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LEI Nº 11.340/2006: ANÁLISE SOBRE A POSSIBILIDADE DA APLICAÇÃO ANALÓGICA EM BENEFÍCIO DO HOMEM


Autoria:

José Italo Vasconcelos De Oliveira


Bacharel em Direito pela Faculdade Estácio de Sá de Sergipe - FaSe, Professor de Direito Penal e Processo Penal, Pós-Graduando em ciências criminais pela Estácio de Sá - FaSe, Instrutor do Curso de Formação de Vigilantes pela Escola O Infante, Aju-SE.

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Resumo:

Direito Penal. Processo Penal. Violência Doméstica e Familiar. Lei nº 11.340 de 2006. Lei Maria da Penha em Analogia ao benefício do Homem.

Texto enviado ao JurisWay em 02/11/2017.

Última edição/atualização em 22/11/2017.



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LEI Nº 11.340/2006: ANÁLISE SOBRE A POSSIBILIDADE DA APLICAÇÃO ANALÓGICA EM BENEFÍCIO DO HOMEM

 

JOSÉ ITALO VASCONCELOS DE OLIVEIRA

 

BANCA EXAMINADORA


Profª Drª Daniela Carvalho de Almeida Costa

Faculdade Estácio de Sergipe - Estácio FaSe

 

Profº Marcelo Mesquita Rocha

Faculdade Estácio de Sergipe - Estácio FaSe

 

Profº Edgar Patrocínio Junior

Faculdade Estácio de Sergipe - Estácio FaSe

 

 

 

Dedico esta monografia a paixão pelo Direito Penal.


AGRADECIMENTOS


 

Agradeço ao meu avô, Fernando dos Santos Vasconcelos (in memorian).

 

 

Agradeço aos meus pais, José Idalécio de Oliveira Filho (in memorian) e Cynthia Maria Vasconcelos de Oliveira.

 

 

À professora Daniela Carvalho de Almeida Costa, minha orientadora, pelos ensinamentos e pela dedicação a esta monografia.

 

 

À professora Hortência de Abreu Gonçalves que ofereceu a ajuda necessária à conclusão do presente trabalho.

 

 

Agradeço aos professores Antônio Márcio Fontes, América Cardoso Nejaim, Drª Cleide, Dayse Coelho, Edgar Patrocínio, Marcelo Mesquita, Pedro Durão e aos demais professores da Faculdade Estácio de Sergipe.

 

 

Aos colegas da Faculdade Estácio de Sergipe.

 

 

Aos colaboradores da Faculdade de Sergipe, especialmente, do Escritório Modelo e a equipe da Biblioteca Garcia Moreno.

 

 

 

Os vícios sufocam os homens e andam a sua volta, não lhes permitindo levantar nem erguer os olhos para distinguir a verdade. Permanecem imersos, presos ás paixões, não favorecendo um voltar-se para si próprio. Mesmo encontrando alguma paz, eles continuam sendo levados por suas ambições, não achando tranquilidade, tal como o fundo do mar que, depois da tempestade, ainda continua agitado.

 

Lucius Annaeus Sêneca, 65 a.c..


RESUMO

 

 

 

A Lei Nº 11.340/2006, conhecida popularmente como “Lei Maria da Penha”, cujo nome surgiu em homenagem a Maria da Penha, que se submeteu durante anos às agressões cometidas pelo seu esposo, tendo sofrido, duas tentativas de homicídio, ficando paraplégica. Devido à morosidade da Justiça Brasileira, o agressor só foi punido dezenove anos depois. Tal fato ensejou a responsabilização do Brasil pela violação dos Direitos Humanos e dos artigos 8° e 25°, da Convenção Americana, perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos. A norma mencionada foi entendida por vários doutrinadores e juízes como inconstitucional, motivo pelo qual tramitam no Supremo Tribunal Federal a ADC n° 19 e a ADIN nº 4424, com o objetivo de discutir a constitucionalidade da lei. Com efeito, a doutrina critica a possibilidade de aplicação analógica da lei em comento para proteger homens, posto que restaria violado o princípio da legalidade. Contrariamente, alguns juízes entendem que há ensinamento a respeito da prevalência do princípio da igualdade, fato que autoriza o emprego da Lei n° 11.340/2006 para punir não somente agressores de mulheres, como também aqueles que agem violentamente contra homossexuais, os aparentados, pessoas sem vínculo jurídico familiar no âmbito domiciliar e familiar, diante da interpretação de que o legislador, no momento da elaboração da lei, visou proteger toda relação afetiva, parental, familiar, doméstica, desde que exista uma habitualidade ou coabitação. Por conseguinte, constatou-se que não cabe o uso da analogia para a Lei Maria da Penha em relação às vítimas masculinas.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Penal. Processo Penal. Violência Doméstica e Familiar. Lei nº 11.340 de 2006. Analogia.


RESUMEN

 

 

 

La Ley N º11340/2006, conocida popularmente como "LeyMaria daPenha", cuyo nombre aparecíaen honordeMaria daPenha, que se sometiódurante añosa las agresionescometidas porsu marido, después de haber sido dosintentos de asesinato, llegando a ser parapléjico.Debido a la lentitudde los tribunales brasileños, el delincuente fue castigadosólodiecinueve años más tarde. Este hechodio lugar aresponsabilidad por la violaciónde los Derechos Humanosde Brasily los artículos 8y 25 °de la Convención, ante la CorteInteramericana deDerechos Humanos.La regla anteriorseen-tiende por muchos estudiososy los juecesde inconstitucional, por qué proceder a través delaCorte Suprema deADCN º 19 yADIN N º4424,con elobjetivopara discutirla constitucionalidad dela ley.En efecto,la doctrinacriticala posibilidad deaplicación por analogíade la ley paraproteger a los hombresen el comentario, ya quesiguen siendovioladoel principio de legalidad. Por el contrario,algunos juecescreen quenola enseñanzaacerca de la prevalenciadelprincipio de igualdad, lo que permite el uso dela Ley N º11340/2006, no sólo paracastigar a los abusadoresde mujeres, así como aquellos que actúancon violenciahacia los homosexuales, personas relacionadas conno es legalmente vinculantedentro de la casade la familiay la familia, enla interpretación de quela legislaturaen el momento deredacción de laley destinadaaproteger atoda relaciónamorosa, la familia los padres, en casa, siempre que haya una convivenciahabitual o. Por lo tanto,se encontró queno se ajusta aluso de la analogíaa la LeyMaria daPenha, en relación conlas víctimas masculinas.

PALABRAS CLAVE: Derecho Penal. Procedimiento Penal. Violencia Doméstica y Familiar. Ley 11.340 de 2006. Analogía.


SUMÁRIO

 

 

 

1 INTRODUÇÃO.........................................................................................................9

 

2 CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E

   FAMILIAR...............................................................................................................13

 

3 LEI Nº 11.340/2006...............................................................................................22

 

4 LEI Nº 11.340/2006: ANÁLISE SOBRE A POSSIBILIDADE DA APLICAÇÃO

   ANALÓGICA EM BENEFÍCIO DO HOMEM...........................................................29

 

5 CONCLUSÃO.........................................................................................................41

 

REFERÊNCIAS..........................................................................................................43


 ANEXO A - LEI N° 11.340, DE 07 DE AGOSTO DE 2006.......................47

 

1 INTRODUÇÃO

 

 

O presente estudo visa analisar a possibilidade da aplicação analógica da Lei nº 11.340, sancionada em 07 de Agosto de 2006, às vitimas masculinas e homossexuais, de violência doméstica ou familiar.

Antes, de tratar do tema, é importante ressaltar alguns aspectos históricos da mulher ao longo de diversas civilizações.

Nas eras épicas e medievais, as mulheres eram vistas apenas como objeto sexual e de procriação da espécie, onde em alguns reinos os reis colocavam em suas esposas cintos de castidade ou as trancavam em locais que não possuíam contato com ninguém e somente a libertavam quando voltavam das grandes batalhas. Também era proibido que treinassem com armas, ficando, por fim, responsáveis pelos afazeres domésticos e criação dos filhos (MARTINO, [200-], [n.p.]).

Não foi muito diferente na Roma antiga e na Grécia, sendo a mulher vista como propriedade do homem, assim, quando o seu esposo vinha a falecer a viúva passava a pertencer à família do falecido, não tinha capacidade civil, não podia adentrar no âmbito político.

No século XVI a XVIII, com as necessidades da indústria e do comércio, os interesses aumentaram, iniciando-se a era industrial. Nessa época, a mão de obra das mulheres era explorada. Enfim, ainda que mal vistas pela sociedade, podiam trabalhar e estudar.

Surgiu, então, o movimento feminista, uma luta contra o Estado por uma qualidade de vida melhor e por garantir o mínimo de igualdade, mesmo que formal.

No contexto histórico e cultural do século XX, a sociedade apresentava ideologias machistas, onde o símbolo masculino se associava à força. Nesse período, as mulheres não possuíam direitos e garantias fundamentais, como por exemplo, a liberdade de ir e vir, a capacidade civil e a participação política.

Atualmente, a violência contra a mulher é conhecida como a violência de gênero, seja na sua vida social, pública ou privada. Tal fenômeno foi reconhecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS), como um problema de saúde pública, que afeta a integridade física e mental daquela.

Vários países, inclusive o Brasil, tornaram-se signatários de tratados e convenções internacionais, visando combater o histórico de desigualdade entre a mulher e o homem, ao passo que se comprometeram a incrementar a legislação nacional. Destarte, foi criada a Lei n° 11.340/2006, para prevenir, punir e erradicar a violência doméstica e familiar contra a mulher.

Alguns operadores do direito têm criado possíveis teses defensoras da aplicação analógica da referida lei vislumbrando a proteção das vítimas masculinas de violência doméstica, embora tenha sido promulgada para beneficiar os indivíduos do sexo feminino.

Com efeito, os doutrinadores não visualizam a possibilidade de aplicação analógica da lei em comento, posto que restaria violando o princípio da reserva legal. Contrariamente, juízes vêm aplicando a analogia na Lei nº 11.340/2006, em suposto respeito ao princípio da igualdade, fato que autorizaria o emprego daquela norma para punir não só agressores de mulheres, mas também aqueles que agem violentamente contra homossexuais, os aparentados, pessoas sem vínculo jurídico familiar (considerados os amigos próximos e os agregados) no âmbito domiciliar e familiar.

Diante disso, o tema proposto se mostra relevante para os juristas, estudantes e operadores do direito, pois revela uma das preocupações atuais no âmbito processual penal, qual seja o uso da analogia na aplicação do instituto jurídico em comento.

O Capítulo 2 (Contexto Histórico-Cultural da Violência Doméstica e Familiar) abrange uma breve passagem histórica da figura da mulher desde as eras épicas e medievais, Grécia antiga e Roma até o século XXI, bem como a origem e definições das ações afirmativas e da violência de gênero.

A mulher sofreu por muitas décadas sérias discriminações e agressões, o que atualmente denomina-se violência de gênero, conceituada pela violência física e psicológica, abrangendo não somente o fator biológico, como também as raízes das relações sociais.

A violência baseada no gênero resulta em potencial ou real dano físico, sexual ou psicológico. Consideram-se todas as formas de violência exercida pelo homem sobre a mulher, independente do tipo ou grau de relação que mantêm o agressor com a vítima, podendo ser familiar, sentimental, do ambiente de trabalho ou inexistentes. Um exemplo é o femicídio, onde homens matam mulheres só por serem mulheres.

O Estado, tomando conhecimento da violência de gênero contra a mulher, adotou as ações afirmativas, medidas especiais e temporárias compulsórias, com o objetivo de eliminar todo esse quadro de desigualdade historicamente acumulado.

