (2012, p. 70) pronunciou que, “O devido processo legal, por óbvio, relaciona-se com uma série de direitos e garantias constitucionais [...]”.

 

Vale ainda citar uma característica muito importante que foi mencionada pelo doutrinador Denilson Feitoza (2009, p. 142) nos seguintes dizeres: “o princípio do devido processo legal se irradia por todos os demais princípios processuais, pois o cumprimento dele depende da efetiva realização de todos os outros”. Ou seja, é um princípio clamente atrelado aos demais existentes.

 

Nesse sentido, para que qualquer indivíduo seja privado de sua liberdade ou sofra alguma outra modalidade de sanção penal, é primordial que o caso seja levado ao conhecimento do Poder Judiciário. Além disso, é assegurado que haja a aplicação determinados procedimentos, pelos quais  serão direcionados o processo.

 

 

 

1.4. Princípio do Contraditório e da Ampla defesa

 

 

 

Outro importante princípio aplicado ao processo penal e que também está expresso na Constituição da República é o do contraditório e ampla defesa, como observá-se: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.” (Art. 5º, LV da CF/88).

 

Quando se trata do contraditório, basicamente diz-se que “o réu deve conhecer a acusação que se lhe imputa para poder contrariá-la, evitando, assim, possa ser condenado sem ser ouvido.” (TOURINHO FILHO, 2012 p. 64).

 

Entretanto, tal entendimento pode ser considerado como ultrapassado, uma vez que atualmente, seria mais correto dizer que o supracidato princípio esta diretamente ligado ao príncipio da paridade de armas.

 

Tal junção deriva da qualidade do acusado de não apenas participar, “mas também garantiria que a oportunidade da resposta pudessse se realizar na mesma intensidade e extensão” (PACELLI, 2015 p. 43).

 

O autor supracitado, Eugênio Pacelli, ainda na p. 43, narrou mais uma característica do contráditório:

 

 

 

[...] é um dos princípios mais caros ao processo penal, constituindo verdadeiro requisito de validade do processo, na medida em que a sua não observância é passível até de nulidade absoluta quando em prejuízo ao acusado. [...] quando se tratar de violação do contraditório em relação à acusação, será necessária a arguição expressa da irregularidade no recurso, sob pena de preclusão, ainda que se cuida de nulidade absoluta.

 

 

 

Isto posto, verifica-se que é um princípio que não possui apenas uma caracteristica, devendo ser aplicado a diferentes situações no processo penal.

 

No que segue, ressalta-se que, ao contrário do contráditório que é destinado as duas partes, quais sejam acusado e acusação, a ampla defesa tem por finalidade equilibrar a balança dentro do processo penal, sendo reservada a defesa (parte teóricamente mais frágio).

 

É exatamente por isso que não resta dúvida da primordialidade do princípio da ampla defesa, já que é responsável por resguardar a garantia do acusado de se defender de forma mais abrangente possível, observando, logicamente, os limites legais.

 

 

 

1.5. Princípio da Paridade de Armas

 

 

 

Também conhecido como princípio da par conditio ou da equality of arms, o princípio da paridade de armas, como o próprio nome sujere, é a garantia que o acusado e a acusação tenham acesso e direito a utilização das mesmas “armas” no processo penal. Em outras palavras, segundo Tourinho Filho (2012, p. 60), “Os direitos e poderes que se conferem à Acusação não podem ser negados à Defesa, e vice-versa”.

 

Entretanto, tal conceito não deve ser levado de maneira árdoa, posto que, em conformidade com o princípio da paridade de armas, temos o princípio da igualdade, este garantindo que os desiguais tem o direito de serem tratados de forma desigual, na proporção de sua desigualdade (NESTOR TÁVORA e ROSMAR RODRIGUES ALENCAR, 2014, p. 63).

 

Nessa linha de raciocíono, Tourinho Filho (2012, p. 60)  aponta que são exemplos de garantias exclusivas da defesa: “[...] embargos infringentes, da proibição da reformatio in pejus de que trata o art. 617 do CPP e da revisão criminal [...]”.

 

Portanto, observa-se que, a paridade de armas busca igualar as partes (acusado e acusação) dentro do processo penal, para que uma não se sobressaia em detrimento a outra.

 

 

 

1.6. Princípio da Presunção de Inocência

 

 

 

Também conhecido como princípio da situação jurídica de inocência, o princípio da presunção de inocência nada mais do que uma garantia constitucional que dá ao acusado o direito de não ser tratato como culpado sobre as acusações que lhes pesem.

 

Essa garantia vem prevista na Constituição da República de 1988, mais precisamente no Art. 5º, LVII, que traz os seguintes dizeres: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

 

É por esse viés que observa-se que, independente dos indícios de autoria e materialidade existentes, o acusado não poderá ser tratato como se fosse culpado, devendo ser preservada essa condiçõe até o transito em julgado da sentença penal condenatória.

 

Todavia, a Constituição da República de 1988 utiliza a palavra “culpado” e não “inocente”. É por esse motivo que vale analisar as palavras do professor Hidejalma Muccio (2000, p. 110):

 

 

 

[...] A chamada presunção de inocência na verdade implica na presunção de ausência de culpa. Assim, a ordem de recolher-se à prisão para posssibilitar o processamento do recurso não significa que o réu é considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. Desse modo, as regras decorrentes dos incisos LVII, LXVI, do art. 5º da Constituição Federal, apenas impedem que se lance o nome do réu no rol dos culpados, que se inicie a execução da pena ou que se produzam outros efeitos da condenação.

 

 

 

Portanto nota-se que o princípio da presunção de inocência impede que o acusado seja tratado como culpado, não podendo ser a ele acarretados os efeitos inerentes à condenação, como é o caso da execução da pena, por outro lado não impede que sejam aplicadas medidas cautelares para o “bom” andamento do processo, como a prisão.

 

 

 

1.7. Princípio do In Dubio Pro Reo

 

 

 

Nomeado por alguns doutrinadores como princípio do favor rei ou princípio do in dubio pro reo, este visa garantir ao acusado o benefício de que, caso o magistrato encontra-se em estado de dúvida decorrente dos fatos e provas apresentados, deverá optar pelo meio mais benéfico ao réu.

 

Nesse ponto de vista explica o doutrinador Paulo Rangel (2004, p. 34):

 

 

 

Trata-se de regra do processo penal que impôe ao juiz seguir tese mais favorável ao acusado sempre que a acusação não tenha carreado prova suficiente para obter condençação. Nesse aspecto, o princípio do favor rei se enlaça com a presunção de inocência que, como vimos, inverte o ônus da prova. O órgão que acusa é quem tem que apresentar a prova da culpa e demonstrar a culpabilidade do cidadão presumido inocente.

 

 

 

Nessa acepção, vê-se que esse princípio é decorrente do princípio da presunção de inocência pois, na insulficiência de provas produzidas pela acusação, uma pessoa presumidamente inocente não poderá ser considerada culpada, devendo o juiz absolvê-la das acusações.

