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Resumo:
RESUMO
O presente estudo representa uma análise sobre o entendimento doutrinário e jurisprudencial, a respeito do dever de indenizar danos materiais e danos morais em caso de homicídio no âmbito da Responsabilidade Civil do Estado.
Texto enviado ao JurisWay em 27/06/2016.
Última edição/atualização em 28/06/2016.
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O DEVER DO ESTADO DE INDENIZAR EM CASO DE HOMICÍDIO DE DETENTO
RESUMO
O presente estudo representa uma análise sobre o entendimento doutrinário e jurisprudencial, a respeito do dever de indenizar danos materiais e danos morais em caso de homicídio no âmbito da Responsabilidade Civil do Estado. Para isso, a princípio, estudar-se-á a evolução histórica da responsabilidade civil e sua introdução no ordenamento jurídico brasileiro. Ademais, trataremos da responsabilidade civil e o dever de indenizar em caso de homicídio através da análise do artigo 948 do Código Civil atual, dissertando sobre o dano e suas espécies, como o dano patrimonial e suas subespécies, como dano emergente e lucros cessantes e o dano moral e seu cabimento. Finalmente, concluindo este estudo, será abordado especificamente o tema escolhido para esta monografia, verificando, assim, que há a responsabilização do Estado em caso de homicídio de detento, quando de sua conduta omissiva, ou seja, quando este não agiu quando deveria fazê-lo, mas que, no entanto, há posicionamentos antagônicos no que diz respeito à natureza jurídica desta responsabilidade tanto na doutrina como nos nossos Tribunais. Com tudo, o que se observará é que, não obstante dita divergência, o que tem prevalecido é o entendimento de que a omissão do Estado em caso de homicídio de detento, é a responsabilidade objetiva, ou seja, independente de culpa, também chamada de omissão específica gerando um dano ao administrado e sua conseqüente obrigação de indenizá-lo, pois o Estado tem o dever individualizado de agir, entendo que os demais casos serão pautados na responsabilidade subjetiva, o que seria a denominada omissão genérica.
Palavras-chave: Responsabilidade, Dano, Homicídio, Omissão, Estado, Objetiva, Subjetiva, Monografia, Detento, Presídio.
ABSTRACT
This study represents an analysis of the doctrinal and jurisprudential understanding, regarding the duty to indemnify damages and moral damages in murder case under the Civil Liability of the State. For this reason, in principle, will study the historical evolution of civil liability and its introduction into the Brazilian legal system. Furthermore, we address the liability and the duty to indemnify in case of murder by analyzing Article 948 of the current Civil Code, expounding on the damage and its species, such as damage to property and its subspecies, such as lost profits and consequential damages and moral damages and its place. Finally, concluding this study, will be addressed specifically the theme chosen for this monograph, checking, so that there is accountability of the state in case of murder of a detainee, while omission of his conduct, that is, when not acted when he should do it, but that, however, there are opposing positions regarding the legal nature of that responsibility both in doctrine and in our courts. In all, it is observed that, despite divergence said, what has prevailed is the understanding that the omission of the State in case of murder of a detainee, is the objective responsibility or, regardless of fault, also called specific omission causing damage to managed and its consequent obligation to indemnify it, because the individual State has the duty to act, I understand that other cases will be guided by the subjective responsibility, which would be called a generic omission.
1 INTRODUÇÃO
A Responsabilidade Civil é com toda certeza um dos temas mais emocionantes do ramo do direito, muito por conta da grande diversidade de assunto que possibilitam uma ampla análise do tema.
Todavia, o presente trabalho tem como escopo, o estudo da responsabilidade civil do Estado e o dever de indenizar em caso de homicídio de detento.
Em verdade, o estudo da responsabilidade do Estado por comportamentos omissivos, traz consigo um amplo campo de debate jurídico, sobretudo no que diz respeito à aplicação da teoria objetiva de responsabilização que, a cada dia, vem alcançando maior acolhida no ordenamento jurídico. Aliás, como comprovação de tal afirmação, basta uma análise das mais diversas decisões judiciais que aqui elencamos que estabeleceu a teoria da responsabilidade objetiva.
Assim, diante dessas considerações iniciais, e para uma melhor compreensão, a presente obra se dividirá em três partes.
A primeira parte apresentará breves considerações gerais acerca da responsabilidade civil, sua evolução histórica e sua introdução no sistema jurídico brasileiro.
Na Segunda parte trataremos da responsabilidade civil e o dever de indenizar em caso de homicídio através da análise do artigo 948 do Código Civil atual, dissertando sobre o dano e suas espécies, como o dano patrimonial e suas subespécies, como dano emergente e lucros cessantes e o dano moral e seu cabimento.
Por fim, na terceira parte trataremos do dever do Estado de indenizar em caso de homicídio de detento diante da aplicabilidade da teoria do risco administrativo em caso de omissão e as inúmeras divergências jurisprudenciais sobre responsabilidade objetiva e subjetiva à luz do artigo 37 parágrafo 6º da CF de 1988.
2 - A EVOLUÇÃO DA RESPONSABIIDADE CIVIL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
2.1 – VISÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE
Historicamente, o conceito de responsabilidade, de reparar o dano injustamente causado, é da natureza humana, assim sendo, sempre existiu, porém a forma de reparar o dano sofrido na sociedade primitiva era através da violência coletiva, que se caracterizava pela reação conjunta do grupo contra o agressor.
O dano sofrido provocava a reação imediata, instintiva e brutal do ofendido. Não havia regras nem limitações. Não imperava, ainda, o direito. 1
Posteriormente, passou-se para a vingança individual, privada, a Lei de Talião demonstrava a reparação, no até hoje conhecido "olho por olho, dente por dente" ou "quem com ferro fere, com ferro será ferido". O poder público pouco intervia.
Já em Roma, o sistema de responsabilidade é extraído da interpretação da "Lex Aquilia de Damno" o princípio pelo qual se pune a culpa por danos injustamente provocados, independentemente da relação obrigacional pré-existente, sendo esta razão de a responsabilidade extracontratual também ser denominada aquiliana.
A "Lex Aquilia" foi um plebiscito aprovado entre o final do séc.III a.C. e início do séc.II a.C., que possibilitou atribuir ao titular de um bem o direito de obter o pagamento de uma penalidade em dinheiro de quem tivesse destruído ou deteriorado seus bens.
A ideia de culpa é centralizadora nessa forma de reparação, e é traduzida no dolo, imperícia, imprudência ou negligência; Se não houvesse culpa, o lesante era isento de qualquer responsabilidade. O Estado passou a interferir nos conflitos privados, fixando o valor do prejuízo. Não havia distinção entre responsabilidade civil e penal, esta diferenciação só teria início na idade média.
Com a evolução da sociedade a ideia de culpa não era mais suficiente para cobrir os danos, devido a sua subjetividade, o mero risco, passou a ser causa de indenização, independente de culpa. Basta provar que o evento decorreu da atividade para gerar o dever de indenização.
A teoria de reparar o dano somente passou a ser melhor compreendida a partir do momento em que os juristas passaram a equacionar que o fundamento da responsabilidade civil situa-se na quebra do equilíbrio patrimonial provocado pelo dano, transferindo o enfoque da culpa, como fenômeno centralizador da indenização, para a noção de dano.
A cultura ocidental enfrentou logo após a segunda guerra mundial, um processo de aceleração histórica, por conta do desenvolvimento tecnológico, econômico e industrial que por sua vez trouxe importantes reflexos no universo dos contratos e no dever de indenizar.
Percebe-se por tanto, uma constante necessidade de aperfeiçoamento dos instrumentos jurídicos de modo a não deixar o Direito alheio à realidade social.
As soluções indenizatórias, sejam dentro ou fora dos processos judiciais, devem ser constantemente renovadas para estarem adequadas às necessidades práticas do homem contemporâneo.
A história da responsabilidade civil na cultura ocidental é exemplo marcante dessa situação absolutamente dinâmica, desde a clássica ideia de culpa ao risco, das modalidades clássicas de indenização para as novas formas como a perda de uma chance, introduzido pelo dinâmico direito francês, e a criação de fundos especiais para determinadas espécies de dano, como os danos ecológicos . Todas as novas conquistas jurídicas refletem um desejo permanente de adequação social.2
2.2 A RESPONSABIIDADE CIVIL NO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO
No Brasil, a Responsabilidade Civil começou a ganhar forma com o código civil de 1916, o antigo vernáculo, influenciado pelo direito francês, trazia em seu artigo 159 a obrigação de reparação do dano, consagrando a teoria da culpa como percebemos na transcrição do artigo abaixo:
“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”.
Torna-se necessário dizer que já era indiferente ser a conduta dolosa, imprudente, negligente ou imperita, sendo qualquer daquelas espécies de culpa suficiente para caracterizar a responsabilidade civil e isso independentemente da gravidade, bastando a culpa levíssima para levar à obrigação de reparar.
Carlos Robertos Gonçalves nos esclarece com perfeita definição, o conceito de imprudência, negligencia e imperícia:
“A conduta imprudente consiste em agir o sujeito sem as cautelas necessárias, com açodamento e arrojo, e implica sempre pequena consideração pelos interesses alheios. A negligência é a falta de atenção, a ausência de reflexão necessária, uma espécie de preguiça psíquica, em virtude da qual deixa o agente de prever o resultado que podia e devia ser previsto. A imperícia consiste sobretudo na inaptidão ou omissão de providência que se fazia necessária; é, em suma, a culpa profissional.”3
A exigência da culpa, nos mesmos moldes já expostos, continua sendo a regra também no atual Código Civil, em vigor desde 11 de janeiro de 2003, por força do artigo 2.044, da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. É o que se verifica da conjugação dos artigos 927 caput e 186 do referido diploma legal.
