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Resumo:
A responsabilidade civil que atua de modo dinâmico com a finalidade de atender as necessidades sociais que surgem. O presente artigo aborda o conceito de responsabilidade civil juntamente com seus pressupostos, espécies, apresenta seu desenvolvimento
Texto enviado ao JurisWay em 17/05/2017.
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RESPONSABILIDADE CIVIL NA PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO CULTURAL
Polímnia de Faria Pereira
RESUMO
A responsabilidade civil que atua de modo dinâmico com a finalidade de atender as necessidades sociais que surgem. O presente artigo aborda o conceito de responsabilidade civil juntamente com seus pressupostos, espécies, apresenta seu desenvolvimento histórico e a aplicação desse instituto jurídico na tutela do patrimônio histórico cultural.
Palavras-chave: Responsabilidade civil; responsabilidade civil na proteção patrimônio histórico cultural, proteção dos bens arqueológicos.
INTRODUÇÃO
A responsabilidade civil é um dispositivo jurídico extremamente flexível e abrangente, visto que sempre se altera e se expande conforme as necessidades sociais que surgem, além de se fundamentar na ideia de que todo risco deve ser garantido. Em razão do seu dinamismo, não há um entendimento doutrinário padrão acerca desse dispositivo. O ordenamento jurídico se atentou a não permitir nenhuma vítima de dano sem reparação. Isso reflete diretamente no instituto da responsabilidade civil, além de fazer parte seu conceito. O presente estudo discorre acerca da responsabilidade civil e a aplicação desse instituto na preservação do patrimônio histórico cultural e na sua restauração quando danificado.
1 DELINEAMENTO HISTÓRICO
A responsabilidade civil é matéria do Direito Civil que frequente se renova. Essa renovação ocorre para atender às necessidades sociais emergentes. Esse instituto sofreu uma evolução em vários aspectos, uma vez que sua expansão se deu quanto a sua história, desenvolvimento, a seus fundamentos, pressupostos e área de atuação.
O conceito de responsabilidade civil consiste em reparar o dano injustamente causado e indenizar o sujeito ofendido. De forma geral, o dano resultante de ilícito sempre foi combatido pelo ordenamento jurídico. Todavia, o modo como se dá a reparação deste dano se modificou ao longo do tempo.
O instituto da responsabilidade civil é oriundo do Direito Romano. Inicialmente, a culpa do responsável pelo dano era irrelevante. Nesse período, consideravam somente o prejuízo sofrido pela vítima e a ação ou omissão do agente para que ele fosse responsabilizado.Atradição era reagir de maneira violenta àquele que praticasse ato contrário à ordem ou que causasse dano a alguém ou ao seu patrimônio. Nesse estágio, prevalecia a vingança coletiva, caracterizada por “reação conjunta do grupo contra o agressor pela ofensa a um de seus componentes” (DINIZ, 2009, p. 11).Vigorava a Lei de Talião, sintetizada pelo conceito de “olho por olho, dente por dente”.Desse modo, bastava o dano efetivamente sofrido pela vítima para provocar “a reação imediata, instintiva e brutal do ofendido” (GONÇALVES, 2009, 04). Por isso, na antiguidade, não vinculavam a culpa do causador.
O talião, aplicado primeiramente pelos povos do Oriente Médio e depois por outros que foram influenciados por eles, como os da bacia mediterrânea (chegando à Roma do tempo da Lei das XII Tábuas, que é de meados do século V a.C.), representou outro progresso, com a reciprocidade que representava, entre ofensa e castigo – mesmo que hoje pareçam chocantes preceitos como o contido no § 230 do Código de Hammurabi (de começos do século XVIII a.C.), segundo o qual se a casa construída ruísse e matasse o filho do proprietário, o filho do construtor deveria ser morto” (NORONHA, 2007, p. 528).
Conforme o ensinamento de Maria Helena Diniz, nessa época, o Estado por diversas vezes permanecia inerte, interferindo somente para declarar quando e como o sujeito lesionado poderia exercer o direito de retaliação, para produzir no ofensor um ato nocivo idêntico ou similar ao que causou.
Posteriormente, a vingança coletiva se desenvolveu para a vingança privada, predominando a reação individual que gerava reação imediata, brutal e muitas vezes desproporcional. As pessoas faziam justiça pelas próprias mãos.Esse pensamento era fundamentado pela Lei de Talião, que visava reciprocidade do crime e da pena, atualmente denominado por retaliação indicando retribuição de uma ofensa com a mesma intensidade. Popularmente, essa lei foi sintetizada como "olho por olho dente por dente" e "quem com ferro se fere com ferro será ferido". Ainda nesse período, o Poder Público continuava inerte, se posicionando somente para declarar de que forma e em qual momento o ofendido teria o direito de retaliação para reproduzir no autor um dano idêntico ou semelhante ao que lhe foi causado. Destarte, observa-se que a responsabilidade era objetiva, logo não dependia da culpa e que o princípio da equidade era o que predominava.
Sucessivamente a vingança privada, surge a composição em substituição a retaliação, uma vez que esta não reparava o dano, mas sim ocasionava um dano duplo, pois lesionava tanto o ofendido como o ofensor e era puramente vingança particular. Na composição, a ideia era de reparação do ato nocivo através de meio econômico. O pagamento em determinada quantia em dinheiro era denominada como poena. Se o dano afetasse o bem público ou violasse norma jurídica que o Poder Público considerasse de elevada importância social, a quantia era determinada por autoridade pública. Porém, se o delito fosse de natureza privada, o valor era determinado pelo lesado. Diferente dos estágios anteriores, na composição o Estado não ficava completamente inerte, pois agia quando o dano causado o atingisse. Ademais, nota-se que não havia distinção entre a responsabilidade civil e penal que só foram dissociadas no período medieval.