 

Para reafirmar o que foi dito, lecionaram os doutrinadores Nestour Távora e Rosmar Rodrigues Alencar (2014, p. 76):

 

 

 

A dúvida sempre milita em favor do acusado (in dubio pro reo). Em verdade, na ponderação entre o direito de punir do Estado e o status libertatis do imputado, este último deve prevalecer. [...] Nesse contexto, o inciso VII do art. 386 , CPP, prevê como hipótese de absolvição do réu a ausência de provas suficientes a corroborar a imputação formulada pelo órgão acusador, típica positivação do favor rei [...]

 

 

 

De forma resumida, não havendo provas suficientes para comprovar a culpa do acusado, deve-se considerá-lo inocente.


 

1.8. Princípio da Verdade Real

 

 

 

De inicio é interessante destacar que, quando o Estado busca aplicar uma sanção penal a um índividuo, têm-se por objetivo que tal punição seja destinada ao verdadeiro infrator, de forma que não haja dúvida da autoria e materialidade, destinando a penalidade a quem realmente se deve punir.

 

Por esse ângulo, ressaltou Fernando Capez (2009, p. 24):

 

 

 

É dever do magistrado superar a desidiosa iniciativa das partes na colheita do material probatório, esgotando todas as possibilidades para alcançar a verdade real dos fatos, como fundamento da sentença. Por óbvio, é inegável que mesmo nos sistemas em que vigora a livre investigação das provas, a verdade alcançada será sempre formal [...]

 

 

 

Assim vale ressaltar que, ainda que o Código de Processo Civil de 2015, mais precisamente no artigo 374, preveja a não necessidade de comprovação dos fatos que forem incontroversos, dentro do processo penal, isso não se aplica.

 

Por esse ângulo, disse Tourinho Filho (2012, p 60): “No Processo Penal, o fenômeno é inverso, como se constata pelos arts. 209 e 156, I e II, dentre outros, pouco importando se é controvertido ou não o fato.”. Ou seja, ainda que os fatos apresentados pelas partes sejam incontrovertidos, a busca pela verdade real é o verdadeiro objetivo do processo penal, na tentativa “reconstruir” o ocorrido da forma mais correta.

 

Acontece que, como será visto de forma mais aprofundada neste trabalho, existe uma problemática com relação ao magistrado aplicar tal princípio dentro do processo penal.

 

 

 

1.9. Princípio da Imparcialidade do Juiz

 

 

 

Aqui, torna-se necessário salientar que, o magistrado, respeitando o sistema processual penal adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro, qual seja o sistema acusatório, deverá se valer da neutralidade.

 

Segundo Fernado Capez (2009, p. 20) no princípio da imparcialidade o juiz:

 

 

 

[...] situa-se na relação processual entre as partes e acima delas (caráter substitutivo), fato que, aliado à circunstância de que ele não vai ao processo em nome próprio, nem em conflito de interesses com as partes, torna essencial a imparcialidade do julgador.

 

 

 

Ainda seguindo o mesmo viés, Hidejalma Muccio (2000, p. 88) ressaltou que “Tanto no Processo Civil, como no Processo Penal, a parte tem direito a um julgamento isento, imparcial. Ao Estado compete dar a cada um o que é seu.”. Isto é, a função primordial do magistrado é aplicar a lei e garantir que cada parte tenha o que lhe é devido, sem que o julgador exerça influência sobre o processo.

 

É de suma importância enfatizar que, esse princípio tem também por objetivo garantir que o juiz não tenha quaisquer vinculos com o processo (NESTOR TÁVORA e ROSMAR RODRIGUES ALENCAR, 2014, p. 62). Nesse ponto de vista, o magistrado não deve possuir relação com as partes ou qualquer tipo de interesse relativo ao processo.

 

Sendo assim, entende-se que o magistrado ao participar do processo deverá ser isento de interesse na causa, além disso, não poderá atuar de forma a beneficiar ou prejudicar ambas as partes.

 

 

II - SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS EXISTENTES

 

 

 

Ao longo da história viu-se grandes mudanças dentro da sociedade, o que tornou necessária a aplicação do direito de forma variada, sendo adequado ao meio e ao tempo em que era praticado.

 

Seguindo essa linha, dentro do processo penal existem os sistemas processuais penais, cuja função é classificar o processo penal com relação a forma como será executado em determinado Estado.

 

A doutrina majoritára classifica tais sistemas em três, quais sejam: inquisitório, acusatório e misto.

 

Nessa linha, disse Aury Lopes Jr. (2014, p. 91) que, “Os sistemas processuais inquisitivo e acusatório são reflexos da resposta do processo penal frente às exigências do Direito Penal e do Estado da época.” Ou seja, a distinção entre os modelos ocorre por conta da forma como o processo penal foi aplicado durante a história.

 

No mesmo sentido, Paulo Rangel (2004, p. 45) definiu os sistemas processuais como:

 

 

 

[...] o conjunto de princípios e regras constitucionais, de acordo com o momento político de cada Estado, que estabelece as diretrizes a serem seguidas para a aplicação do direito penal a cada caso concreto. O Estado deve tornar efetiva a ordem normativa penal, assegurando a aplicação de suas regras e de seus preceitos básicos, e esta aplicação somente poderá ser feita através do processo, que deve se revestir, em princípio, de duas formas: a inquisitiva e a acusatória.

 

 

 

Por conta disso, torna-se importate observar as características principais de cada um deles.

 

 

 

2.1. Sistema Acusatório

 

 

 

O sistema acusatório teve sua origem no Direito grego onde a participação popular ocorria através da atuação do povo como acusação e como julgadores. (AURY LOPES JR., 2014, p. 93).

 

No direito romano, surgiu a chamada accusatio. Nesta, o papel de acusação era assumido por alguem do povo, sendo este trocado de tempos em tempos. Dessa maneira, a acusação era realizada por alguem distindo do juiz, de forma que este não acumulasse a função de acusação. (AURY LOPES JR., 2014, p. 93).

 

Como observa-se através da origem do sistema acusatório, sua principal característica esta pautada na distinção do papel do defensor, do julgador e do acusador.

 

Por esse ângulo, ressaltaram Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar (2014, p. 48) que esse modelo “tem como características fundamentais a separação entre as funções de acusar, defender e julgar, conferidas a personagens distintos.” Isto é, não será repassado a um único indivíduo ou órgão, as funções essênciais dentro do processo penal.

 

Com relação a essa característica do sistema acusatório, Paulo Rangel (2004, p. 48) exprimiu que:

 

 

 

O sistema acusatório, antítese do inquisitivo, tem nítida separação de funções, ou seja, o juiz é órgão imparcial de aplicação da lei, que somente se manifesta quando devidamente provocado; o autor é quem faz a acusação (imputação penal + pedido), assumindo [...] todo o ônus da acusação, e o réu exerce todos os direitos inerentes à sua personalidade, devendo defender-se utilizando todos os meios e recursos inerentes à sua defesa.

 

 

 

Entretanto, o sistema acusatório não se resume apenas na característica de separação das funções, uma vez que, é inerente a este sistema algumas peculiaridades cuja natureza é de grande valia ao sistema supramencionado.