As mencionadas ações possuem o intuito de garantir a igualdade, não somente de oportunidades, mas também de tratamentos, uma forma de compensar perdas provocadas por discriminações decorrentes de motivos raciais, éticos e de gênero, dentre outros.

As particularidades da Lei nº 11.340/2006 foram objeto do Capítulo 3 (Lei Nº 11.340/2006), inclusive alguns conceitos e princípios do Direito Processual Penal pertinentes ao tema, como também a abordagem sobre a constitucionalidade e suas inovações.

A Lei Maria da Penha não é uma lei incriminadora, mas processual penal.

Dispõe sobre a criação de juizados especializados de violência doméstica e familiar contra a mulher, deixando de considerar como crime de menor potencial ofensivo a lesão corporal leve contra a mulher, dentre outros mecanismos processuais. Desta forma, os crimes correlatos não se submetem às leis dos juizados especiais, conhecidos como JECrims (Lei 9.099/95).

O instituto legal em comento sofre o questionamento da constitucionalidade, tramitando no Supremo Tribunal Federal a Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 19 e a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº4424.

Logo após, o Capítulo 4 (Aplicação Analógica da Lei nº 11.340/2006) demonstra o princípio da analogia no âmbito Processual Penal, definições e hipóteses do uso da analogia da Lei Maria da Penha para beneficiar as vítimas masculinas. Analisando-se, assim, os entendimentos doutrinários favoráveis ou contrários à aplicação analogia da Lei nº 11.340/2006, além das possibilidades jurídicas existentes para resguardar os homens vítimas de violência doméstica e familiar, inclusive a hipótese de criação de leis específicas.

E, por fim, no Capítulo 5 (Conclusão), foram feitas as considerações finais acerca do tema objeto desta pesquisa.

A pesquisa se realizou por meio de investigação exploratória, analítica, descritiva e explicativa, com abordagem qualitativa. Tendo exigido, primeiramente, o levantamento de fontes bibliográficas e documentais relevantes para o desenvolvimento e conclusão da presente pesquisa.

Ao estudo foram aplicados os métodos hipotético-dedutivos e comparativos, através de descrição do objeto de estudo, bem como análise comparativa dos dados, com o intuito de satisfazer as questões norteadoras.


2 CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

 

 

Primitivamente, enquanto o homem caçava e pescava, competia à mulher o desenvolvimento da agricultura, afazeres domésticos e familiares. Com o passar dos anos, o aumento populacional fez com que o ser humano passasse a desempenhar determinadas funções ou papéis, não só na esfera política, mas também nas relações familiares. Nesse contexto, o homem assumiu o poder familiar (pater familiae).

A mulher, dentro do contexto histórico, sempre foi inferior ao homem possuindo papéis secundários seja na vida social, econômica e na política. O processo histórico enfatiza as diferenças existentes entre o homem e a mulher que permanecem por muitos séculos. Desde a idade antiga até a contemporânea, o gênero era uma questão política, ressaltando a relação interpessoal de poder e hierarquia do homem.

Na Grécia antiga a mulher ocupava posição equivalente a do escravo, sentido de que tão somente estes executavam trabalhos manuais extremamente desvalorizados pelos homens livres. A mulher era excluída do mundo do pensamento, tinha somente como objetivo ser agradável companheira dos homens, enquanto que estes detinham o poder e impunham toda a sua superioridade (ALVES e PINTANGUY 1981, n.p.).

 

Em Roma, o homem detinha o poder sobre a mulher da mesma forma que sobre os filhos e escravos. (MARTINO, [200-], [n.p.]). Logo, o direito romano não proporcionava a mulher capacidade jurídica, necessitando da representação do pai ou marido. Da mesma maneira era a participação da mulher, nas entidades religiosas, carecedora de capacidade e de livre escolha.

MARQUES explica que o ensino científico e a alfabetização eram vedados às mulheres, pois as escolas ensinavam-lhes apenas técnicas manuais e domésticas, impostas de forma machista, consequentemente, a mulher possuía uma vida enclausurada, sem contato com o mundo.

Toda uma situação de inferioridade da mulher que vem desde o direito romano onde ela sequer tinha capacidade jurídica. A mulher era vista como um mero objeto. Era posse do pai enquanto menina, posse do marido enquanto jovem e se por ventura ficasse viúva passava a ser posse da família do pai do marido morto(MARQUES, 2011, [n.p.]).

 

Ainda segundo o autor acima mencionado, antes mesmo da descoberta do Brasil, a mulher era figura sem expressão nas decisões da família e da sociedade, aguardando mais de três séculos para conquistar alguns direitos.

Na Idade Média, a mulher poderia trabalhar, somente com a morte do marido, ainda que na mesma função, apesar de obter remuneração inferior. Já na Gália e na Germânia, a participação da mulher fora da esfera doméstica ocorria devido ao afastamento do homem por motivo de guerra ou de seu falecimento.

No âmbito educacional, a mulher que estudava era mal vista na sociedade, inclusive apenas uma minoria de mulheres frequentava universidades.

Segundo Gildete Nunes de Souza Martino, apesar da participação socioeconômica da mulher durante o período mencionado, elas eram vistas ainda como “o sexo frágil e indolente, especialistas em bordados e protetora da relação familiar e doméstica, sempre à espera de um cavaleiro” (MARTINO, [200-], [n.p.]).

Com o passar dos anos, entre os séculos XVI e XVIII, com as necessidades políticas e econômicas mundial, nasce o pré-capitalismo ou capitalismo comercial, devido às grandes navegações e expansões marítimas pelo continente da Europa.

O sistema de produção econômico passa por uma mudança significativa, cujo o homem começa a ser substituído pelas “máquinas”. Período que originou a Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra, caracterizada por índices de desemprego elevados, baixa renda, condições péssimas de trabalho, poluição, problemas de saúdes graves, etc., desvalorizando a mão de obra feminina.

Época em que não existia qualidade de vida, salvo quem era da nobreza, ademais, os empresários visavam apenas lucros, com mão de obra barata, preferencialmente, escolhiam os homens, pois tinham mais força e resistência para com o trabalho pesado desqualificando a classe feminina, dando ao capitalismo um novo formato, conhecido como capitalismo industrial.

No início do sistema capitalista, ocorre a desvalorização da força do trabalho da mulher, pois acarretava em rebaixamento do nível salarial geral, mas mesmo com toda dificuldade elas lutaram por décadas, tentando alcançar o mesmo nível do sexo oposto (MARTINO, [200-] [n.p.]).

 

No final do século XIX e primeira década do século XX, em meio à consolidação do modelo capitalista, as mulheres passaram a ter consciência do quanto eram exploradas pelos seus empregadores. Tal situação ensejou algumas manifestações das operárias, como as que deram origem a comemoração do Dia Internacional da Mulher, na Rússia (1913) e na Europa (1910).

As lutas pelo reconhecimento do direito ao voto e a melhoria das condições de vida e trabalho travadas pela classe feminina tiveram, em 1911, como fato notório, a morte de aproximadamente 147 mulheres em virtude de um incêndio numa indústria têxtil situada nos Estados Unidos, onde a jornada de trabalho era realizada em péssimas condições de instalações físicas e à porta fechada. Tal evento levou a líder sindical Rosa Scneiderman a organizar o funeral das operárias com a presença de 120.000 trabalhadoras para lamentar a perda e declarar solidariedade à classe (SOF, [200-] [n.p.])

Destarte, o não reconhecimento dos direitos da mulher disseminou o desejo de liberdade e realização pessoal.

Nos anos 80, favorecido pelo processo de redemocratização política que se instala na sociedade brasileira, o movimento de mulheres buscou dialogar com o Estado, cobrando a urgência de políticas com respostas institucionais de prevenção e punição praticada contra a mulher (PASINATO, 2004, n.p.).

 

Assim, a Constituição Federal estabeleceu a igualdade entre homens e mulheres de forma expressa em vários de seus dispositivos:

Art. 5º, caput - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...];

Art. 7º, XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;

Art. 183 - Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural;

§ 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil;

Art. 189 - Os beneficiários da distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária receberão títulos de domínio ou de concessão de uso, inegociáveis pelo prazo de dez anos;

Parágrafo único. O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil, nos termos e condições previstos em lei;

Art. 201, V - pensão por morte de segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, obedecido o disposto no § 5º e no art. 202;

Art. 226, § 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher;

 

A CF possui como ideologia o “Estado Fraternal”, que torna a família como o centro de um contexto histórico, como afirma Samantha Buglione, o Estado “no século XIX redescobre a família como célula fundamental garantidora na evolução das sociedades” (BUGLIONE, [200-] [n.p.]).

O Código Civil de 1916 sustentou os princípios conservadores mantendo o homem como chefe da sociedade conjugal limitando a capacidade da mulher a determinados atos como a emancipação que será concedida pelo pai, ou, pela mãe apenas no caso do pai estar morto. Vai mais além o Código Civil quando prevê, no artigo 186, que em havendo discordância entre os cônjuges prevalecerá à vontade paterna. Sendo a mulher, tratada de forma inferior, resignando-se com a situação de opressão e subordinação, devido a sua constituição física ser mais frágil(MARQUES, 2011, [n.p.]).

 

Desde 1934, a Constituição brasileira admite a igualdade de todos perante a lei, entretanto, a mulher permaneceu em condição de desigualdade. Portanto, o combate à construção social da violência contra a mulher vem, nos últimos 20 anos, em meio a diversos obstáculos socioculturais.

[...] Na segunda metade dos anos 90 a criminalização da violência contra a mulher ganhou novos elementos numa retomada do problema à luz de novos eventos no Brasil e no mundo. No contexto internacional, a construção histórica dos direitos das mulheres que havia se iniciado com a Década da Mulher (1975-85) conheceu grandes avanços. As Conferências da ONU (Viena, 1993; Cairo, 1994 e Beijin, 1995) definiram violência contra a mulher como violação de direitos humanos e enfatizaram o reconhecimento dos direitos das mulheres como direitos humanos (PASINATO, 2004, n.p.)

 

As mulheres vêm ao longo dos anos contribuindo para uma sociedade justa, próspera e equilibrada, na qual se desenha um novo papel para a mulher moderna.

[...] Ao longo das últimas décadas do século XX, as conquistas sociais femininas e no mercado de trabalho foram muitas, no entanto ainda está aquém do ideal. As mulheres têm hoje maior participação, não só no mercado de trabalho, como também nas esferas política e econômica e elas já estão mais à vontade e escolhem de forma mais livre com quem e como querem estabelecer suas relações conjugais (EUNICE, [2009] [n.p]).

 

Na perspectiva de Flávia Piovesan, “é insuficiente tratar o indivíduo de forma genérica, geral e abstrata, fazendo-se necessário a especificação do sujeito de direito”, sendo analisado por suas peculiaridades e particularidades (PIOVESAN, 2005, p. 46)

Nesse cenário, por exemplo a população afro-descendente, as mulheres, as crianças e demais grupos devem ser vistos nas especificidades e peculiaridades de sua condição social. Ao lado do direito à igualdade, surge também, como direito fundamental, o direito à diferença. Importa o respeito à diferença e à diversidade, o que lhes assegura um tratamento especial (PIOVESAN, 2005, p. 46 e 47).