Apenas com o surgimento da Lei de Aquiliaé que se institui um princípio norteador para a reparação do ato nocivo e foi essa lei que vinculou a culpa como fundamento da responsabilidade. Majoritariamente, as doutrinas definem que o maior progresso da responsabilidade civil ocorreu com o advento dessa lei, que posteriormente originou a responsabilidade civil delitual ou extracontratual. De acordo com a lição de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho: “Um marco na evolução histórica da responsabilidade civil se dá, porem, com a edição da Lex Aquilia, cuja importância foi tão grande que deu nome a nova designação da responsabilidade civil delitual ou extracontratual” (GAGLIANO; PAMPLONA, 2003, p. 11).
A Lex Aquilia de damno impôs a noção de reparação do dano através de prestação pecuniária, impondo que o patrimônio do autor da lesão arcasse com o ônus da reparação considerando a culpa dele na consequência do dano. Esta lei é caracterizada como marco primordialpara a aplicação da culpa na obrigação de indenizar, promovendo fundamentos para a responsabilidade extracontratual, também determinada “responsabilidade aquiliana”. A Lei de Aquilia fixou a ideia de que a conduta do responsável pelo dano é dimensionada pela intensidade de culpa que ele possuía. Divergente dos estágios anteriores, na composição houve intervenção do Poder Público nos conflitos de caráter privado. Nesse período, o Estado agia estabelecendo valores, obrigando o agente a indenizar e o lesado a aceitar a composição e se opondo a vingança privada. Após o surgimento da Lei de Aquilia , o Poder Público assumiu definitivamente o ius puniendi, atribuindo a si , na forma judiciária, a função de punir os agentes responsáveis pelo dano.
No período medieval, houve a fixação da ideia de dolo e de culpa no sentido stricto sensu. Por conseguinte , a teoria da responsabilidade civil evoluiu e se aperfeiçoou após as legislações adotarem a culpa como seu fundamento e estabeleceram a própria responsabilidade civil como princípio. Destarte, a evolução ocorreu também em relação ao fundamento, pois o dever de reparação do dano se deu não só pela hipótese subjetiva, ou seja, pela culpa, mas também pela hipótese do risco. Nesse momento, surge a teoria do risco. A qual versa sob aspecto objetivo, portanto quando alguém sofria um dano, aquele que se aproveitava da atividade perversa deveria repará-la, independentemente da existência de culpa. Ressalta-se que o risco não anulava a culpa mantendo-a como fundamento da responsabilidade civil.
O Código Civil brasileiro de 1916 adotou teoria subjetiva da responsabilidade civil, exigindo prova concreta da culpa do responsável pelo dano, e em determinados casos, presumindo-a. No entanto, o Código Civil de 2002, adotou a responsabilidade subjetivo, porém manteve a objetiva de forma excepcional e expressa em lei, como taxada artigo 927: “Haverá obrigação de reparar o dano, independente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. E em demais hipóteses, bem como responsabilidade do dono do animal, responsabilidade do dono do prédio em ruína, responsabilidade dos pais, tutor ou curador por danos causado pelo menor ou incapaz e responsabilidade do credor que demanda dívida vincenda.
Entretanto, de modo geral, a culpa continua como pressuposto da responsabilidade civil, juntamente com o risco, na teoria objetiva excepcionalmente.
O atual código determinou no art. 186 que comete ato ilícito aquele que, mediante ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem. Sucessivamente, o art. 187 ampliou a noção de ato ilícito, estabelecendo a ilicitude do exercício de um direito quando violar seu fim econômico, social ou os limites da boa-fé e bons costumes. Esses dois artigos demonstram claramente a teoria subjetiva como teoria predominante no Código Civil atual.
Em suma, o desenvolvimento e evolução histórica da responsabilidade civil é marcada pela ideia de reparação por um mal causado. O ápice do desenvolvimento foi a Lei de Aquilia que se caracterizou por trazer a substituição do pagamento de um valor fixo por uma pena proporcional ao dano causado. A noção de reparação por um ato nocivo causado se origina da confusão entre responsabilidade civil e criminal, com a vingança coletiva, até o conceito atual, subjetivo, de reparação baseada na culpa, somada com a tendência contemporânea à objetivação do instituto na teoria do risco.
2 RESPONSABILIDADE CIVIL
Expressão usada constantemente e com aplicação em diversas áreas, a responsabilidade civil é a obrigação atribuída a alguém em reparar o dano causado a outrem. A reparação ocorre em razão de ação ou omissão causada pelo responsável ou por seus dependentes. Está atrelada à medidas que façam com que o autor cumpra essa obrigação de reparação, seja ela moral ou patrimonial. Esse dispositivo jurídico vincula-se também à ideia de não prejudicar outro e este quando atingido de forma prejudicial ser reparado moral ou patrimonialmente. Ademais, está relacionada a obrigação, encargo e contraprestação.
Nas palavras de Rui Stoco:
A noção da responsabilidade pode ser haurida da própria origem da palavra, que vem do latim respondere, responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de responsabilizar alguém pelos seus atos danosos. Essa imposição estabelecida pelo meio social regrado, através dos integrantes da sociedade humana, de impor a todos o dever de responder por seus atos, traduz a própria noção de justiça existente no grupo social estratificado. Revela-se, pois, como algo inarredável da natureza humana” (STOCO, 2007, p.114).
Em consonância, o entendimento de Maria Helena Diniz,
A responsabilidade é aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado , por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal. (DINIZ,2014, p.51).