 

O doutrinador, Aury Lopes Jr. (2014, p. 94) enunciou de forma clara e objetiva as características inerentes a forma acusatória, como segue:

 

 

 

a) clara distinção entre as atividades de acusar e julgar;

 

 

 

b) a iniciativa probatória deve ser das partes (decorrência lógica da distinção entre as atividades);

 

 

 

c) mantém-se o juiz como um terceiro imparcial, alheio a labor de investigação e passivo no que se refere à coleta da prova, tanto de imputação como de descargo;

 

 

 

d) tratamento igualitário das partes (igualdade de oportunidades no processo);

 

 

 

e) procedimento é em regra oral (ou predominantemente);

 

 

 

f) plena publicidade de todo o procedimento (ou de sua maior parte);

 

 

 

g) contraditório e possibilidade de resistência (defesa);

 

 

 

h) ausência de uma tarifa probatória, sustentando-se a sentença pelo livre convencimento motivado do órgão jurisdicional;

 

 

 

i) instituição, atendendo a critérios de segurança jurídica (e social) da coisa julgada;

 

 

 

j) possibilidade de impugnar as decisões e o duplo grau de jurisdição.

 

 

 

Apesar disso, a doutrina faz uma crítica com relação a uma dessas características, qual seja a de inércia do juiz, defendendo, segundo doutrinadores e também o próprio Código de Processo Penal, a concessão de poderes instrutórios ao personagem julgador.

 

Em contra partida, Aury Lopes Jr. (2014, p. 95) relatou que:

 

 

 

O mais interessante é que não aprendemos com os erros, nem mesmo com os mais graves, como foi a inquisição. Basta constatar que o atual CPP atribui poderes instrutórios para o juiz, a maioria dos tribunais e doutrinadores defende essa “postura ativa” por parte do juiz (muitas vezes invocando a tal “verdade real”, esquecendo a origem desse mito e não percebendo o absurdo do conceito), proliferam projetos de lei criando juízes inquisidores e “juizados de instrução” etc.

 

 

 

Nessa medida, em poucas palavras o supracitado doutrinadou deixou claro o problema relativo à outorga de poderes instrutórios ao juiz, podendo provocar um retrocesso.

 

Por fim, observa-se que apesar do modelo acusatório ser o mais adequado a atualidade, há aspetos a serem questionados.

 

 

 

2.2. Sistema Inquisitório

 

 

 

O sistema inquisitório teve inicio mais precisamente no século XIII, vindo sobrepor o antigo sistema acusatório. Dessa forma, o sistema inquisitório se manteve até o século XVIII.

 

Segundo Aury Lopes Jr. (2014, p. 97), essa substituição ocorreu devido aos:

 

 

 

[...] defeitos da inatividade das partes, levando à conclusão de que a persecução criminal não poderia ser deixada nas mãos dos particulares, pois isso comprometia seriamente a eficácia do combate à delinquência. Era uma função que deveria assumir o Estado e que deveria ser exercida conforme os limites da legalidade. Também representou uma ruptura definitiva entre o processo civil e penal.

 

 

 

Diante dessa manifestação do supramencionado autor, deixa-se evidente a principal característica do sistema acusatório: a centralização dos poderes em um único indivíduo.

 

Nesse seguimento, Denilson Feitoza (2009, p. 61) palestrou que “o sistema inquisitivo correspondia à concepção de um poder central absoluto, com a centralização de todos os aspectos do poder soberano (legislação, administração e jurisdição) em uma única pessoa”.

 

Nesse sistema, o juiz era quem acusava, defendia e julgava. Esta forma é claramente ineficiente e contrária aos princípios atuais, contudo para a época, foi o meio encontrado como forma de combater a criminalidade, retirando os poderes das mãos dos particulares.

 

Nessa perspectiva, Paulo Rangel (2004, p. 46) disse:

 

 

 

O Estado-juiz concentrava em suas mãos as funções de acusar e julgar, compromentendo, assim, sua imparcialidade. Porém, à época, foi a solução encontrada para retirar das mãos do particular as funções de acusar, já que este só o fazia quando queria, reinando, assim, certa impunidade, ou tornando a realização da justiça dispendiosa.

 

 

 

Portanto, esse sistema demonstra como principal característica o agrupamento das funções no processo, contudo, nessa modalidade, impera vontade do magistrado pois este, dotado de todos estes poderes, julgava com base nas proprias provas que ele mesmo produzia, tonando-se totalmente parcial.

 

Nesse ponto de vista, exteriorizou Paulo Rangel (2004, p. 46):

 

 

 

No sistema inquisitivo, o juiz não forma seu convencimento diante das provas dos autos que lhes foram trazidas pelas partes, mas visa convencer as partes de sua íntima convicção, pois já emitiu, previamente, um juízo de valor ao iniciar a ação.

 

 

 

Além disso, outras características são próprias do sistema inquisitivo, são elas (RANGEL, Paulo. 2004, p. 46):

 

 

 

a) três funções (acusar, defender e julgar) concentram-se nas mãos de uma só pessoa, iniciando o juiz, ex officio, a acusação, quebrando, assim, sua imparcialidade;

 

 

 

b) o processo é regido pelo sigilo, de forma secreta, longe dos olhos do povo;

 

 

 

c) não há o contraditório nem a ampla defesa, pois o acusado é mero objeto do processo e não sujeito de direitos, não se lhe conferindo nenhuma garantia;

 

 

 

d) o sistema de provas é o da prova tarifada ou prova legal [...] e, consequentemente, a confissão é a rainha das provas.

 

 

 

Dessarte, ao observar tais características, percebe-se que o sistema inquisitório era bastante arbitrario e oposto ao práticado atualmente.

 

 

 

2.3. Sistema Misto

 

 

 

O sistema processual penal misto teve inicio em meados do século XIX, baseado no código criminal francês, o Code d’instruction criminelle, do ano de 1808, que cresceu pela Europa devido a difusão de ideias da Revolução Francesa e também por conta da denominação napoleônica (FEITOZA, Denilson. 2009, p. 62).

 

Ainda relacionado a história do sistema processual misto, o doutrinador HIdejalma Muccio (2000, p. 65) palestrou que:

 

 

 

Esse processo de tipo misto se espalhou por quase toda a Europa continental. Sofreu, no entanto, no próprio século em que surgiu, sérias modificações, cedendo-se à tendÊncia liberal da época que exigia fossem aumentadas as garantias do réu. Na própria França, com a Lei Constrans, de 8.12.1897, ao acusado passou-se a assegurar o direito de defesa no curso da instrução preparatória. Antes, porém, a acorrente liberal já havia propiciado mudanças nos Códigos europeus, como o norueguês, o alemão e o austríaco. Essa tendência, na França, perdurou até 193. De 1935 pra cá, cedeu lugar à tendência autoritária. Restaurou-se, com isso, o processo de tipo misto na forma como surgiu, que domina hoje na França e várias legislações da Europa. Na América Latina também é observado, como ocorre na Venezuela, com o Código de Enjuiciamiento Criminal.