 

Ao adotar o termo “ações afirmativas” abraçamos, também, o prisma histórico e sua evolução. A Declaração de 1948 inovou a ótica do Direitos Humanos, Econômico, Social e Cultural. Ademais, começa a desenvolver o Direito Internacional com acordos e tratados combinando o discurso liberal e o discurso social da cidadania, conjugando, segundo Piovesan, o valor da liberdade ao valor da igualdade (PIOVESAN, 2005, p.43 e 44)

Com isso, as Ações Afirmativas consistem na discriminação positiva. Segundo Sabrina Moehlecke “as ações afirmativas tiveram origem na década de 1960, nos Estados Unidos da América, como forma de promover a igualdade entre negros e brancos norte-americanos” (MOEHLECKE, 2002, [n.p.]).

Tais ações visam, conforme Cléve e Reck, “[...] garantir um dos princípios norteadores do Direito Constitucional, a igualdade material, bem como reduzir ou neutralizar, não somente, os efeitos de discriminação de gênero” (Cléve e Breckenfeld, [2011] [n.p.]).

Logo, as ações afirmativas configuram-se como medidas especiais e temporárias, impostas pelo Estado, com o objetivo de eliminar desigualdades historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidades e tratamentos, ou seja, uma forma de compensar condutas provocadas pela discriminação e marginalização.

[...] Em síntese, trata-se de conferir tratamento preferencial, favorável àqueles que historicamente foram marginalizados, de sorte a inseri-los em um nível de competição similar ao daqueles que historicamente beneficiaram-se da sua exclusão. Por outro lado, essa modalidade de discriminação, de caráter redistributivo e restaurador, destinada a corrigir uma situação de desigualdade historicamente comprovada, justificam-se, constitucionalmente, por sua natureza temporária e pelos objetivos sociais por ela almejados (Cléve e Breckenfeld, [2011] [n.p.])

 

Portanto, as ações afirmativas não ferem o princípio da igualdade, pois o referido princípio, consagrado pela Constituição Pátria, garante um tratamento desigual para os desiguais. Ademais, o princípio da igualdade representa um pilar da democracia moderna, imaginando uma das formas de trazer justiça à sociedade.

Porém, tais medidas devem ser impostas excepcionalmente, para provocar um comportamento social, de forma positiva, que estabeleça o mínimo legal para garantir a igualdade, superando os preconceitos e atos discriminatórios.

[...] Portanto, não há dúvida de que a Constituição de 1988 acolheu a transformação do princípio da igualdade, ou seja, a passagem de um conceito constitucional estático e negativo a um conceito dinâmico e positivo. Assim, o princípio constitucional da igualdade não representa mais um dever social negativo, mas sim uma obrigação positiva, cuja expressão democrática mais atualizada é a ação afirmativa (Cléve e Breckenfeld, [2011] [n.p.]).

 

A Lei nº 11.340/2006 é uma ação afirmativa, pois se trata de uma medida excepcional, de natureza acautelatória, com o intuito de eliminar, punir e erradicar a violência doméstica e familiar contra a mulher.

O legislador, no momento de sua elaboração, visou proteger toda relação afetiva, parental, familiar, doméstica, desde que exista uma habitualidade ou coabitação. Tal critério busca possibilitar uma reação social, tanto na mentalidade, quanto no comportamento, para que os fins almejados pela lei sejam alcançados.

Medida excepcional que beneficia a classe feminina, em razão de um vasto contexto histórico de discriminação. Segundo Flávia Piovesan, tais ações encontram amplo respaldo jurídico, “seja na Constituição Federal (ao assegurar a igualdade material, prevendo ações afirmativas aos grupos socialmente vulneráveis), seja pelos tratados internacionais ratificados pelo Brasil” (PIOVESAN, 2005, [n.p.]).

Os direitos fundamentais, no Brasil, tiveram um marco histórico com art. 5º da CF/88, que expressa uma garantia da inexistência de diferenças no tratamento jurídico entre homens e mulheres, o que ocorreu com a previsão do princípio da igualdade formal, que visa à proteção geral de ambos.

Segundo Flavia Piovesan, existe a igualdade formal onde todos são iguais perante a lei, a igualdade material, conforme o critério socioeconômico e a igualdade material correspondente ao ideal de justiça social, ou seja, reconhecimento de identidade um critério de gênero, orientação sexual, raça, idade, etnia e demais critérios (PIOVESAN, 2005, [n.p.]).

As expectativas das entidades de defesa dos direitos das mulheres foram satisfeitas pela criação da Lei n° 11.340/2006, conhecida popularmente como “Lei Maria da Penha”, que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, tendo como fundamento maior o art. 226, §8°, da Constituição Federal.

O nome popular da referida Lei surgiu em homenagem a Maria da Penha, que se submeteu durante anos às agressões cometidas pelo seu esposo, sofrendo, no ano de 1983, duas tentativas de homicídio, ficando paraplégica.

Devido à morosidade da Justiça Brasileira, o agressor só foi punido dezenove anos depois. Tal fato ensejou o caso n° 12.051, protocolado na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, onde o Brasil foi responsabilizado pela violação dos Direitos Humanos e dos artigos 8° e 25°, da Convenção Americana (ALVES, 2006, s.p.).

O Brasil já havia assinado a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (Dec. 4377/2002) e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção do Belém do Pará em 1994, Dec. 1973/1996).

Estabeleceu o Decreto nº 4.377, de 13 de setembro de 2002, o qual promulgou a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres que:

Os Estados-partes na presente Convenção, considerando que a Carta das Nações Unidas reafirma a fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher, considerando que a Declaração Universal dos Direitos Humanos reafirma o princípio da não-discriminação e proclama que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos e que toda pessoa pode invocar todos os direitos e liberdades proclamados nessa Declaração, sem distinção alguma, inclusive de sexo, considerando que os Estados-partes nas Convenções Internacionais sobre Direitos Humanos têm a obrigação de garantir ao homem e à mulher a igualdade de gozo de todos os direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos, observando, ainda, as resoluções, declarações e recomendações aprovadas pelas Nações Unidas e pelas agências especializadas para favorecer a igualdade de direitos entre o homem e a mulher, preocupados, contudo, com o fato de que, apesar destes diversos instrumentos, a mulher continue sendo objeto de grandes discriminações, relembrando que a discriminação contra a mulher viola os princípios da igualdade de direitos e do respeito da dignidade humana, dificulta a participação da mulher, nas mesmas condições que o homem, na vida política, social, econômica e cultural de seu país, constitui um obstáculo ao aumento do bem-estar da sociedade e da família e dificulta o pleno desenvolvimento das potencialidades da mulher para prestar serviço a seu país e à humanidade, em situações de pobreza, a mulher tem um acesso mínimo à alimentação, à saúde, à educação, à capacitação e às oportunidades de emprego, assim como à satisfação de outras necessidades, convencidos de que o estabelecimento da nova ordem econômica internacional baseada na equidade e na justiça contribuirá significativamente para a promoção da igualdade entre o homem e a mulher [...]

Convencidos de que a participação máxima da mulher, em igualdade de condições com o homem, em todos os campos, é indispensável para o desenvolvimento pleno e completo de um país, o bem-estar do mundo e a causa da paz, tendo presente a grande contribuição da mulher ao bem-estar da família e ao desenvolvimento da sociedade, até agora não plenamente reconhecida, a importância social da maternidade e a função dos pais na família e na educação dos filhos, e conscientes de que o papel da mulher na procriação não deve ser causa de discriminação mas sim que a educação dos filhos exige a responsabilidade compartilhada entre homens e mulheres e a sociedade como um conjunto [...]. (BRASIL, 2002, [n.p.]).

 

O Brasil promulgoua Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, concluída em Belém do Pará, em 9 de junho de 1994, por meio do Decreto nº 1.973, que busca garantir à mulher o direito à vida livre de violência, bem como “ao reconhecimento, gozo, exercício e proteção de todos os direitos humanos e às liberdades consagradas pelos instrumentos regionais e internacionais sobre direitos humanos” (ANDREUCCI, 2011, p.666).

Outrossim, foram criados novos mecanismos para o processamento e julgamento de causas relativas à violência doméstica contra a mulher, como por exemplo, os Juizados Especializados, previstos na Lei nº 11.340/2006.

A violência contra a mulher é uma violência de gênero, que consiste em “uma das formas mais preocupantes de violência, já que, na maioria das vezes, ocorre no seio familiar, local onde deveriam imperar o respeito e o afeto mútuos”. (ANDREUCCI, 2011, p.664).

O estudo desta forma de violência deu origem ao termo “femicídio”, criado por Mary Anne Warren, em 1985, e aprimorado por Jill Radford e Diana Russell, em 1992, autoras do livro Femicide: the politics of woman killing, para caracterizar o conjunto de ações insanas, bem como mutilações ou assassinatos que levem mulheres à morte, ou seja, na perspectiva do doutrinador Damásio de Jesus, corresponde ao:

[...] assassinato de mulheres por razões associadas ao seu gênero. Assumindo a forma de femicídio íntimo, não íntimo ou por conexão. O femicídio íntimo é assassinato cometido por homem com quem a vítima tinha ou teve relações íntimas, familiar, de convivência ou afim; O femicídio não íntimo é assassinato cometido por homem com quem a vítima não tinha relação íntima, familiar, de convivência ou afim. Geralmente decorre de um ataque sexual prévio. E o femicídio por conexão refere-se à mulher que foi assassinada por estar “na linha de fogo” de um homem que tenta matar outra mulher. É o caso de mulheres, meninas, parentes ou amigas que intervêm para evitar o fato, ou que simplesmente são afetadas pela ação do femicida. (JESUS, 2010, p.13).

 

Outrossim, o conceito de femicídio clareia e demonstra o caráter social e generalizado da violência baseada na inequidade de gênero enquanto produto das relações de poder entre homens e mulheres. Portanto a equidade de gênero vem promovendo, no Brasil, a igualdade de oportunidades e de tratamento entre homens e mulheres nas organizações públicas e privadas.

Ainda segundo Damásio de Jesus, com inúmeras omissões do Estado, em 1990, a Organização Mundial de Saúde reconheceu o problema de violência doméstica e familiar contra a mulher enquanto assunto legítimo de Direitos Humanos e de Saúde Pública, sendo criadas instituições que prestam apoio às mulheres vítimas, como mencionado anteriormente, acarretando, no Brasil, a criação de uma legislação específica (JESUS, 2010, p. 52)

O mesmo doutrinador afirma que o advento da Lei Nº 11.340, de 07 de agosto de 2006, que entrou em vigor no dia 22 de setembro de 2006, constituiu um avanço em sede de Direitos Humanos, tornando o Brasil o 18º país da América Latina a aperfeiçoar sua legislação sobre a proteção da mulher.

A Lei Maria da Penha é necessária, pois a violência contra a mulher a “torna integrante dos grupos vulneráveis, ao lado das crianças e adolescentes, dos idosos, que já contavam com instrumentos jurídicos específicos, quais sejam, respectivos o ECA e o Estatuto do Idoso” (ANDREUCCI, 2011, p. 665).

Com isso, o legislador, aglomerando todo esses aspectos provenientes do contexto histórico e cultural de violência doméstica e familiar contra a mulher, além do tratamento diferenciado entre homens e mulheres, decide elaborar uma lei específica com o intuito de tratar os desiguais de forma igual, punindo e erradicando qualquer discriminação ou violência dentro do seio familiar, surgindo assim, a Lei nº 11.340/2006.


3 LEI Nº 11.340/2006

 

 

A Lei n° 11.340/2006 tem como escopo fornecer os instrumentos necessários para combater a permissividade social de aceitação da violência doméstica e familiar como natural amparada pelos resquícios do pensamento de superioridade do homem e de sua autoridade na ordem familiar.

É relevante, para o presente estudo, diferenciar a violência doméstica de violência de gênero, conforme art. 5°, CF/88, onde a mulher é a principal vítima. A violência contra as mulheres é histórica, ou seja, é consequência de uma série de discriminações, com estrutura social de natureza patriarcal. Portanto, a violência doméstica e a violência de gênero são fenômenos diferentes, decorrente de causas distintas e que precisam de respostas penais autônomas.