A responsabilidade civil possui diversas funções, a primeira é estabelecer o equilíbrio violado pelo dano, restituindo o ofendido o status quo ante, a segunda é servir como sanção civil compensatória, punindo o ofendido e inibindo a prática dos atos lesivos. Minoritariamente, é apresentada a precaução como terceira função esta é derivada do direito ambiental. Ademais, tem a função reparatória a qual engloba a ressarcitória, restitutória e satisfativa; a função punitiva e precaucional.
Em síntese, baseado nessas considerações, a responsabilidade civil é um instituto jurídico que obriga alguém a reparar ou ressarcir dano causado por ele ou por quem ou aquilo que está sob sua tutela. A obrigação de indenização está fundada na culpa, responsabilidade subjetiva ,quando se presume ideia de ilícito e fundada também no risco, responsabilidade objetiva. Por fim, ressalta-se que a indenização engloba o ressarcimento quando atinge direito material e reparação quando causa dano moral.
2.1 ESPÉCIES DA RESPONSABILIDADE CIVIL
A responsabilidade civil transmite a ideia de que todo risco deve ser assegurado. A proteção aos riscos faz com que esse dispositivo jurídico seja tão dinâmico, flexível e frequentemente aplicado. Além disso, seu dinamismo e expansão ocorreram inicialmente na modernidade, com o advento da industrialização, seguindo da globalização e consequentemente aumento da circulação de bens e pessoas, produção de bens em larga escala e beneficiários de indenizações e perduram até os dias atuais na proteção da saúde humana, perigos à vida e ao patrimônio histórico.
A responsabilidade civil é classificada pela doutrina considerando a culpa e o caráter jurídica da norma violada. Referente a primeira classificação, a responsabilidade é dividida em objetiva e subjetiva. Em razão do segundo critério ela pode ser dividida em responsabilidade contratual e extracontratual.
Até momento da história anterior a Lei de Aquilia, apenas responsabilidade civil subjetiva bastava para a resolução de todos os casos. Entretanto, no decorrer do tempo, foi percebido pelos estudiosos, doutrinadores e pela jurisprudência que a responsabilidade, fundada somente na culpa era insuficiente para solucionar todos os casos existentes. Como já mencionado anteriormente, declínio da responsabilidade civil subjetiva se deu principalmente em razão da evolução da sociedade industrial e o consequente aumento dos riscos de acidentes de trabalho ,circulação das pessoas e bens. Em relação ao tema o tema Rui Stoco explica:
A necessidade de maior proteção a vitima fez nascer a culpa presumida, de sorte a inverter o ônus da prova e solucionar a grande dificuldade daquele que sofreu um dano demonstrar a culpa do responsável pela ação ou omissão. O próximo passo foi desconsiderar a culpa como elemento indispensável, nos casos expressos em lei, surgindo a responsabilidade objetiva, quando então não se indaga se o ato é culpável. (STOCO, 2007, p. 157).
Nesse cenário, surge responsabilidade civil objetiva que dispensa a culpa. A teoria do risco é o fundamento dessa espécie de responsabilidade, sendo resumida por Sergio Cavalieri nas seguintes palavras: “Todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou independente de ter ou não agido com culpa. Resolve-se o problema na relação de nexo de causalidade, dispensável qualquer juízo de valor sobre a culpa” (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 137).
A segunda classificação é a da responsabilidade civil contratual ou extracontratual. A contratual caracteriza o dano em virtude da celebração ou da execução de um contrato. Aqui a obrigação é de resultado e presume-se a culpa do devedor inadimplente. Nesse caso, há a inversão do ônus da prova, uma vez que compete ao devedor apresentar inexistência de culpa ou outra excludente da responsabilidade civil. Nessa espécie, excepcionalmente, dispensa-se a prova do dano, mas é presumido quando houver a cláusula penal. Ainda referente à responsabilidade contratual, antes de surgir a obrigação de indenizar, já existe uma relação entre o autor do dano e o lesionado. Já a extracontratual, também titulada como aquiliana, divergente da responsabilidade contratual , na extracontratual o vínculo entre o agente e a vítima só surge após a prática do ato. Exemplificando, a responsabilidade extracontratual está presente nos acidentes de trânsito, na obrigação de reparação daquele prejudicado.Na responsabilidade aquiliana, o ônus da prova da culpa é da vítima. Esta deve comprovar que o responsável pelo dano agiu de forma culposa.
Outrossim, tanto na responsabilidade contratual quanto na extracontratual, exige-se os pressupostos de culpa do agente, conduta, o dano e o nexo causal.
2.2 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIIVIL
A responsabilidade civil é um dispositivo jurídico muito flexível e abrangente, pois é aplicado facilmente em diversas relações civis. Contudo, deverá ser observado cautelosamente os requisitos principais, denominados como pressupostos, para avaliar se realmente é oportuna a aplicação desse dispositivo. Vale ressaltar, que não há um entendimento unânime acerca da quantidade destes pressupostos que variam entre três e quatro requisitos. Desse modo, o presente artigo abordará os requisitos mais próximos da unanimidade para a caracterização da responsabilidade civil, são eles: a conduta (a ação ou omissão culposa do agente); o dano ,o nexo de causalidade e a culpa.
2.2.1 AÇÃO OU OMISSÃO CULPOSA DO AGENTE
A conduta é o requisito inicial do ato ilícito. No entendimento de Stoco (2007, p. 129) “o elemento primário de todo ilícito é uma conduta humana e voluntária. Caracteriza-se por conduta o comportamento humano voluntário, que se expressa através de uma ação ou omissão, produzindo consequências jurídicas. "
Na lição de Maria Helena Diniz a conduta é:
“A ação, elemento constitutivo da responsabilidade, vem a ser o ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou licito, voluntario e objetivamente imputável do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado.” (DINIZ, 2005, p. 43).