Enquanto o caput da norma contida no artigo 927 estipula que:
“aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
O dispositivo trazido pelo artigo 186 deixa claro que a culpa normalmente é exigida para a configuração da responsabilidade civil.
Isso ocorre em razão da exigência de ser culposa a conduta causadora do dano, seja em decorrência de imprudência ou de negligência, na qual se insere a imperícia de maneira implícita.
Vale a pena explicitar o conteúdo normativo citado:
“Artigo 186 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Igualmente relevante é a inclusão expressa da possibilidade de indenização por dano moral, que já vinha sendo amplamente admitida pela jurisprudência, até mesmo em virtude de permissão constitucional.
Fruto do projeto de lei 634-B/75, o atual Código Civil manteve como regra a responsabilidade civil subjetiva, mas, por outro lado, ampliou o campo dos casos de responsabilidade civil objetiva, notadamente através da teoria do risco. É o que se extrai do parágrafo único do artigo 927:
“Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
A necessidade da lei especificar que a culpa não será exigida para que exista a obrigação de reparar demonstra que se trata de situação de exceção.
Isso porque a exceção depende de previsão expressa, diferentemente do que ocorre com a regra, que se presume. Assim, em nosso direito, a culpa é regra e, por consequência a responsabilidade subjetiva, sendo exceção a responsabilidade objetiva, na qual a culpa sequer é cogitada.
Nesse aspecto nenhuma novidade trouxe o novo Código, pois assim já era na legislação revogada. Exemplo nítido da responsabilidade objetiva por determinação legal é a do Código de Defesa do Consumidor, que data de 1990, sustentada sobretudo pela hipossuficiência do consumidor em relação ao fornecedor.
Mas além da inexistência da culpa quando assim expressamente estiver declarado em lei, pelo contido no artigo 927, parágrafo único, também passa a ser possível a responsabilização objetiva por previsão genérica, nos casos em que o dano for acarretado por atividade que, por sua natureza, implicar em risco para direitos da vítima. E vale frisar que assim será apesar da atividade desenvolvida ser lícita, bastando o risco por ela criado e que culminou por efetivar o dano suportado pela vítima.
A teoria do risco parte do pressuposto de que aquele que tira os proveitos da atividade deve, por uma questão de justiça, arcar com os danos advindos do exercício da atividade, independentemente da verificação da culpa.
Logo, não se cogitará se a conduta foi dolosa, imprudente, negligente ou imperita, visto que a simples verificação do evento danoso bastará para que surja de maneira objetiva a responsabilidade civil.
O artigo 187 do mesmo diploma legal dispõe que:
“também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
No caso o ato tem a aparência de lícito, mas o excesso ou abuso esconde a ilicitude nele impregnada. De qualquer modo, nessa hipótese a responsabilidade também se verificará objetivamente, ou seja, independentemente da existência de culpa.
Inegável que o mencionado dispositivo também aponta para uma tendência cada vez mais objetivista da responsabilidade civil, visando à facilitação do ressarcimento às vítimas.
No Brasil, já na era moderna, a obrigação de indenizar esteve prevista na legislação penal, foi assim, por exemplo, na época do império, quando o Código Criminal de 1830 é que previa o dever do delinquente em satisfazer a vítima pelo dano causado com o delito. Inegável, portanto, a relevância que teve, e ainda hoje têm, a responsabilidade penal para a construção da responsabilidade civil nos moldes atuais.
Do exposto até aqui, é possível perceber que, de certa forma, há uma tendência de retorno ao abandono da verificação da culpa para a imputação da responsabilidade civil.
Com isso, a responsabilidade que evoluiu do objetivismo dos primórdios para o subjetivismo aquiliano inclina a retornar ao objetivismo. Porém, a semelhança de agora com outrora termina na prescindibilidade da culpa, já que não mais se cogita de pena sobre a pessoa propriamente dita, mas sim sobre o patrimônio economicamente apreciável da mesma.
2.3 CULPA E ATO ILÍCITO
2.3.1 A culpa
Apesar de compreendermos o conceito de culpa nas relações sociais e nos casos concretos, é de consenso geral de que não é fácil estabelecer um sentido de culpa.
Parte da doutrina entende que culpa em sentido amplo, é inobservância de um dever que o agente devia conhecer e observar, não nos afastando da noção de culpa em relação ao conceito de dever.
José Aguiar Dias define que:
“A culpa é falta de diligência na observância da norma de conduta, isto é, o desprezo, por parte do agente, do esforço necessário para observá-la, com resultado não objetivado, mas previsível, desde que o agente se detivesse na consideração das consequências eventuais de sua atitude.”4
Já no entendimento de Rui Stoco,
“A culpa, genericamente entendida, é, pois, fundo animador do ato ilícito, da injúria, ofensa ou má conduta imputável. Nessa figura encontram-se dois elementos: o objetivo, expressado na ilicitude, e subjetivo, do mau procedimento imputável”5
Em nosso entendimento culpa no sentido estrito equivale à ação ou omissão involuntária que causa danos, e que se dá por negligência, imprudência, no que se expande em sentidos equivalentes, como descuido, imperícia, distração, indolência, desatenção e levianidade.
Já no sentido lato, abrange o dolo, isto é, a ação ou omissão voluntária, pretendida, procurada, almejada, que traz o dano.
2.3.2– Espécies de Culpa
Admitem-se vários tipos de culpa, sendo importante a classificação para efeitos de verificação de sua presença nos atos humanos. Neste momento iremos apresentar os principais resumidamente:
a)- Culpa in eligendo: É forma segundo a qual o agente não procede com acerto na escolha de seu preposto, empregado, representante, ou não exerce um controle suficiente sobre os bens usados para uma determinada atividade. Os erros cometidos na direção de um veículo, ou trafegar nele quando não reúne condições mecânicas de segurança, provocam a responsabilidade pelo dano superveniente.
b)- Culpa in vgilando: Caracteriza-se com a falta de cuidados e fiscalização de parte do proprietário ou do responsável pelos bens e pelas pessoas. Exemplificando, não se acompanha o desenvolvimento das atividades dos empregados; admite-se que uma pessoa despreparada execute certo trabalho; abandona-se veículo, com a chave de ignição ligada, em local frequentado por crianças; não são vistoriados os veículos pelo dono; dirigi-se um carro com defeitos nos freios e com pneus gastos.
c)- Culpa in comitendo: É a culpa que surge da prática de uma atividade determinadora de um prejuízo , como nos acidentes automobilísticos, na demolição de um prédio em local muito frequentado, sem o afastamento dos transeuntes.
d)- Culpa in omitendo: Na culpa com esta feição, o agente tinha a obrigação de intervir em uma atividade, mas nada faz. Depara-se o culpado com a responsabilidade dada a sua falta de iniciativa. Há um socorro a prestar, queda-se inativa a pessoa.
e) Culpa in custodiendo: É a ausência de atenção e cuidado com respeito alguma coisa, facilmente verificável em relação aos animais, que ficam soltos pelas estradas.
2.3.3 – Ato ilícito
O ato ilícito decorre da conduta antissocial do individuo, manifestada intencionalmente ou não, bem como por comissão ou omissão, ou apenas por descuido ou imprudência.
No entender de Venosa os atos ilícitos são:
...”os que promanam direta ou indiretamente da vontade e ocasionam efeitos jurídicos, mas contrários ao ordenamento jurídico.”[1]
É necessário dizer que o ato ilícito nasce da culpa, no sentido amplo, abrangendo o dolo e a culpa propriamente dita., distinção não importante para reparação do dano.
Diante disso, a indenização é imposta a todo aquele que, por ação ou por omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo.
2.4 APLICAÇÃO DA RESPONSABIIDADE OBJETIVA E SUBJETIVA
A teoria clássica, também chamada de teoria da culpa ou subjetiva, pressupõe a culpa como fundamento da responsabilidade civil. A prova da culpa passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. O ônus dessa prova incumbe à vítima. Em não havendo culpa (dolo ou culpa em sentido estrito), não há responsabilidade. No Código Civil Brasileiro de 1916 a responsabilidade fundamentava-se primordialmente na teoria da culpa subjetiva como rezava o art. 159 aqui transcrito:
“aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”
Não se inseriu um conceito de culpa, mas os termos conduziam ao conteúdo embasador da responsabilidade, o que também com o art. 186 do atual Código Civil, embora conduza a dispositivos explicitando e definindo especificamente a responsabilidade objetiva.
Naquele sistema, a reparação do dano tinha como pressuposto básico a prática do ato ilícito, ele gerava a obrigação de ressarcir o prejuízo causado. A menor desatenção, a mais insignificante falta, ocorrendo resultado nocivo, determinavam a indenização.
Todavia, em meados do século XIX, esboçou-se o movimento jurídico contrário à fundamentação subjetiva da responsabilidade. Sentiu-se que a culpa não abarcava os numerosos casos que exigiam reparação. Não traziam soluções para as várias situações excluídas do conceito de culpa. Foi a origem da teoria objetiva, que encontrou campo favorável na incipiente socialização do Direito, em detrimento ao individualismo incrustado nas instituições.
A responsabilidade objetiva prescinde da culpa e se satisfaz apenas com o dano e o nexo de causalidade. Denominada objetiva ou do risco, tem como postulado que todo dano é indenizável, e deve ser reparado por quem a ele se liga por um nexo de causalidade, independentemente de culpa.
Carlos Roberto Gonçalves exemplifica bem a responsabilidade objetiva e a teoria do risco, como transcrevemos abaixo:
“Na responsabilidade objetiva prescinde-se totalmente da prova da culpa. Ela é reconhecida independentemente de culpa. Basta que haja relação de causalidade entre a ação e o dano...