 

 

 

Assim constata-se que, conforme vista acima, o sistema processual misto ainda perdura, existindo com mais incidencia no ordenamento jurídico europeu, apesar de presente em países da América Latina como a Venezuela.

 

O sistema misto possui essa denominassão pois trouxe consigo caractéristicas dos sistemas acusatório e inquisitório. Ele é dividido em duas fases: Instrução preliminar e judicial.

 

Acerca dessa divisão, narraram Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar (2014, p. 48):

 

 

 

Caracteriza-se por uma instrução preliminar, secreta e escrita, a cargo do juiz, com poderes inquisitivos, no intuito da colheita de provas, e por uma fase contraditória (judicial) em que se dá o julgamento, admitindo-se o exercício da ampla defesa e de todos os direitos dela decorrentes.

 

 

 

Logo, no sistema misto não há apenas uma fase, cuja divisão manteve os poderes inquisitórios do juiz (na primeira fase), entretanto foram conferidos ao acusado o direito a ampla defesa e contraditório (na segunda fase), além das demais garantias.

 

De forma bem explicativa, Paulo Rangel (2004, p. 51) explanou sobre as características do sistema processual misto, como segue:

 

 

 

a) a fase preliminar de investigação é levada a cabo, em regra, por um magistrado que, como auxílio da polícia judiciária, pratica todos os atos inerentes à formação de um juízo prévio que autorize a acusação. Em alguns países, esta fase é chamada de “juizado de instrução” (v.g. Espanha e França). Hà nítida separação entre as funções de acusar e julgar, não avendo processo sem acusação (nemo judicio sine actore);

 

 

 

b) na fase preliminar, o procediemtno é secreto, escrito e o autor do fato é mero objeto de investigação, não havendo contraditório nem ampla defesa, face à influência do procediemtno inquisitivo;

 

 

 

c) a fase judicial é inaugurada com a acusação penal feita, em regra, pelo Ministério Público, onde haverá um debate oral, público e contraditório, estabelecendo plena igualdade de direitos entre a acusação e a defesa;

 

 

 

d) o acusado, na fase judicial, é sujeito de direitos e detentor de uma posição jurídica que lhe assegura o estado de inocência, devendo o órgão acusador demonstrar a sua culpa, através do devido processo legal, e destruir este estado. O ônus é todo e exclusivo do Ministério Público;

 

 

 

e) o procediemtno na fase judicial é contraditório, assegurada ao acusado a ampla defesa, garantida a publicidade dos atos processuais regido pelo princípio da concentração, em que todos os atos são praticados em audiência.

 

 

 

Mas vale ressaltar que, apesar do sistema processual misto ser uma evolução face ao sistema processual inquisitório, ainda não pode ser considerado como o sistema processual ideal, uma vez que traz consigo caracteristicas do sistema inquisitivo, dando poderes ao magistrado de atuar na produção de prova, ou seja, deixa de cumprir o papel apenas de personagem julgador, ferindo o princípio da imparcialidade.

 

 

 

2.4. Sistema Processual Penal Adotado Pelo Ordenamento Jurídico Brasileiro

 

 

 

No que diz respeito ao sistema processual penal existente dentro do ordenamento jurídico brasileiro, encontram-se divergências dos doutrinadores com relação a qual sistema processual penal vigora no país.

 

Todavia, apesar de não haver uma unanimidade, a doutrina majoritária defende que o sistema processual penal que é aplicado ao ordenamento jurídico patrío é o acusatório.

 

Anteriormente à existência da CR/88, o Código de Processo Penal que é aplicado até hoje já existia, e por esse motivo, traz consigo diversas características do sistema inquisitório. Naquela epóca, o CPP foi elaborado à luz da segurança pública, não se preocupando devidamente com os abusos estatais em face do acusado. (EUGÊNIO PACELLI, 2015, p. 8)

 

Não obstante, com a vigência da Constituição da República do 1988, essa visão de um sistema pautado apenas na segurança pública tornou-se obsoleta, e a carta magna trouxe consigo a previsão de princípios cujo objetivo foi resgardar os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, além de adotar o sistema acusatório.

 

É nessa acepção que é possível notar que a CR/88 foi criada com o objetivo de não deixar margem para um sistema que haja um juiz autocrático, não dando ao magistrado poderes com características ilimitadas e absolutas (DENILSON FEITOZA, 2009, p. 66).

 

Nesse ponto de vista, disse Eugênio Pacelli (2015, p. 8):

 

 

 

Enquanto a legislação codificada pautava-se pelo princípio da culpabilidade e da periculosidade do agente, o texto constitucional instituiu um sistema de amplas garantias individuais, a começar pela afirmação da situação jurídica de quem ainda não tiver reconhecida a sua responsabilidade penal por sentença condenatória passada em julgado: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (art. 5º, LVII, CF).

 

 

 

Observa-se como o doutrinador Denilson Feitoza (2009, p. 65) defende nitidamente que “a Constituição da República de 1988 fundou um novo “ordenamento jurídico”, claramente estabelecendo um sistema acusatório.”

 

Seguindo essa mesma linha, Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar (2014, p. 47) discorreram:

 

 

 

[...] o sistema acusatório é o adotado no Brasil, de acordo com o modelo plasmado na Constituição Federal de 1988. Com efeito, ao estabelecer como função privativa do Ministério Público a promoção da ação penal (art. 129, I, CF/88), a Carta Magna deixou nítida a preferência por esse modelo que tem como características fundamentais a separação entre as funções de acusar, defender e julgar, conferidas a personagens distintos.

 

 

 

Assim, a Carta Magna deixa evidente que o sistema acusatório que deverá ser aplicado, existindo a separação das funções dentro do processo e respeitando dentre outros princípios, o contraditório e a ampla defesa.

 

Por outro giro, os doutrinadores que defendem a tese que o ordenamento jurídico brasileiro adota o sistema misto, baseiam sua fundamentação na existência de características do sistema inquisitório na fase do inquérito policial e somente na ação penal propriamente dita a presença de atributos oriundos do sistema acusatório.

 

Entretanto, vale ressaltar as palavras do jurista Eugênio Pacelli (2015, p. 14):

 

 

 

No que se refere à fase investigativa, convém lembrar que a definição de um sistema processual há de limitar-se ao exame do processo, isto é, da atuação do juiz no curso do processo. E porque, decididamente, inquérito policial não é processo, misto não será o sistema processual, ao menos sob tal fundamentação.

 

 

 

Outros doutrinadores que segue essa mesma linha são Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar (2014, p. 48) que em sua obra, ensinam que:

 

 

 

[...] a existência do inquérito policial não descaracteriza o sistema acusatório, pois se trata de uma fase pré-processual, que visa dar embasamento à formação da opinio delicti pelo titular da ação penal, onde não há partes, condtraditório ou ampla defesa.

 

 

 

Portanto, como observado, a fase de inquérito policial que é detentora de características inteligíveis do sistema inquisitório não pode por si só modificar o sistema processual penal brasileiro para misto. Isto porque, como bem salientado pelos doutrinadores acima citados, o inquérito policial não faz parte do sistema processual penal, sendo dito com um sistema pré-processual.