O ato comissivo é aquele que não deveria ter sido realizado, enquanto a omissão é a inobservância de um dever. A voluntariedade é requisito essencial da conduta, uma vez que representa a liberdade de escolha do agente. A conduta deverá ser contrária ao sistema jurídico . Salienta-se que voluntariedade significa discernimento e consciência da ação, e não a consciência de causar um resultado danoso. Destaca-se ainda, que a voluntariedade deve estar presente tanto na responsabilidade civil subjetiva quanto na responsabilidade objetiva.
2.2.2 DANO
Como um dos pressupostos que caracterizam a responsabilidade civil, o dano é a lesão ao bem tutelado, é o resultado de uma ação contrária ao ordenamento jurídico a qual viola direito de outrem, praticado por ato comissivo ou omissivo. A ação pode ter sido oriunda de um agente, seus dependentes, por animais ou coisas que são vinculadas a ele. O ato nocivo prejudica o ofendido, pois gera a diminuição ou desvalorização de um bem seu juridicamente tutelado impedindo o aumento devido a cessação do lucro.
Destaca-se que o bem tutelado pode ter caráter econômico ou não econômico. Exemplificando, um escultura será considerado um bem econômico, também designado como patrimonial, já a moral de um indivíduo ou o patrimônio histórico de uma cidade um bem não econômico. Segundo Fernando Noronha (2007, p. 473) o dano é:
“ Prejuízo de natureza individual ou coletiva, econômico ou não-econômico, resultante de ato ou fato antijurídico que viole qualquer valor inerente à pessoa humana, ou atinja coisa do mundo externo que seja juridicamente tutelada”.
Em consonância, o entendimento de Maria Helena Diniz e reforçando, o ensinamento de Rui Stoco:
"O dano pode ser definido como a lesão (diminuição ou destruição) que, devido a um certo evento, sofre uma pessoa, contra a sua vontade, em qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral” (DINIZ, 2006)
“O dano é, pois, elemento essencial e indispensável à responsabilização do agente, seja essa obrigação originada de ato ilícito ou de inadimplemento contratual, independente, ainda, de se tratar de responsabilidade objetiva ou subjetiva.” (STOCO, 2007, p. 128)
Outrossim, o dano não é somente um elemento da responsabilidade civil, mas também um determinante do dever de indenizar, uma vez que indenização sem dano implicaria em enriquecimento ilícito sem causa para quem a recebesse e pena para quem a pagasse. Através da indenização, a responsabilidade civil cumpre sua função de reparação e sanção civil compensatória. A indenização tem a finalidade de reparar e ressarcir o prejuízo sofrido pela vítima, reintegrá-la ao estado em que se encontrava inicialmente, consequentemente pune a o agente com o dever de pagar o valor equivalente ao dano.
O dano pode ser dividido em patrimonial e extrapatrimonial. O primeiro também conhecido como material ou econômico é aquele que causa destruição ou diminuição de um bem de valor econômico. O segundo também chamado de moral ou não econômico é aquele que atinge um bem que não tem caráter econômico, não é mensurável e não pode retornar ao estado inicial. O dano patrimonial subdivide-se em danos emergentes e lucros cessantes. O emergente consiste no efetivo prejuízo suportado pelo ofendido, ou seja, o que ele efetivamente perdeu em razão do dano. É a lesão que vem de imediato, em razão de um desfalque concreto do patrimônio da vítima, não há grandes dificuldades para a valoração da indenização. Já o lucro cessante corresponde àquilo que a vítima perdeu em decorrência do dano, aquilo que razoavelmente deixou de lucrar. É também denominado de lucro frustrado, pois corresponde à frustração daquilo que era esperado futuramente. Portanto, o lucro cessante corresponde a um prejuízo projetado para o futuro.
Os bens extrapatrimoniais são aqueles vinculados ao direito da personalidade, bem como direito a vida a integridade moral, física, psíquica e ou histórica. Ademais, possuem valor imensurável o que dificulta valorar a sua reparação. Vale ressaltar, que “o dano moral não é a dor, a angústia, o desgosto, a aflição espiritual, a humilhação, o complexo que sofre a vítima do evento danoso, pois esses estados de espírito constituem o conteúdo, ou melhor, a consequência do dano” (GONÇALVES, 2009, p. 616). O dano moral pode ser subdividido em direto, quando afetam direito da personalidade (vida, liberdade, honra, intimidade) ou indireto, quando atinge interesse não patrimonial em decorrência de uma lesão ao patrimônio da vítima.
Por fim, diverso a responsabilidade penal em que se admite a inexistência do dano, na responsabilidade civil esse pressuposto é essencial.
2.2.3 NEXO DE CAUSALIDADE
Entende-se como nexo de causalidade o vínculo entre a conduta do agente ao dano causado, ou seja, é a relação de causa e efeito entre a conduta e o dano. Esse pressuposto auxilia na descoberta de quem foi o responsável pela lesão, uma vez que para ser identificada a responsabilidade civil do autor , não basta que ele tenha praticado uma conduta ilícita, e nem que a vítima tenha sofrido dano. É fundamental que o dano tenha sido causado pela conduta ilícita do agente e que exista entre ambos uma necessária relação de causa e efeito.
Estabelecer o nexo de causalidade não é simples, por isso, o legislador elencou hipóteses em que a o indivíduo será obrigada a reparar o dano ainda que não seja a responsável por ele. É o caso da responsabilidade por fato de terceiro, de animal ou coisa que esteja sob sua salvaguarda e de seus dependentes. Dessa forma, como já citado anteriormente, é possível existir a responsabilidade sem culpa do agente, porém, a responsabilidade só poderá existir se houver nexo de causalidade entre a conduta do autor e o prejuízo sofrido pela vítima.