...para a teoria do risco, toda pessoa que exerce alguma atividade cria um risco de dano para terceiro. E deve ser obrigado a repara-lo, ainda que sua conduta seja isenta de culpa...”7
Tal regra, é expressa no novo código civil, mas precisamente no paragrafo único do artigo 927 que diz:
“Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
Desta forma, a concepção que rege a matéria no Brasil, é que vige uma regra geral dual de responsabilidade civil, em que temos a responsabilidade subjetiva, regra geral inquestionavel do sistema anterior, coexistindo com a responsabilidade objetiva, especialmente em função da atividade de risco desenvolvido pelo autor do dano.
2.5 PRESUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA
Como já definimos anteriormente que a responsabilidade subjetiva se funda na culpa, a qual, trazendo efeitos concretos, se concretiza em ato ilícito. A trajetória, desde o início até o final, do ato ilícito, cuja consequência está na responsabilidade, envolve os seguintes passos:
2.5.1 Ação ou omissão
Refere-se o art. 186 do Código Civil a qualquer pessoa que, por ação ou omissão, venha a causar dano a outrem. A responsabilidade pode se originar de ato próprio, de ato de terceiro que esteja sob a guarda do agente e, ainda, de danos causados por coisas e animais que lhe pertençam.
2.5.2 Culpa ou dolo do agente
É preciso, para que a vítima obtenha a reparação do dano, que prove dolo ou culpa stricto sensu (aquiliana) do agente (imprudência, negligência ou imperícia).
Em alguns casos, o Código Civil presume a culpa como no art. 936; em outros, responsabiliza o agente independentemente de culpa como vemos nos arts. 933 e 927, parágrafo único.
2.5.3 Relação de culpabilidade
É o nexo causal ou etiológico entre a ação ou omissão do agente e o dano verificado. Vem expressa no verbo “causar” empregado no art. 186.
A culpa da vítima, o caso fortuito e a força maior conforme art. 393 do código civil rompem o nexo de causalidade, afastando a responsabilidade do agente.
2.5.4 Dano
Sem a prova do dano, ninguém pode ser responsabilizado civilmente. O dano pode ser patrimonial ou extrapatrimonial (moral), direto ou indireto.
2.6 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA
A marca característica da responsabilidade objetiva é a desnecessidade de o lesado pela conduta estatal provar a existência da culpa do agente. O fator culpa, então, fica desconsiderado como pressuposto da responsabilidade objetiva.
Para configuração da responsabilidade objetiva, bastam três pressupostos que passaremos a analisar:
2.6.1-Fato Administrativo
Assim considerado como qualquer forma de conduta, comissiva ou omissiva, legítima ou ilegítima, singular ou coletiva, atribuída ao Poder Público. Ainda que o agente estatal atue fora de suas funções, mas a pretexto de exercê-las, o fato é tido como administrativo, no mínimo pela má escolha do agente (culpa in eligendo) ou pela má fiscalização de sua conduta (culpa in vigilando).
2.6.2 O Dano
Não há que se falar em responsabilidade civil sem que a conduta tenha provocado um dano como visto anteriormente. Não importa a natureza do dano, tanto é indenizável o dano patrimonial como o dano moral. Logicamente se o dito lesado não prova que a conduta estatal lhe causou prejuízo, nenhuma reparação terá a postular.
2.6.3 O Nexo Causal
É a relação de causalidade entre o fato administrativo e o dano. Significa dizer que ao lesado cabe apenas demonstrar que o prejuízo sofrido se originou da conduta estatal, sem qualquer consideração sobre o dolo ou culpa.
2.7 IMPUTABILIDADE E RESPONSABILIDADE
A imputabilidade significa a atribuição de responsabilidade. Envolve o conjunto de condições pelas quais se pode imputar em alguém a responsabilidade. Constitui o elemento constitutivo da culpa, dela dependendo a responsabilidade.
O art. 186 do Código Civil pressupõe o elemento imputabilidade, ou seja, a existência, no agente, da livre determinação de vontade. Para que alguém pratique um ato ilícito e seja obrigado a reparar o dano causado, é necessário que tenha capacidade de discernimento. Aquele que não pode querer e entender não incorre em culpa e, por isso, não pratica ato ilícito.
2.7.1 A responsabilidade dos loucos
O amental, também denominado louco ou demente, é considerado pela concepção clássica inimputável. Não é ele responsável civilmente.. Se vier a causar dano a alguém o ato é equiparado à força maior ou ao caso fortuito. Se a responsabilidade não puder ser atribuída ao encarregado de sua guarda, a vítima ficará irressarcida.
Principalmente nos casos do louco afortunado, a responsabilidade civil brasileira estava necessitando de uma corajosa revisão. Assimilando a melhor orientação já vigente nos diplomas civis de diversos países, o novo Código Civil substituiu o princípio da irresponsabilidade absoluta da pessoa privada de discernimento pelo princípio da responsabilidade mitigada e subsidiária, dispondo no art. 928:
“O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de o fazer ou não dispuserem de meios suficiente”.
A indenização prevista neste artigo, que deverá ser equitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem.
Assim, se a vítima não conseguiu receber a indenização da pessoa encarregada de sua guarda, poderá o juiz, mas somente se o incapaz for abastado, condená-lo ao pagamento de uma indenização equitativa.
A vítima somente não será ressarcida pelo curador se este não tiver patrimônio suficiente para responder pela obrigação. O art. 933 do novo Código Civil prescreve, com efeito, que as pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente (pais, tutores, curadores, empregadores, donos de hotéis e de escolas, e os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime) responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos, ainda que não haja culpa de sua parte.
2.7.2 Responsabilidade dos menores
O novo Código Civil reduz o limite de menoridade, de 21 para 18 anos completos, permitindo que os pais emancipem os filhos menores que completarem 16 anos de idade.
No art. 928, mencionado acima, refere-se ao “incapaz” de forma geral, abrangendo tanto os loucos como os menores de 18 anos, que passam a ter responsabilidade mitigada subsidiária, como já se afirmou.
Em primeiro lugar, a obrigação de indenizar cabe às pessoas responsáveis pelo incapaz (amental ou menor de 18 anos). Este só será responsabilizado se aquelas não dispuserem de meios suficientes para o pagamento. Mas a indenização, neste caso, que deverá ser equitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz, ou as pessoas que dele dependam. Não mais se admite que os responsáveis pelo menor, pais e tutores, se exonerem da obrigação de indenizar provando que não foram negligentes na guarda, porque, como já mencionado, o art. 933 do novo diploma dispões que a responsabilidade dessas pessoas independe de culpa.
Se os pais emancipam o filho voluntariamente, a emancipação produz todos os efeitos naturais do ato, menos o de isentar os pais da responsabilidade pelos atos ilícitos praticados pelo filho.
Tal não acontece quando a emancipação decorre do casamento ou das outras causas previstas no art. 5º, parágrafo único, do novo Código Civil.
2.8 RESPONSABILIDADE CIVIL E RESPONSABILIDADE PENAL
Naturalmente se entende que a responsabilidade civil decorre da falta de cumprimento das leis civis e dos contratos, enquanto a penal ocorre da infração de leis penais, que levam a incidência de sanções e restrições de direitos e da liberdade, como o encarceramento, a proibição de certas atividades, o pagamento de cifras e dinheiro, a prestação de serviços entre outros.
No âmbito geral, acontece um desrespeito da norma jurídica, dela desviando-se a conduta humana. Como existem normas civis e normas penais, restam, na violação, lesadas a ordem privada ou a ordem pública, acarretando, respectivamente, a responsabilidade civil ou penal.
A responsabilidade penal é perante a sociedade, a responsabilidade civil, conquanto fundada também no interesse social, é perante o lesado.
Embora ambas as ordens importem em violação de um dever jurídico ou na infração da lei, no ilícito penal desponta uma maior nível de gravidade, de lesividade, de imoralidade, desestruturando e enfraquecendo a sociedade.
Todavia, pode ocorrer que uma conduta acarrete violação civil e penal, trazendo, assim, a dupla ilicitude, ou seja, ao mesmo tempo em está cominada a sanção penal, gera a previsão da responsabilidade civil, impondo a indenização. Tanto é assim que a sentença na esfera penal faz coisa julgada no cível, autorizando o direito de buscar a indenização, conforme observa o arts. 91, inc. I, do código Penal, que torna certo o direito de buscar a indenização do dano causado pelo crime; e o art. 63 do Código de Processo Penal, prevendo que, transitada em julgado a sentença condenatória, abre-se o caminho para promover a execução, no juízo cível da reparação.
É diante desta previsão de dupla ilicitude gerando o direito indenizatório na esfera civil, que nos chamou a atenção para a confecção do presente trabalho, com o escopo de contribuir para o entendimento acerca da possibilidade de se auferir o acúmulo indenizatório a respeito dos danos morais e patrimoniais em caso de homicídio, que passaremos a estudar no capítulo seguinte.
3 - INDENIZACÃO DE DANOS MATERIAIS E DANOS MORAIS EM CASO DE HOMICÍDIOS
3.1 O DANO
O dano é, com certeza, pressuposto mais evidente da responsabilidade civil, visto que não se pode falar em dever de indenizar sem sua ocorrência.
É em sentido amplo, a lesão de qualquer bem jurídico, patrimonial ou moral. É toda desvantagem ou diminuição que sofremos em nossos bens jurídicos (patrimônio, corpo, vida, saúde, crédito, honra, dignidade, imagem etc.)