 

 

III - JUIZ IMPARCIAL NO SISTEMA PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO E A FALSA “VERDADE REAL”

 

 

 

Como foi apresentado anteriormente, ficou evidente que o intuito da Constituição da República de 1988 foi adotar o sistema acusatório. Como reforça o doutrinador Denilson Feitoza (2009, p. 65), “A Constituição Federal de 1988 fundou um novo “ordenamento jurídico”, claramente estabelecendo um sistema acusatório”.

 

Nessa perspectiva discorreu Aury Lopes Jr. (2014, p. 2013):

 

 

 

Inicialmente, não prevê nossa Constituição – expressamente – a garantia de um processo penal orientado pelo sistema acusatório. Contudo, nenhuma dúvida temos da sua consagração, que não decorre da “lei”, mas da interpretação sistemática da Constituição. Para tanto, basta considerar que o projeto democrático constitucional impõe uma valorização do homem e do valor dignidade da pessoa humana, pressupostos básicos do sistema acusatório.

 

 

 

Como visto acima, isso ocorreu não de forma explicita, mas de forma implícita, uma vez que a CR/88 possui alguns artigos cujo conteúdo apresenta características claras do sistema acusatório.

 

Essa argumentação é sustendada pelos doutrinadores com embasamento em artigos como o art. 102, I e o art. 129, I, ambos da CR/88, que tratam da separação das funções de acusação e julgamento. Além disso, artigos como o art. 5º, LIV que  diz respeito ao contraditório e da ampla defesa e art. 5º, LVII que trata da presunção de inocência, ambos também da CR/88, dentre outros.

 

Segundo a doutrina majoritária, tais artigos supramencionados da Constituição da República de 1988 reforçam a intenção implícita da adoção do sistema acusátorio.

 

Nesse sentido disseram Pedro Henrique Demercian e Jorge Assaf Maluly (2001, p. 56):

 

 

 

Em nosso país, principalmente depois da promulgação da Constituição Federal de 1988 (que revogou os chamados procedimentos judicialiformes), adota-se, em tese, um processo de estrutura acusatória. Há separação clara nas funções de acusar, defender e julgar; é garantida a igualdade de partes e a presença de um juiz imparcial. Estabelece-se, enfim, a actum trium personarum.

 

 

 

Ainda por esse viés, ressaltou Renato Brasileiro de Lima (2012, p. 06),

 

 

 

Pelo sistema acusatório, acolhido de forma explícita pela Constituição Federal de 1988 (CF, art. 129, inc. I), que tornou privativa do Ministério Público a propositura da ação penal pública, a relação processual somente tem início mediante a provocação de pessoa encarregada de deduzir a pretensão punitiva [...]

 

 

 

Ainda nesse seguimento, o professor Hidejalma Muccio (2000, p. 66) explica como se da a  separação das funções dentro do processo penal para que o sistema acolhido pela Constituição da República de 1988 seja aplicado. Referente a acusação disse:

 

 

 

[...] A acusação foi conferida a um órgão do Estado, o Ministério Público. Nos crimes de ação penal pública a iniciativa é do Ministério Público. Excepcionalmente, o ofendido ou seu representante legal podem iniciar processo de ação penal.

 

 

 

Com relação a função do juiz disse que (2000, p. 66):

 

 

 

A função de julgar foi assegurada aos Juízes de Direito, que são permanentes e aos Juízes de Fato (Populares), no caso do Tribunal do Júri, que são transitórios, atualmente com competencia só para os crimes dolosos contra a vida, consumados ou tentados.

 

 

 

No tocante a defesa enunciou (2000, p. 66):

 

 

 

A defesa é plena e exercida por órgão técnico, com conhecimento específico. Só assim se tem presente o contraditório que pressupõe igual capacitação das partes. Por isso, para se opor ao acusador, órgão técnico que é integrante do Ministério Público, exige-se a presença de advogado para exercer a defesa do acusa.

 

 

 

Portanto, vê-se como a ideia intrínseca na criação da CR/88 foi deixar cada parte do processo responsável apenas pelo que lhe é conveniente. De forma resumida, deverá o Ministério Público atuar como órgão acusador; a defesa se ater a produção de provas que lhe for favorável; e o juiz de direito limitar-se a função de mero julgador. 

 

Nesse sentido, o magistrado não poderá torna-se parcial no processo, exercendo funções exclusivas da acusação e/ou da defesa, pois nessa medida perde-se a característica básica que é a da separação das funções dentro do processo.

 

Ensina Fernando Capez (2009, p. 20):

 

 

 

O juiz situa-se na relação processual entre as partes e acima delas (caráter substitutivo), fato que, aliado à circunstância de que ele não vai ao processo em nome próprio, nem em conflito de interesses com as partes, torna essencial a imparcialidade do julgador.

 

 

 

Dessa forma, à luz da Constituição da República, com a devida separação dos poderes, o princípio da imparcialidade do juiz é ferramenta fundamental para caracterízação do sistema processual penal acusatório.

 

Para reforçar, os doutrinadores Pedro Henrique Demercian e Jorge Assaf Maluly (2001, p. 57) ensinam que “É da própria essência do processo de estrutura acusatória a existência de um órgão judicante equidistante que assegure a presença das partes numa situação de efetiva igualdade e reciprocidade.”

 

Portanto, como observa-se, a adesão do sistema acusatório teve por finalidade, dentre outras, a existência de um órgão julgador imparcial, como forma de assegurar todas as garantias fundamentais inerentes as partes dentro do processo, se mantendo imparcial e trabalhando apenas com os meios que lhe forem apresentados.

 

Nessa acepção disse o professor Denilson Feitoza (2009, p. 66):

 

 

 

Assim, o juiz brasileiro deve recusar-se, por exemplo, a requisitar inquérito policial, imiscuir-se persecutoriamente na invetigação criminal, requisitar diligências investigatórias etc., para se reservar como verdadeiro poder jurisdicional, garantidor das regras, princípios e direitos fundamentais. Por exemplo, se houver necessidade de um mandado de busca e apreensão domiciliar, o juiz decidirá, constitucionalmente fundamentado, se o direito fundamental constitucional à privacidade (domicílio) poderá ou não ser violado, mas se um inquérito policial tiver que ser instaurado a partir de peças de informação, que o Ministério Público o faça, por ter sido traçado para isto.

 

 

 

Por outro giro, cabe salientar que, apesar da Constituição da República de 1988 pregar princípios tipicos do sistema acusatório, o Código de Processo Penal não segue a risca aquilo cuja Constituição prevê, deixando evidente a presença de artigos nos quais o conteúdo é claramente oriundo do sistema inquisitivo.

 

Assim, uma parcela da doutrina questiona a aplicação de certos artigos existentes no Código de Processo Penal, por outorgarem poderes tipicos do sistema inquisitório aos magistrados. É o caso do jurista Aury Lopes Jr. (2014, p. 214), expondo que: “[...] todos os dispositivos do CPP que sejam de natureza inquisitória são substancialmente inconstitucionais e devem ser rechaçados.”