2.2.4 CULPA
A culpa é o pressuposto caracterizado por ser uma ação voluntária, praticada com falta de cuidado ou omissão, oposta ao ordenamento jurídico que resulta em um dano que, embora seja previsível, se resultou involuntariamente. Portanto, o agente age de modo voluntário, mas não tem a intenção de resultar em evento danoso. Segundo Sérgio Cavalieri, no sentido amplo culpa é a “conduta voluntária contrária ao dever de cuidado imposto pelo Direito, com a produção de um evento danoso involuntário, porém previsto ou previsível” (CAVALIERI FILHO, 2009, p. 34).
Considera-se a culpa em sentido amplo ou a culpa genérica (culpa lato sensu), que engloba o dolo e a culpa estrita (stricto sensu).O Código Civil Brasileiro caracteriza o ato ilícito, previsto no art.186, a suas característica principais são antijuricidade e imputabilidade. O ato ilícito estabelece que este somente se concretizará se o comportamento for culposo. Nota-se que a culpa lato sensu, que engloba tanto a dolo, quanto a culpa em sentido estrito. Por dolo entende-se, em síntese, como intenção livre e consciente de prática de determinada conduta, pode ser entendido como uma forma de culpa no sentido amplo. Já na culpa stricto sensu não há a intenção de danificar. Observa-se que a conduta é voluntária, mas o resultado alcançado não. O agente não almeja o resultado, mas acaba por atingi-lo ao agir sem o dever de cuidado. A inobservância desse dever revela-se as três formas de culpa que se expressam no sentido estrito: imprudência, negligência ou imperícia.
O autor Rui Stoco (2007, p. 130) apresenta essas três maneiras de culpa. A primeira é a imprudência, vista como o comportamento apressado, exagerado ou excessivo. A segunda é a negligência, que ocorre quando o agente se omite e deixa de agir quando deveria fazê-lo ou deixa de observar regras de bom senso, que recomendam zelo e cuidado. E por fim, a imperícia, verificada pela atuação profissional desqualificada, sem conhecimento técnico e científico, conduzindo ao dano.
A culpa possui quatro classificações, quanto a origem; quanto a atuação do agente; critério de análise, quanto a presunção e o grau de culpa. Quanto a origem, poderá ser contratual ou extracontratual que já foi exposta no item 3.1 deste artigo. Quanto a atuação do agente, poderá ser Culpa in comittendo ou faciendo quando o agente realiza uma ação comissiva, positiva, violando um dever jurídica, relacionada com a imprudência. Poderá ser Culpa in omittendo quando vinculada a uma omissão culposa, ou seja, negligente. Referente ao critério da análise poderá ser Culpa in concreto que analisa-se a conduta conforme com o caso concreto. Culpa in abstrato que considera a pessoa natural comum, ou seja, o antigo critério do homem médio. Quanto a presunção poderá ser Culpa in vigilando no caso de quebra do dever legal de vigilância como era o caso, exemplificando, a responsabilidade do pai pelo filho, do tutor pelo tutelado, do curador pelo curatelado. Pode ser Culpa extracontratual ou aquiliana aquela resultante da violação de um dever fundado em norma do sistema jurídico ou de um abuso de direito. Poderá ser Culpa in custodiendo presumindo que a culpa decorreria da falta de cuidado em se guardar uma coisa ou animal. Finalmente, quanto ao grau da culpa que poderá ser levíssima, média e grave. Considera-se como levíssima aquele que possui menor grau , situação em que o fato só teria sido evitado mediante o emprego de cautelas extraordinárias ou de especial habilidade. Configura-se como média a culpa intermediária, situação em que a conduta se desenvolve sem a atenção normalmente devida. E por último a grave, também denominada com lata, á uma imprudência ou negligência de elevada intensidade em que agente até que não queria o resultado, mas agiu com tamanha culpa de tal forma que parecia que o quisesse.
Na responsabilidade civil subjetiva, somente haverá o dever de reparação quando a conduta do autor for culposa, pois somente esta é capaz de causar prejuízos a outrem. Além da ação ou omissão do agente é fundamental que sua conduta seja culposa.
Pertinente, enaltecer novamente, que para o Direito Civil não importa se o autor agiu com dolo ou culpa, haverá imputação do dever de reparação do dano ou indenização dos prejuízos, conforme o princípio de reparação do dano.
Existem divergências doutrinárias acerca da culpa como pressuposto da responsabilidade civil. Parte dos doutrinadores, como para Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona entendem que a culpa, em sentido lato, abrangendo o dolo, não é pressuposto geral da responsabilidade civil. Na visão destes autores falta a generalidade para a culpa ser pressuposto da responsabilidade civil. Entretanto, a maioria dos doutrinadores entendem que o conteúdo disposto no artigo 186 do Código Civil deixa claro que o ato ilícito só é configurado em caso de comportamento culposo, mediante dolo ou culpa stricto sensu, portanto a culpa é condição elementar do ato ilícito, e por conseguinte, da responsabilidade civil São inúmeros os posicionamentos neste sentido, tais como Marcel Leonardi, Silvio Venosa, Flávio Tartuce e Sérgio Cavalieri
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3 RESPONSABILIDADE CIVIL NA PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO CULTURAL
A tutela do patrimônio histórico cultural brasileiro é de responsabilidade do Poder Público e de todos os cidadãos. O Estado, por intermédio do seu Poder de Polícia, tem o dever-poder de determinar que o particular utilize sua propriedade privada conforme a sua função social, bem como na hipótese em que um bem de natureza privada possa compor o patrimônio cultural nacional.
O ordenamento jurídico brasileiro disponibilizou amparo à defesa do patrimônio histórico cultural através do Decreto-lei n˚ 25/37 e da Constituição Federal no artigo 216. Além disso, dispôs A Lei n.º 7.347 de 24 de junho de 1985, que disciplina a Ação Civil Pública para ingressar com ação de defesa do bem tutelado de valor cultural nacional. Além dessa ação, existe a ação popular e a de improbidade administrativa que também atuam nessa proteção.