Embora possa haver responsabilidade sem culpa, não se pode falar em responsabilidade civil ou em dever de indenizar se não houve dano. A ação de indenização sem dano é pretensão sem objeto, ainda que haja violação de um dever jurídico e que tenha existido culpa e até mesmo por parte do infrator.
Nesse particular, a responsabilidade civil se diferencia nitidamente da responsabilidade penal, posto que esta pode ser relacionada à simples conduta do agente, nos denominados crimes de mera conduta. Conforme diz Sérgio Cavalieri Filho: “Se a vítima não sofreu nenhum prejuízo, a toda evidência, não haverá o que ressarcir.”9
Assim, de acordo com o interesse protegido nasce a espécie de dano e consequentemente o dever de indenizar.
3.2 DOS DANOS PATRIMONIAIS
O dano patrimonial, também chamado de dano material, é aquele que pode ser avaliado pecuniariamente, sendo reparado por reposição em dinheiro. Neste se compreende o dano emergente, que traduz uma diminuição de patrimônio, sendo aquilo que a vítima efetivamente perdeu, e o lucro cessante, aquilo que a vítima razoavelmente deixou de ganhar.
Corroborando com o exposto acima Sérgio Cavalieri Filho nos ensina a respeito do dano patrimonial:
“O dano patrimonial, como o próprio nome diz, também chamado de dano material, atinge os bens integrantes do patrimonio da vítima, entendendo-se como tal, o conjunto de relações juridicas de uma pessoa apreciáveis em dinheiro.”10
Sobre o assunto estabeleceu o artigo 402 do Código Civil de 2002 que:
“Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”.
3.2.1 Dos Danos Emergentes
Os danos emergentes em caso de morte da vítima referem-se a todas as despesas com que a família arcou: “tratamento médico ou hospitalar; remoção do corpo da vítima, quando for o caso; gastos diversos com os funerais; jazigo perpétuo ou a construção de mausoléu, de acordo com os usos e costumes adotados pela classe social da vítima”.
Sobre dano emergente, Sílvio de Salvo Venosa diz:
“Trata-se de uma projeção contábil nem sempre muito fácil de ser avaliada. Nessa hipótese, deve ser considerado o que a vítima teria recebido se não tivesse ocorrido o dano. O termo razoavelmente posto na lei lembra, mais uma vez, que a indenização não pode converter-se em um instrumento de lucro. Assim, no exemplo do veículo sinistrado, temos que calcular quanto seu proprietário deixou de receber com os dias em que não pôde utilizá-lo. Se o automóvel pertencia a um taxista, evidentemente que o lucro cessante será calculado de forma diversa do que para um proprietário de um veículo utilizado exclusivamente para lazer.”11
3.2.2 Dos Lucros Cessantes
Com relação aos lucros cessantes, primeiramente, deve-se ter em mente que a indenização prevista no inciso II do art. 948 do CC tem como destinatárias as pessoas a quem a vítima devia alimentos, tendo, portanto, natureza de prestação de alimento. Não se pode afirmar que tal indenização possui caráter alimentício, uma vez que não leva em conta a necessidade do familiar, tampouco a capacidade financeira da vítima. O objetivo é fazer com que a última remuneração percebida pela vítima possa ser transferida a quem ela devia alimentos.
A respeito do lucro cessante, este é para Maria Helena Diniz:
“Alusivo à privação de um ganho pelo lesado, ou seja, ao lucro que ele deixou de auferir, em razão do prejuízo que lhe foi causado. Para computar o lucro cessante, a mera possibilidade é insuficiente, embora não se exija uma certeza absoluta, de forma que o critério mais acertado estaria em condicioná-lo a uma probabilidade objetiva, resultando do desenvolvimento normal dos acontecimentos, conjugado às circunstâncias peculiares do caso concreto (RT, 434:163, 494:133). Trata-se não só de um eventual beneficio perdido, como também da perda da chance, de oportunidade ou expectativa, que requer o emprego do tirocínio equitativo do órgão judicante, distinguindo a possibilidade da probabilidade e fazendo uma avaliação das perspectivas favoráveis ou não à situação do lesado, para atingir a proporção da reparação e deliberar seu quantum. Consequentemente, nesta última hipótese, a indenização não seria do ganho que deixou de ter, mas, na verdade, da chance. Se assim é o dano deve ser apreciado, em juízo, segundo o maior e o menor grau de probabilidade de converter-se em certeza. A chance, ou a oportunidade, seria indenizável por implicar perda de uma expectativa ou probabilidade.”12
3.3 DOS DANOS MORAIS
O dano moral ocorre quando a pessoa se acha afetada em seu ânimo psíquico, moral e intelectual, seja por ofensa em sua honra, intimidade, imagem, nome ou próprio corpo, e poderá estender-se ao dano patrimonial se a ofensa de alguma forma impedir ou dificultar atividade profissional da vítima. Segundo Sílvio de Salvo Venosa,
“será moral o dano que ocasionar um distúrbio anormal na vida do indivíduo; uma inconveniência de comportamento ou, como definimos, um desconforto comportamental a ser examinado em cada caso.”13
Vale ressaltar que dano meramente moral ocorre quando se trata apenas da reparação por consequência da dor causada à vítima, sem reflexo em seu patrimônio. Caso a ofensa a alguém impeça ou dificulte de alguma forma atividade profissional da vítima, como já citamos anteriormente, esse dano moral se estende causando também um dano patrimonial.
3.4 DA INDENIZAÇÃO EM CASO DE HOMICÍDIO
O direito à indenização em caso de homicídio é contemplado no art. 948 do Código Civil de 2002, cujo ancestral encontrava-se no art. 1.537 do Código Civil de 1916, como já mencionado em nossas considerações iniciais.
O antigo dispositivo civil enuncia, em seus dois incisos, consistir a indenização, em caso de homicídio, no pagamento das despesas com tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família, e na prestação de alimentos àquelas pessoas a quem o morto os devia.
O dispositivo, de certo modo, limitou a matéria da reparação ao enunciar as verbas que poderiam constar da indenização, interpretação esta que perdurou durante largo tempo. Deste modo, durante longo período, substanciosa corrente jurisprudencial sustentou ser incabida qualquer indenização por danos morais em caso de homicídio, uma vez prevalecer, na época, a interpretação de tratar-se de dispositivo fechado.
Todavia, com o advento da CF/88, que acolheu o principio da ampla indenização, firmou-se o entendimento de que a reparação por danos materiais não excluía outras verbas indenizatórias a título de danos morais.
O vigente CC aperfeiçoou a redação dom art. 1.537 do Código de 1916, e, em seu art. 948, dispõe que:
“Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações:
I - no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família;
II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima.”
Agora, em vista da redação do supracitado dispositivo do CC/2002, tem-se que a enumeração das verbas indenizatórias não é exaustiva, não se admitindo interpretação restritiva em matéria de liquidação de danos causados por homicídio.
O inciso I do referido dispositivo trata dos danos emergentes (o que efetivamente perdeu); o inciso II, dos lucros cessantes (o que deixou de ganhar) e o caput não exclui outras reparações, embora parte da doutrina afirme que o dano moral se enquadraria nesse aspecto, visto que, com base na reparação integral, os danos morais decorrentes da morte da vítima também são indenizáveis.
Vejamos abaixo, julgado da Oitava Câmara do Rio de Janeiro, a respeito do tema:
OITAVA CÂMARA CÍVEL - APELAÇÃO CÍVEL Nº 06045/2008 APELANTE: ESTADO DO RIO DE JANEIRO. APELADOS 1: JOELSON ANTONIO DOS SANTOS E OUTRA.APELADO 2: FLORDENICE BRANDÃO SANTANA. Juízo de Origem: 2ª Vara de Fazenda Pública da Capital. RELATOR: DES. ORLANDO SECCO – 363 -R E L A T Ó R I O
“Tratam os presentes autos de recurso de Apelação, interposto às fls.558/561 pelo Estado do Rio de Janeiro – réu da Ação de Indenização por Danos Materiais e Morais ajuizada por genitores de filho menor adolescente (14 anos de idade), vítima de crime de homicídio doloso praticado por policiais militares que, fazendo incursão na comunidade em que habitam, efetuaram vários disparos de arma de fogo, inclusive, pelas costas do menor, sob o argumento do oferecimento de resistência armada pela vítima que faria parte de organização criminosa da área, contra sentença proferida pelo Juízo a quo (fls.543/556) que, em análise ao contexto fático-probatório dos autos, reconheceu a responsabilidade civil do Estado pelo nexo causal entre a falha no serviço e a morte indevida e injustificada do menor, condenando-o ao pagamento dos Danos Materiais comprovados em função da atividade laborativa do menor (pensionamento de 2/3 do salário mínimo até a data em que o menor completaria 25 anos, e a partir daí em 1/3 até 65 anos) e em Danos Morais, no patamar de R$120.000,00 para cada autor, com juros e correção ex lege. Sustenta o Estado do Rio de Janeiro, o provimento do Apelo e a reforma parcial da Sentença, exclusivamente, (i) combatendo a condenação nos danos materiais, e (ii) o valor do arbitramento para os danos morais; alega, em síntese, que não há prova para a fixação dos primeiros, bem como que a segunda verba fora excessivamente estimada.
Contrarrazões pelos, primeiros e segundo, apelados (fls.565/574 e 576/586) em que prestigiam o julgado, pugnando pelo improvimento do apelo estatal. Parecer do Ministério Público em segundo grau (fls.588/593), opinando pelo provimento parcial do apelo com a redução do quantum indenizatório a título de danos morais.