 

Pensando por esse ângulo, nota-se que apesar da Constituição da República de 1988 ter adotado o sistema acusatório, na prática ele não é respeitado como deveria ser, principalmente em decorrência da existência do conflito entre a adesão do sistema acusatório pela Constituição de 1988 e os artigos com características do sistema inquisitório existentes no Código de Processo Penal.

 

Nesse ponto de vista o sistema acusatório no processo penal brasileiro não pode ser considerado puro, posto que, como dito acima, o Código de Processo Penal já trazia consigo artigos tipicos do sistema inquisitório. O doutrinador Fernando da Costa Tourinho Filho (2002, p. 91) salienta que:

 

 

 

[...] o nosso processo penal não é um processo penal acusatório ortodoxo. Hà uma gama de atos conferidos ao Juiz que em rigor deveriam competir às partes: requisitar inquérito, ser destinatário da representação, decretar, de ofício, prisão preventiva, conceder habeas corpus, sem provocação da parte, determinar a prova que bem quiser e entender, ouvir testemunhas além daqueles indicadas pelas partes, quebrando, assim, o princípio acusatório...

 

 

 

Como visto, o sistema acusatório presa pela separação das funções dentro do processo penal, cabendo as partes apresentarem as provas e defesas que julgarem necessárias.

 

Nesse sentido, observa-se que o material entregue ao juiz muitas vezes será falho, deficiente de provas, cuja junção delas não facilitará a recostituição do fato a ser julgado pelo magistrado.

 

Nessa perspectiva Aury Lopes Jr. (2014, p. 93) expõe os seguintes dizeres:

 

 

 

É importante destacar que a principal crítica que se fez (e se faz até hoje) ao modelo acusatório é exatamente com relação à inércia do juiz (imposição da imparcialidade), pois este deve resignar-se com as consequências de uma atividade incompleta das partes, tendo que decidir com base em um material defeituoso que lhe foi proporcionado. Esse sempre foi o fundamento histórico que conduziu à atribuição de poderes instrutórios ao juiz e revelou-se (através da inquisição) um gravíssimo erro.

 

 

 

A atuação do juiz como mero julgador é questionada, uma vez que terá que trabalhar apenas com as provas que lhe forem apresentadas, mesmo que esteja claro a osiosidade na produção das provas por parte da acusação e defesa.

 

É por este viés que alguns doutrinadores defendem a atuação do juiz agindo de ofício quando julgar necessário, com o objetivo de produzir provas com maior grau de qualidade, objetivando que a chamada “verdade real” seja alcançada.

 

Segundo os doutrinadores Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar (2014, p. 67), os defensores da busca pela “verdade real” se atém ao argumento de que:

 

 

 

O processo penal não se conforma com ilações fictícias ou afastadas da realidade. O magistrado pauta o seu trabalho na reconstrução da verdade dos fatos, superando eventual desídia das partes na colheita probatória, como forma de exarar um provimento jurisdicional mais próximo possível do ideal de justiça.

 

 

 

Em contrapartida, quando o magistrado atuar em busca dessa suposta “verdade real”, agindo de ofício no processo, requisitando a produção de provas, exigindo diligências, etc., ele assim fará sob os parâmetros do sistema inquisitivo, excluindo do acusado o direito a garantias fundamentais como é o caso da ampla defesa e do contráditório.

 

É o que diz Aury Lopes Jr. (2014, p. 214) em relação a atuação do juiz atavés de ações típicas do sistema inquisitivo, pois a atuação como mero julgador: “Não é uma qualidade pessoal do juiz, mas uma qualidade do sistema acusatório. Por isso a importância de mantê-lo longe da iniciativa probatória, pois quando o juiz atua de ofício, funda uma estrutura inquisitória.”

 

Assim, o professor Denilson Feitoza (2009, p. 65) critica a busca pela verdade real em seus dizeres:

 

 

 

O sistema inquisitivo afirma a crença absoluta de se poder atingir, por meio do processo penal, a “verdade real”, a verdade do que “realmente” aconteceu. Se o juiz atingisse essa “verdade real”, ele poderia julgar como Deus onisciente e fazer a suprema e divina justiça.

 

 

 

Aqui nota-se que o doutrinador deixa claro que, tentar buscar uma justiça através do conhecimento de uma suposta “verdade real” é algo humanamente impossível, pois não há como um indivíduo tomar conhecimento real de um fato apenas através da produção de provas posteriores.

 

Nessa continuidade, Denilson Feitoza (2009, p. 65) paletrou também que:

 

 

 

Para se atingir uma “verdade real”, “tudo” pode ser feito, qualquer meio pode ser utilizado. Nâo importa a condição humana, quando confrontada com a condição divina. Atingida a “verade real absoluta”, a suprema e divina justiça será feita, e, então qualquer meio terá valido a pena e simplesmente não poderemos ignorá-la, a verdade real absoluta!

 

 

 

Os autores Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar (2014, p. 67), relatam que muitos doutrinadores criticam a chamada “verdade real” como vê-se no seguinte trexo: “[...] a proatividade judicial na produção probatória encontra forte resistência doutrinária em razão do filtro constitucional desempenhado pela adoção do sistema acusatório, limitando a atuação do julgador [...]”.

 

Ou seja, a doutrina, de forma majoritária, questiona a atuação do magistrado como parte do processo na alegação da busca pela “verdade real”. Segundo os defensores dessa tese, para que o juiz respeite o princípio da imparcialidade, ele deverá se manter exclusivamente na função de julgador, independentemente da haver desídia na atuação das partes ou não.

 

Por esse ângulo, mostra-se como a busca pela “verdade real” pode se tornar algo um tanto quanto perigoso, acarretando no desequilibrio da balança, posto que essa pretensão de atingir a “verdade real” através do colhimento de provas no processo, pode ocasionar no desrespeito ao princípio da imparcialidade do juiz.

 

 

 

IV - A PROBLEMÁTICA DO ART. 156, I DO CPP EM RELAÇÃO AO ÔNUS DA PROVA E A VIOLAÇÃO PRINCÍPIOS

 

 

 

Antes de entrar propriamente nos conflitos que serão apresentados neste capítulo, vale discorrer sobre o conceito de ônus da prova.

 

É necessário entender de antemão que, dentro do processo penal, a prova não será considerada como uma obrigação, um dever, mas sim um ônus. Nesse sentido, percebe-se que ônus e obrigação são conceitos diversos (FERNANDO CAPEZ, 2009, p. 332).

 

Por esse ângulo, nota-se que ônus e obrigação são conceitos diferentes  e que não deverão ser confundidos, sendo o primeiro uma faculdade, uma opção, podendo ou não o titular de tal garantia utilizá-lo. Já a obrigação é algo que deverá ser cumprido, isto é, como o próprio nome diz, trata-se de uma encargo não facultativo, cujo descumprimento poderá acarretar em consequências desfavoráveis ao descupridor dessa imposição.