Contemporaneamente, o direito de propriedade perdeu o caráter absoluto da proprietário poder usar, gozar e dispor em qualquer circunstância, sem nenhum limite. Logo, não há mais como se falar em direito de propriedade sem antes pensar na sua função social como inerente à sua natureza jurídica e condicionando todo o seu exercício. Por isso, o Estado poderá intervir na propriedade privada afim de assegurar que cumpra sua finalidade social e atuar na proteção e fiscalização do patrimônio histórico cultural nacional através do instituto do tombamento. Este procedimento administrativo sujeitará ao proprietário do bem a restrições parciais para conservação do bem de interesse coletivo e a fiscalização do Poder Público sob esse bem. Na visão de Hely Lopes Meireles "Tombamento é a declaração, pelo Poder Público, do valor histórico, paisagístico, cultural ou científico de coisas que, por essa razão, devem ser preservadas de acordo com a inscrição no livro próprio."
O Estado implica àquele que possui a posse do bem tutelado obrigações negativas referente à destruição ,demolição, mutilação, reparação ou pintura sem a autorização do Instituto Brasileiro do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. Outrossim, importa ao proprietário obrigação de suportar, pois o proprietário ficará sujeito à fiscalização do bem pelo órgão competente, sob pena de multa caso de oponha à vigilância.
O objeto tutelado poderá ser móvel ou imóvel, tendo como requisito obrigatório a vinculação do objeto com fatos memoráveis, históricos ou artísticos nacionais. Salienta-se que o ordenamento jurídico não exige que um bem seja tombado para ser amparado juridicamente. Na visão de Paulo Afonso Leme Machado:
Não é exigida a prévia classificação da Administração Pública para se conceituar esses bens e direitos. Não se exige, o prévio tombamento provisório ou definitivo do bem. Parafraseando o direito penal, não se trata aqui de norma civil em branco. Caso não estejam declarados pela Administração Pública em categoria que os inclua na qualidade de bens e direitos tutelados, essa condição poderá ser conhecida e, portanto, provada no curso da ação. A lei não quis subtrair ao juiz a possibilidade de considerar dignos de proteção, bens e direitos cujo valor ainda não houveram sido protegidos pela Administração Pública. Entender de outra forma seria retirar do Poder Judiciário a possibilidade de examinar lesão a direito individual, o qual, evidentemente se enquadra em âmbito maior, no direito social (artigo 153, § 4o da Emenda Constitucional n.º 1 de 1969).(in, Ação Civil Pública, ed. Revista dos Tribunais, 2a ed., São Paulo, 1987, p. 15).
O interesse na preservação do patrimônio é de extrema importância, já que são essas memórias que mostram as características, formação civilizatória, desenvolvimento e realidade dos grupos humanos. Na obra " O povo brasileiro" de Darcy Ribeiro , fica clara que é a cultura que define uma sociedade na forma de grupo identitário e os difere dos demais grupos, não uma demarcação territorial, como popularmente se pensa.
Além disso, a preservação auxilia na compreensão das diferenças e combate aos preconceitos reduzindo intolerância e aumentando o respeito entre diferentes grupos, pois cada individuo compreende que cada realidade cultural tem sua lógica interna o que gera pensamentos e formas de vida diferentes. Por fim, assegura a dignidade nas relações humanas. Salienta-se que o bem arqueológico poderá ser um bem concreto estritamente patrimonial, como manifestação artística abstrata a exemplo de um tipo de dança ou religião. Todavia, este artigo discorre acerca do patrimônio material. Entende-se por cultura todos os aspectos que participam da construção da vida social.
Na lição de José Luiz dos Santos cultura é definida como,
“Dimensão do processo social da vida de uma sociedade. Não diz respeito apenas a um conjunto de práticas e concepções, como por exemplo se poderia dizer da artes. Não é apenas uma parte da vida social como por exemplo se poderia falar da religião. Não se pode dizer que cultura seja independente da vida social, algo que nada tenha a ver com a realidade onde existe. Entendida dessa forma, cultura diz respeito a todos os aspectos da vida social, e não se pode dizer que ela exista em alguns contextos e não em outros. Cultura é uma construção histórica, seja como concepção, seja como dimensão do processo social. É um produto coletivo da vida humana”
A defesa das manifestações históricas é um fato a ser defendido não só pela comunidade local, mas por todos que tenham sensibilidade e desejam preservar a história nacional, visto que é um dos interesses difuso garantidos pela Lei Maior. Relembrando que os interesses difusos são aqueles transindividuais, de caráter indivisível e que seus titulares sejam indeterminados vinculados por uma circunstância fáticaPortanto, tais interesses devem ser sempre protegidos e tutelados pelo Poder Público. Estes estão disposto no art.216 da Constituição Federal.
Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científica § 1o- O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. § 4o. Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos na forma da lei.
A Lei n.º 7.347 de 24 de junho de 1985, disciplina a Ação Civil Pública. Essa lei cria os mecanismos para que efetivamente patrimônio arqueológico seja protegido e que os responsáveis pelos danos causados a esses bens sejam punidos com indenização. Exemplificando a razão aplicação da sanção: a condenação dos responsáveis pela realização da conduta danosa na obrigação negativa, no sentido de não realizar obra que causa impacto negativo, como destruição ou descaracterização do bem histórico. Condenação dos que tem a posse de bens tombados na obrigação de fazer reparação prevista e indenização pelo dano causado.
Sempre que um bem tombado é atingido ele afeta toda a história de uma região, do povo cultura e tradição o que exige imediata intervenção do Poder Judiciário para assegurar à população a conservação de sua história.