É o Relatório. À Douta Revisão. Rio de Janeiro, ORLANDO SECCO DES. RELATOR”
A respeito do dever de indenizar, este é para Sílvio Rodrigues (2003),
“Irremovível o mal causado à vítima de homicídio ou à mulher menor e virgem que foi deflorada, pois não se pode devolver a vida ao primeiro, nem a castidade à segunda. A lei, entretanto, procura remediar, impondo ao autor do homicídio a obrigação de pagar as despesas de tratamento da vítima, seu funeral e luto da família e ainda o encargo de prestar alimentos às pessoas a quem o defunto os devia (CC, art. 948);”14
Visto que o dano se caracteriza como a diminuição ou a subtração de um bem jurídico, e o bem jurídico é constituído não é só dos haveres patrimoniais e econômicos, mas também os valores morais, quais sejam a honra, a vida, a saúde, o sofrimento, os sentimentos, a tristeza, o pesar diante da perda de um parente, formando o objeto do direito todo bem jurídico, material ou espiritual. Sofrendo lesão, o bem jurídico, seja qual for, merece reparação. Todo dano é indenizável, e dessa regra não se exclui o dano moral, já que o interesse moral, como está no CC, é poderoso a conceder a ação. O grande argumento em contrário diz apenas respeito à dificuldade da avaliação do dano.
Assim, tendo o sofrimento moral em conta de prejuízo, pois a felicidade humana é um valor, um bem protegido pela lei civil, tem-se como perfeitamente aceitável a reparação do dano moral, ao lado dos prejuízos materiais decorrentes da morte. O código de 2002 acolheu essa reparação, ao estatuir no artigo 186, no que era omisso o artigo 159 do antigo vernáculo, que comete ato ilícito inclusive aquele que violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral.
4 - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO EM CASO DE HOMICIDIO DE DENTENTOS
4.1. Responsabilidade Objetiva do Estado e a Teoria do Risco Administrativo
Passamos agora a estudar neste capítulo, a obrigação que possui ou não o Estado de indenizar em caso de homicídio de detentos à luz dos artigos 37, § 6º da Constituição Federal de 1988, que consagrou a Responsabilidade Objetiva do Estado e a Teoria do Risco Administrativo.
No Brasil, doutrina e jurisprudência amplamente dominantes, afirmam a consagração expressa da referida teoria a partir da Constituição Federal de 1946 em seu art. 194. A norma contida no texto anterior foi repetida, em termos assemelhados, no §6º do artigo 37 de nossa atual Constituição:
“As pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado prestadores de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”.
Hely Lopes Meirelles nos ensina:
“O § 6º do art. 37 da Constituição Federal seguiu a linha traçada nas constituições anteriores, e, abandonando a privatística teoria subjetiva da culpa, orientou-se pela doutrina do Direito Público e manteve a responsabilidade civil objetiva da Administração, sob a modalidade do risco administrativo. Não chegou, porém, aos extremos do risco integral. É o que se infere do texto constitucional e tem sido admitido reiteradamente pela jurisprudência, com o apoio da melhor doutrina.”15
Assim sendo, o lesado não precisa comprovar que a atividade estatal foi exercida de forma culposa para obter ressarcimento. Basta comprovar que da atividade administrativa resultou dano e ao Estado será atribuída a responsabilização, como veremos nos julgados abaixo:
1ª Ementa DES. NAGIB SLAIBI - Julgamento: 29/10/2002 - SEXTA CAMARA CIVELRESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO MORTE DE DETENTO EM PENITENCIARIA REIVINDICACAO PELA VIUVA E HERDEIROS - PENSAO VITALICIA - DANO MORAL
Direito Constitucional. Responsabilidade civil do Estado. Morte de presidiário dentro de sua cela por outro detento, com arma de fogo, que depois foi encontrada no local do evento. Responde o Poder Público estadual pelo evento danoso causado pelo ato omissivo de seus agentes encarregados da segurança penitenciária. Fato comprovado pela entrada indevida de armas de fogo no presídio. Indenização. Viúva. Cabimento. Ação Ordinária. Reparação de dano. Responsabilidade do Estado. Omissão de seu agente. Crime de homicídio ocorrido no interior de estabelecimento prisional. Se a vítima, que cumpria pena foi atacada e morta de surpresa por companheiros de prisão, que a exterminaram com tiros e estocadas aos seus dependentes, pelo Estado, em face de omissão de seus agentes, há que ser paga pensão, que presumida dependência pertinentemente a alimentos. Art. 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal. Sentença correta. Apelo não provido (TJRJ, Apelação Cível nº 3667/94, 3ª Câmara Cível, Des. Darcy Lizardo de Lima). Provimento do recurso, com fixação de pensão vitalícia, mais o correspondente a cinquenta salários mínimos, como dano moral, invertidos os ônus sucumbenciais.
0056347-12.2004.8.19.0001 - APELACAO / REEXAME NECESSARIO-1ª ementa DES. INES DA TRINDADE - Julgamento: 25/03/2010 - DECIMA TERCEIRA CAMARA CIVEL APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. MORTE DE DETENTO EM PRESÍDIO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. Versa a controvérsia sobre pedido de indenização e pensionamento em favor dos Autores, em razão da morte do detento Jorge Miranda, assassinado na Penitenciária Esmeraldino Bandeira. A responsabilidade do Estado em relação aos seus administrados é objetiva, que, diferentemente da responsabilidade subjetiva, prescinde da comprovação de dolo ou culpa, sendo necessária a constatação do dano e do nexo de causalidade. A CRFB/88 dispôs em seu artigo 5º, XLIX, que deve ser assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral. No momento em que o Poder Público não observou o dever de guardar integralmente a vida do detento, surge a sua responsabilidade civil perante o dano causado à lesada. A vítima era pai da segunda Autora, sendo inegável o dano moral causado por sua morte, mormente pelas suas circunstâncias, porém, a indenização arbitrada em R$ 40.000,00 (oitenta mil reais) revela-se excessiva, razão pela qual se reduz para R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). O pensionamento em favor da menor impúbere é devida, presumida a dependência econômica do filho menor em relação a ambos os genitores. RECURSO PROVIDO EM PARTE.(grifo nosso)
Todavia, o entendimento jurisprudencial a respeito do tema não é unânime, como veremos abaixo, em decisão da Décima Oitava Câmara Cível do Estado do Rio de Janeiro.
DES. JOSE DE SAMUEL MARQUES - Julgamento: 02/04/2002 - DECIMA OITAVA CAMARA CIVEL RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - HOMICIDIO - VISITACAO EM PRESIDIO - AUSENCIA DE CULPA - RESPONSABILIDADE OBJETIVA INOCORRENCIA - FATO DE TERCEIRO - IMPROCEDENCIA DO PEDIDO
Prescrição inocorrente. Homicídio ocorrido em presídio, motivado por desavenças entre detento e sua ex-amante, quando de uma visita feita por esta ao seu algoz. Responsabilidade objetiva inocorrente. Ausência de culpa dos agentes do Estado que não deram causa ao desentendimento nem puderam evitar as consequências do ato de terceiro. A arma do crime, surgida de forma inexplicável em poder do criminoso, ha' de ser vista como um mero instrumento, que seria substituível por qualquer outro capaz de levar ao fim colimado, não constituindo causa determinante da obrigação de indenizar pelo Estado. Recurso não provido. (JRC) Obs.: Com agravo regimental improvido.
Ementário: 20/2002 - N. 29 - 01/08/2002 REV. DIREITO DO T.J.E.R.J., vol 57, pag 30316 (grifo nosso)
A Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do RS, em recurso de apelação acompanhou o entendimento acima:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. MORTE DE DETENTO NA CELA DO PRESÍDIO. ATO OMISSIVO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. NÃO COMPROVAÇÃO DA FALHA DO SERVIÇO. Preliminar de ilegitimidade passiva afastada. A morte de detento em prisão do Estado não constitui circunstância que, por si só, evidencia a responsabilidade da Administração. Tratando-se de suposto ato omissivo do Poder Público, a responsabilidade é subjetiva, exigindo-se a presença do dolo ou da culpa da administração pelo evento danoso. Hipótese em que a omissão por parte do Estado não restou concretamente demonstrada. REJEITADA A PRELIMINAR. APELO PROVIDO. SENTENÇA MODIFICADA EM REEXAME NECESSÁRIO. (Apelação e Reexame Necessário Nº 70005369590, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Conrado Kurtz de Souza, Julgado em 09/03/2006)(grifo nosso)
A Quarta Câmara Cível do RJ entende que A falta do serviço enseja a responsabilidade Subjetiva conforme decisão abaixo:
0075221-11.2005.8.19.0001 DES. FERNANDO FERNANDY FERNANDES – Julgamento: 17/07/2007 - QUARTA CAMARA CIVEL APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. REBELIÃO EM PRESÍDIO. MORTE DE PRESIDIÁRIO. CONDUTA OMISSIVA DO ESTADO. TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA POR CULPA DO SERVIÇO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO ESTADO. PRECEDENTES DO E. TJ/RJ. APELAÇÃO A QUE SE DÁ PROVIMENTO, PARA JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO AUTORAL. 0052290-14.2005.8.19.0001 DES. SIRLEY ABREU BIONDI - Julgamento: 28/05/2008 - DECIMA TERCEIRA CAMARA CIVEL Ação de Indenização. Morte de preso em unidade carcerária. Suicídio. Inconformismo do Estado do Rio de Janeiro com a sentença que julgou procedente a pretensão indenizatória ajuizada por mãe de presidiário, por não vislumbrar a comprovação do nexo causal necessário à comprovação da responsabilidade de que trata o art. 37, § 6º da CF. Provas constantes dos autos que não evidenciam que o Estado tenha agido com negligência ou que tenha contribuído para o evento danoso. Tese de assassinato não comprovada, indo mais em direção ao cometimento de suicídio. Cela trancada por dentro. Enforcamento de preso. Rompimento do nexo de causalidade. Sentença que está a merecer reforma, razão pela qual DÁ-SE PROVIMENTO AO RECURSO, determinando-se a inversão da sucumbência, observada a gratuidade deferida(grifo nosso)
Apesar de ser dever de o Estado manter e preservar a integridade física do preso é constitucional e legalmente imposto, pois o inciso XLIX do artigo 5º da Constituição da República não deixa dúvidas:
“É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”
E no mesmo sentido preceitua o artigo 40 da Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal):
“Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios.”