Joan Scott, professora de Ciências Sociais no Instituto de Estudos Avançados em Princeton, historiadora e militante feminista norte-americana, afirma que “História é tanto objeto da atenção analítica quanto um método de análise. Vista em conjunto desses dois ângulos, ela oferece um modo de compreensão e uma contribuição ao processo através do qual gênero é produzido” (SCOTT, 1994, p.13 e 14).

[...] a história das mulheres tem uma força política potencialmente crítica, uma força que desafia e desestabiliza as premissas disciplinares estabelecidas, principalmente, porque este tipo de história questiona a prioridade relativa dada à “história do homem”, em oposição à “história da mulher” e desafia a competência de qualquer reivindicação da história de fazer um relato completo quanto à perfeição e à presença intrínseca do objeto desta ciência – o Homem Universal. Sua força ecoou e contribuiu para o discurso da identidade coletiva que tornou possível o movimento de mulheres da década de 1970 (SCOTT, 1994, p.81 e 83).

 

Scott apresenta uma ampla visão do que vem a ser violência de gênero:

[...] o núcleo essencial da definição repousa sobre a relação fundamental entre duas proposições: gênero é um elemento constitutivo das relações sociais, baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e mais, o gênero é uma forma primeira de dar significado às relações de poder (SCOTT, 1994, p.13).

 

Portanto, para a referida autora, a relação entre os sexos são construídas socialmente de forma desigual favorecendo o indivíduo masculino devido à noção de poder, construído durante todo o processo histórico (SCOTT, 1990: 11 e 12).

A Lei Maria da Penha esclarece diversas formas de violência doméstica e familiar, sendo a primeira, violência física, aquela que danifica ou agride a saúde corporal. A psicológica é entendida como dano emocional, que no momento da ação ou omissão do fato cause para o indivíduo, transtorno emocional ou diminuição do autocontrole que provoque prejuízo à saúde psicológica. Já a sexual, corresponde a forçar constranger ou manter conjunção carnal mediante violência, seja para comercializar, como também, de satisfação própria. Enquanto que a patrimonial demonstra uma conduta de destruição, subtração ou retenção parcial ou total dos bens da vítima. E, por fim, a moral, que configure qualquer conduta que atinja a dignidade e o decoro ou fato ofensivo à reputação.

A Lei Maria da Penha tem como objeto jurídico, segundo Damásio de Jesus, “a integridade física e a saúde física e mental da mulher”, consoante os artigos 2º, caput e 3º, §1º, “tutelando os direitos humanos da mulher em proteção a sua integridade física e mental e saúde no seio doméstico, familiar e íntimo” (JESUS, 2010, p. 55).

Nos termos do art. 5º, da Lei nº 11.340/2006, “configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer forma de violência, por ação ou omissão, baseada no gênero e praticada no âmbito da família, do convívio doméstico ou da relação íntima de afeto, ainda que ausente a coabitação, que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.

Na perspectiva do doutrinador Damásio de Jesus, podem sofrer a aplicação dos institutos da lei objeto de estudos como sujeito ativo, homens ou mulheres (JESUS, 2010, p. 58). Neste sentido, Adreucci explica que é:

[...] forçoso,concluir, portanto, que o homem quanto a mulher podem ser sujeitos ativos da violência doméstica e familiar, vez que o termo ‘agressor’ foi utilizado genericamente, abrangendo tanto o sexo masculino quanto o feminino” (ANDREUCCI, 2011, p. 670).

 

A mulher, inclusive os transexuais, excetuando-se os indivíduos travestidos, ou seja, apenas as consideradas legalmente mulher, podem ser protegidas pelas disposições da lei (JESUS, 2010, p. 58). Paralelamente:

[...] somente a mulher pode ser sujeito passivo da violência doméstica e familiar, até mesmo a transexual que fizer cirurgia de sexo e passar a ser considerada mulher no registro civil, poderá ter efetiva proteção da lei (ANDREUCCI, 2011, p. 670).

 

Impende destacar algumas peculiaridades e inovações da Lei Maria da Penha, importantes para o adequado entendimento do tema. Uma delas é a caracterização do art. 61, II, “f” do CP e de outras normas, cuja locução “na forma da lei específica” é empregada ao crime cometido no ambiente doméstico ou familiar contra a mulher, em normas penais em branco que são complementadas pelo art. 5º e 7º da Lei nº 11.340/2006 (JESUS, 2010, p.65).

Sobre a referida norma jurídica, ensina Mirabete que:

[...] se o crime de qualquer natureza constitui forma de violência doméstica e familiar contra a mulher, além das medidas protetivas de urgências de natureza civil (art. 18 a 24 da Lei nº 11.340/06) e das providencias a serem adotadas pela autoridade policial (art. 10 a 12 da Lei nº 11.340/06) devem-se observar outras normas de natureza penal e processual penal: incide a agravante genérica prevista no art. 61, II, “f”, ultima parte do CP, se ausente qualificadora correspondente, vedam-se a aplicação da pena de pagamento de cestas básicas ou outra de prestação pecuniária e a substituição por multa isolada (art. 17 da Lei nº 11.340/06); a renúncia ao direito de representação, que deve ser entendida como retratação da representação, deve ser entendida perante o juiz, em audiência especial designada para essa finalidade (art. 16 da Lei nº 11.340/06); admite-se a prisão preventiva para garantir a execução de medida protetiva (art. 42 da Lei nº 11.340/06); a competência para o processo, ressalvadas as regras especiais constitucionais e legais, é do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher ou, na inexistência deste, das varas criminais, como competência cumulativa para as questões cíveis e criminais (art. 14 e 33 da Lei nº 11.340/06); afastam-se, nas infrações de menor potencial ofensivo, a competência dos Juizados Especiais Criminais e o rito sumaríssimo disciplinado na Lei nº 9.099/95 do art. 41.(MIRABETE, 2011, 82).

 

É relevante destacar também que a Lei estabeleceu a criação dos Juizados Especiais, com competência Civil e Criminal, bem como a possibilidade de que os atos processuais se realizem em horário noturno, conforme as normas da Organização Judiciária, uma vez que tal Juizado fará parte da Justiça Comum Estadual. E ainda:

[...] tais crimes não se submetem aos dispositivos da Lei dos JECrims, pois os casos de violência doméstica não são considerados crimes de menor potencial ofensivo, ainda que haja lesão corporal leve. Não cabendo a transação e a suspensão condicional do processo. (ANDREUCCI, 2011, p. 674 e 675).

 

O art. 41 da Lei nº 11.340/2006 veda que aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, seja aplicada a Lei nº 9.099/95.

Na legislação penal brasileira, a Lei nº 11.340/2006 não pode ser considerada de disposição incriminadora autônoma, uma vez que cria novos mecanismos processuais aplicáveis ao processo penal; modifica a organização judiciária; estabelece medidas processuais acautelatórias; e altera o Código Penal, dando nova redação aos arts. 61, II. “f” e 129, § 9º, ambos do CP, visando coibir, punir e erradicar a violência doméstica no seio familiar.

Portanto, esclarece o art. 1º da lei supramencionada, que a legislação resguarda o fundamento do art. 226, §8º da CF/88, não pretendendo somente coibir e prevenir, mas estabelecer medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

Conforme a alteração do art. 129, §9 do Código Penal Pátrio, que trata da lesão corporal leve em âmbito domiciliar, antes considerada crime de menor potencial ofensivo, competindo aos Juizados Especiais Criminais processá-lo e julgá-lo conforme a Lei nº 9.099/95, passando às varas criminais a acumulação das competências cível e criminal, até que sejam criados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

Tal ocorrido se deu em virtude do aumento de pena de 6 meses e 1 ano para 03 meses a 03 anos previsto pela Lei Maria da Penha, combinando os artigos 33, parágrafo único e 41. Ou seja, a lesão corporal leve e os demais crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher não são considerados como crimes de menor potencial ofensivo, não cabendo a suspensão condicional do processo ou sursis processual.

A Suspensão Condicional da Pena é um instituto de direito penal que ao condenado, permite uma pena privativa de liberdade, evitando à execução da pena, segundo o art. 77, do CPB. Já a Suspensão Condicional do Processo é uma forma de solucionar ou evitar o início de um processo criminal, cuja pena mínima não ultrapasse 01 (um) ano, com penas alternativas, demonstrados nos artigos 5º, inciso LVII, da CF/88 c/c 89 da Lei nº 9.099/95. Sendo institutos que apresentam semelhanças, no que tange ao não cumprimento da pena, seja pela suspensão do processo ou pela suspensão que aborda a pena imposta na sentença condenatória, com o trânsito em julgado.

Portanto, resta claro, que não se aplica o sursis processual para a Lei Maria da Penha com fulcro nos artigos 33 e 41, porque o objetivo não é evitar à execução da pena, mas sim, punir o agressor com o intuito de erradicar condutas de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Logo, em conformidade com os artigos 16, 17, 25 e 41, da Lei nº 11.340/2006, não cabe a transação penal e os dois casos de suspensão não poderiam ser aplicados ao delito de lesão corporal leve decorrente de violência doméstica e familiar contra a mulher, pois há a vedação da aplicação da Lei do JECrim.

Esse não é o entendimento corroborado por Mirabete e Fabrini, posto que, em:

[...] tratando-se de lesão corporal leve, ainda que o crime seja qualificado pela violência doméstica e familiar nos termos da lei especial, a ação penal depende representação da vítima sendo possível a suspensão condicional do processo, por força do disposto nos arts. 88 e 89 da Lei nº 9.099/95. Embora o art. 41 da Lei nº 11.340/06 determine a não aplicação da lei dos Juizados Especiais, a norma não alcança os citados dispositivos, que têm caráter geral e não guardam vinculação com o conceito de infração de menor potencial ofensivo, com a competência dos Juizados Especiais Criminais ou com o procedimento sumaríssimo regulado nesse estatuto. (MIRABETE e FABRINI, 2011, 82).

 

Ação Penal é o direito de provocar o Estado, ou seja, impulsionar a jurisdição penal, para que decida o conflito conforme a prática da conduta definida em lei como crime, segundo os artigos 100 e 101, do CP. Nos crimes de violência doméstica e familiar, a ação por lesão corporal leve é considerada penal pública condicionada e para os casos mais graves ou que levem à morte, o Ministério Público intervirá.

A Lei nº 11.340/2006 foi entendida por vários doutrinadores e juízes como inconstitucional, entretanto, é caracterizada por uma ação afirmativa que:

[...] prestigia o aspecto material do princípio da igualdade ao conferir tratamento desigual aos desiguais, na medida em que mulheres são desiguais aos homens no que tange à proporção de violência doméstica sofrida, constituindo-se assim um importante fim estatal coibir esse comportamento machista de inferiorização da mulher por parte do homem, pela censura estatal ao menosprezado à mulher pelo simples fato de ser do sexo feminino, como parte da função educativa do Direito (VECCHATTI, 2008, [n.p.]).

 

Assim, tramita no Supremo Tribunal Federal a Ação Declaratória de Constitucionalidade n° 19, ajuizada pelo presidente da República para impedir a falta de aplicação da lei pelo controle difuso de constitucionalidade, cuja pretensão foi ver declarados harmônicos com a Magna Carta, os artigos 1º, 33º e 41º da Lei nº 11.340/06, in verbis:

Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

[...]

Art. 33º Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente.

[...]

Art. 41º Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.