A conservação dos monumentos históricos e objetos artísticos visa um interesse de educação e de cultura; a proibição legal de os mutilar, destruir ou desfigurar está implícita nessa conservação; a obrigação de conservar, que daí resulta ao proprietário, se traduz no dever de colaborar na realização desse interesse público”. (Junqueirain Wolgram, Ação Civil Pública", ed. Julex Livros Ltda., Campinas - SP, 1987, p. 64).
"A exibição pública de um artefato, pintura, edifício antigo, sítio arqueológico, é algo 'fora do normal'. As relações entre o observador e o observado são diferentes das relações originais de usuário e objeto de uso. Esse processo de exibição de acesso aos tesouros de uma cultura, é um fenômeno no mundo contemporâneo e responde à necessidade das pessoas restabelecerem algum contato vivencial com a evidência material de seu próprio passado. A validade desse processo não pode ser questionada.(in, Preservação do Patrimônio Arquitetônico, publicações do Curso de Preservação do Patrimônio Ambiental Urbano - USP, São Paulo, 1981, p. 61.
Os cidadãos também devem, apoiar e defender a tutela do patrimônio histórico cultural. Devem manifestar expressamente o desejo de preservação do bem histórico e repudiar a substituição de obras de valores históricos por construções que as afetem ingressando com ação civil pública ou informando autoridades competentes. Essas destruições ou deformações dos bens históricos por diversas vezes são realizadas visando meramente lucro, ignorando valores históricos que construíram a memória de uma sociedade.
Contemporaneamente, observa-se a despreocupação e desvalorização do patrimônio histórico cultural, tanto pelo Poder Público quanto dos cidadãos. Esta desvalorização é claramente vinculada ao conflito entre cultura e história versus lucro. O atual sistema econômico capitalista se preocupa cada vez menos com as necessidades sociais deixando de atendê-las em busca de atrair e manter investidores e empresários que almejam apenas enriquecimento próprio. A busca incessante por lucro não inclui a proteção do patrimônio histórico, pois esta não gera tanto capital como a construção de um grande centro comercial, centro de industrialização ou grandes shoppings centers. O exemplo mais recente dessa desvaloração foi a tentativa da extinção do Ministério da Cultura e da redução do investimento e repasse de recursos para o IPHAN.
Por conseguinte, a defesa da conservação do patrimônio não é repassada, muito pouco ensinada nos institutos educacionais, mídias de grande circulação e outros veículos influenciadores. Dessa forma, a redução de fomento diminui o número de investidores e é esquecido pelos cidadãos.
3.1 RESPONSABILIDADE DO PARTICULAR PELA DEFESA E MANUTENÇÃO DO PATRIMÔNIO QUANDO TOMBADO.
A responsabilidade do particular , de modo geral, é a defesa dos interesses difusos e em preservar a cultura. Eles podem atuar na defesa indicando bens que merecem reconhecimento devido ao seu valor histórico e no ingresso da ação contra aquele que danifica o bem, tombado.
No entanto, para o indivíduo que tem posse do bem a responsabilidade civil inicia após tombamento. Nesse momento, o proprietário se alinha a função pública, além disso lhe é imputado obrigações positivas, negativas e de suportar. As obrigações positivas consistem em realizar obras de conservação necessárias à preservação ou, se não tiver meios, comunicar a sua necessidade ao órgão competente. Quanto às obrigações negativas ,o proprietário não pode destruir, demolir ou mutilar as coisas tombadas, nem repará-las, pintá-las ou restaurá-las sem prévia autorização do IPHAN. No que se refere às obrigações de suportar, o particular fica sujeito à fiscalização do bem pelo órgão competente, sob pena de multa em caso de opor a vigilância. Os proprietários do bem tombado devem obedecer ao regime jurídico administrativo, que comportam, os princípios da moralidade, legalidade, eficiência, publicidade, proporcionalidade, razoabilidade e impessoalidade. Ademais, obediência a função social da propriedade, prevenção de danos e responsabilização pelos danos causados aos bens protegidos. Em razão disso, a atuação do proprietário em desconformidade com a previsão legal que causar dano ao patrimônio arqueológico, seja por ação ou omissão, gera o dever de indenizar a sociedade pelo dano causado. O proprietário responde subjetivamente em face dos danos material e moral causados pela manutenção ineficiente, assim como pela demora ou omissão em avisar o órgão competente sobre a necessidade de reparação do bem tombado. Por outro lado, podemos considerar a hipótese de que o particular aja com dolo.
Nesse cenário surgem as ações judiciais que já se colocam para a defesa do patrimônio cultural em nosso sistema jurídico. No âmbito das ações para apurar a responsabilidade pelos danos causados ao patrimônio artístico, histórico e cultural, temos a ação civil pública, a ação popular e a ação de improbidade administrativa.
Existem jurisprudências que abordam responsabilidade do Estado e do cidadão na preservação do patrimônio histórico. A exemplo a TJ-PE - Apelação Cível : AC 42304 PE 000000000000
EMENTA
CONSTITUCIONAL. DIREITO DE PROPRIEDADE. APELAÇÃO. PATRIMÔNIO HISTÓRICO. IMÓVEL. DANOS. RECONSTITUIÇÃO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. IMPROVIMENTO POR UNANIMIDADE.
1. O dano a imóvel tombado pelo patrimônio histórico enseja a obrigatoriedade da sua reparação.
2. A não observância de licença para construção ou reforma configura o dano e implica na reconstituição do projeto original.
3. Prevalece, nesses casos, a responsabilidade objetiva independentemente de dolo ou culpa bastando configurar o nexo de causalidade entre o ato e o dano.4. O direito a propriedade tem que ser exercido obedecendo aos ditames do plano diretor da cidade, com objetivo de cumprir sua função social.5. Apelo improvido por unaminidade, com a ressalva de que a cobrança dos ônus sucumbenciais deve ser suspensa pelo prazo máximo de cinco anos, nos termos do art. 12 da Lei nº 1060/50.