Assim decidiu a Segunda Câmara Cível do Rio de Janeiro:
0082887-63.2005.8.19.0001 – APELACAO - 2ª Ementa DES. LEILA MARIANO - Julgamento: 30/03/2011 - SEGUNDA CAMARA CIVEL AGRAVO INOMINADO. APELAÇÃO CÍVEL. RATIFICAÇÃO DA DECISÃO MONOCRÁTICA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO. MORTE DE DETENTO. REBELIÃO EM PRESÍDIO. O Estado responde pela morte em estabelecimento carcerário por ocasião de rebelião dos presos, constatada a sua omissão no dever de vigilância e custódia dos detentos. Violação da garantia de integridade física e da própria vida do detento, assegurados no art. 5º, caput e inciso XLIX da CR e art. 40 da Lei 7.210/84. Responsabilidade objetiva, fundada no risco administrativo. Verba reparatória por danos morais que se reduz para R$15.000,00, em observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, atentando-se para o fato de a vítima ter deixado dois filhos, adequando-se aos precedentes desta Corte de Justiça. Honorários de sucumbência arbitrado na forma do § 4º do art. 20 do CPC. PROVIMENTO PARCIAL DA APELAÇÃO DO RÉU E NEGATIVA DE SEGUIMENTO DO APELO AUTORAL, QUE ORA SE RATIFICA. DESPROVIMENTO DOS AGRAVOS INOMINADOS. (grifo nosso)
Deveras, aos indivíduos residentes no país, segregados ou não, é garantida a inviolabilidade do direito à vida (CR, 5º, caput).
Destarte, não basta a mera guarda dos presos; é fundamental garantir-lhe essa efetiva incolumidade, física e moral.
Violado esse dever, surge um novo dever jurídico para o Estado, o de responder pelo dano causado, como consectário lógico necessário de um Estado de Direito.
Porém, grande parte da doutrina e da jurisprudência vem tratando a responsabilidade do Estado como subjetiva, impondo ao demandante, o ônus de comprovação de culpa do agente do ente estatal caracterizando o dano sofrido e nexo causal, conforme julgados abaixo:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. MORTE DE DETENTO. PRESÍDIO ESTADUAL DE JULIO DE CASTILHOS. OMISSÃO DO ESTADO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. Em se tratando da conduta omissiva, a responsabilidade do Estado é subjetiva perante os danos causados ao particular e está subordinada à prova dos danos e do nexo de causalidade entre a ausência ou má prestação do serviço público e o evento danoso e a culpa. Hipótese dos autos em que o agir culposo do Estado implicou a morte de detento, genitor dos autores. Culpa consiste na ausência de postura exigível de prevenção, fiscalização dos detentos sob sua custódia, proteção e combate ao incêndio através de meios eficazes. (...).”. (Apelação Cível Nº 70023573165, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em 24/09/2008)(grifo nosso)
0075221-11.2005.8.19.0001 DES. FERNANDO FERNANDY FERNANDES – Julgamento: 17/07/2007 - QUARTA CAMARA CIVEL APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. REBELIÃO EM PRESÍDIO. MORTE DE PRESIDIÁRIO. CONDUTA OMISSIVA DO ESTADO. TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA POR CULPA DO SERVIÇO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO ESTADO. PRECEDENTES DO E. TJ/RJ. APELAÇÃO A QUE SE DÁ PROVIMENTO, PARA JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO AUTORAL. 0052290-14.2005.8.19.0001 DES. SIRLEY ABREU BIONDI - Julgamento: 28/05/2008 - DECIMA TERCEIRA CAMARA CIVEL Ação de Indenização. Morte de preso em unidade carcerária. Suicídio. Inconformismo do Estado do Rio de Janeiro com a sentença que julgou procedente a pretensão indenizatória ajuizada por mãe de presidiário, por não vislumbrar a comprovação do nexo causal necessário à comprovação da responsabilidade de que trata o art. 37, § 6º da CF. Provas constantes dos autos que não evidenciam que o Estado tenha agido com negligência ou que tenha contribuído para o evento danoso. Tese de assassinato não comprovada, indo mais em direção ao cometimento de suicídio. Cela trancada por dentro. Enforcamento de preso. Rompimento do nexo de causalidade. Sentença que está a merecer reforma, razão pela qual DÁ-SE PROVIMENTO AO RECURSO, determinando-se a inversão da sucumbência, observada a gratuidade deferida(grifo nosso)
A respeito, assim se expressou Celso A. Bandeira de Mello:
”Quando o dano for possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E se não o foi o autor só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar o evento lesivo.”17
A Décima Câmara do RJ, em Recurso de Apelação, corroborou com o exposto acima, alegando que o fato torna-se uma excludente por se tratar de fato de terceiro, ultrapassando os limites da previsibilidade.
0105421-35.2004.8.19.0001 (2008.001.35680) - APELACAODES. JOSE CARLOS VARANDA - Julgamento: 16/12/2009 - DECIMA CAMARA CIVEL - Responsabilidade Civil do Estado. Morte de detento, que em presídio, cumpria pena por homicídio. Autoria desconhecida, mas prova indica que aquele fora eliminado por vingança. Fato exclusivo de terceiros. Em sede de responsabilidade civil do Estado, tal não se pode imputar, quando os atos ultrapassam os limites da previsibilidade, sendo assim, a morte do presidiário escapa do risco administrativo, por ser ato predatório de terceiro. Sentença reformada. Recurso provido.(grifo nosso)
A Nona Câmara do Tribunal de Justiça do RS também entende que nos casos citados cabe ao autor comprovar a culpa do Estado pela ausência ou má prestação do serviço conforme julgado abaixo:
Número: 70023573165 Tribunal: Tribunal de Justiça do RS Seção: CIVEL Tipo de Processo: Apelação Cível Órgão Julgador: Nona Câmara Cível Decisão: Acórdão Relator: Tasso Caubi Soares Delabary Comarca de Origem: Comarca de Júlio de Castilhos Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. MORTE DE DETENTO. PRESÍDIO ESTADUAL DE JULIO DE CASTILHOS. OMISSÃO DO ESTADO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. Em se tratando da conduta omissiva, a responsabilidade do Estado é subjetiva perante os danos causados ao particular e está subordinada à prova dos danos e do nexo de causalidade entre a ausência ou má prestação do serviço público e o evento danoso e a culpa. Hipótese dos autos em que o agir culposo do Estado implicou a morte de detento, genitor dos autores. Culpa consiste na ausência de postura exigível de prevenção, fiscalização dos detentos sob sua custódia, proteção e combate ao incêndio através de meios eficazes. DANO MATERIAL. PENSÃO MENSAL. Ante a ausência prematura do arrimo da família, deve o demandado prestar pensão mensal aos requerentes. Pensionamento devido equivalente a 2/3 dos rendimentos do falecido, descontado 1/3 relativo à parte presumivelmente gasta com despesas pessoais. Alimentos alcançados aos autores que devem ser suportados desde a data do óbito até que atinjam 25 anos de idade, respeitado o direito de acrescer. À UNANIMIDADE. DERAM PROVIMENTO AO RECURSO. (Apelação Cível Nº 70023573165, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em 24/09/2008) Data de Julgamento: 24/09/2008 Publicação: Diário da Justiça do dia 06/10/2008(grifo nosso)
Para Sergio Cavalieri Filho, que descordando da doutrina majoritária, entende ser possível a responsabilização objetiva da administração nos comportamentos omissivos. Para tanto, se vale o renomado autor do argumento de que é necessário, em primeiro plano, verificar se a omissão administrativa é genérica ou específica. Sendo, portanto, caso de omissão genérica, a responsabilidade da administração pública seria subjetiva. De outro lado, sendo hipótese de omissão específica, a responsabilidade seria objetiva, pois que aqui estaria configurado um dever individualizado de agir. Nesse sentido entende o referido autor que:
[..] “em nosso entender, quando o dano resulta da omissão específica do Estado, ou, em outras palavras, quando a inércia administrativa é causa direta e imediata do não impedimento do evento, o Estado responde objetivamente, como nos casos de morte de detento em penitenciária e acidente com aluno de colégio público durante o período de aula”18
Assim, a jurisprudência parece ter caminhado nesse sentido conforme se pode observar a seguir através dos respectivos acórdãos, in verbis:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA Acórdão: Apelação cível 2003.004595-3 Relator: Des. Vanderlei Romer. Data da Decisão: 16/10/2003.