[...] (STF, 2010, p. 2)

 

O Relator Min. Marco Aurélio, na ADC nº 19, decidindo sobre a liminar, explicou que:

Sob o ângulo da igualdade, ressalta como princípio constitucional a proteção do Estado à família, afirmando que o escopo da lei foi justamente coibir a violência doméstica e familiar contra as mulheres. No tocante à organização judiciária e aos juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher, não ocorreu a invasão da competência atribuída aos Estados, pois a União teria legislado sobre direito processual visando à disciplina uniforme do combate à violência doméstica ou familiar contra a mulher (STF, 2007, p. 02).

 

Diante disso, o STF confirmou em sede decisão liminar, a constitucionalidade da Lei Maria da Penha.

Ainda no STF, tramita a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.424 proposta pelo Procurador Geral da República, em 12 de outubro de 2010, e que aguarda julgamento. Esta possui o objetivo de afastar a aplicação da Lei nº 9.099/95 aos casos de violência contra a mulher e que aos casos de crime de lesão corporal de natureza leve ou culposa, para que sejam processados por meio de ação penal pública incondicionada, sem que a vítima apresente representação para abertura de inquérito policial, ou perante o Ministério Público.

Como fundamentos, o autor da referida ação lembrou que, no Brasil, quando não existia a legislação específica para tratar os crimes de violência doméstica e familiar contra as mulheres, considerados de menor potencial ofensivo (de lesões corporais de natureza leve), eram competentes os Juizados Especiais, conforme a Lei nº 9.099/95. Assim, a lei determinava a representação das vítimas, surgindo um processo de desestimulação por parte das vítimas violentadas em denunciar seus agressores, seja marido, companheiro ou afins, dificultando a impunidade desses agressores no âmbito de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Ademais, a Controladoria Geral da União, juntamente, com o Ministério Público Federal, alega que a Lei nº 11.340/06 possui o intuito de fortalecer o combate aos crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher. Igualmente, a norma visa à garantia de preceitos constitucionais, bem como o cumprimento de compromissos internacionais, em tratados e convenções.

Paralelamente, ao analisar a decisão do STF que negou a liminar requerida em ADC, constata-se que aquele órgão caminha para confirmar a constitucionalidade da Lei nº 11.340/2006.

Pelo fato de as referidas ações estarem tramitando no STF, alguns advogados, em favor de seus clientes, alegam a inconstitucionalidade da referida lei, forçando teses de aplicação analógica às vítimas masculinas, sendo muitas vezes acolhidas por juízes, que em suas sentenças aplicam a analogia às vítimas masculinas. Tais entendimentos serão analisados no tópico abaixo, contrapondo-se às teses doutrinárias.


4 APLICAÇÃO ANALÓGICA DA LEI Nº 11.340/2006 EM BENEFÍCIO DO HOMEM

 

 

A Lei nº 11.340/2006 visa compensar a discriminação da figura feminina, resultado do seu contexto histórico e cultural. Essa discriminação contra a mulher viola os princípios da igualdade de direito e de fato, além da dignidade da pessoa humana, garantidos pela Constituição da República Federativa do Brasil.

No consentimento de Pedro Lenza, o princípio da igualdade, com fulcro no artigo 5º, caput e inciso I, da CF/88, onde todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, deve buscar não somente essa aparente igualdade formal, consagrada no liberalismo clássico, “mas, principalmente, a igualdade material, na medida em que a lei deverá tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades” (LENZA, 2007, p.701).

Pedro Lenza, afirma que o direito à vida, previsto de forma genérica no artigo 5º, caput, “abrange tanto o direito de não ser morto, privado da vida, portanto o direito de continuar vivo, como também o direito de ter uma vida digna” (LENZA, 2007, p. 701)

Seguindo esse mesmo raciocínio, Alexandre de Moraes explica que o princípio da igualdade adotado pela Constituição Federal de 1988 adotou “a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com o ordenamento” (MORAES, 2011, p. 40). E ainda, esplana:

[...] dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito. (MORAES, 2011, p. 40).

 

Alexandre de Moraes esclarece que as chamadas liberdades materiais têm por objetivo “a igualdade de condições sociais, meta a ser alcançada, não só por meio de leis, mas também pela aplicação de políticas públicas ou programa de ação estatal” (MORAES, 2011, p. 40).

Com isso, a Constituição Federal proclama, portanto, em primeiro plano o direito à vida, cabendo ao Estado assegurá-la, com fulcro no artigo mencionado. Para Alexandre de Moraes, o Estado deve assegurar em duas acepções, “sendo a primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de se ter uma vida digna quanto à subsistência” (MORAES, 2011, p. 39).

[...] a correta interpretação do tratamento isonômico entre homens e mulheres, torna inaceitável a utilização do discrímen sexo, sempre que o mesmo seja eleito com o propósito de desnivelar materialmente o homem da mulher, aceitando-o, porém, quando a finalidade pretendida for atenuar os desníveis entre eles. Pois afirma o art. 5º, I da Constituição Federal, que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição Pátria (MORAES, 2011, p. 43).

 

A premissa constitucional lastreada no artigo 5°, caput, inciso I, da Constituição Federal, que elenca como direito fundamental, a igualdade, onde homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, inspira alguns juízes e advogados defendem ostensivamente a aplicação analógica da Lei n° 11.340/2006.

Aqueles que compartilham deste entendimento lembram que homem também sofre violência doméstica e familiar, pois, atualmente, com as conquistas das mulheres no âmbito social e político, os homens vêm perdendo espaço no mercado de trabalho, bem como o status de pater familiae cultivada historicamente, por uma sociedade machista.

Os homens, por vezes dependentes financeiramente da esposa ou companheira, passam por problemas psicológicos, como a depressão, em razão de não ser arrimo de família. Nesses casos, após sofrerem algum tipo de violência doméstica e familiar, física ou psicológica, passam também a encarar o preconceito da sociedade.

Diante disso, as vítimas masculinas desistem de enfrentar o medo da separação ou de prestar queixa, pois tanto o fato ofensivo como a repercussão social desse atingem a reputação da figura do “pai de família”.

O homem, contemporaneamente, além de ser vítima de violência doméstica praticada pela esposa ou companheira, também sofre a agressão do companheiro, nas relações homossexuais.

Para Elsbeth Aeschlimann, “atualmente o homem é vítima de uma situação em que as mulheres encontravam-se há 20 anos”. Por exemplo, na Suíça, parte das medidas de proteção tomadas contra a violência doméstica em 2008 foram contra mulheres que agrediram homens:

“[...] os homens são mais isolados socialmente do que as mulheres. Nos casos de violência doméstica, um homem que ousa falar do seu problema é geralmente mal compreendido. Os outros lhe dizem que ele pode resolver isso. E ele se sente então ainda mais desanimado e humilhado”. (AESCHLIMANN, [20--], [n.p.]).

 

No mencionado país, foram criadas duas instituições para homens violentados, tendo como diretor uma das vítimas de violência doméstica.

Acrescenta Olivier Hunziker que “a sociedade só compreende se há ou não violência física, enquanto os homens percebem a violência de outra maneira” (HUNZIKER, 2008, [n.p.]). Destarte, a violência doméstica e familiar contra o homem poderia sugerir a criação de legislação protetiva específica ou, estender o amparo da Lei Maria da Penha para vítimas masculinas.

O entendimento defendido em alguns julgados ampara a aplicação da analogia, portanto é relevante fazer algumas considerações acerca desse instituto jurídico.

A analogia é uma relação de igualdade entre duas relações, ou seja, uma forma de “auto-integração” da norma. Assim, “na lacuna da lei, aplica-se ao fato não regulado, dispositivos com hipóteses semelhantes” (GUIMARÃES, [200-], [n.p.]).

Segundo Marcela Harumi Takahashi Pereira, “a analogia é um método de auto-integração do direito pelo qual, no julgamento do caso concreto, a lacuna legislativa é preenchida com a mesma resposta dada pelo legislador ao caso concreto” (PEREIRA, [200-], [n.p.]).

Para Miguel Reale, aplica-se a analogia quando a lei, “na sua pureza originária, não correspondem mais aos fatos supervenientes, devemos ter a franqueza de reconhecer que existem lacunas na obra legislativa procurando supri-las” (REALE, 2005, p. 284), bem como em relação “a um caso não previsto, estende-se aquilo que o legislador previu para outro semelhante, em igualdade de razões” (REALE, 2005, p. 296).

Tal jurista explica que a analogia atende ao princípio de que o Direito é um sistema de fins, ou seja, onde há a mesma razão deve haver a mesma disposição de direito. E ainda:

[...] se o sistema do Direito é um todo que obedece a certas finalidades fundamentais, é de se pressupor que, havendo identidade de razão jurídica, haja identidade de disposição nos casos análogos, segundo um antigo e sempre novo ensinamento: ubi eadem ratio, ibi eadem juris dispositio (onde há a mesma razão deve haver a mesma disposição (REALE, 2005, p. 296).

 

No Processo Penal, a analogia é admitida expressamente no artigo 3º, do CPP, admitindo-se também a interpretação extensiva, desde que constatado no caso concreto um dos pressupostos desse instituto, bem como a omissão do legislador e a adaptação de uma situação imprevista identificando razões para o uso da analogia.

Por outro lado, deve-se atentar para não confundir o instituto legal da analogia com a interpretação extensiva, pois a analogia não se reduz a mero processo lógico formal, conforme explica Miguel Reale ao contrário, é “processo axiológico ou teleológico do sistema normativo, ligado à estrutura da experiência jurídica, e não apenas como consequência formal de semelhanças entre caso particular e outro” (REALE, 2005 p. 297).

Já na interpretação extensiva, ainda segundo Miguel Reale, “parte-se da admissão de que a norma existe, sendo suscetível de ser aplicada ao caso, desde que estendido o seu entendimento além do que usualmente se faz” (REALE, 2005, p. 298).

[...] quando se vai além, afirmando-se a existência de uma lacuna, mas negando-se a existência de uma norma particular aplicável por analogia, o caminho que se abre já é mais complexo, utilizando-se dos princípios gerais de direito (REALE, 2005, p. 298).

 

Ainda no tocante à analogia cumpre advertir que ela não tem emprego em todos os domínios do Direito, pois segundo Miguel Reale, “quando se tratar de regras de caráter penal, ou se as normas forem restritivas de direitos ou abrirem exceções, não se admite aplicação analógica” (REALE, 2005, p. 298).

Rogério Greco define analogia como uma forma de auto-integração da norma, “consistente em aplicar a uma hipótese não prevista em lei a disposição legal relativa a um caso semelhante, atendendo-se, assim, ao brocardo ubi eadem ratio, ubi eadem legis dispisitio” (GRECO, 2010, p. 41).

E ainda, Rogério Greco explica que “é proibido, em virtude do princípio da legalidade, o recurso à analogia quando esta for utilizada de modo a prejudicar o agente, seja ampliando agravantes ou ampliando tipos penais incriminadores” (GRECO, 2010, p. 42).

[...] em matéria penal, por força do princípio da reserva legal, não é permitido, por semelhança, tipificar fatos que se localizam fora do ratio de incidência da norma, elevando-os à categoria de delitos. E, por isso, incabível se torna o processo analógico (GRECO, 2010, p. 42).

 

Na hipótese de se constatar alguma analogia fática, ou seja, uma vez comprovada à existência de violência dentro do contexto doméstico, familiar ou de relacionamento íntimo, seria possível a aplicação das medidas protetivas da Lei Maria da Penha em favor de qualquer pessoa (GOMES, 2009, [n.p.]).