E a exemplo da TRF-1 - APELAÇÃO CIVEL : AC 199839000014398 PA 1998.39.00.001439-8
Ementa
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. QUEDA DE ÁRVORE. DANOS PATRIMONIAIS A IMÓVEL TOMBADO. DESNECESSIDADE DE AVERBAÇÃO DO TOMBAMENTO. OMISSÃO DO MUNICÍPIO NA PRESERVAÇÃO DE BENS DE USO COMUM DO POVO. NEXO DE CAUSALIDADE. DEVER DE INDENIZAÇÃO. SENTENÇA MANTIDA.
3.2 RESPONSABILIDADE DO ESTADO PELA INEFICIÊNCIA DO SERVIÇO PRESTADO À SOCIEDADE QUANTO À REPARAÇÃO DO BEM TOMBADO
Nas décadas de 1950 e 1960, houve um interesse do Poder Público em desenvolver o país. O governo dessa época, Juscelino Kubistchek (1955-1961),foi marcado por impulsionar o desenvolvimento econômico, industrial, urbano e de mobilidade no Brasil. Entretanto, esse interesse público marcado pelo desenvolvimento nem sempre ia ao encontro das necessidades e perspectivas da preservação do patrimônio histórico e artístico nacional. Pelo contrário, a preservação significava ameaça aos bens protegidos e àqueles que potencialmente tendiam a se tornar tutelados. Porém, quando esse desenvolvimento esperado ocorre de forma de desordenada, acarreta uma série de perigos causados pela aceleração de centros urbanos sem planejamento estratégico e sem conciliar o espaço histórico com a necessidade da ampliação da zona urbana. Isso ocorre ao executar grandes obras e instalação de grandes equipamentos industriais e comerciais, ao distribuir e colar em muros cartazes publicitários e anúncios. A exemplo disso, o rápido desenvolvimento urbanístico do país somada a sua crescente industrialização e valorização imobiliária.
Entretanto, observa-se que o conflito entre desenvolvimento econômico versus preservação do patrimônio histórico cultural iniciado nas décadas de 50 e 60 perdura até os dias atuais. Recentemente, houve a tentativa da extinção do Ministério da Cultura e, frequentemente, ocorre a redução do investimento e repasse de recursos para o IPHAN enfraquecendo essa autarquia responsável na preservação do patrimônio cultural brasileiro.
Apesar da crescente desvalorização e queda do interesse na preservação do patrimônio arqueológico, o Estado ainda tem a salvaguarda e responsabilidade civil na proteção do patrimônio histórico cultural do país. Na hipótese do particular não cumprir, seja por impossibilidade ou omissão, com a sua obrigação de reparação do bem tombado, o Poder Público deverá agir. O Estado, através de ato discricionário, poderá escolher se a reparação ocorrerá de forma direta ou indireta. Caso a restauração ocorra de modo direto pelo Poder Público, este tem o dever de indenizar os danos, morais e materiais, sofridos pela coletividade em seu patrimônio histórico e cultural. A responsabilidade do Estado, neste caso, será objetiva, conforme com o disposto no art. 37, §6º, da Constituição Federal. Entretanto, se o Estado terceirizar a prestação desse serviço , a responsabilidade pelos danos causados será do particular, que ocorrerá de forma subjetiva, segundo a disposição do Código Civil.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mundialmente se reconhece a necessidade da preservação da cultura e da memória, uma vez que o patrimônio arqueológico tutelado participou do desenvolvimento da sociedade. Portanto, o Poder Público e o particular possuem responsabilidade civil na preservação do patrimônio histórico cultural. A defesa desse patrimônio pode ser realizada pelo cidadão particular na forma de ingresso com ação civil pública ou avisar autoridade competente sempre que notar ameaça a um patrimônio; pelo cidadão particular que possui a posse de um bem tombado zelando e reparando quando necessário. O Estado atua através do tombamento na salvaguarda dos bens considerados históricos e punindo àqueles que o destruírem e aplicando sanção ao indivíduo que possui a posse do bem, mas não o conserva como deveria. Ademais possui a responsabilidade de reparação quando não realizada pelo particular que possui a posse do bem.
A defesa pelo Estado, assim como a do particular, são findadas na responsabilidade civil que cada um possui, baseado também no princípio da prevenção e na reparação do dano causado. Aquele que se omitir quanto a reparação do bem ou causar lesão no bem tutelado, responde civilmente pela danificação. Em razão de não gerar muita lucratividade para o Estado e seus investidores, a preservação do patrimônio arqueológico declina cada vez mais. Fato que dificulta o investimento e interesse do particular em preservá-lo.
Em síntese, a responsabilidade civil alcança a defesa do patrimônio histórico cultural obrigando o autor do dano a indenizar e repará-lo. Assim como obriga o particular que possui a posse do bem tutelado a zelar dele restaurando sempre que necessário e o punindo quando houver omissão disso. Entende-se por responsabilidade civil, o dever atribuído a alguém em reparar o dano causado a outrem, baseado na ideia de não permitir que nenhuma vítima fique sem reparação. A responsabilidade civil no sentido subjetivo fundamenta-se no ato ilícito, obrigando o responsável pela lesão indenizar o dano causado pela transgressão de um dever jurídico pré-existente. Já na responsabilidade objetiva, pouco importa a culpa do agente, pois a reparação do dano baseia-se no risco da atividade desenvolvida. O nexo causal, dano e conduta são requisitos essenciais para qualquer espécie de responsabilidade, ao contrário do que acontece com a culpa, que não esta presente na responsabilidade objetiva.
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