EMENTA: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ATO ILÍCITO C/C DANOS MORAIS. MORTE DE DETENTO NO INTERIOR DE PRESÍDIO EM CONSEQÜÊNCIA DE DESCARGA ELÉTRICA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. DEVER DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DE ZELAR PELA INTEGRIDADE FÍSICA DAQUELES QUE ESTÃO SOB SUA CUSTÓDIA. CULPA IN VIGILANDO. DANOS MORAIS. CABIMENTO. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE DANOS EXTRAPATRIMONIAIS E MATERIAIS. PENSÃO MENSAL DEVIDA. REDUÇÃO DO LIMITE DE 70 ANOS DE IDADE DA VÍTIMA PARA A DATA EM QUE ESTA COMPLETARIA 65 ANOS. MINORAÇÃO DO QUANTUM DA PENSÃO ARBITRADA PARA 1/3 DO SALÁRIO MÍNIMO A PARTIR DO DIA EM QUE O DE CUJUS ATINGIRIA 25 ANOS, HAJA VISTA EXISTIR A PRESUNÇÃO DE QUE A CONTAR DESTA IDADE ELE CONSTITUIRIA FAMÍLIA. DESPESAS COM O FUNERAL COMPROVADAS. JUROS LEGAIS CONTADOS DA CITAÇÃO. ADEQUAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA E ISENÇÃO DO PAGAMENTO DE CUSTAS PELO ENTE ESTATAL. REMESSA PARCIALMENTE PROVIDA.(grifo nosso)
4.2 O Dever de Indenizar do Estado
Como vimos a partir da Constituição de 1946, a responsabilidade civil do Estado brasileiro passou a ser objetiva, com base na teoria do risco administrativo, onde não se cogita da culpa, mas, tão somente, da relação de causalidade. Provado que o dano sofrido pelo particular é consequência da atividade administrativa, desnecessário será perquirir a ocorrência de culpa do funcionário ou, mesmo, de falta anônima do serviço. O dever de indenizar da Administração impor-se-á por força do dispositivo constitucional que consagrou o princípio da igualdade dos indivíduos diante dos encargos públicos.
O Estado responde pelo dano causado ao seu administrado simplesmente porque há relação de causalidade entre a atividade administrativa e o dano sofrido pelo particular, descartando-se qualquer indagação sobre a culpa do funcionário causador do dano ou mesmo sobre a falta do serviço ou culpa anônima da Administração.
Tem-se entendido que a atividade administrativa, a que alude o artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, engloba tanto a conduta comissiva como a omissiva, desde que essa omissão seja específica, isto é, seja a causa direta e imediata do não impedimento do dano, como nos casos de morte de detentos em penitenciária. A omissão é específica quando o Estado tem dever individualizado de agir e, por omissão sua, cria a situação propícia para a ocorrência do evento.
No julgamento do Recurso Extraordinário nº 109.615-RJ, do qual foi relator o eminente Ministro Celso Mello, a nossa Suprema Corte firmou idêntico entendimento. Tratava-se de recurso interposto pelo Município do Rio de Janeiro contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado que, reconhecendo a responsabilidade objetiva do recorrente, condenou-o a indenizar a vítima de acidente ocorrido nas dependências de uma de suas escolas Municipais por omissão da Administração. Enquanto brincavam durante o recreio, uma criança atingiu o olho de uma outra, causando-lhe deformidade traumática com incapacidade permanente para o trabalho, perda total do globo ocular direito. Em seu erudito voto, o douto relator coloca em destaque os seguintes pontos:
“A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento doutrinário à responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos a que os agentes públicos, por ação ou por omissão, houverem dado causa. Essa concepção teórica, que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta do serviço público”.
“As circunstâncias do presente caso - apoiadas em pressupostos fáticos soberanamente reconhecidos pelo Tribunal a quo - evidenciam que o nexo de causalidade material restou plenamente configurado em face do comportamento omissivo em que incidiu o agente do Poder Público (funcionário escolar), que se absteve de adotar as providências reparatórias que a situação estava a exigir...”.(grifo nosso)
Em outro julgamento, agora tendo como relator o insigne Ministro Moreira Alves, voltou a prevalecer o mesmo entendimento:
“Não ofende o artigo 37, § 6º da Constituição Federal acórdão que reconhece o direito de indenizar à mãe de preso assassinado dentro da própria cela por outro detento”. Com base nesse entendimento a turma afirmou a responsabilidade objetiva do Estado ante a omissão no serviço de vigilância dos presos.
É preciso enfatizar, como fez o douto Ministro Celso Mello no julgado acima citado, “que o Poder Público, ao receber o menor em qualquer dos estabelecimentos da rede oficial de ensino, assume o grave compromisso de velar pela preservação de sua integridade física, devendo empregar todos os meios necessários ao integral desempenho desse encargo jurídico, sob pena de incidir em responsabilidade civil pelos eventos lesivos ocasionados ao aluno, os quais, muitas vezes, decorrem de inércia, da omissão ou da indiferença dos servidores estatais.
Não tem sentido, por isso mesmo, que, por falha na vigilância ou por falta de adequada fiscalização, as crianças, que se acham sob o cuidado do Poder Público nas escolas integrantes da rede oficial de ensino, venham a sofrer injusta ofensa em sua própria incolumidade física, agravada pela ausência de imediata adoção, por parte dos órgãos competentes da administração escolar, de medidas eficazes destinadas a atenuar os gravíssimos efeitos decorrentes do ato lesivo.”
Sobre o texto, preceitua Sérgio Cavalieri Programa de responsabilidade civil, que:
“se não há responsabilidade sem violação de dever jurídico e o risco, por si só, não configura nenhuma violação, qual seria o dever jurídico da Administração cujo descumprimento ensejará o dever de indenizar? É a incolumidade de todos os administrados. O Estado tem o dever de exercer a sua atividade administrativa, mesmo quando perigosa ou arriscada, com absoluta segurança, de modo a não causar dano a ninguém. Está vinculado, portanto, a um dever de incolumidade, cuja violação enseja o dever de indenizar independentemente de culpa. (...)
Com muita frequência o comportamento do Estado, embora não seja a causa direta ou imediata do dano, concorre, todavia, para ele de forma decisiva. A atuação do Estado cria a situação propícia do dano, de modo a justificar a sua responsabilização. Ocorre tal situação quando o Estado tem o dever de guarda de pessoas ou coisas perigosas, expondo a coletividade a riscos incomuns. Servem de exemplo os depósitos de explosivos, usinas nucleares, presídios e manicômios judiciais, recintos para guarda de animais etc.
A responsabilidade do Estado em casos tais é, indiscutivelmente, objetiva, porque é o próprio Poder Público que, sem ser o autor direto do dano, cria, por ato seu, a situação propícia para a sua ocorrência. Não seria justo e nem jurídico que apenas alguns sofressem os prejuízos decorrentes da explosão de um paiol de munições ou da evasão de presidiários que, ao fugirem, praticam atos de violência contra pessoas e coisas nas proximidades do presídio. Tendo em vista que estes estabelecimentos são instituídos em proveito de todos, é natural que os danos deles decorrentes sejam também por todos suportados. Aplica-se, aqui, com justeza, a teoria da guarda, já examinada.
Obviamente, cessará a responsabilidade do Estado se o dano sofrido pelo particular não mais estiver correlacionado com a situação perigosa criada pelo Poder Público, como no caso de vierem os evadidos a causar danos em locais distantes do presídio – a fonte do risco.”.19
4.3 Da Responsabilidade do Estado em Caso de Morte de Detento em Estabelecimento Prisional Brasileiro
Apesar de posicionamentos contrários encontrados em recentes julgados citados acima, o Estado não pode se eximir de suas obrigações, em caso de morte de detento, ainda que o evento tenha ocorrido por vingança ou por rebelião, que se não for considerada fato previsível, é, quando menos, esperável, próprio da insatisfação humana provocada pela privação da liberdade individual.
À luz da teoria do risco administrativo, pode-se dizer que as causa narradas acima, enquadra-se no conceito de fortuito interno, assim designado o fato imprevisível e inevitável, mas por ser inerente à atividade desenvolvida não exclui o nexo de causalidade.
Sobre o tema vale observar a jurisprudência abaixo:
0005216-27.2002.8.19.0014 (2006.001.18195) - APELACAO DES. JESSE TORRES - Julgamento: 10/05/2006 - SEGUNDA CAMARA CIVEL MORTE DE DETENTO EM PENITENCIARIA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DANO MORAL REDUCAO DO VALOR
Apelação. Ação ordinária. Danos materiais e morais. Morte de detento durante rebelião de presos em casa de custódia. Fatos incontroversos. Dissídio sobre a natureza da responsabilidade civil (subjetiva ou objetiva) e do evento (força maior ou caso fortuito, interno ou externo). Obrigação reparatória de danos pelo Estado, que se configura, no caso, qualquer que seja a índole da responsabilidade: (a) se subjetiva, porque comprovada a omissão específica do aparato policial mobilizado, sem treinamento, para conter o movimento, previsível; (b) objetiva, por se tratar de fortuito interno, certo que rebeliões são comuns em presídios, incumbindo ao custodiante assegurar a integridade física e moral dos presos (CF/88, art. 5., XLIX). Verbas reparatórias do dano moral e de honorários arbitradas em excesso. Provimento parcial do recurso voluntário e retificação de termos, em reexame necessário. (grifo nosso).
Na mesma linha de raciocínio, expresso de forma ligeiramente diversa, são as irrepreensíveis lições do ilustrado Celso A. Bandeira de Mello:
“Há determinados casos em que a ação danosa, propriamente dita, não é efetuada por agente do Estado, contudo é o Estado quem produz a situação da qual o dano depende. Vale dizer: são hipóteses nas quais é o Poder Público quem constitui, por ato comissivo seu, os fator que propiciarão decisivamente a emergência de dano. Tais casos, a nosso ver, assimilam-se aos de danos produzidos pela própria ação do Estado e por isso ensejam, tanto quanto estes, a aplicação do princípio da responsabilidade objetiva.
(...) Sua [do Estado] atuação é o termo inicial de um desdobramento que desemboca no evento lesivo, incindivelmente ligado aos antecedentes criados pelo Estado.