 

Como forma de definir essa diferença, o autor Fernando Capez (2009, p. 332) palestrou:

 

 

 

A principal diferença entre obrigação e ônus reside na obrigatoriedade. Enquanto na obrigação a parte tem o dever de praticar o ato, sob pena de violar a lei, no ônus o adimplemento é facultativo, de modo que o seu não-cumprimento não significa atuação contrária ao direito.

 

 

 

Nesse mesmo pensamento, disseram Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar (2014, p. 525):

 

 

 

O ônus da prova é um encargo atibuído à parte de provar aquilo que alega. Ademonstração probatória é uma faculdade, assumindo a parte omissa as consequências de sua inatividade, facilitando a atividade judicial no momento da decisão, já que aquele que não foi exitoso em provar, possívelmente não terá reconhecido o direito pretendido.

 

 

 

Ainda seguindo essa mesma linha de raciocínio, apesar da palavra “ônus” significar encargo, peso; quando se leva para o viés jurídico, “ônus” deverá ser entendido como um encargo destinado a parte interessada na produção de determinadas provas em benefício próprio, como forma de provar aquilo que alegou. Todavia, vale salientar que, caso ele não realize a produção das provas, somente o próprio interessado que será prejudicado, uma vez que, quando não realizar tal feito, arcará com ineficácia daquilo que alegou (RANGEL, Paulo. 2004, p. 442).

 

Como forma de facilitar o entendimento do que o Direito Processual Penal entende como um ônus, o professor Paulo Rangel (2004, p. 443) exemplificou:

 

 

 

[...] a título de exemplo, imagine que o réu tem em mãos uma carta que prova, de forma cabal, sua inocência. Porém, não a apresenta em juízo. Na esteira do pensamento tradicional, somente o réu sofrerá com o seu não fazer. Pois, o ônus, o encargo, o fardo de sofrer, possívelmente, uma condenação será seu.

 

 

 

Como bem demonstrado, ônus será sinônimo de encargo, contudo o seu descuprimento acarreta em prejuizos exclusivos a quem esse encargo seria atribuido.

 

Além disso, a doutrina majoritária leciona que as alegações feitas pela acusação, por ela deverão ser provadas. Em contra partida, as realizadas pelo acusado, deverão por ele ser comprovadas.

 

Assim disse Paulo Rangel (2004, p. 445): “[...] a posição tradicional da divisão do ônus da prova é feita entre autor e réu, sendo que à acusação entrega-se a prova dos fatos constitutivos e, ao réu, a prova de sua inocência se alega fatos extintivos, modificativos ou impeditivos.”. Ou seja, acusação e réu possuem suas próprias atribuições com relação ao ônus da prova, devendo comprovar aquilo que alegam, para tornar tal alegação eficaz.

 

Entendido o conceito de ônus da prova, é possível notar que a doutrina não inclui o magistrado no viés da produção de prova. Tal fato se da por conta da aplicação do sistema acusatório dentro do ordenamento jurídico brasileiro. Por ser assim, como já visto anteriormente no presente trabalho, o sistema acusatório tem por base a separação das funções dentro do processo e desse modo o ônus da prova recai apenas as partes interessadas (acusação/acusado), devendo o magistrado atuar apenas como mero julgador através dos fatos/provas que lhe forem apresentados.

 

Ademais, com o emprego do sistema acusatório, outros princípios como da presunção de inocência, do in dubio pro reo e da imparcialidade do juiz, tornam-se essenciais para garantir a aplicação desse sistema procesual penal adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro.

 

Todavia, apesar do sistema acusátorio garantir que tais princípios sejam respeitados, em 2008 o art. 156 do Código de Processo Penal sofreu alteração mediante redação dada pela Lei nº 11.690, além da inclusão do inciso I, que tipificou:

 

 

 

Art. 156.  A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

 

 

 

I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;    (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

 

 

 

Ao citar o referido artigo, vale analisá-lo por partes. Primeiramente, vê-se os seguinte dizeres: “A prova da alegação incumbirá a quem a fizer [...]”. Neste trecho o legislador deixou implicito que o ônus da prova deverá ficar a cargo da parte que alegar determinados fatos, cabendo a ela, caso seja de interesse, comprová-los, sob pena de ineficácia daquilo que alegar.

 

É nesse pensamento que disseram Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar (2014, p. 525):

 

 

 

A prova da alegação é incumbida a quem a fizer (art. 156, 1ª parte, CPP), e se tem indicado que a divisão do ônus da prova entre acusação e defesa levaria a que a primeira demonstrasse a autoria; materialidade (existência da infração); dolo ou culpa e eventuais circunstâncias que influam na exasperação da pena. Já a defesa estaria preocupada na demonstração de eventuais excludentes de ilicitude; de culpabilidade; causas de extinção da punibilidade e circunstâncias que venham a mitigar a pena.

 

 

 

Ou seja, nessa primeira parte do caput do art. 156, o legislador respeita o sistema acusatório, impultando o ônus da prova as partes interessadas (acusação e acusado), devendo a acusação provar os fatos constitutivos e o réu provar sua inocência caso alegue fatos extintivos, modificativos ou impeditivos (RANGEL, Paulo. 2004, p. 445).

 

Mas o caput do art. 156 não para por ai, prevendo ainda o seguinte: “[...] sendo, porém, faculdado ao juiz de ofício [...]”. Oberservando essa segunda parte do caput do art 156, percebesse que o legislador deixou claro que há uma exceção a regra, dando poderes facultativos ao juiz, podendo este agir de ofício em determinados casos.

 

Seguindo o racionício, ao fazer a leitura do inciso I do art. 156 do CPP, encontra-se aqui um grande conflito com o sistema processual penal adotado pelo ordenamento jurídico pátrio, onde este baseia-se na separação das funções, na imparcialidade do juiz; dentre outros princípios.

 

Isso ocorre pois o inciso I do art. 156 da ao magistrado os seguintes poderes de ofício no processo penal: “[...] ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;”

 

Aqui cabe questionamento. Ora o ordenamento jurídico pátrio tenha adotado o sistema acusatório, baseado na separação das funções, com respeito à princípios como: imparcialidade do juiz, in dubio pro reo, presunção de inocência, dentre outros; seria constitucional um inciso do Código de Processo Penal dar poderes ao magistrado para produzir provas de ofício?

 

Inicialmente, para começar a responder esse questionamento, vale observar as palavras do doutrinador Eugênio Pacelli (2015, p. 48) onde ele expõe duas regras específicas relativas ao princípio da presunção de inocência, em que o Poder Público deve observar em relação ao acusado, como segue:

 

 

 

[...] uma de tratamento, segundo a qual o réu, em nenhum momento do iter persecutório, pode sofrer restrições pessoais fundadas exclusivamente na possibilidade de condenação, e outra de fundo probatório, a estabelecer que todos os ônus da prova relativa à existência do fato e à sua autoria devem recair exlusivamente sobre a acusação.

 

 

 

Por essa ângulo, observa-se que o professor Eugênio Pacelli deixou bem claro que o cabe exclusivamente a acusação provar a existência do fato e de sua autoria, sendo assim, exclui desse ônus probatório o magistrato.