E ainda:

[...] em casos concretos e individualizados, meninos e homens podem ser submetidos a agressões no contexto domestico, familiar ou afetivo, hipótese em que precisam, tanto quanto as “marias da penha”, de tutela efetiva do judiciário e fazem jus ao sistema cautelar da Lei n° 11.340/2006. Cabe, agora, a analogia, porque há identidade de razões (PEREIRA, 2011, [n.p.]).

 

O Juiz de Direito Edílson Rumbelsperger Rodrigues prolatou sentença, que segundo ele, “[...] o mundo é e deve continuar sendo masculino, ou de prevalência masculina, afinal [...]”. Segue abaixo uma de suas sentenças:

O tema objeto destes autos é a Lei nº 11.340/06, conhecida como “Lei Maria da Penha”. Assim, de plano surge-nos a seguinte indagação: devemos fazer um julgamento apenas jurídico ou podemos nos valer também de um julgamento histórico, filosófico e até mesmo religioso para se saber se esse texto tem ou não autoridade?

[...]

Portanto, é preciso que se restabeleça a verdade. A verdade histórica inclusive e as lições que ele nos deixou e nos deixa. Numa palavra, o equilíbrio enfim, Isto porque se a reação feminina ao cruel domínio masculino restou compreensível, um erro não deverá justificar o outro, e sim nos conduzir ao equilíbrio. Mas o que está se vendo é o homem — em sua secular tolice — deixando-se levar, auto-flagelando-se em seu mórbido e tolo sentimento de culpa.

Enfim! Todas estas razões históricas, filosóficas e psicossociais, ai invés de nos conduzir ao equilíbrio, ao contrário vêm para culminar nesta lei absurda, que a confusão, certamente está rindo à toa! Porque a vingar este conjunto normativo de regras diabólicas, a família estará em perigo, como inclusive já está: desfacelada, os filhos sem regras — porque sem pais; o homem subjugado; sem preconceito, como vimos, não significa sem ética — a adoção por homossexuais e o “casamento” deles, como mais um exemplo. Tudo em nome de uma igualdade cujo conceito tem sido prostituído em nome de uma “sociedade igualitária”.

Não! O mundo é e deve continuar sendo masculino, ou de prevalência masculina, afinal. Pois se os direitos são iguais — porque são — cada um, contudo, em seu ser, pois as funções são, naturalmente diferentes. Se se prostitui a essência, os frutos também serão. Se o ser for conspurcado, suas funções também o serão. E instalar-se-á o caos.

É portanto por tudo isso que de nossa parte concluímos que do ponto de vista ético, moral, filosófico, religioso e até histórico a chamada “Lei Maria da Penha” é um monstrengo tinhoso. E essas digressões, não as faço à toa — este texto normativo que nos obrigou inexoravelmente a tanto. Mas quanto aos seus aspectos jurídico-constitucionais, o “estrago” não é menos flagrante.

Contrapondo-se a “Lei Maria da Penha” com o parágrafo 8° do art. 226 da C.F. vê-se o quanto ela é terrivelmente demagógica e fere de morte o princípio da isonomia em suas mais elementares apreciações.

“O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações” — grifos nossos.

Este é o que é o art. 226, parágrafo 8°, da Constituição federal de nossa República! A “Lei Maria da Penha” está longe de constitucionalmente regulamenta-lo, ao contrário do que diz, logo no seu art. 1°: “(...) nos termos do parágrafo 8° do art. 226 da Constituição federal (...)”.Ora! A clareza desta inconstitucionalidade dispensa inclusive maiores digressões: o parágrafo 8° diz — “(...) cada um” dos membros que a integram e não apenas um dos membros da família, no caso a mulher.

Esta Lei não seria em nada inconstitucional não fosse o caráter discriminatório que se vê na grande maioria de seus artigos, especialmente o art. 7°, o qual constitui o cerne, o arcabouço filosófico-normativo desta “Lei Maria da Penha”, na medida em que define ele o que vem a ser, afinal, “violência doméstica e familiar”, no âmbito da qual contempla apenas a mulher. Este foi o erro irremediável desta Lei, posto que continuou tudo — ou quase tudo — até os salutares artigos ou disposições que disciplinam as políticas públicas que buscam prevenir ou remediar a violência — in casu a violência doméstica e familiar — na medida em que o Poder Público — por falta de orientação legistaliva — não tem condições de se estruturar para prestar assistência também ao homem, acaso, em suas relações domésticas e familiares, se sentir vítima das mesmas ou semelhantes violências. Via de conseqüência, os efeitos imediatos do art. 7° — e que estão elencados especialmente no art. 22 — tornaram-se impossíveis de ser aplicados, diante do caráter discriminatório de toda a Lei. A inconstitucionalidade dela, portanto, é estrutural e de todas as inconstitucionalidades, a mais grave, pois fere princípios de sobrevivência social harmônica, e exatamente por isso preambularmente definidos na Constituição Federal, constituindo assim o centro nevrálgico de todas as suas supremas disposições.

A Lei em exame, portanto, é discriminatória. E não só literalmente como, especialmente, em toda a sua espinha dorsal normativa.

[...] (TJMG, 2007 [n.p.]) (grifos do autor)

 

A decisão aludida vislumbra a Lei Maria da Penha como um instituto legal que viola a igualdade prevista constitucionalmente como direito fundamental, beneficiando a classe feminina.

Rumbelsperger foi acusado de usar linguagem discriminatória e preconceituosa em sentenças nas quais considerou inconstitucional a Lei Maria da Penha e de rejeitar pedidos de medidas contra homens que agrediram e ameaçaram suas companheiras. Na época, o Juiz atacou a lei em algumas sentenças, classificando-a como um “conjunto de regras diabólicas”. Ainda segundo o juiz, a “desgraça humana” teria começado por causa da mulher.

Débora Santos, jornalista do G1, em uma entrevista com o Juiz Rumbelsperger explana:

A vingar esse conjunto de regras diabólicas, a família estará em perigo [...] Ora, a desgraça humana começou no Éden: por causa da mulher. Todos nós sabemos, mas também em virtude da ingenuidade, da tolice e da fragilidade emocional do homem, segundo trechos de decisões do juiz.

 

Eu não ofendi a parte e nem a quem quer que seja. Eu me insurgi contra uma lei em tese, e mesmo assim, parte dela. Combato um feminismo exagerado, que negligencia a função paterna, que quer igualdade sim, mas fazendo questão de serem mantidas intactas todas as benesses da feminilidade, afirmou o juiz.

 

Com isso, o Conselho Nacional de Justiça, no dia 09/11/2010, aprovou por nove votos a seis, a disponibilidade compulsória do Juiz Edilson Rumbelsperger Rodrigues, da Comarca de Sete de Lagoas (MG), pois negou aplicar a Lei Maria da Penha além de fazer ofensas ao público feminino. Essa decisão determina que o Juiz fique afastado do exercício da função por 02 (dois) anos. Passando esse período o Juiz Rumbelsperger poderá solicitar o retorno à magistratura. E além dos nove que votaram outros seis votaram pela censura ao juiz e por um teste para aferir sua sanidade mental (SANTOS, 2010, [n.p.]).

E ainda, o Juiz Mário Roberto Kono de Oliveira, de Mato Grosso do Sul, prolatou sentença aplicando uma das medidas protetivas da Lei Maria da Penha em benefício de um homem agredido pela ex-namorada:

Decisão interlocutória própria padronizável proferida fora de audiência. Autos de 1074/2008 Vistos, etc. Trata-se de pedido de medidas protetivas de urgência formulada por CELSO BORDEGATTO, contra MÁRCIA CRISTINA FERREIRA DIAS, em autos de crime de ameaça, onde o requerente figura como vítima e a requerida como autora do fato.

O pedido tem por fundamento fático, as varias agressões físicas, psicológicas e financeiras perpetradas pela autora dos fatos e sofridas pela vítima e, para tanto instrui o pedido com vários documentos como: registro de ocorrência, pedido de exame de corpo de delito, nota fiscal de conserto de veículo avariado pela vítima, e inúmeros e-mails difamatórios e intimidatórios enviados pela autora dos fatos à vítima. Por fundamento de direito requer a aplicação da Lei de nº 11.340, denominada “Lei Maria da Penha”, por analogia, já que inexiste lei similar a ser aplicada quando o homem é vítima de violência doméstica. Resumidamente, é o relatório.

DECIDO: A inovadora Lei 11.340 veio por uma necessidade premente e incontestável que consiste em trazer uma segurança à mulher vítima de violência doméstica e familiar, já que por séculos era subjugada pelo homem que, devido a sua maior compleição física e cultura machista, compelia a “fêmea” a seus caprichos, à sua vilania e tirania.

Houve por bem a lei, atendendo a súplica mundial, consignada em tratados internacionais e firmados pelo Brasil, trazer um pouco de igualdade e proteção à mulher, sob o manto da Justiça. Esta lei que já mostrou o seu valor e sua eficácia, trouxeram inovações que visam assegurar a proteção da mulher, criando normas impeditivas aos agressores de manterem a vítima sob seu julgo enquanto a morosa justiça não prolatasse a decisão final, confirmada pelo seu transito em julgado. Entre elas a proteção à vida, a incolumidade física, ao patrimônio, etc.

Embora em número consideravelmente menor, existem casos em que o homem é quem vem a ser vítima da mulher tomada por sentimentos de posse e de fúria que levam a todos os tipos de violência, diga-se: física, psicológica, moral e financeira. No entanto, como bem destacado pelo douto causídico, para estes casos não existe previsão legal de prevenção à violência, pelo que requer a aplicação da lei em comento por analogia. Tal aplicação é possível?

A resposta me parece positiva. Vejamos: É certo que não podemos aplicar a lei penal por analogia quando se trata de norma incriminadora, porquanto fere o princípio da reserva legal, firmemente encabeçando os artigos de nosso Código Penal: “Art. 1º. Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.”

Se não podemos aplicar a analogia in malam partem, não quer dizer que não podemos aplicá-la in bonam partem, ou seja, em favor do réu quando não se trata de norma incriminadora, como prega a boa doutrina: “Entre nós, são favoráveis ao emprego da analogia in bonam partem: José Frederico Marques, Magalhães Noronha, Aníbal Bruno, Basileu Garcia, Costa e Silva, Oscar Stevenson e Narcélio de Queiróz” (DAMÁSIO DE JESUS – Direito Penal - Parte Geral – 10ª Ed. pag. 48) Ora, se podemos aplicar a analogia para favorecer o réu, é óbvio que tal aplicação é perfeitamente válida quando o favorecido é a própria vítima de um crime. Por algumas vezes me deparei com casos em que o homem era vítima do descontrole emocional de uma mulher que não media esforços em praticar todo o tipo de agressão possível contra o homem. Já fui obrigado a decretar a custódia preventiva de mulheres “à beira de um ataque de nervos”, que chegaram a tentar contra a vida de seu ex-consorte, por pura e simplesmente não concordar com o fim de um relacionamento amoroso.

Não é vergonha nenhuma o homem se socorrer ao Pode Judiciário para fazer cessar as agressões da qual vem sendo vítima. Também não é ato de covardia. È sim, ato de sensatez, já que não procura o homem/vítima se utilizar de atos também violentos como demonstração de força ou de vingança. E compete à Justiça fazer o seu papel de envidar todos os esforços em busca de uma solução de conflitos, em busca de uma paz social.

No presente caso, há elementos probantes mais do que suficientes para demonstrar a necessidade de se deferir a medidas protetivas de urgência requeridas, pelo que defiro o pedido e determino à autora do fato o seguinte: 1. que se abstenha de se aproximar da vítima, a uma distância inferior a 500 metros, incluindo sua moradia e local de trabalho; 2. que se abstenha de manter qualquer contato com a vítima, seja por telefonema, e-mail, ou qualquer outro meio direto ou indireto. Expeça-se o competente mandado e consigne-se no mesmo a advertência de que o descumprimento desta decisão poderá importar em crime de desobediência e até em prisão. I.C. (TJMT, 2008, [n.p.]).