O risco a que terceiros são expostos pelo Estado não pode deixar de ser assumido por quem o criou. Depósitos de explosivos, centrais nucleares, recintos de guarda de animais, são fontes potenciais de possíveis danos a terceiros, pelo perigo das coisas ali conservadas.
Manicômios, presídios, igualmente, por manterem pessoas suscetíveis de atos agressivos ou destruidores, representam para terceiros um risco de produção de danos. Uma vez que a Sociedade não pode passar sem estes estabelecimentos, instituídos em proveito de todos, é natural que ninguém em particular sofra o gravame de danos eventualmente causados pelas (...) pessoas que neles se encontravam sob custódia do Estado. Daí que os danos eventualmente surgidos em decorrência desta situação de risco (...) ensejarão a responsabilidade objetiva do Estado. Com efeito, esta é maneira de a comunidade social absorver os prejuízos que incidiram apenas sobre alguns, os lesados, mas que foram propiciados por organizações constituídas em prol de todos.
(...) A responsabilidade objetiva por danos oriundos de coisas ou pessoas perigosas sob a guarda do Estado aplica-se, também, em relação aos que se encontram sob tal guarda. Assim, se um detento fere ou mutila outro detento, o Estado responde objetivamente, pois cada um dos presidiários está exposto a uma situação de risco inerente à ambiência de uma prisão onde convivem infratores, ademais inquietos pela circunstância de estarem prisioneiros.”20(grifo nosso)
Portanto, em um ambiente sob essas condições, a tensão é permanente e latente, motivo pelo qual a convivência entre os presos dificilmente será pacífica, embora controlável. Aliás, ninguém, em sã consciência, dirá que presídios são locais pacíficos; quando muito, são relativamente seguros, bem controlados.
É mister que o Estado envide esforços no aprimoramento, incremento, reforço de todos os meios, instrumentos e mecanismos necessários ao efetivo e adequado controle prisional. Inegavelmente, tais medidas e atividades dependem de grande dose de vontade política.
São notórias as incontáveis e graves dificuldades enfrentadas na área do sistema carcerário do nosso país, o que, certamente, merece toda consideração e preocupação de todos os segmentos institucionais e sociais do Estado.
Todavia, é insustentável pretender a exclusão de qualquer responsabilidade do Estado por fatos dessa natureza, com base em tais circunstâncias e argumentos.
Do contrário, chegaríamos à esdrúxula conclusão de que o Estado deve, apenas, guardar o preso, condenado ou provisório, sem qualquer responsabilidade pela integridade de sua vida e saúde; com isso, implicitamente, estabelecer-se-ia uma abominável distinção: a inviolabilidade do direito à vida seria garantia exclusiva dos indivíduos livres; se e quando presos, nenhuma garantia lhes seria conferida.
Pior, estimular-se-ia a perpetuação desse tipo de comportamento, fomentando-se a desordem e insegurança social, bem como contribuindo-se para o descrédito do Poder Público.
A toda evidência, isso implicaria, como implica, um inominável atentado contra o Estado Democrático de Direito, centrado no valor supremo da vida humana digna (CR, 1º, caput, III; 5º, caput).
Como bem observa o ilustre Min. Luiz Fux, nas razões do seu voto proferido no Resp 847.687/GO, julgado em 17.10.2006,
“(...) Hoje, a regra do art. 37 da Constituição Federal de 1988 exaspera a responsabilidade do Estado naquelas funções que lhe são inerentes. Antigamente, havia uma carta de alforria para o Estado baseada sempre na teoria da culpa de terceiro. Tudo era culpa de terceiros: assaltos, quanto o cidadão paga imposto para ter segurança; a questão da morte em hospital público, quando o cidadão paga para ter saúde.”21
Analisando a responsabilidade civil do estado pretendida por detento, encarcerado sob condições precárias, o eminente Min. Teori Albino Zavascki, assim se manifestou, in litteris:
“O ‘princípio da reserva do possível’ (...) certamente não pode ser invocado nessa dimensão reducionista, em situações como a do caso concreto. Faz sentido considerar tal princípio para situações em que a concretização constitucional de certos direitos fundamentais a prestações, nomeadamente os de natureza social, dependem da adoção e da execução de políticas públicas sujeitas à intermediação legislativa ou à intervenção das autoridades administrativas. (...) Mas (...) o dever de ressarcir danos, inclusive morais, efetivamente causados (...) decorre diretamente do art. 37, §6º, da Constituição, dispositivo autoaplicável, não sujeito à intermediação legislativa ou administrativa para assegurar o correspondente direito subjetivo à indenização. Ocorrendo o dano e estabelecido o seu nexo causal (...) nasce a responsabilidade civil do Estado, caso em que os recurso financeiros para a satisfação do dever de indenizar, objeto da condenação, serão providos na forma do art. 100 da Constituição. (...) Realmente, não há dúvida que o Estado é responsável pela guarda e segurança das pessoas submetidas a encarceramento, enquanto ali permanecerem detidas. E é dever do Estado ressarcir os danos causados aos detentos em estabelecimentos prisionais. (...) Recentemente, essa 1ª Turma assentou que o dever de proteção do Estado em relação aos detentos abrange, inclusive, o de protegê-los contra si mesmos, impedindo que causem danos uns aos outros ou a si mesmos (...)” (STJ - Resp. 1.051.023/RS – 1ª Turma – Sessão de Julgamento: 11/11/2008)22 (grifo nosso)
O posicionamento ora adotado encontra guarida em precedentes dos nossos Tribunais Superiores, consoante se verifica, exemplificativamente, das ementas seguintes, in verbis:
“Recurso extraordinário. 2. Morte de detento por colegas de carceragem. Indenização por danos morais e materiais. 3. Detento sob a custódia do Estado. Responsabilidade objetiva. 4. Teoria do Risco Administrativo. Configuração do nexo de causalidade em função do dever constitucional de guarda (art. 5º, XLX). Responsabilidade de reparar o dano que prevalece ainda que demonstrada a ausência de culpa dos agentes públicos. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento.”(RE 272.839/MT – 2ª Turma STF - Min. GILMAR MENDES – Julgamento: 01/02/2005 - D.J. 08/04/2005)
“Recurso extraordinário. Responsabilidade civil do Estado. Morte de preso no interior do estabelecimento prisional. 2. Acórdão que proveu parcialmente a apelação e condenou o Estado do Rio de Janeiro ao pagamento de indenização correspondente às despesas de funeral comprovadas. 3. Pretensão de procedência da demanda indenizatória. 4. O consagrado princípio da responsabilidade objetiva do Estado resulta da causalidade do ato comissivo ou omissivo e não só da culpa do agente. Omissão por parte dos agentes públicos na tomada de medidas que seriam exigíveis a fim de ser evitado o homicídio. 5. Recurso conhecido e provido para condenar o Estado do Rio de Janeiro a pagar pensão mensal à mãe da vítima, a ser fixada em execução de sentença..” (RE 215.981/RJ – 2ª Turma STF – Min. NÉRI DA SILVEIRA – Julgamento: 08/04/2002 - D.J. 31/05/2002)
A Ministra Cármen Lúcia, corroborando com o entendimento dos Julgados acima, entendeu ser o Estado Responsável Objetivamente em caso morte de detento em estabelecimento prisional conforme decisão de Agravo in verbis:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. MORTE DE DETENTO EM ESTABELECIMENTO PRISIONAL. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. Impossibilidade do reexame das provas contidas nos autos na via extraordinária. Incidência da Súmula 279 do Supremo Tribunal Federal. 2. Morte de detento em estabelecimento prisional. Responsabilidade civil objetiva do Estado configurada. Precedentes. 3. Proibição constitucional de vinculação de qualquer vantagem ao salário mínimo. Impossibilidade da modificação da base de cálculo por decisão judicial: Súmula Vinculante n. 4.(AI 603865 AgR, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 11/11/2008, DJe-025 DIVULG 05-02-2009 PUBLIC 06-02-2009 EMENT VOL-02347-15 PP-03016)
O Poder Público é responsável pela incolumidade física do preso que está sob sua custódia, incumbindo a seus agentes a vigilância e o zelo pela vida e integridade dos detentos privados de sua liberdade e, consequência, impossibilitados de defenderem, qualquer falha na prevenção e vigilância (culpa in vigilando e incustodiendo), inseja reparação pelo dano causado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
3-.GONÇALVES, Carlos Roberto – Responsabilidade Civil– 11ª Edição – Editora Saraiva – SP – 2009 p. 11
5-STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999
[1]- VENOSA, Sílvio de Salvo – Direito Civil Vol. 04 Responsabilidade Civil– 8ª Ed° – Editora Atlas– RJ – 2008 p. 23
7-.GONÇALVES, Carlos Roberto – Responsabilidade Civil– 11ª Edição – Editora Saraiva – SP – 2009 p. 23
9 - FILHO, Sérgio Cavalieri– Programa de Responsabilidade Civil– 6ª Ed° – Editora Melhoramentos – SP – 2005 p. 96
10- FILHO, Sérgio Cavalieri– Programa de Responsabilidade Civil– 6ª Edº – Editora Melhoramentos – SP – 2005 p.
14 - RODRIGUES, Sílvio – Direito Civil, v. 4. Responsabilidade Civil – 20ª ed. - São Paulo: Saraiva, 2003.pg 186.
15– MEIRELLES, Hely Lopes – Direito Administrativo Brasileiro– 37ª Ed. – São Paulo – Editora Malheiros, 2010.
17- MELLO, Celso Antônio Bandeira – Curso de Direito Administrativo, 13ª ed., Editora Malheiros, 2001
19 - FILHO, Sérgio Cavalieri – Programa de Responsabilidade Civil –8ª ed., São Paulo: Atlas, 2008, pp. 232 e 251
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