 

Se o ônus de provar a existência do fato e autoria cabe a acusação, esse ato de ofício por parte do magistrado na produção de prova deixa evidente a violação do princípio da imparcialidade do juiz. É humanamente impossível que o juiz requisite produção de determinada prova, sem que atue de forma parcial no processo (ou mesmo antes dele), uma vez que, fazendo tal solicitação, ponderará para um dos lados (acusação ou réu).

 

Porém, sobre essa atribuição de produção de provas por parte do juiz, e consequente violação da imparcialidade, o autor Aury Lopes Jr. (2014, p. 558) questiona:

 

 

 

É elementar que atribuir poderes investigatórios ao juiz é violar a morte a garantia da imparcialidade sobre a qual se estruturam o processo penal e o sistema acusatório, e ainda não existe qualquer possibilidade “de bom uso” de tais poderes, pois eles somente serão invocados pelos inquisidores de plantão, de quem a bondade sempre há que se duvidar.

 

 

 

São nessa palavras críticas que Aury Lopes Jr. demonstra que, não há como o magistrado utilizar o poder de produzir provas de ofício sem que vá ponderar para um dos lados, contudo fica evidente que os benefícios sempre serão para a acusação, uma vez que a violação da imparcialidade ponderará em desfavor da parte mais fraca, qual seja, o acusado.

 

O supramencionado autor vai mais além, e menciona a figura de um “juiz-ator”, figura que, segundo ele, existe em um sistema com carácteristicas inquisitórias, que em contrapartida, não deveria existir no sistema que a Constituição da República de 1988 adotou (sistema acusatório), devendo a gestão da prova ficar à cargo das partes, e o magistrado atuando no papel de “espectador”. Esse é o meio de garantir a imparcialidade e sustentar o modelo escolhido pela CR/88. (AURY LOPES JR., 2014, p. 559).

 

Ainda, observam-se as palavras dos professores Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar (2014, p. 532):

 

 

 

Não é necessário nem recomendado ao juiz, em prol do réu, atuar como verdadeiro defensor, tomando a frente da iniciativa probatória. Como na dúvida ele deve absolver o demandado, a debilidade probatória da acusação em demonstrar os elementos que caracterizam o crime, por si só militará em favor da defesa.

 

 

 

Nesses dizeres, os doutrinadores reforçam que a atuação de ofício do juiz não terá como ser benéfica ao acusado, uma vez que este já é amparado pelo princípio do in dubio pro reo. Ou seja, se o réu nada disser em sua defesa e a acusação for ineficaz na comprovação da autoria e materialidade, o acusado não poderá ser considerado culpado.

 

É por isso que a atuação do magistrado na produção de determinada prova somente servirá em benefício da acusação, pois a ineficiência desta, sob a ótica do princípio do in dubio pro reo, automáticamente deverá inocentar o acusado.

 

Portanto, énecessário que o magistado deixe por conta das partes a produção das provas, devendo se ater as que lhe forem trazidas. Assim, julgará de acordo com o elas, se mantendo imparcial a todo momento, e garantindo que os direitos fundamentais do acusado sejam resguardados.


 

CONCLUSÃO

 

 

 

Após todo o levantamento bibliográfico apresentado, foi possível notar a importância que a Constituição da República de 1988 possui no âmbito da preservação dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. Por esse motivo, ela deve ser respeitada para que o Estado Democrático de Direito se mantenha.

 

Trazendo mais especificamente para o âmbito do Processo Penal, verificou-se que a Carta Magna adotou o sistema acusatório, cujo objetivo principal foi retirar do domínio estatal o poder inquisitivo anteriormente existente, que dava margem para o cometimento de diversos abusos e injustiças.

 

Como visto, o sistema inquisitivo é algo ultrapassado, que trazia consigo, diversas características prejudicias a sociedade como um todo, uma vez que dava poderes ao magistrado, para que atuasse no processo, da forma que bem entendesse, ocasionando um evidente desequilibrio no processo penal. Esse foi o motivo pelo qual, a atual Constituição da República teve por objetivo recepcionar o sistema acusatório.

 

Embora almeja-se a correta aplicação do sistema acusatório, do respeito aos princípios aplicados ao Direito, e da devida proteção dos direitos e garantias fundamentais; foi decretada uma mudança no artigo 156, do Código de Processo Penal, através da lei 11.690 de 2008, que deu margem para o retrocesso dentro no âmbito penal. Tal modificação remeteu ao passado, dando ao magistrado poderes inquisitivos, e consequêntemente, margem para o desequilibrio na balança no processo penal.

 

Apesar do art. 156 do CPP prever que em regra, a produção de prova deverá ser feita pela parte que alegar determinado fato, os incisos desse mesmo artigo dão margem para que o juiz atue como parte do processo, determinando a produção de provas que julgar como necessárias.

 

Ficou evidente que tal alteração colabora para o incumprimento de um princípio essencial no Processo Penal, qual seja, o da imparcialidade do juiz. Isso se dá principalmente, porque esse é um princípio primordial para garantir que o sistema processual penal adotado pelo sistema pátrio seja respeitado. É o meio pelo qual, o acusado terá a garantia que seu processo seja julgado por uma figura imparcial, que irá atentar somente para as provas que lhe for apresentadas.

 

Assim, através da análise do disposto no artigo 156 do CPP e seus desdobramentos, como também de doutrinas e de jurisprudências referentes ao tema, percebeu-se que os poderes dados ao magistrado para produção de prova de ofício são completamente incompativeis com o sistema processual penal adotado pela Constituição de 1988. Portanto, nota-se que essa participação direta do magistrado é caracteristica existente no sistema inquisitório.

 

Foi possível notar também, que há uma parcela da doutrina que defende a atuação do juiz na produção de prova, quando julgar necessário, para que possa sanar dúvida referente a autoria e materialidade de deteminado crime.

 

Os defensores dessa tese a qual o magistrado deverá atuar de ofício, conforme permite o art. 156 do CPP, mediante a inércia ou ineficiência das partes, se basearam na aplicação do princípio chamado “verdade real”. Por outro giro, basta fazer uma análise básica para perceber que, atingir a verdade dos fatos através de provas é humanamente impossível, devendo o magistrato se contentar com as verdades presentes nos autos.  

 

A atuação do juiz quando age de ofício, solicitando que alguma prova seja produzida, apenas, e tão somente prejudica o acusado, que em face das demais partes no processo, já trata-se do lado mais frágio. Isso porque, se o juiz esta em dúvida quanto a autoria e materialidade do crime, teria o dever de absolver o acusado, em virtude do princípio do in dubio pro reo.

 

Por tudo apresentado, conclui-se que, o juiz deve se ater as provas que foram apresentadas pelas partes, de forma a se manter imparcial dentro do processo. Além disso, em caso de dúvida quanto a autoria e materialidade do crime, deve agir sob a ótica do princípio do in dubio pro reo e do princípio da presunção de inocência, não requisitando a produção de quaisquer prova, e devendo absolver o acusado.

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

 

 

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TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

 

 

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