 

Ademais, alguns doutrinadores defendem a aplicação analógica da referida norma ao ressaltar o objetivo do legislador, que buscou tutelar não só a violência doméstica e familiar contra a mulher nas relações de casamento, mas também na união estável, na família monoparental, na família homoafetiva, na família adotiva, aos aparentados, pessoas sem vínculos jurídicos familiares, como forma de proteger a instituição familiar.

Podem ser citados os artigos, como o de Rodrigo Bossi, do qual foram destacados alguns trechos:

“Entendemos que é possível, a Lei não proibiu e vimos que é perfeitamente possível a sua aplicação analógica, uma vez que a norma tem natureza processual, cautelar, e não material, penal, incriminadora, além da inevitável conclusão de que, acaso não fosse possível a analogia, haveria ofensa ao princípio da isonomia.

 Diante disso, também o homem tem o direito de requerer medidas protetivas no juízo cível, seja na forma de aplicação analógica da Lei à sua hipótese, ou, dando-se o nome que se queira dar, na forma de uma cautelar inominada, pois ou se entende que é possível a analogia ou, então, é inominada a medida. Dessa forma, estariam incluídas na mesma linha de raciocínio interpretativo, todas as hipóteses de violência doméstica cujo sujeito passivo, hipossuficiente, seja do sexo masculino: o idoso, o deficiente físico ou mental etc.

Nesse mesmo sentido, acreditamos ser também possível ao homem hipossuficiente ver deferido a seu favor medidas protetivas requeridas em face de outro homem em virtude da prática de violência doméstica ou familiar. É o caso, também já vivenciado, do pai que agride desarrazoada e insistentemente o próprio filho sob poder familiar.

Em suma, entendemos ser perfeitamente possível a aplicação analógica da lei, tanto no juízo criminal quanto no cível, nas causas advindas de violência doméstica, mesmo não sendo a mulher a ofendida, como nas hipóteses de inversão, bem como nas relações de mesmo gênero, seja ele feminino ou masculino.” (BOSSI, 2009, [n.p.]).

 

Conforme o entendimento acima, uma vítima masculina buscou o Poder Judiciário para combater as agressões causadas por sua ex-companheira. As medidas foram concedidas pelo Magistrado de primeira instância fazendo com que a agressora impetrasse Habeas Corpus, o qual foi denegado. Veja:

HABEAS CORPUS. MEDIDAS PROTETIVAS, COM BASE NA LEI Nº. 11.340/2006, A CHAMADA LEI MARIA DA PENHA, EM FAVOR DO COMPANHEIRO DA PACIENTE. POSSIBILIDADE. PRINCIPIODA ANALOGIA IN BONAM PARTEM. AFASTAMENTO DAS MEDIDAS PROTETIVAS E TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PEDIDOS DENEGADOS, SEJA PORQUE OS ATOS DA PACIENTE SÃO REPROVÁVEIS, POIS QUE CONTRÁRIOS AO ORDENAMENTO JURÍDICO, SEJA POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ORDEM DENEGADA. DECISÃO EM CONSONÂNCIA COM O PARECER MINISTERIAL. Louve-se a coragem cívica do autor da representação, em procurar resolver a questão que lhe aflige, na justiça; louve-se o nobre advogado que teve o necessário discernimento para buscar na Lei Maria da penha, arrimado no princípio da analogia, a proteção de seu constituinte, mesmo quando todas as evidências indicavam que a referida Lei não poderia ser invocada para proteger o homem, haja vista que esta norma veio e em boa hora, para a proteção da mulher; louve-se, por fim, o diligente e probo magistrado que ousou desafiar a Lei. Com sua atitude, o magistrado apontado como autoridade coatora, não só pôs fim às agruras do ex companheiro da paciente, como, de resto e reflexamente, acabou por aplicar a Lei em favor da mesma. O raciocínio tem sua lógica, levando-se em conta que, em um dado momento, cansado das investidas, o autor da representação poderia revidar e, em assim agindo, poderia colocar em risco a incolumidade física da paciente. Da análise de todo o processado, não vislumbrei possibilidade de atender aos reclamos dos impetrantes, em favor da paciente, seja para afastar as medidas protetivas em favor do seu ex-companheiro, (afinal as atitudes da beneficiária do HC são reprováveis, posto que contra o ordenamento jurídico); seja para determinar o trancamento da ação penal. (lembremos que ao tempo da impetração não havia ação penal instaurada e mesmo que houvesse, não foi demonstrada a justa causa para tal). (TJMT; HC 6313/2008; Segunda Turma Recursal; Rel. Des. Sebastião Barbosa Farias; Julg. 09/06/2009; DJMT 24/06/2009; Pág. 35)

 

A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado, lastreada no artigo 226, §8º, da CF/88, onde o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

Diante disso, explica Luiz Flávio Gomes que

[...] ora, todas as vezes que essas circunstâncias acontecerem (âmbito doméstico, familiar ou de relacionamento íntimo, submissão, violência para impor um ato de vontade etc.) nada impede que o Judiciário, fazendo bom uso da lei Maria da Penha , venha em socorro de quem está ameaçado ou foi lesado em seus direitos. Onde existem as mesmas circunstâncias fáticas deve incidir o mesmo direito (GOMES, 2009, [n.p.])

 

Assim, uma vez comprovada à existência de violência dentro do contexto doméstico, familiar ou de relacionamento íntimo, seria possível a aplicação das medidas protetivas da Lei Maria da Penha em favor da mulher e do homem (GOMES, 2009, [n.p.]).

Ao lado, a Promotora de Justiça, Marcela Harumi Takahashi Pereira alega que “meninos e homens podem ser submetidos a agressões no contexto domestico, familiar ou afetivo, hipótese em que precisam, tanto quanto as “marias da penha”, de tutela efetiva do judiciário e fazem jus ao sistema cautelar da Lei n° 11.340/2006. Cabendo, agora, a analogia, porque há identidade de razões” (PEREIRA, 2011, [n.p.]).

 

Entretanto, contrariamente aos fundamentos anteriormente elencados, não cabe aplicação analógica da Lei Maria da Penha, posto que ela se constitui numa ação afirmativa, em que o intuito do legislador ao elaborar a lei foi punir, coibir e erradicar a violência doméstica e familiar contra a mulher.

Ainda que o método analógico seja frequentemente utilizado na prática jurídica, buscando dar as mesmas soluções aos casos semelhantes, não cabe a aplicação analógica da Lei nº 11.340/2006. Tampouco o homem não necessita de um novo instituto protetor, pois existem leis penais e processuais para punir os crimes de lesões corporais, homicídios consumados ou tentados e demais crimes cometidos pela mulher contra ele. Até porque, o homem não sofre violência de gênero e também não tem o contexto histórico e cultural de repressão e desigualdades como aquela.

Segundo Daniela Carvalho de Almeida Costa, “a idéia da lei não é ser um instrumento de vingança para a mulher. A idéia é não proporcionar a subjugação do homem e nem da mulher” (COSTA, 2011, [n.p.])

Ao realizar uma interpretação gramatical do art. 3º do Código de Processo Penal, que prevê a interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais do direito. Tecnicamente, seria possível, por se tratar de norma de natureza processual penal, a aplicação analógica da Lei nº 11.340/2006.

Isso seria possível com a interpretação gramatical e lógica, onde resta privilegiado o conteúdo literal do texto legal. Contudo, partindo-se de uma análise profunda, à luz das ações afirmativas, desde o momento da criação, bem como da efetivação e aplicação da referida lei, o legislador demonstra que a proteção específica dada à mulher, dentro do seio familiar, decorre da busca pela igualdade material.

A descoberta do verdadeiro significado de uma norma vai além de uma simples interpretação lógica de um texto de Direito, pois analisa a sua conformidade com o Ordenamento Jurídico Pátrio, verificando a relação entre a intenção e a elaboração da norma pelo legislador.

 [...] O primeiro dever do intérprete é analisar o dispositivo legal para captar o seu pleno valor expressional. A lei é uma declaração da vontade do legislador e, portanto, deve ser reproduzida com exatidão e fidelidade (REALE, 2005, p. 278 e 279).

 

Miguel Reale afirma que toda lei tem um significado e que visa um determinado alcance, ainda que revelado de forma imparcial pelo texto.

Na perspectiva de Miguel Reale, a Escola da Livre Pesquisa do Direito, idealizada por François Gény e Zitelman., defende que “não se deve deformar a lei, mas, ao contrário, reproduzir a intenção do legislador no momento de sua decisão” (REALE, 2005, p. 284).

Segundo Miguel Reale, o hermeneuta contemporâneo deve procurar conhecer a finalidade social da lei, pois “é o fim que possibilita penetrar na estrutura de seu significado particular”, ademais:

[...] o que se quer atingir é uma correlação coerente entre “o todo da lei” e as “partes” representadas por seus artigos e preceitos, à luz dos objetivos visados pelo legislador (REALE, 2005, p. 289).

 

Assim, o hermeneuta, ao interpretar uma lei, ainda que previamente, tem que compreendê-la na plenitude de seus fins sociais, demonstrando desse modo o verdadeiro sentido de cada um de seus dispositivos legais, para que se determine a sua aplicabilidade.

Logo, importa atentar para a verdadeira intenção do legislador, pois, no momento da criação da Lei nº 11.340/2006, buscou-se proteger a mulher em face da violência de gênero que vinha sofrendo. Assim, ao contrário de alguns operadores do direito, que deformam a lei ao estender sua aplicação a relações específicas não abrangidas pela intenção da fonte criadora, afirmando a desqualificação à classe masculina.

Partilha deste entendimento o doutrinador Ricardo Antônio Andreucci, pois, afirma que não cabe aplicação analógica da Lei Maria da Penha às vítimas masculinas, pois “somente a mulher pode ser sujeito passivo da violência doméstica e familiar, ou o homem que realizar uma cirurgia para troca de sexo e passar a ser considerada mulher no registro civil poderão ter efetiva proteção da lei” (ANDREUCCI, 2011, p. 670).

Seguindo esse mesmo raciocínio o doutrinador Damásio de Jesus também entende que o sujeito passivo só pode ser a mulher e “inclusive os transexuais, excetuando-se os indivíduos travestidos, ou seja, apenas as consideradas legalmente mulher, podem ser protegidas pelas disposições da lei” (JESUS, 2010, p. 58).

Portanto, partindo-se de uma análise hermenêutica teleológica e sociológica, a norma objeto desta pesquisa completa o sistema jurídico já existente, sem alterar o significado do princípio da igualdade, não se admitindo a aplicação analógica da Lei nº 11.340/2006 às vítimas masculinas de violência no seio familiar.

 

5 CONCLUSÃO

 

 

O Estado criou um instrumento legal inovador que é a Lei nº 11.340/2006, consistente em uma ação afirmativa, que vislumbra proteger a mulher de agressões cometidas pelo homem, dentro do contexto doméstico e familiar, pois ela não possui força física suficiente para se defender das agressões físicas praticadas por aquele, em razão da diferente constituição fisiológica que não permite uma reação de “igual para igual”, dentre outros fatores abordados no presente trabalho

Em decisão liminar, o Supremo Tribunal Federal esclareceu sobre a constitucionalidade da Lei Maria da Penha, bem como demonstrou que no momento da elaboração, o legislador visou evitar essas condutas discriminatórias e de violência doméstica e familiar contra a mulher, porém, bem como punir, coibir e erradicar.

Tal instituto jurídico possui, enfim, o intuito de equilibrar e igualar de forma material as relações entre homens e mulheres.

O homem sempre teve um tratamento privilegiado perante a sociedade, servindo de figura central do pater familiae. Essa concepção se manteve para a sociedade não só nos pensamentos, mas nas atitudes machistas.

No Direito Penal, a analogia é uma forma de expressão própria que segue o mesmo modelo, ou seja, uma relação de equivalência entre duas outras relações e que se aplica, somente ao caso concreto em benefício do réu.

No Direito Processual Penal analisando o teor do art. 3º do Código Processual Penal, que prevê a analogia, bem como o suplemento dos princípios gerais do direito no processo penal, tecnicamente, em virtude de uma interpretação sistemática e de que a lei em estudo possui natureza jurídica processual, seria possível a aplicação analógica da Lei nº 11.340/2006.

Porém, através de uma interpretação teleológica e sociológica importa tão somente o intuito do legislador desde o momento da elaboração da Lei nº 11.340/2006, bem como os fins sociais da norma, uma vez que visam proteger a mulher vítima de violência doméstica e familiar, demonstrando a necessidade de equilíbrio social entre os gêneros e respeito aos princípios constitucionais básicos.

O Estado, com intuito de coibir e erradicar esse quadro de desigualdade criou uma medida protetiva que analisou a perspectiva da antropologia, da sociologia, da psicologia, dentre outros ramos, para que, somente assim, alcance o seu papel garantidor, conforme a Magna Carta e o Estado Democrático de Direito.

A Constituição Federal enxerga como pilar de uma sociedade justa, o princípio da igualdade, sendo um dos princípios norteadores do direito, em que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Assim, o Estado deve não só buscar a igualdade formal, mas também a igualdade material, devendo a lei tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades.

Esse princípio abraçou uma igualdade onde todos os cidadãos têm direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com o ordenamento jurídico pátrio.

Atualmente, a Constituição prevê um Estado fraternal e de solidariedade, pois o moderno constitucionalismo almeja também a verdade, a solidariedade, o consenso, a continuidade do seio familiar.

Por conseguinte, a Lei 11.340/2006 surgiu não só para incriminar, mas também para enfrentar e diminuir estatisticamente o índice de violência no seio familiar, não permitindo, desse modo o uso da aplicação analógica às vítimas masculinas, pois fere o espírito da lei e o real intuito do legislador para efetivação e aplicação na sociedade brasileira.

Deste modo, o direito busca meios alternativos para solucionar conflitos, como, por exemplo, a mediação, a conciliação, medidas de caráter temporário, como as ações afirmativas, o qual essas ações provocam automaticamente uma reação na sociedade enfrentando condutas discriminatórias, em especial a violência doméstica e familiar contra a mulher.

Também não cabe uma legislação específica para proteger as vítimas masculinas de violência doméstica e familiar porque o Estado, através da justiça comum, já tipifica, na legislação penal, certas condutas. Tais como: lesão corporal art. 129, CP; homicídio na forma tentada ou consumada, art. 121 do CP etc.

Sendo assim, descarta-se a elaboração de um instituto legal “João da Penha”, que crie algum tipo de medida protetiva aplicável ao homem.

Portanto, vale ressaltar que a Lei Maria da Penha é um instituto inovador que deve ser aplicado, ainda que tramite no STF ações questionando sua constitucionalidade, pois o posicionamento da Corte caminha para declaração de conformidade da norma com a CF/88, não cabendo, inclusive a aplicação analógica da lei para favorecer o homem.

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ANEXO A -

LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006.

Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

TÍTULO I

DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 1o  Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

Art. 2o  Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.

Art. 3o  Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

§ 1o  O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 2o  Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput.

Art. 4o  Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

TÍTULO II

DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 5o  Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único.  As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Art. 6o  A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.

CAPÍTULO II

DAS FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

CONTRA A MULHER

Art. 7o  São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

TÍTULO III

DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

CAPÍTULO I

DAS MEDIDAS INTEGRADAS DE PREVENÇÃO

Art. 8o  A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes:

I - a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação;

II - a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às conseqüências e à freqüência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas;

III - o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1o, no inciso IV do art. 3o e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal;

IV - a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher;

V - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres;

VI - a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceria entre órgãos governamentais ou entre estes e entidades não-governamentais, tendo por objetivo a implementação de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher;

VII - a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou etnia;

VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia;

IX - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à eqüidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.

CAPÍTULO II

DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

Art. 9o  A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.

§ 1o  O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal.

§ 2o  O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica:

I - acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta;

II - manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses.

§ 3o  A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar compreenderá o acesso aos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo os serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis nos casos de violência sexual.

CAPÍTULO III

DO ATENDIMENTO PELA AUTORIDADE POLICIAL

Art. 10.  Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis.

Parágrafo único.  Aplica-se o disposto no caput deste artigo ao descumprimento de medida protetiva de urgência deferida.

Art. 11.  No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências:

I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário;

II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal;

III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida;

IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;

V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis.

Art. 12.  Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:

I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada;

II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias;

III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência;

IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários;

V - ouvir o agressor e as testemunhas;

VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele;

VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público.

§ 1o  O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial e deverá conter:

I - qualificação da ofendida e do agressor;

II - nome e idade dos dependentes;

III - descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida.

§ 2o  A autoridade policial deverá anexar ao documento referido no § 1o o boletim de ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis em posse da ofendida.

§ 3o  Serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde.

TÍTULO IV

DOS PROCEDIMENTOS

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 13.  Ao processo, ao julgamento e à execução das causas cíveis e criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher aplicar-se-ão as normas dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil e da legislação específica relativa à criança, ao adolescente e ao idoso que não conflitarem com o estabelecido nesta Lei.

Art. 14.  Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Parágrafo único.  Os atos processuais poderão realizar-se em horário noturno, conforme dispuserem as normas de organização judiciária.

Art. 15.  É competente, por opção da ofendida, para os processos cíveis regidos por esta Lei, o Juizado:

I - do seu domicílio ou de sua residência;

II - do lugar do fato em que se baseou a demanda;

III - do domicílio do agressor.

Art. 16.  Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

Art. 17.  É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.

CAPÍTULO II

DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA

Seção I

Disposições Gerais

Art. 18.  Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas:

I - conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência;

II - determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso;

III - comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis.

Art. 19.  As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.

§ 1o  As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado.

§ 2o  As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados.

§ 3o  Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público.

Art. 20.  Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial.

Parágrafo único.  O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

Art. 21.  A ofendida deverá ser notificada dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão, sem prejuízo da intimação do advogado constituído ou do defensor público.

Parágrafo único.  A ofendida não poderá entregar intimação ou notificação ao agressor.

Seção II

Das Medidas Protetivas de Urgência que Obrigam o Agressor

Art. 22.  Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

§ 1o  As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público.

§ 2o  Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições mencionadas no caput e incisos do art. 6o da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso.

§ 3o  Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.

§ 4o  Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5o e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil).

Seção III

Das Medidas Protetivas de Urgência à Ofendida

Art. 23.  Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:

I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;

II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;

III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;

IV - determinar a separação de corpos.

Art. 24.  Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:

I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;

II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;

III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;

IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.

Parágrafo único.  Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III deste artigo.

CAPÍTULO III

DA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Art. 25.  O Ministério Público intervirá, quando não for parte, nas causas cíveis e criminais decorrentes da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Art. 26.  Caberá ao Ministério Público, sem prejuízo de outras atribuições, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, quando necessário:

I - requisitar força policial e serviços públicos de saúde, de educação, de assistência social e de segurança, entre outros;

II - fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, e adotar, de imediato, as medidas administrativas ou judiciais cabíveis no tocante a quaisquer irregularidades constatadas;

III - cadastrar os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

CAPÍTULO IV

DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA

Art. 27.  Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em situação de violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de advogado, ressalvado o previsto no art. 19 desta Lei.

Art. 28.  É garantido a toda mulher em situação de violência doméstica e familiar o acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita, nos termos da lei, em sede policial e judicial, mediante atendimento específico e humanizado.

TÍTULO V

DA EQUIPE DE ATENDIMENTO MULTIDISCIPLINAR

Art. 29.  Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que vierem a ser criados poderão contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde.

Art. 30.  Compete à equipe de atendimento multidisciplinar, entre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito ao juiz, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, mediante laudos ou verbalmente em audiência, e desenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento, prevenção e outras medidas, voltados para a ofendida, o agressor e os familiares, com especial atenção às crianças e aos adolescentes.

Art. 31.  Quando a complexidade do caso exigir avaliação mais aprofundada, o juiz poderá determinar a manifestação de profissional especializado, mediante a indicação da equipe de atendimento multidisciplinar.

Art. 32.  O Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, poderá prever recursos para a criação e manutenção da equipe de atendimento multidisciplinar, nos termos da Lei de Diretrizes Orçamentárias.

TÍTULO VI

DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS

Art. 33.  Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente.

Parágrafo único.  Será garantido o direito de preferência, nas varas criminais, para o processo e o julgamento das causas referidas no caput.

TÍTULO VII

DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 34.  A instituição dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher poderá ser acompanhada pela implantação das curadorias necessárias e do serviço de assistência judiciária.

Art. 35.  A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão criar e promover, no limite das respectivas competências:

I - centros de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e respectivos dependentes em situação de violência doméstica e familiar;

II - casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situação de violência doméstica e familiar;

III - delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e centros de perícia médico-legal especializados no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar;

IV - programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e familiar;

V - centros de educação e de reabilitação para os agressores.

Art. 36.  A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão a adaptação de seus órgãos e de seus programas às diretrizes e aos princípios desta Lei.

Art. 37.  A defesa dos interesses e direitos transindividuais previstos nesta Lei poderá ser exercida, concorrentemente, pelo Ministério Público e por associação de atuação na área, regularmente constituída há pelo menos um ano, nos termos da legislação civil.

Parágrafo único.  O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz quando entender que não há outra entidade com representatividade adequada para o ajuizamento da demanda coletiva.

Art. 38.  As estatísticas sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher serão incluídas nas bases de dados dos órgãos oficiais do Sistema de Justiça e Segurança a fim de subsidiar o sistema nacional de dados e informações relativo às mulheres.

Parágrafo único.  As Secretarias de Segurança Pública dos Estados e do Distrito Federal poderão remeter suas informações criminais para a base de dados do Ministério da Justiça.

Art. 39.  A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no limite de suas competências e nos termos das respectivas leis de diretrizes orçamentárias, poderão estabelecer dotações orçamentárias específicas, em cada exercício financeiro, para a implementação das medidas estabelecidas nesta Lei.

Art. 40.  As obrigações previstas nesta Lei não excluem outras decorrentes dos princípios por ela adotados.

Art. 41.  Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Art. 42.  O art. 313 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), passa a vigorar acrescido do seguinte inciso IV:

“Art. 313.  .................................................

................................................................

IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.” (NR)

Art. 43.  A alínea f do inciso II do art. 61 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 61.  ..................................................

.................................................................

II - ............................................................

.................................................................

f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica;

........................................................... ” (NR)

Art. 44.  O art. 129 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 129.  ..................................................

..................................................................

§ 9o  Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

..................................................................

§ 11.  Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência.” (NR)

Art. 45.  O art. 152 da Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 152.  ...................................................

Parágrafo único.  Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação.” (NR)

Art. 46.  Esta Lei entra em vigor 45 (quarenta e cinco) dias após sua publicação.

Brasília,  7  de  agosto  de 2006; 185o da Independência e 118o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

 

Dilma Rousseff

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